quarta-feira, 31 de outubro de 2007



31 de outubro de 2007
N° 15404 - Martha Medeiros


Prioridades

Acabei de ler Sobre Alice, um breve relato publicado pelo jornalista Calvin Trillin, da revista New Yorker, a respeito da mulher com quem ele foi casado por 36 anos e que faleceu em 2001.

É praticamente uma crônica sobre uma família feliz, uma história em nada excepcional, a não ser pela delicadeza e qualidade do texto - Trillin não é jornalista da New Yorker por acaso - e pela raridade de ver alguém descrever com tão bons olhos a intimidade doméstica, o que, nos dias atuais, não deixa de ser um alento.

Mas o que me fez mencionar o livro foi uma frase a respeito da criação de filhos. "As peças de escola foram inventadas, em parte, para dar aos pais uma oportunidade fácil de demonstrar quais são suas prioridades."

Semana passada estive no colégio Anchieta assistindo a quatro peças de teatro encenadas pelos alunos da segunda série do Ensino Médio. Minha filha fazia parte do elenco de uma delas. Perdi um jantar entre amigas, mas prioridade é prioridade.

No entanto, para além das obrigações familiares, foi um prazer absoluto constatar a capacidade criativa dessa gurizada de 16 anos.

Eles conceberam texto, cenário, figurinos e ainda deram um show de interpretação, demonstrando coisas que considero fundamentais para que um estudante encontre seu rumo: empenho, bom humor e mente aberta.

A platéia se divertiu e eles, no palco, mais ainda. Não houve angústia, tensão ou cobranças. Foi apenas uma celebração, como a vida tem que ser.

É ou não é um privilégio ser testemunha ocular desse aprendizado, mesmo que perdendo todos os jantares do mundo?

Na mesma semana, assisti também a Inimigas Íntimas, peça com Ingra Liberato e Fernanda Carvalho Leite. São outras duas que se divertem no palco e oferecem à platéia uma hora e meia de risos e alegria de viver, através de um texto esperto e talento sobrando.

A peça deve voltar em breve no Theatro São Pedro, fique ligado. Ingra e Fernanda ensaiaram tanto, que a estréia da peça parecia a comemoração de 10 anos em cartaz, tão amaciado já estava o espetáculo.

Prioridade, mesmo? É valorizar o bem-feito, valorizar as tentativas de bem-feito e valorizar o que ainda está por ser feito.

Dentro desse espírito "a vida é boa", estarei hoje na Feira do Livro, às 18h30min, autografando meu novo livro, Tudo que eu Queria te Dizer. Coloque a literatura entre suas prioridades e apareça.

Um excelente dia para todos nós, este que como todas as quartas-feiras é o Dia Internacional do Sofá.

Feliz Dia das Bruxas para todo mundo. Não creio, mas que elas existem ah se existem.

terça-feira, 30 de outubro de 2007



30 de outubro de 2007
N° 15403 - Liberato Vieira da Cunha


Recado de primavera

Não importa quem esteja passeando quem, mas uma das cenas mais triviais deste mínimo pedaço de Porto Alegre onde habito é composta por donos e seus cães. Não é preciso no entanto título de propriedade para saber quem passeia certo e quem passeia errado.

Os cachorros, em especial os habitantes de apartamento, requerem paciência, pois são dotados de uma atração irresistível pela superfície da Terra. Isso significa que seus narizes investigam cada centímetro quadrado de solo, seja um mosaico, um degrau, uma laje. Já nem falo em gramados, em árvores ou postes. Estes são objetos de seu desejo para outras finalidades.

O correto passeador de cães começa por não ter horário; uma excursão média pode durar de 30 minutos a uma hora e tanto. Isso significa que, mais do que uma guia, deve ser dotado de uma cumplicidade infinita, como a daquela senhorita que vejo agora desfilando seu poodle sob um milhão de flores lilases.

