sábado, 13 de dezembro de 2025


13 de Dezembro de 2025
COM A PALAVRA

Vanessa Soares Maurente - Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS

"A maioria das IAs que se usa hoje não tem reconhecimento científico"

A inteligência artificial (IA) está em diversas áreas e não é diferente na saúde mental. Isso pode trazer muitos riscos, conforme alerta a professora Vanessa Soares Maurente. Em entrevista a Zero Hora, ela explica como ferramentas de IA vêm sendo incorporadas na rotina de profissionais da psicologia e quais os potenciais impactos dessa prática.

Sofia Lungui - Como a tecnologia vem transformando os cuidados com a saúde mental?

A tecnologia vem produzindo subjetividade, formas de viver e pensar e políticas cognitivas. Elas não são só ferramentas que a gente usa no nosso cotidiano, são ferramentas que modificam a nossa forma de ser sujeito. E, nesse sentido, elas modificam a nossa forma de se relacionar com o mundo. Estamos vendo o surgimento de inúmeros aplicativos de saúde mental, assim como IAs terapeutas e de diagnóstico, por exemplo. 

A gente teve, após a pandemia, aumento de 400% nas consultas psicológicas online. A partir disso, o Conselho Federal de Psicologia precisou repensar as relações com as tecnologias. Na minha pesquisa, estudo as relações entre sujeitos e tecnologia, e como as tecnologias produzem subjetividade. A gente estuda como a tecnologia produz padrões e reproduz discursos hegemônicos, e como isso produz modos de viver e de sofrimento.

Como você estuda esses processos?

A gente tem trabalhado em dois projetos dentro do Núcleo de Ecologias e Políticas Cognitivas, Tecnopolíticas dos Afetos e Digitalização das Práticas Psis, que é justamente para entender esse uso de plataformas digitais, tanto pra consultas online com terapeutas humanos, quanto a multiplicação de aplicativos de saúde mental.

De que modo a IA vem sendo usada no que tange a saúde mental?

Podemos citar cinco tipos de IAs que se propõem a atuar no campo da saúde mental. Temos a IA de apoio no diagnóstico, por exemplo. Através de APIs (interfaces de programação de aplicações) associadas a aplicativos no celular, essas ferramentas fazem o rastreio de tom de voz, mudanças em padrões de mensagens, mudanças em publicações de redes sociais. 

Ela analisa se você diminui a frequência de ligações, se tem feito compras demais, se você tem ficado mais isolado, por exemplo, tudo pelo celular do paciente. E, a partir disso, pode identificar padrões e auxiliar no diagnóstico. E tem as IAs terapeutas, que é o uso mais frequente, por meio de chatbots que costumam ter como justificativa atender pacientes crônicos, que estão há muito tempo internados em um hospital e não têm acesso à psicoterapia. A principal delas era a Woebot, é a única que teve validação científica, mas foi descontinuada. Uma terceira forma seria o acompanhamento do paciente entre as sessões. 

Além de ser terapeuta, a IA pode acompanhar um paciente com alguma fobia, por exemplo. Tem também a questão da realidade virtual associada à IA. Nesse caso, a IA é usada para expor o paciente a situações e cenários controlados, como uma fobia específica, como pacientes com estresse pós-traumático, sempre acompanhado por um humano. E, por último, a IA pode ser usada em contextos corporativos como um benefício. Assim como tem plano odontológico, plano de saúde, algumas empresas dão acesso a IAs terapeutas para os colaboradores.

Como você enxerga esses usos das ferramentas de IA na saúde mental?

A maioria das pesquisas sobre isso demonstram que, em situações controladas, as IAs voltadas para a saúde mental têm resultados satisfatórios, mas em situações reais esse resultado não é tão satisfatório. Alguns artigos também falam na necessidade de validação desses instrumentos, porque são modelos que são feitos fora do nosso contexto, por pessoas brancas, privilegiadas, do norte global.

Por que fora de contexto?

Elas não são treinadas a partir do nosso contexto, e isso torna as ferramentas muito limitadas. Tem outro estudo que analisou 54 plataformas de IA focadas em saúde mental que mostra que 89% delas vendiam os dados de saúde mental dos usuários para outras empresas por até US$ 15. Outra pesquisa mostrou que apenas 23% das IAs usadas em saúde mental passaram por ensaio clínico randomizado. Então, a maioria das IAs que se usa hoje não tem reconhecimento científico. 

E oferecer isso como um benefício no ambiente corporativo demonstra que, no nosso tempo, a saúde mental virou um luxo, virou uma meta. É o ápice do individualismo e imediatismo. O sujeito pode comprar a saúde mental se quiser, e não custa caro. Os modelos de IA correspondem muito às expectativas do nosso tempo, de ter alguém disponível a qualquer momento, de poder levar o terapeuta no bolso, de não precisar entrar nessa relação terapêutica, que é muito mais difícil de se constituir do que conversar com um chatbot.

Quais riscos e impactos isso pode trazer à saúde mental das pessoas?

Existem muitos riscos em relação a isso. O primeiro deles é a simplificação e automatização da relação terapêutica. A relação do paciente com o terapeuta é uma relação de vínculo, de responsabilidades compartilhadas. O paciente precisa imaginar quem é esse terapeuta, ele precisa imaginar a vida do terapeuta, precisa decidir se vai ou não na terapia naquele dia. E o terapeuta precisa poder silenciar, que é algo que a IA não faz. O segundo risco é em relação ao uso de dados privados, dados sensíveis. Além disso, as IAs correm o risco de produzir uma sociedade individualista, com sujeitos que compreendam que a causa do sofrimento deles é individual.

Pode dar um exemplo?

Podemos pegar o exemplo do racismo. Muitas vezes, as IAs deixam de detectar depressão em homens negros, por exemplo, porque elas são treinadas com base em uma população branca privilegiada e colocam a causa da depressão em situações pessoais do sujeito, e não compreendem as razões do sofrimento psíquico de pessoas negras. A IA não identifica o sofrimento produzido por uma sociedade racista. Tivemos outras questões graves já conhecidas, como chatbots que contribuíram em casos de suicídio.

A tecnologia pode ser uma aliada? Como seria um uso responsável da IA nessa área?

Eu acredito que a tecnologia tem muito potencial, mas não da forma como está sendo produzida. O que eu acho complicado é a gente pensar que esses modelos estão preocupados com a nossa saúde mental. Eles estão preocupados com lucro, com extração de dados. Não podemos achar que a IA vai substituir um psicólogo, ou um psiquiatra, a IA não pode substituir as relações humanas. Podemos pensar em uma IA que seja treinada com diferentes saberes, como ferramentas que possam ajudar a contar outras histórias. Mas, para isso, teríamos que criar IAs com software livre, de código aberto, abordando conhecimentos locais. Teria que ter toda uma construção responsável, de modo a produzir relações menos violentas na nossa sociedade. 



13 de Dezembro de 2025AN
ANRESSA XAVIER

Quatro por dia

Você pode me achar repetitiva, e serei mesmo. Os casos de feminicídio têm me tirado a paz. Ver as imagens da covardia de homens batendo e matando mulheres é como levar um soco junto com a vítima. É como estar no elevador em que Alex Santos espancou a namorada, no Morumbi, em São Paulo e a levou até o décimo andar. De lá ele atirou a jovem de 25 anos. Ele também chorou agarrado ao caixão. Levou flores ao túmulo antes de ser descoberto e preso. Também em um elevador, dessa vez de um prédio na zona sul do Rio, um turista americano deu socos na namorada. Assim como naquele caso emblemático de meses atrás, no Rio Grande do Norte, em que um troglodita deu 60 murros na namorada.

As câmeras já não inibem. Eles já perderam o medo da punição. Apenas enxergam um pedaço de carne do qual pensam que são proprietários. Depois lamentam, choram, dizem que não queriam ter feito o que de pior fizeram. O Congresso, a cada caso rumoroso, discute mais medidas. A sociedade quer vê-los presos. Tudo isso é legítimo. Avançaremos, no entanto, quando conseguirmos evitar as mortes e não apenas chorar por elas.