O tempo é dos jacarandás e eles iluminam em arco os céus desta rua vizinha. É quase inacreditável sua beleza. Pois a senhorita, quase tão linda quanto eles, passeia do cenário distraída, mas atenta a cada pequeno movimento de seu cão, como se fosse sua serva e vassala.

Sei não, mas desconfio que o mundo seria melhor se as pessoas tivessem olhos para um cão, para um jardim, para a explosão de cores dos jacarandás, ou para este sabiá que, desde a madrugada, compõe sinfonias para o universo.

Leio que graves acontecimentos sucedem, que a natureza está ameaçada, que nunca foi tamanha a violência, que a corrupção desconhece limites e fronteiras. São todas coisas sérias, como a miséria, a fome, a doença, as desigualdades.

Em nada vai mudar esse panorama no entanto se nos fecharmos para os pequenos grandes palcos que nos rodeiam.

Falo de uma senhorita e seu poodle; de uma rua protegida por um firmamento de jacarandás; de um sabiá que é sozinho todo um concerto. Falo deste recado que me mandaram e me fez notar enfim que é primavera.

domingo, 28 de outubro de 2007


DANUZA LEÃO

As dependências

Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde

TODOS OS QUE dependem de alguma coisa para viver são dependentes, certo?

Dependente é uma palavra criada para não usar a outra, mal vista: viciados. Os que se acham superiores, por fazer parte da turma saudável que tem horror ao cigarro e às bebidas, acham que não têm nenhum vício; será?

Alguns têm o hábito de acordar, abrir a geladeira e encontrar, prontinho, seu suco de cenoura, açaí e mel, que a empregada preparou. Mas na segunda-feira ou ela chega atrasada ou não chega, a síndrome das segundas.

Nessa hora, o que fazem esses, que não têm vício nenhum? Descem e rumam desatinados para uma loja de sucos, e ai de quem ousar achar qualquer semelhança entre eles e aquele verme viciado em nicotina que sai de madrugada procurando desesperadamente um botequim para comprar um maço de cigarros. Nada a ver, claro.

Tomar vários cafezinhos por dia, o chope na saída do trabalho e três caipirinhas antes da sagrada feijoada de sábado são considerados vícios, porque fazem mal à saúde. Mas existem coisas saudabilíssimas e tão viciantes quanto qualquer droga considerada pesada.

Correr de manhã, escovar os dentes depois das refeições, chegar em casa e ir direto para o chuveiro, entrar no carro e ligar o rádio, por acaso não são hábitos, isto é, vícios? Claro que são, e tem o maior de todos: a televisão.

Existe gente que chega em casa e a primeira coisa que faz é ligar a TV; as teclas do controle remoto já estão gastas, mas como achar forças para desligar o aparelho, mesmo na hora de dormir? Para isso existe a tecla timer, para a televisão desligar sozinha em 90 minutos. Isso é que é amor -e vício.

Existem dois tipos de homem: os normais e aqueles que vivem falando que não podem passar um dia sem transar. Como o dia só tem 24 horas, e todos têm que dormir, trabalhar, almoçar, jantar, ler os jornais e ver televisão, fica apenas uma dúvida: o vício é a transa ou falar da transa?

Comentar sobre a riqueza das pessoas -não importa de quem- também é uma mania. Há quem delire quando fala do gângster que acendia charutos com uma nota de US$ 100 ou do sultão de Brunei, que tem torneiras de ouro nos seus banheiros.

Outros só ficam felizes quando falam de tristezas e tragédias. Uma boa doença é um prato saboroso e inesgotável, e é com volúpia que contam o resultado do exame de sangue, o seu e o dos outros; e adoram dar palpites, sempre achando que a coisa pode ser bem mais grave do que parece.

Existem os viciados em psicanálise, que estão contando há 30 anos suas histórias para o analista -pobre dele- e os que têm tudo para serem felizes mas passam o tempo procurando e encontrando razões para se queixar da vida.