Antes do tapa, vem uma série de sinais. O soco é o ato que vem após as ameaças e palavras de desdém. O aperto no braço é um passo além do xingamento e da humilhação. Envolvida, a mulher deixa de notar o que olhando de fora é óbvio. Não percebe que a amiga que ele disse que é invejosa na verdade já entendeu o jogo dele e tentou alertar. Deixa de ver que a família poderia ajudá-la, e que não deveria se afastar de quem ama nem de quem era antes dele aparecer. Acha que o ciúme dos amigos e da roupa é sinal de amor. Acredita quando ele diz que vai mudar. Isso tudo não é culpa dela, embora ele faça parecer que é.

Mudar esse ciclo exige atitudes e não hashtags. Dar oportunidades e salários iguais para as mesmas funções é um começo, mas trago mais sugestões aos homens. Não se calar quando receber comentários machistas no grupo de WhatsApp. Não rir da piada que deprecia mulheres. Fazer sua parte nas tarefas domésticas. Criar meninos que saibam que precisam respeitar as meninas. Dar um basta em amizades de homens que se gabam de enganar suas companheiras. Sei que não será fácil. Muitos dirão que o amigão só tem um jeito de ogro, mas na verdade é inofensivo. Que era só uma brincadeira. Que já são homens evoluídos. Que a mulher andar na rua no escuro e com roupa curta é que tem culpa. Ou que elas provocam a fúria do homem. Essas desculpas todas a gente já conhece.

Os feminicídios são a última e mais horrorosa etapa de um sofrimento que se estende por meses, anos, uma vida inteira. Pela vida dos filhos e dos pais das vítimas. Pela sociedade, que deveria gritar por socorro e não deixar que gritemos sozinhas. Não tem solução fácil e que não demande mudanças culturais. Uma mulher morre a cada seis horas no Brasil pelas mãos de alguém em quem ela confiou. _

ANDRESSA XAVIER


13 de Dezembro de 2025 
MARCELO RECH

Eu te blindo, tu me blindas

Pois é, então se rasgou a fantasia. Sem maiores escrúpulos ou pudores, o verbo da hora é blindar, mas conjugado com os pronomes de uma gramática bem brasileira: eu te blindo, tu me blindas, eles nos blindam, nós nos blindamos e por aí vai.

Primeiro, a blindagem do Executivo. A Lava-Jato e o interminável inquérito das fake news ensinaram aos presidentes que seus percalços se alojam no Supremo Tribunal Federal (STF), porque o baixo clero do Congresso se contenta em ser domesticado com emendas. Então, às favas com a nomeação de juristas renomados, como no passado, e com o critério da diversidade, como Joaquim Barbosa, algoz de Lula e do PT no Mensalão. O primeiro atributo do indicado é lealdade. Nada contra o ministro Cristiano Zanin, um dos que preservam a liturgia do cargo, por sinal, mas alguém imagina blindagem mais explícita do que nomear o próprio advogado para a Suprema Corte?

Em seguida, os parlamentos. Só a centelha de povo na rua impediu que fosse à frente a PEC da Blindagem, também conhecida como da Bandidagem, que exigia autorização prévia dos congressistas (em votação secreta!) para o STF processar um deputado.

Com o pântano das emendas começando a borbulhar, o centrão foi à luta. O PL bolsonarista era um entusiasta da ideia, relembre-se. Por quê? Não se sabe, como também não se sabe por que, com apoio de 14 dos 18 partidos, a Assembleia Legislativa do Rio revogou a prisão de seu presidente, Rodrigo Bacellar, aquele que instruiu um deputado ligado ao Comando Vermelho a deixar a picanha para trás e dar no pé antes de a Polícia Federal chegar. É uma blindagem validada pelo STF para deputados em todo o território nacional, com apoio de partidos de Norte a Sul.

Por fim, o próprio STF. A Corte vem metendo os pés pelas mãos desde que se embriagou com o título de última linha de defesa da democracia. Coube a Gilmar Mendes, adepto do matar a crítica no peito, decidir que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderia pedir o impeachment de ministros do STF. Dias depois, recuou e fechou-se um acordão com o Senado.

Mas o que é tudo isso diante do contrato de R$ 3,6 milhões mensais do Banco Master com a banca da esposa e filhos de Alexandre de Moraes e do passeio de Dias Toffoli no jatinho com o advogado de um dos diretores do banco para ver seu Palmeiras no Peru? Em mais um dia normal na Blindolândia, Toffoli transferiu todo o caso - uma bomba que estava por explodir - para seus escaninhos no STF e decretou sigilo absoluto. Na prática, uma operação abafa para alívio geral ao centro, à esquerda e à direita.

E ninguém fica ruborizado. 

MARCELO RECH


13 de Dezembro de 2025
OPINIÃO RBS

A epidemia dos golpes

Foi em especial a partir de 2020, ano da eclosão da covid-19, que o Brasil viu a irrupção de outro mal: a epidemia dos golpes, em boa medida praticados de forma virtual. O perfil dos crimes contra o patrimônio mudou. Roubos e furtos passaram a cair, enquanto os estelionatos dispararam, trazendo novos desafios para a população e órgãos de segurança pública. Para quem é vítima, além do prejuízo financeiro, o abalo emocional também é profundo, como mostrou reportagem de Letícia Mendes publicada na sexta-feira em Zero Hora, com relatos dolorosos de quem foi iludido das mais diversas formas, com desfechos trágicos como a perda das economias de uma vida toda.

É verdade que as estatísticas mais recentes apontam para um recuo da quantidade de golpes no Rio Grande do Sul e no país, mas os números ainda são assustadores e acredita-se em alta subnotificação. A Secretaria de Segurança Pública do Estado registrou, em 2017, cerca de 20 mil casos de estelionatos. Em 2020, subiram para 67 mil, chegando ao pico, em 2022, com 95 mil. No ano passado, foram 80 mil.

As polícias passaram a dar mais atenção a esses crimes. Não há semana sem notícia de várias operações contra quadrilhas de estelionatários. Dotar as equipes de investigação de meios tecnológicos capazes de rastrear e chegar a esses bandidos é basilar. Mas não raro os envolvidos estão atrás das grades. Graças à facilidade que têm de acesso a celulares, seguem delinquindo. Passa da hora de os presídios do país terem sistemas eficientes de bloqueio de sinal de telefone e internet.

Ainda assim, o volume de tentativas de estelionatos é tão grande que talvez a maneira mais efetiva de evitá-los seja apostar na conscientização dos cidadãos. É preciso desconfiar sempre de ofertas tentadoras, dos contatos que pedem dados pessoais ou bancários, dos anúncios de prêmios ou de mensagens de alerta com solicitação para ligar para algum número ou clicar em links. Além de conhecimentos tecnológicos, os bandidos são cada vez mais persuasivos, o que é conhecido como engenharia social.

Apesar da queda recente nos boletins de ocorrência, as investidas insidiosas não param de crescer, indica um dado divulgado pela Serasa Experian em setembro. O Brasil registrou 6,9 milhões de tentativas de fraude no primeiro semestre, alta de 29,5% ante o mesmo período do ano passado. A média foi uma ocorrência a cada 2,3 segundos. A maior parte envolveu ataques a contas bancárias e cartões.

Para os criminosos, há uma série de vantagens. Não envolve risco de confronto com a polícia, é possível disparar uma quantidade enorme de tentativas em pouco tempo, os alvos podem estar a milhares de quilômetros e as penas são baixas, apesar da existência de propostas legislativas para elevar as punições.

Há ainda a leniência das plataformas digitais. Em novembro, a agência de notícias Reuters, com base em documentos internos da Meta, revelou que, em 2024, a dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp lucrou cerca de US$ 16 bilhões com anúncios de golpes e produtos proibidos, que veicula sem os devidos cuidados. Resta aos cidadãos aprenderem a se precaver. _

OPINIÃO RBS 



13 de Dezembro de 2025
ACERTO DAS TUAS CONTAS - Isadora Terra - Mariana Ribeiro

Analista de pesquisa do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec

"Se faz mal para a saúde, tem de ser regulamentado"

Consumidor verde

Mariana Ribeiro, analista de pesquisa do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) falou sobre o cenário da regulamentação de alimentos com alto teor de gordura saturada, sódio e açúcar no Brasil.

? Quais são os regramentos para propagandas de alimentos prejudiciais à saúde no Brasil?

Não temos nada específico sobre restrição da publicidade de ultraprocessados, por exemplo. Há regras para bebidas alcoólicas ou tabaco, mas, quando entramos no mundo da alimentação, não temos essa especificidade. Apesar do Guia Alimentar para a População Brasileira recomendar que sejam evitados e uma grande quantidade de evidências científicas associando a prejuízo à saúde, não há nada que proteja o consumidor deste tipo de propaganda.

E sobre promoções que incentivam a comprar alimentos de baixa qualidade nutricional em grandes quantidades?

Também não tem. O que a gente tem em específico é a questão da venda casada. Brindes, colecionáveis. Isso já não é mais permitido. Mas a propaganda, desconto de ultraprocessados, não tem nenhuma norma específica.

O que precisa ser feito?

Precisamos de uma lei que proíba a publicidade de ultraprocessados. Hoje, a maior parte das propagandas são desse tipo de alimento, uma vez que são produtos que precisam vender muito. Utilizam de diversas estratégias, como excesso de cores, vídeos chamativos, direcionamento para o público infantil com a utilização de linguagem e personagens que estão no universo infantil. Mesmo que isso seja proibido pela resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, ainda acontece muito.

Ainda há pouca discussão sobre isso no Brasil.

Sim, e foi por isso que criamos o Observatório de Publicidade de Alimentos, uma plataforma com informações sobre publicidade abusiva e enganosa onde também é possível fazer denúncias. Em alguns casos, o Idec encaminha para os órgãos competentes. O que sempre falamos é "se faz mal para a saúde, deve ser regulamentado". Seria muito importante ter normas mais robustas e mais fortes no nosso país quando se trata de produtos que fazem mal à saúde. _

Alívio no preço do tomate

Depois de ultrapassar os R$ 10 e rondar os R$ 8 nos últimos três meses, o preço médio do quilo do tomate atingiu, em novembro, o menor patamar desde fevereiro deste ano em Porto Alegre. A marca foi de R$ 6,39. É uma redução de 27,39% em relação ao mês anterior.

Foi a maior queda entre todos os alimentos da cesta básica na Capital, segundo o monitoramento mensal do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Leite integral (-7,27%), arroz agulhinha (-6,50%) e manteiga (-3,51%) também registraram redução no preço médio na comparação com outubro. Por outro lado, óleo de soja (1,51%), pão francês (0,73%) e batata (0,72%) tiveram aumento.

Já no acumulado dos últimos 12 meses, café em pó (65,91%) e carne bovina de primeira (12,35%) atingiram as maiores altas. Batata (-41,59%) e a dupla arroz e feijão-preto (-29,76% e -38,77%, respectivamente) foram os que mais caíram nesse período. _

Ouça neste domingo, às 7h da manhã, a entrevista do programa "Acerto de Contas" com o professor de Economia da PUCRS Ely José de Mattos sobre o avanço do projeto que acaba com a escala 6x1 no Congresso Nacional. A votação foi simbólica, e a PEC seguirá para análise do plenário da Casa.

ACERTO DAS TUAS CONTAS

13 de Dezembro de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Leite é cobrado a se apresentar como opção para o Planalto

Em meio ao impasse causado no centro pela candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL) a presidente, renasceu entre adeptos da social- democracia um movimento para colocar o governador Eduardo Leite (PSD) no jogo. Nesse grupo estão pessoas ligadas ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, líderes do movimento Derrubando Muros, empresários e até integrantes do PSD que não querem ficar sem alternativa se o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) não for candidato.

No início da semana, quando esteve no Rio de Janeiro para uma palestra na Casa das Garças, a convite do Instituto de Estudos de Política Econômica, Leite foi instado a se apresentar como concorrente, para ocupar o vazio deixado pela falta de um nome sem ligação com o lulismo e o bolsonarismo. Na plateia, estavam figuras como Pérsio Arida, Armínio Fraga, Pedro Malan, Gustavo Franco, Edemar Bacha, Paulo Hartung e Elena Landau.

Depois do debate sobre desenvolvimento, Leite foi jantar na casa de Bacha com Hartung, Malan e o ex-secretário da Fazenda Aod Cunha.

Arida foi o primeiro a se manifestar. Disse que Leite era o candidato que a maioria dos presentes queria ver viabilizado. Ex-governador do Espírito Santo e hoje companheiro de partido de Leite, Hartung foi um dos mais enfáticos, dizendo que o gaúcho não pode se encolher.

O governador disse que sempre esteve à disposição do PSD, mas conhece a posição de Gilberto Kassab, que ainda tem esperança de ver Tarcísio candidato. Kassab também já disse que, se Tarcísio não concorrer a presidente, a segunda cartada é o governador do Paraná, Ratinho Júnior. Leite seria a terceira opção.

"Opção moderna"

Em outra frente, o deputado Roberto Freire (Cidadania-PE) tem usado as redes sociais para defender a candidatura de Leite como "uma opção moderna para o Brasil do século 21".

- Quando Kassab convidou o Cidadania para formar uma federação com o PSD, eu disse a ele que nossa única condição seria ter Eduardo Leite como candidato a presidente - contou Freire à coluna. _

Continuidade, a palavra-chave que transformou Medellín, na Colômbia

Acostumado a ciceronear comitivas de prefeitos brasileiros que vão a Medellín, na Colômbia, em busca de receita para a transformação de cidades, o cientista político Jean Tromme magnetizou a plateia do Granpal Summit, na sexta-feira, em Porto Alegre. Belga de nascimento, ele acompanhou a transformação de Medellín, de cidade mais violenta do mundo a exemplo de inovação urbana e social em três décadas.

Ao Gaúcha Atualidade, Jean disse que não há fórmula mágica, mas um trabalho contínuo que não sofre interrupção com as trocas de governo - lá não existe reeleição, mas o prefeito eleito não ousa mexer no que está dando certo.

- Para nós, os recursos públicos são sagrados. Cada centavo tem de ser investido na população. Não toleramos a corrupção - disse o cientista político, que é também administrador.

Em outro momento, explicou que as autoridades de Medellín foram buscar iniciativas bem-sucedidas em outros países e adaptaram-nas à realidade de uma cidade montanhosa, que não tem praia e afugentava turistas pela violência:

- Pegamos os bondinhos das estações de esqui e tropicalizamos para atender às necessidades de mobilidade das pessoas. Pusemos escadas rolantes ao ar livre para facilitar o deslocamento de quem vive nas periferias. Investimentos em educação, cultura e esporte, para capturar os jovens e fomentar a inovação. Não foi uma coisa isolada. _

Em Porto Alegre, Nikolas pede apoio dos empresários à direita

Convidado pela Fecomércio para uma palestra-almoço sobre comunicação na sexta-feira, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) começou dizendo que evitaria falar de política, mas acabou fazendo um apelo aos empresários gaúchos para que apoiem as candidaturas da direita em 2026.