Todos temos nossos vícios; os que fazem mal à saúde -e nesses os amigos, a família e até o governo se metem- e os que são altamente considerados pela sociedade, como trabalhar à noite e nos fins de semana ou se sacrificar por alguma causa. Esses são louvados em prosa e verso.

Será que vício se escolhe? Se a resposta for sim, tente se viciar em alegria; ela não intoxica nem faz mal à saúde, e usada em altas doses é capaz até de mudar o mundo, mas cuidado: pessoas alegres não costumam ser levadas a sério.

Por isso, quando estiver perto dos sérios de carteirinha, é prudente nem sorrir, e mostrar-se extremamente preocupado com a situação em geral. Porque os sérios só acreditam em quem faz cara de sério, o que também é um vício -e dos piores.

danuza.leao@uol.com.br

Excelente domingo e que seu time vença o adversário de hoje

DANIEL CASTRO - dcastro@folhasp.com.br

Globo ataca com "Da Vinci", SBT terá "Superman", e Record, "007"

As três grandes redes já estão definindo os filmes que estrearão em 2008. A Globo acaba de fechar novos acordos com as distribuidoras Fox e Columbia Pictures (Sony), suas principais parceiras (além da Disney). O SBT dá continuidade ao contrato de exclusividade com a Warner. Já a Record tem seu pacote de cinema apoiado na Universal Pictures e na MGM.

A Globo, que não teve um 2007 muito feliz nas sessões de filmes, terá no ano que vem o megassucesso "O Código Da Vinci". Também da Columbia, poderá exibir "Triplo X 2: Estado de Emergência", "A Lenda do Zorro" e "Hitch - Conselheiro Amoroso". Da Fox, a Globo comprou "Sr. e Sra. Smith", "O Quarteto Fantástico", "O Vôo da Fênix", "Doze É Demais 2", "Robôs" e "Johnny e June".

Do cinema brasileiro, a Globo contará com "O Coronel e o Lobisomem", "Acquaria", "Brasília 18%" e "Casa de Areia".

No SBT, as atrações serão "Superman - O Retorno", "Harry Potter e o Cálice de Fogo", "A Fantástica Fábrica de Chocolate", "A Sogra", "O Filho do Máscara", "A Ilha", "Poseidon", Terra Fria", "A Noiva Cadáver", "Penetras Bom de Bico", "Syriana", "Firewall - Segurança em Risco", "V de Vingança", "O Grito" e "Rios Vermelhos" -os dois últimos da independente Europa Filmes.

Já a Record terá "A Era do Gelo 2", "007 - Cassino Royale", "Break Up - Separados pelo Casamento", "Miami Vice", "A Pantera Cor de Rosa", "Capote", "As Tartarugas Ninjas - O Retorno", "Velozes e Furiosos -Desafio em Tóquio", "O Plano Perfeito", "Vôo 93", "O Jardineiro Fiel", "O Virgem de 40 Anos", "Dois É Bom, Três É Demais" e "Soldado Anônimo".

sábado, 27 de outubro de 2007


28 de outubro de 2007
N° 15401 - Martha Medeiros


Lúcifer e os lúcidos

O lúcido faz parte do time - cada vez mais desfalcado - dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado

"Lúcido deve ser parente de Lúcifer
a faculdade de ver deve ser coisa do demônio
lucidez custa os olhos da cara."

Estou embriagada pelos novos poemas de Viviane Mosé. Esta é só uma palhinha de Pensamento Chão, um livro essencial nesses tempos em que já sabemos que não convém circular de Rolex por aí, já sabemos que certos políticos nunca ouviram falar em honra, já sabemos que o verão vai ser sufocante e só nos resta olhar um pouco para dentro de nós, o único lugar onde ainda encontramos alguma novidade.

Essa visão inusitada que Viviane nos oferece sobre lucidez, por exemplo, é um convite para a reflexão.