Nikolas afirmou que o Brasil "está em uma guerra" e por isso sugere que os empresários façam "sacrifícios":

- Óbvio que vão te perseguir (se doar dinheiro para campanha). Você não entendeu que estamos numa guerra? Ou você quer ir para uma guerra sem sacrifício? Quem disse que você veio a este mundo para ser feliz? _

Mais uma derrota para a coleção de Eduardo Bolsonaro

Se pensasse com o cérebro, e não com o fígado, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) não estaria acumulando derrotas em seu sonho americano às avessas. Nos nove meses em que está nos EUA, Eduardo gestou fracasso atrás de fracasso. Mitômano, achou que o presidente da maior economia do mundo daria mais atenção às fantasias dele do que aos interesses dos americanos. Comemorou cedo demais o resultado de suas conspirações contra o Brasil e deu com os burros n?água.

A coleção de fracassos começou quando Trump disse na ONU que teve "uma química excelente" com Lula. Depois veio o encontro na Malásia, a revogação de parte das tarifas e, por fim, a exclusão de Alexandre de Moraes da Lei Magnitsky.

Como queimou as pontes, Eduardo agora não tem como voltar para o Brasil. Por excesso de faltas, vai perder o mandato. Não se sabe como vai se sustentar em solo americano. E ainda perdeu para o irmão mais velho a condição de candidato preferencial da família Bolsonaro. 

Bônus garantido

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que juízes e juízas federais têm o direito de receber gratificação extra mesmo quando estiverem em licença-maternidade, paternidade ou por adoção. A Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição é paga aos magistrados que acumulam trabalho ou lidam com grande volume de processos. Até então, o pagamento ficava suspenso durante as licenças. _

A nova diretoria da Associação dos Procuradores do Estado (Apergs) tomará posse para o biênio 2026-2027 em solenidade na segunda-feira. A entidade será presidida pela procuradora Patricia Bernardi Dall?Acqua.

POLÍTICA E PODER

sábado, 6 de dezembro de 2025


06 de Dezembro de 2025
MARTHA MEDEIROS

Que dia da semana é hoje?

Pessoas muito idosas não têm essa bênção de apenas 20 segundos de desconexão. "Que dia é hoje?", perguntam a si mesmos ao acordar, e a angústia da desinformação se prolonga. O que tenho mesmo que fazer? Alguém chegará? É uma torturante sensação de abandono. O que vai ser de mim sem poder confiar em mim? Por isso, precisam estar sempre acompanhadas por familiares ou cuidadores que as devolvam ao seu eixo central, situando-as no tempo e espaço, mesmo que isso leve algumas horas. Dependendo do comprometimento neurológico, os ponteiros do relógio avançam e a segurança não vem. Sorte dos idosos que conseguem relaxar e entregar-se a quem zela por eles. Os ansiosos se desesperam.

Neste exato momento, são 9h30 de um sábado ensolarado, vou escrever mais um pouco e depois almoçar com minha mãe no restaurante preferido dela, onde ela pede sempre a mesma coisa e damos as mesmas risadas. À tarde tentarei terminar este texto, mas o mais provável é que eu o deixe pela metade e vá jogar conversa fora com minha filha, que não mora no Brasil e veio nos visitar. É sábado, como já disse. Posso terminar o texto amanhã. Não me importo de transformar o domingo em um valoroso dia útil.

Afinal, é bom ou é ruim desconsiderar o dia da semana em que se está?

Quando é minha vez de visitar esta filha, aterrisso no país em que ela mora e, automaticamente, as quintas-feiras, as sextas, as segundas deixam de existir. Todos os dias são sábados, e cada sábado é diferente do outro. O espírito do dia é que me conduz. Não há uma rotina ordenando o que devo ou não devo fazer, não existe a rigidez do horário em que devo sair da cama. Os compromissos são outros - um brunch com um amigo, visitar um museu, pedalar pela cidade. 

A urgência é pelo encantamento com a vida, e não com a sina da sobrevivência. Que diferença faz qual é o dia da semana para quem está flanando em Paris? Às vezes, os melhores fins de semana caem numa terça-feira, como já disse a escritora Leila Ferreira. Viagens: em contraponto à nossa rotina repetitiva, elas funcionam, metaforicamente, como os 20 segundos sagrados em que não pertencemos a nenhuma engrenagem, somente ao comando da alma.

Do que concluo: ando pensando demais. Hora de fazer as malas. 

MARTHA MEDEIROS


A Reuters é uma das agências de notícias mais respeitadas no mundo. Segundo o jornalista, "no final do ano passado documentos internos projetaram que 10% do faturamento anual se deve à divulgação de propagandas, de itens proibidos e de golpes". Esses 10% correspondem a estratosféricos US$ 16 bilhões.

Os documentos revisados pela Reuters mostraram que a Meta deixou de identificar e de apagar uma avalanche de anúncios fraudulentos que expõem bilhões de usuários a esquemas criminosos de investimentos financeiros, cassinos online ilegais e à venda de remédios falsos.

Em relação aos crimes contra a saúde pública brasileira cometidos em parceria com a Meta, quadrilhas de estelionatários se apropriaram de minha imagem com tanta facilidade que chegaram a colocar à venda um curso na internet para interessados em aprender a falsificar minha voz por inteligência artificial, com a finalidade de vender tratamentos falsos. Uma matéria publicada no Uol pela jornalista Isabela Aleixo mostrou que os vigaristas tinham mais de 600 alunos matriculados.

Como já expliquei nesta coluna, fiz uma denúncia ao Ministério Público de São Paulo e pedi os préstimos do escritório de advocacia Bottini e Tamasauskas na tentativa de descobrir quem são esses meliantes. É tarefa inglória, porque a Meta se recusa a identificá-los e a legislação brasileira ainda não está preparada para enquadrá-la em nosso código penal.

Enquanto isso, milhares de pessoas ingênuas caem em golpes que as fazem comprar comprimidos de conteúdo desconhecido que apregoam curar diabetes, dor nas costas, neuropatias periféricas ou hipertensão, além de uma infinidade de suplementos alimentares inúteis e do abecedário completo de vitaminas.

A matéria da Reuters continua: "Muitas dessas fraudes partem de anunciantes suficientemente suspeitos para serem detectados pelos sistemas internos de segurança da Meta. Mas a companhia só os proíbe quando seus sistemas automatizados estimam em pelo menos 95%, o grau de certeza de que se trata de fraude".

E, mais grave: quando o usuário da rede clica numa dessas propagandas-golpe, passa a receber outras da mesma espécie, graças à aplicação dos algoritmos personalizados que se baseiam nos interesses do usuário. É um esquema armado para otimizar os lucros da empresa em sociedade com golpistas para tomar dinheiro de pessoas de boa fé.

O repórter entrevistou Sandeep Abraham, que trabalhou na Meta como investigador de segurança: "Se os legisladores não toleram que os bancos lucrem com fraudes, não deveriam tolerá-las na área da tecnologia".

Anos atrás, quando começaram a aparecer os vídeos fake usando minha imagem, tentei inúmeras vezes pedir que os tirassem do ar. Santa inocência, imaginei que tratava com gente honesta e bem intencionada. Nas raríssimas vezes em que se dignavam a responder, uma mensagem automática dizia que o vídeo obedecia às regras estabelecidas pela plataforma. Nunca derrubaram uma propaganda falsa sequer.

Na investigação da Reuters, Jeff Horowitz afirma que um documento de 2003 indica que a Meta estava ignorando a vasta maioria das queixas contra golpes: "Os funcionários da área de segurança da empresa estimavam que naquele ano os usuários do Instagram e do Facebook tenham documentado cerca de 100 mil propagandas falsas e tentativas de golpe, por semana. A Meta ignorou ou rejeitou incorretamente 96% deles".

Você poderá pensar: com tantos vídeos que chegam até eles todos os dias, deve ser impossível separar o joio do trigo. Há mais de 10 anos, tenho um canal com mais de 4 milhões de inscritos no YouTube. De acordo com o ChatGPT, as estimativas mais confiáveis são de que o YouTube publique de 2,5 milhões a 3 milhões de vídeos por dia. Nunca vi uma propaganda falsa em meu nome. Por duas ou três vezes nesses anos todos, comunicamos alguma incorreção que foi imediatamente retirada.

Se a tecnologia do YouTube consegue identificar e eliminar golpes com tamanha eficiência, por que o mesmo não acontece com o Instagram e o Facebook? A resposta está nos US$ 16 bilhões anuais que a plataforma fatura com eles. 

Drauzio Varella 


06 de Dezembro de 2025
J.J. CAMARGO

A credencial de permanência só será concedida aos que preservaram intacta a autocrítica e, desapegados de compromissos e obrigações, ainda sejam capazes de pensar por conta própria. Se o foco central do relato é a delação, a análise das características pessoais dos delatores exige uma independência de sentimentos que não existirá se o leitor estiver emocionalmente comprometido ou, pior ainda, na condição degradante de materialmente devedor.

A queixa habitual de que foram abandonados pelos seus superiores em um momento crítico de suas vidas deve ser ignorada, porque serve menos como justificativa e mais como evidência de fraqueza ou covardia. A traição deliberada dos antigos parceiros, que ingenuamente lhes confiaram segredos em nome de uma amizade superestimada, já seria desprezível, mesmo antes do descaramento de assumir a intenção explícita de salvar a própria pele.

A política brasileira, com a sua inesgotável capacidade de parir tipos nefastos, se excedeu ao produzir, nas últimas décadas, duas dessas tristes figuras, oriundas de facções diferentes, mas com a mesma pobreza de caráter. Nos dois casos, o estrago inicial foi devastador, ainda que os desfechos a longo prazo tenham sido diferentes, por conta dessa característica da justiça em países subdesenvolvidos: não há entre os nossos juízes o constrangimento de tratar a Carta Magna como uma extensão de sua própria vontade, adequando-a, monocraticamente, à conveniência momentânea.

O caso mais antigo envolveu o delator em um esquema de corrupção sem precedentes na bem ranqueada política brasileira, e, segundo seus adversários propagaram, tratou-se do maior escândalo envolvendo um governo ao longo da história. Provavelmente houve algum exagero, dada a nossa obsessão de sermos campeões mundiais em alguma coisa, especialmente depois que o orgulho pelo nosso futebol minguou.

De qualquer maneira, houve devolução dos milhões retidos, e recentemente foi replicada uma prática inusitada, introduzida no nosso país com grande sucesso: a descondenação, com anulação de todas as penas. E por quê? Porque sim. No caso mais recente, as acusações eram originais e sem denúncia de roubo, como já estávamos acostumados, não havia o que devolver. E a pena foi amenizada correspondendo ao prometido durante os interrogatórios plenos de humanismo e enriquecida por um item jocoso: o condenado não pode manter contato com os delatados! E a troco de quê manteria?

A semelhança nos dois casos fica por conta da verdadeira pena: o ostracismo, espontaneamente imposto pela vergonha da traição. E com seu algoz indefectível: o espelho. _

J.J. CAMARGO

06 de Dezembro de 2025
PARA VER - Ticiano Osório

O filme "Bugonia" (2025), em cartaz nos cinemas, reúne três nomes que já viraram figurinhas carimbadas no Oscar: a atriz Emma Stone e o ator Jesse Plemons, ambos estadunidenses de 37 anos, e o diretor grego Yorgos Lanthimos, 52

Aliens e teorias da conspiração

Três nomes que já se tornaram assíduos nas cerimônias do Oscar estão reunidos em Bugonia (2025). No filme em cartaz nos cinemas de Porto Alegre, Yorgos Lanthimos dirige a atriz Emma Stone e o ator Jesse Plemons.

O grego Lanthimos é o diretor de Dente Canino (2009), que disputou o Oscar internacional. Depois, ele concorreu ao prêmio de roteiro original, por O Lagosta (2016), e recebeu duas indicações nas categorias de melhor filme, como um dos produtores, e melhor direção, por A Favorita (2018) e Pobres Criaturas (2023).

Stone ganhou duas vezes o Oscar de melhor atriz, por La La Land (2016) e Pobres Criaturas, e foi indicada como coadjuvante por Birdman (2014) e A Favorita.

Plemons só concorreu uma vez, como coadjuvante em Ataque dos Cães (2021). Mas na última década atuou em sete indicados ao Oscar de melhor filme: Ponte dos Espiões (2015), The Post: A Guerra Secreta (2017), Vice (2018), O Irlandês (2019), Judas e o Messias Negro (2020), Ataque dos Cães e Assassinos da Lua das Flores (2023).

Os três já haviam trabalhado juntos em Tipos de Gentileza (2024), que deu a Jesse Plemons o prêmio de ator no Festival de Cannes, mas foi solenemente - e merecidamente - ignorado no Oscar. O mesmo não deve - e nem deveria - acontecer com Bugonia, comédia ácida baseada em Save the Green Planet! (2003), do sul-coreano Jang Joon-hwan.

Bugonia talvez seja a obra mais acessível de Yorgos Lanthimos, cineasta célebre por provocar desconforto, choque ou perplexidade. Mas continua sendo um filme de Lanthimos: tem um olhar misantropo e um pé no bizarro, combina senso de humor com pessimismo, crueldade e violência, examina e ridiculariza as dinâmicas e as figuras de poder.

Emma Stone encarna Michelle Feuer, CEO de uma grande farmacêutica. Capas de revistas mostram que Michelle é uma estrela do mundo dos executivos. Já no trabalho, é o pavor da área de RH. Na empresa, em nome do suposto bem-estar dos empregados, ela estabelece que todos podem ir embora às 17h30min - a não ser que estejam ocupados, tenham coisas a fazer, metas a cumprir etc. O horário de encerrar o expediente não é obrigatório: o funcionário "fica livre para decidir". O timing cômico da atriz deixa cada ponderação mais perversa.

Michelle é sequestrada pelo apicultor Teddy (Jesse Plemons) e seu primo autista, Don (vivido por Aidan Delbis, que tem autismo). Não há pedido de resgate.

Teddy acredita que Michelle é uma alienígena disfarçada, vinda do planeta Andromeda em missão maléfica. Os andromedanos estariam dizimando as abelhas, que, com seu trabalho de polinização, respondem por um terço da produção global de alimentos - "É como sexo, mas mais limpo", compara o personagem de Plemons. "Ninguém se machuca."

Os dois primos se prepararam fisicamente e "limparam o cache psíquico" para o sequestro. No cativeiro, eles cortam todo o cabelo de Michelle (Stone teve sua cabeça raspada de verdade) e besuntam seu corpo com um creme anti-histamínico, para impedi-la de enviar um sinal de socorro. Simultaneamente, Teddy exige que ela marque uma audiência com o imperador andromedano.

Não convém avançar na sinopse, mas vale dizer que há cenas perturbadoras, sobretudo quando combinadas à música de Jerskin Fendrix. Os diálogos refletem sobre o capitalismo, a polarização política e o comportamento humano - ou talvez a desumanização decorrente da ganância e do radicalismo. O enredo satiriza a tendência de nos escorarmos no chamado viés de confirmação, ou seja, buscamos e interpretamos informações que validam crenças já existentes, ignorando ou minimizando as evidências contrárias.

O filme vai ao encontro do que o pesquisador canadense Marc-André Argentino, especialista em terrorismo, extremismo violento e combate à radicalização, disse em entrevista à repórter Isabella Sander, de Zero Hora. Para ele, o movimento de extrema direita QAnon "criou uma população mais vulnerável a teorias conspiratórias" - que vão de "eleições roubadas" à associação entre o uso de Tylenol e o autismo. "É qualquer narrativa que reforce sua visão de mundo", resumiu.

Quando Don pergunta ao primo se ele tem certeza de que Michelle é uma E.T., Teddy responde: "Os sinais estão claros. Mas você só nota se estiver procurando". O apicultor também prefere achar um único culpado para os seus problemas e os do mundo, desconsiderando - de propósito ou por visão obtusa - que quase sempre as razões são multifatoriais. Não à toa, a certa altura Michelle dá-se por vencida em um debate natimorto como muitos que ocorrem nas redes sociais: "Não posso mudar sua opinião". 

PARA VER

06 de Dezembro de 2025
DIVERSÃO E ARTE

DIVERSÃO E ARTE

Música

Esteban apresenta carreira solo

Ex-baixista da banda Fresno (à dir.), Esteban faz show que une influências da música latina e do rock norte-americano, domingo, às 20h30min, no Bar Opinião. Ingressos via plataforma Sympla.

Literatura - Lançamento e contação de histórias

Beta Simon (à dir.) participa, sábado, às 12h30min, da ação BPE + Cultura, em frente à Biblioteca Pública do Estado. Na ocasião, ocorre o lançamento de seu novo livro. Entrada franca.

Adaptação - Releitura de clássico dos Irmãos Grimm

O Teatro Simões Lopes Neto, no Multipalco Eva Sopher, recebe a peça João e Maria, sábado e domingo, às 18h. Os ingressos estão disponíveis em theatrosaopedro.rs.gov.br.

Família Ramil revisita clássicos

Show - Quando: domingo, às 20h

Onde: no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), na Capital

Kleiton, Kledir, Vitor, Ian, Gutcha, Thiago e João Ramil retornam com o projeto Casa Ramil ao palco do Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, neste domingo, às 20h.

No repertório, interpretam suas próprias composições, como Deu pra ti, Estrela, Estrela, Artigo 5º, Amora, Vira Virou e Deixando o pago.

Os ingressos estão disponíveis a partir de R$ 120 (meia- entrada), R$ 130 (solidário) e R$ 240 (inteiro), via plataforma Sympla, com taxas. _

Teatro

Versão moderna de clássico infantil

? Está em cartaz no domingo, às 19h, o espetáculo Alice no País das Maravilhas no Teatro de Câmara Túlio Piva (Rua da República, 575), na Capital. A adaptação é do Ciaquê Centro de Sapateado, escola e produtora especializado em sapateado. Ingressos a R$ 70 (meia-entrada) e R$ 140 (inteiro), via plataforma Sympla, com taxas. _

Evento - Roda de samba ao pôr do sol

? A Fundação Iberê (Av. Padre Cacique, 2.000) e o Café Iberê, na Capital, celebram o fim de 2025 com uma roda de samba ao pôr do sol neste domingo, a partir das 17h30min. Quem comanda a apresentação é a cantora Rê Adegas, com um repertório dedicado a grandes nomes do samba, como Cartola, Dona Ivone Lara e Jorge Aragão. Entrada franca. 

sábado, 22 de novembro de 2025


22 de Novembro de 2025
DRAUZIO VARELLA

O STF e os aditivos saborizantes no cigarro

Misturar ao fumo produtos químicos com gosto de chocolate, sorvete de creme, framboesa e outros sabores ao gosto da criançada é perversidade inominável. Lidar com vendedores de drogas ilícitas é tarefa complexa, como demonstraram os acontecimentos recentes no Rio de Janeiro. Enquanto houver dependentes químicos dispostos a qualquer sacrifício para comprá-las, existirão traficantes decididos a correr riscos para vendê-las.

O mesmo acontece no comércio das drogas lícitas. O caso dos vendedores de nicotina, droga causadora de uma das dependências mais avassaladoras, é semelhante. A diferença é que os primeiros ficam sujeitos à repressão policial e às masmorras que chamamos de presídios, em nosso país, enquanto os outros podem andar de terno e gravata e fazer propaganda com liberalidade, para viciar nossas crianças e adolescentes.

Quando fiz 17 anos, acendi o primeiro cigarro e cai nas garras dos fornecedores, dependência química que me subjugou por 19 anos, no ritmo de um maço por dia.

Por ridículo que possa parecer, naquele tempo começávamos a fumar sem saber sequer que fazia mal. Éramos estúpidos? Talvez, mas a indústria tabaqueira é quem dava as cartas nos meios de comunicação de massa. Pobre do jornal, da revista, da estação de rádio ou de TV que ousasse publicar ou levar ao ar uma notícia ou entrevista que explicasse a relação causal entre fumo, câncer, ataques cardíacos, AVCs e outras doenças graves. A insubordinação era punida com o corte imediato das verbas publicitárias.

A peso de ouro, as propagandas exibiam mulheres encantadoras em poses sensuais, jovens praticando esportes e homens na maturidade em iates ou cavalgando corcéis fogosos. As marcas eram associadas ao sucesso, à liberdade, à força física e à saúde. Graças a essa estratégia perversa, viciaram em nicotina milhões de crianças e adolescentes em nosso país. Cerca de 90% dos usuários tinham menos de 18 anos (proporção que se mantém até hoje). Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o tabagismo como doença pediátrica.

Em combinação com essas armadilhas, os fabricantes implantaram a estratégia de acrescentar aditivos ao fumo, para disfarçar o sabor aversivo da fumaça. Misturar ao fumo produtos químicos com gosto de chocolate, sorvete de creme, framboesa e outros sabores ao gosto da criançada - além do mentol para trazer sensação de frescor à garganta irritada pela fumaça - é perversidade inominável.

As quantidades desses aditivos em cada cigarro são altas. Faltam estudos para avaliar os subprodutos resultantes de sua combustão. Alguns deles têm atividade carcinogênica documentada em sistemas experimentais. Certamente, fumar cigarros com aditivos é ainda mais perigoso.

Em 2012, com base numa infinidade de evidências científicas, a Anvisa proibiu o uso de saborizantes nos produtos de tabaco. Desde então, a aplicação dessa norma da agência tem sido adiada por conta de ações judiciais movidas pela indústria do fumo e seus asseclas. Atualmente, mais de 40 delas tramitam na Justiça, numa demonstração clara da participação dos fabricantes. A consequência do esforço para impedir que a norma da Anvisa seja obedecida foi o registro de mais de 1,1 mil produtos de tabaco com aditivos para serem comercializados no mercado brasileiro.

Esse absurdo foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), instância em que o ministro Cristiano Zanin pediu vistas do processo, há alguns meses. Como o prazo para a devolução está para se esgotar, o julgamento será retomado.

Duvido que haja uma só leitora ou leitor da coluna de hoje que aprove um crime desses, cometido contra nossas crianças e nossos adolescentes com a única finalidade de torná-los dependentes químicos de uma droga legalizada que lhes trará sofrimentos pelo resto da vida e morte precoce. Os estudos mostram que o cigarro encurta em média 10 anos a vida de uma mulher, e 12 anos a de um homem.

Em 37 anos de convívio com usuários de crack nas cadeias de São Paulo, aprendi que é mais difícil largar do cigarro do que do crack. Em 50 anos tratando de pacientes com câncer, cansei de ver gente esclarecida morrer sem conseguir se livrar dessa praga. Como ex-fumante, experimentei na pele o desespero que a abstinência de nicotina provoca no dependente.

A indústria do fumo comete crimes continuados contra a saúde pública há pelo menos um século. Caberá aos ministros do Supremo decidir se vão dar cobertura a mais este. 

DRAUZIO VARELLA

22 de Novembro de 2025
J.J. CAMARGO

A figura do cuidador

Um dos pilares no trabalho de um médico é o acolhimento explícito, que gera a certeza da permanência como derradeira retaguarda. "Às vezes, o maior ato médico é simplesmente não ir embora." (Luke Fildes)

A futilidade das relações pessoais pode se expressar de várias maneiras. Em nenhuma situação ela é tão danosa como quando um dos envolvidos está fragilizado. A Maria Amélia provou um modelo cruel porque, além do descaso, ainda viveu uma terrível reversão de expectativa. E a mim sobrou a má sorte de ter indicado o algoz do seu ingênuo entusiasmo.

- Na semana passada, com uma crise de dor que não passava, estive no consultório três vezes, e ele foi um amor. Até que chegou a sexta-feira! - disse ela. - Depois de uma pausa para recompor fôlego e ânimo, ela completou: - Insegura pela demora em superar a crise, e assustada pela proximidade do fim de semana, perguntei: o senhor poderia fazer o favor de me dar o número do seu celular para alguma emergência? Ele mudou o tom de voz e, irritado, me disse: "Crises fora de hora se tratam em emergências. Que aliás, existem para isso!".

Dei um tempo em silêncio e esperei que ela anunciasse que tinha terminado o desabafo. Não tinha. Ela ainda estava com a indignação a meio pescoço:

- Enquanto aparentemente escrevia o endereço da tal emergência, ele conseguiu ser mais cruel quando disse com ar de deboche: "Quem sabe a senhora trata de melhorar para não precisar mais de nenhuma consulta?". Levantei, girei nos calcanhares e fui embora, furiosa.

O comentário final mostrou que ao menos o senso de humor estava de volta, intacto: - Caminhando a passos largos a caminho de casa, descobri que a raiva aumenta muito a força das minhas pernas.

Não tendo justificativa possível, me limitei a ouvir, esta que é última atitude solidária diante do absurdo. Tudo mais que se dissesse perdera o sentido, porque aquele olhar afiado de "esse tipo nunca mais" estava sacramentado pela violação de um dos pilares do cuidado do outro, que só completa se for incondicional: o acolhimento explícito, que gera a certeza da permanência como derradeira retaguarda.

E o cotidiano está repleto desses exemplos didáticos, em que a presença do cuidador é essencial e inadiável. Com mais ou menos glamour, mas com o mesmo significado para os envolvidos, isso ocorreu no naufrágio do Titanic com o comandante priorizando a saída dos passageiros, ou no pouso do avião avariado no Rio Hudson em Nova York, ou, bem recentemente, no incêndio bizarro em Porto Alegre de um ônibus lotado de estudantes de Vacaria, em que todos sobreviveram ilesos, porque a fuga foi orientada por um dos meninos com treinamento de bombeiro mirim. E no final da fila estava ela, a guardiã natural dos nossos filhotes, e última a sair: a professora, anônima, indefectível e silenciosa.

Sem crachá, muitas vezes fica difícil identificar esses invisíveis que circulam por aí, sem alarde, saciados pelo fascínio de cuidar do outro. 

J.J. CAMARGO

Foco

Parece coreografia de piscina de resort. Todos para a direita, todos para a esquerda. Mãos para o alto, balança a cintura, dobra a perna. O Congresso tem vivido dias de dançar conforme a música tocada nas redes sociais. Na tentativa de responder a tudo, apressa debates e, muitas vezes, os abandona com a mesma rapidez com que um story desaparece do Instagram.

Quando o youtuber Felca escancarou o que muitos se recusavam a enxergar, o holofote ficou por semanas sobre a adultização de crianças e adolescentes. O tema, antes empurrado na fila, virou pauta urgente. Projeto votado, aprovado e transformado em lei para proteger menores no ambiente digital. É positivo tirar assuntos relevantes da gaveta, mas também revela que foi preciso um maestro externo para que a priorização acontecesse.

A operação da Polícia Federal que expôs a roubalheira comandada de dentro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos últimos anos exigiu que governo e Congresso corressem atrás de informações e até de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Neste mesmo ano, a fila do INSS chegou ao maior patamar. O esforço para conter a corrupção acabou travando ainda mais a razão de existir do órgão, que há tempos não atende a população como deveria.

O vento também soprou forte sobre outro assunto urgente. Só depois de uma megaoperação policial no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, com mais de uma centena de mortos e outra de presos, o Congresso voltou a olhar para o endurecimento de penas contra facções criminosas. Foi preciso o choque das imagens e dos números para que o projeto, parado havia meses, voltasse a andar. Por outro lado, as fraudes do Banco Master e do BRB, mostradas nessa semana, ainda não geraram essa reação dos parlamentares brasileiros.

Mesmo assim, prefiro olhar o lado bom. Talvez Brasília esteja finalmente ouvindo e enxergando o que acontece fora do mundo mágico dos privilégios próprios. O Brasil precisa de uma agenda estratégica, que mire o que é prioridade agora e também o que será fundamental nos próximos anos. É necessário escutar o que a população quer e precisa, e não apenas o que viraliza no calor do momento. Não são debates de três minutos nem vídeos com milhões de visualizações que vão fazer o futuro do nosso país.

Sabemos que 2026 terá pauta única. A eleição para Câmara, Senado, Presidência, Assembleias e governos estaduais vai tomar conta de todo o debate nacional. Até lá, o desafio é que os passos dessa dança não sigam apenas o ritmo da internet, mas o ritmo real do país. _

ANDRESSA XAVIER 


22 de Novembro de 2025
EUGÊNIO ESBER

Washington, temos um problema

O relator do projeto de lei antifacção, aprovado nesta semana por ampla margem de votos na Câmara dos Deputados, não ousou enquadrar multinacionais do crime, como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, como "organizações terroristas". Não foi por falta de convicção do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), e sim porque o consórcio STF-PT é terminantemente contra, alegando - acredite se quiser - risco à soberania brasileira. A Argentina e o Paraguai, em exemplo que deve ser seguido por outras nações vizinhas, não tiveram esse receio. 

Logo que a polícia do Rio travou um confronto armado com o Comando Vermelho, que eliminou 117 e prendeu outros 121 bandidos que depuseram seus fuzis de guerra, os presidentes Santiago Peña e Javier Milei anunciaram medidas que consideram o PCC e o CV aquilo que de fato são - organizações terroristas. Com isso, reforçam medidas de controle na fronteira com o Brasil e dizem ao mundo livre que têm real interesse em contar com a cooperação internacional para não se tornarem narcoestados como a Venezuela, hoje cercada por uma impressionante força militar que recebeu de Donald Trump a missão de desalojar do poder "El Súper Bigote" Nicolás Maduro, presidente ilegítimo do país e apontado por Washington como chefe do Cartel de los Soles.

O projeto de Derrite traz avanços inegáveis para o combate aos faccionados e, principalmente, aos seus líderes, imputando-lhes um novo tipo de crime, o "domínio social estruturado". É quando a facção controla um território e impõe suas próprias regras à população local. Um quarto da população brasileira já vive sob a lei do crime e do seu bárbaro tribunal, e surpreende que só agora, meio século depois da tomada dos morros do Rio pelo tráfico e a expansão deste Estado paralelo para outros Estados e países, a lei brasileira trate objetivamente deste câncer. 

O projeto antifacção barra as saidinhas e a progressão para o regime semiaberto, isola os líderes, impõe penas de até 66 anos, monitora conversas dos presos com seus advogados, acaba com visitas íntimas e extingue o pagamento de auxílio-reclusão.

O texto deve ser desidratado no Senado, submisso a Lula. Ele próprio, no momento da sanção, poderá mutilar mais algumas partes do projeto; e, mesmo que o Congresso derrube seus vetos, restará o STF, hoje uma espécie de petismo de toga. Alguma esperança? Sim. Da Justiça dos EUA, que neste momento ouve a confissão de traficantes dos cartéis venezuelano e mexicano sobre suas conexões. Washington, que já registra a presença do CV e do PCC em boa parte do território norte-americano, virá atrás dos narcoterroristas e dos seus poderosos patrocinadores, onde quer que se abriguem.

Lá, o crime não compensa. _

EUGÊNIO ESBER

22 de Novembro de 2025
MARCELO RECH

Master escândalo no ar

Prepara a pipoca que a nova novela do Brasil real já começou. Será difícil bater uma campeã de audiência como a Lava-Jato, mas o fuzuê no Banco Master tem todos os ingredientes para despertar uma torrente de emoções capaz de reviver alguns dos melhores momentos do mar de lama que volta e meia sacode a política nacional.

Primeiro, o flagra no Master tem como personagem central um vilão clássico de Hollywood: Daniel Vorcaro, o herdeiro ganancioso que não mede atitudes para a escalada social. De jogada em jogada, ele se torna, aos 42 anos, protagonista do disputado teatro de escândalos nacionais. No passado, o papel já foi desempenhado por Marcelo Odebrecht e Eike Batista, ambos com larga experiência em celas da Polícia Federal e que hoje levam vidas discretas.

Vorcaro, não. Sua rotina de exuberâncias pode ser reconstituída aqui e ali pelas redes sociais. Em 2023, no auge da ostentação novo-riquista, ele consumiu R$ 15 milhões na festa de 15 anos da filha, em Nova Lima, perto de Belo Horizonte. Segundo jornais locais, Vorcaro pavimentou um quilômetro de rua até a mansão onde se esbaldaram 500 convidados. Para não se incomodar com os vizinhos, o nosso filantropo reservou para eles suítes em hotéis cinco estrelas de BH durante o fim de semana.

A vida pessoal de Vorcaro preencheria muitos capítulos. Suas festas, como a de um camarote na Marquês de Sapucaí neste ano, e os investimentos particulares, como o prédio do Hotel Fasano Itaim, em São Paulo, e um pedação do Atlético Mineiro, renderiam boas cenas, mas o lado pessoa física não é o eixo do script. Embora o deslumbramento de Daniel com a súbita fortuna produza narizes torcidos em banqueiros que sabem o valor do recato, a pimenta que interessa ao país é como as conexões políticas de Vorcaro postergaram a manutenção do castelo de cartas que ele havia construído.

À esquerda, à direita e ao centro, personagens políticos se revezam na proximidade com Vorcaro e seus interesses econômicos. Nesta sinopse, não cabem os nomes e as circunstâncias em que desfilarão nomes estrelados do mundo jurídico, político e empresarial ao longo do roteiro que se desenha. Alguns terão de dar muitas explicações, como o BRB e o governo do Distrito Federal, que o controla, bem como o fundo de pensão dos servidores do Rio, o RioPrevidência, e o governador Claudio Castro.

Um queria porque queria meter o pé na jaca do Master e foi barrado pelo Banco Central. O outro enfiou ali R$ 2,6 bilhões do dinheirinho dos servidores, dos quais um terço quando o banco já resfolegava. Ah, e a cena de Daniel Vorcaro sendo preso em Guarulhos prestes a embarcar em um dos seus três jatinhos terá de ser cortada. É plágio do final de Vale Tudo. Nem tudo vale. _

MARCELO RECH

22 de Novembro de 2025
PANORAMA NO RS

PANORAMA NO RS

Informalidade no Estado já atinge 1,8 milhão de trabalhadores

No Rio Grande do Sul, o desemprego atingiu o menor patamar dos últimos 13 anos. Por outro lado, atuação sem registro permanece no mesmo nível há quase uma década, cerca de 31,2% da população. Especialista aponta falta de orientação sobre processo de formalização

Em meio às movimentadas ruas de Porto Alegre, o motorista de aplicativos André Luis Silva do Nascimento, 33 anos, enfrentou um acidente de trânsito. Foi esse fato que o fez refletir sobre o desamparo da informalidade.

Há dois anos sem carteira assinada, ele encontrou nas entregas uma forma de manter as contas em dia. Entretanto, o trabalho sem registro não lhe garante acesso a benefícios sociais nem à aposentadoria por tempo de contribuição. A realidade vivida por André reflete o que enfrentam 1,8 milhão de gaúchos que atuam na informalidade.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no segundo trimestre de 2025, o desemprego no Rio Grande do Sul atingiu a menor taxa dos últimos 13 anos. Por outro lado, a taxa de informalidade permanece estável há quase uma década, cerca de 31,2% da população.

De acordo com Walter Rodrigues, coordenador da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) no Rio Grande do Sul, o número de pessoas sendo contratadas vem aumentando, o que ajuda a reduzir o desemprego. Porém, esse crescimento não acontece de forma similar em todos os setores da economia.

- Nós temos ramos da economia, como a indústria, por exemplo, onde há uma maior formalidade, mas cresce menos do que outros ramos. Já comércio e serviços têm um crescimento maior de emprego, porém a formalização é menor, enquanto a informalidade é maior. Então, os setores da economia que mais crescem são justamente aqueles onde há maior informalidade - pontua o pesquisador do IBGE.

Por isso, mesmo com a queda do desemprego, a informalidade diminui lentamente. No RS, por exemplo, 266 mil pessoas seguem desempregadas.

Reflexos

Logo após ser demitido, André começou a trabalhar 12 horas por dia como motoboy, atuando com aplicativos de entrega para sustentar a família. Sua esposa também estava desempregada.

A partir do acidente de moto, ele não teve apenas um choque físico, também sofreu um impacto psicológico. Então, reparou que deveria regularizar sua situação profissional:

- Quando sofri o acidente, me deu um estalo. Se eu me acidentar, eu não vou ter ali um recurso, algum valor, até eu poder voltar a trabalhar. Nosso serviço é perigoso, o risco de não voltar para casa é diário.

Na sua visão, parte dos trabalhadores informais não conhece ou não tem acesso a informações que os auxiliem a sair da informalidade.

O mesmo pensa a professora de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Wendy Carraro:

- Microempreendedor Individual (MEI), por exemplo, veio como uma forma de se apoiar um empreendedor, uma pessoa que trabalha de forma informal, mas tem uma "formalização". A gente pode ter mais orientações sobre isso. Precisamos educar melhor as pessoas. A informalidade acaba causando uma certa insegurança. Ao formalizar, mesmo como MEI, a pessoa tem pelo menos uma segurança.

André afirma que só conseguiu entender como se organizar financeiramente após alguns meses, já que sua renda não era mais mensal, e sim, diária.

- Essa é uma das maiores barreiras iniciais, porque tu acaba pegando dinheiro todos os dias. Tu tens que saber administrar aquele dinheiro, saber juntar, guardar, para poder pagar uma conta, uma conta maior. Foi um desafio bem grande pra mim e só agora eu estou conseguindo me organizar melhor - reflete. _

Esta reportagem foi produzida por Madu Ferreira, aluna de Jornalismo na PUCRS, que está entre os 5 vencedores da edição 2025 do projeto Primeira Pauta RBS

Economia para equilibrar as contas

Cleyton Oliveira dos Santos, 36 anos, encontrou nas sinaleiras uma forma de sustento, após ser demitido de um emprego na área da saúde. Já são mais de seis anos trabalhando como vendedor ambulante em um cruzamento da Capital.

Seu primeiro produto foi a paçoquinha. Hoje, as opções aumentaram e vão desde água mineral até aromatizantes de carro. Ele chega ao semáforo das avenidas Borges de Medeiros e Ipiranga às 6h30min e, às 10h, segue para a segunda jornada: entregador de delivery.

Nesta área, atua há um ano, quando ampliou sua jornada buscando investir no sonho de montar o próprio negócio em um ponto comercial. Técnico em Administração, Cleyton afirma que sempre soube controlar suas despesas e que, para tirar férias, o segredo é saber equilibrar:

- Eu tiro um mês. O segredo do empreendedorismo é você saber controlar o salário. Eu tenho uma logística em cima disso, sou um cara super econômico. Procuro sempre me equilibrar - conclui, enquanto espera o sinal fechar para seguir com as vendas.

Apesar da flexibilidade, da renda mais alta do que o salário mínimo e de um paralelo com o empreendedorismo, a informalidade nem sempre gera benefícios para o indivíduo e para o Estado.

Segundo a economista Wendy Carraro, o governo deixa de arrecadar impostos e contribuições previdenciárias que garantiriam direitos básicos e investimentos públicos. Por outro lado, o trabalhador perde a proteção garantida pela CLT, a contribuição ao INSS e o acesso a benefícios que só existem na formalidade.

Ela explica que, muitas vezes, a própria situação econômica leva trabalhadores e empregadores a optarem por esse tipo de vínculo, já que a formalização pode representar custos mais altos.