Em tempos insanos, de tanta gente maluca por vaidade, maluca por juventude, maluca por dinheiro, maluca por poder, os lúcidos destacam-se pela raridade. São aqueles que não inventam personagens de si mesmos, não se trapaceiam, não criam fantasias, ao contrário: se comprometem com a verdade.

E se envolver assim com a transparência dos fatos requer uma integridade diabólica. Para olhar o bicho nos olhos é preciso ser bicho também. Enfrentar a verdade é quase um ato de selvageria.

Mas que verdade é essa, afinal? É aí que o demônio apresenta sua conta, pois o lúcido tem que se confrontar com uma verdade desestabilizadora: a de que não existe verdade absoluta.

Nossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um com o outro, não há permanência, tudo é provisório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço definitivo. Durante o percurso da vida, tudo é movimento, surpresa e sorte.

O lúcido faz parte do time - cada vez mais desfalcado - dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado.

O lúcido organiza sua loucura, acondiciona o que está solto no ar, interliga várias idéias independentes para que, agarradas umas nas outras, não se dispersem, estejam ao alcance da mente.

Quanto mais o lúcido pensa, mais percebe que lucidez plena não existe, o que existe são suposições, algumas até coerentes, o que nos mantêm no eixo.

Lúcido é aquele que sabe que lucidez é uma falácia, e não pira com isso. Recebe a conta das mãos do demônio, calcula os ganhos e os prejuízos, e paga.

Custa sim, Viviane, os olhos da cara, esse vício de pensar e repensar, pensar e compensar, pensar, pensar, pensar e morrer do mesmo jeito.

Por isso achei tão interessante seu poema. Você matou a charada: Lúcifer é uma espécie de padroeiro dos lúcidos - e lúcido é só um outro nome para louco. O louco que tem a cabeça no lugar demais.

Viviane Mosé, além de poeta, é aquela filósofa que teve um quadro no Fantástico. Estará palestrando amanhã no Instituto Goethe, em Porto Alegre. Eu vou.

Diogo Mainardi

No Iraque, é melhor

"No ano passado, o Brasil teve 44 663 assassinatos.

O dado acaba de ser publicado pelo governo federal. No mesmo período, de acordo com o site do Iraq Coalition Casualty Count, a guerra no Iraque produziu 18 655 mortes.

Os americanos alarmaram-se tanto com esse número que aceitaram mandar mais 30 000 soldados para lá. O resultado? As mortes diminuíram drasticamente"

A favela da Rocinha é uma "fábrica de produzir marginais". A frase é do governador Sérgio Cabral. Ele acrescentou que a Rocinha só vai parar de fabricar marginais quando o aborto for legalizado. Finalmente um político admite que o maior problema do Brasil é o brasileiro.

Na mesma reportagem, Sérgio Cabral comparou a Rocinha à Zâmbia. Até aí tudo bem. Ninguém discute que a Rocinha seja igual à Zâmbia. Espantei-me apenas quando ele comparou Copacabana à Suécia. E o Méier à Suécia.

Sérgio Cabral é nosso James Watson. James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA, declarou que o preto africano é menos inteligente do que o branco europeu. Anteriormente, ele já declarara que os estudos genéticos permitiriam abortar todos os fetos defeituosos.

O governador do Rio de Janeiro descobriu o DNA da marginalidade entre os africanos da Rocinha e agora quer abortá-los. Segundo ele, ficaremos mais seguros. Ficaremos mais inteligentes também?

Uma semana antes de Sérgio Cabral apresentar suas teorias eugenistas, os policiais cariocas, a bordo de um helicóptero, mataram uns marginais no Morro da Coréia.

A Secretaria de Segurança Pública explicou que seria difícil efetuar uma operação análoga nos morros da Zona Sul, porque "um tiro em Copacabana é diferente de um disparado na Coréia". Copacabana é a Suécia. Ali só vale o aborto em massa.

No ano passado, o Brasil teve 44 663 assassinatos. O dado acaba de ser publicado pelo governo federal. No mesmo período, de acordo com o site do Iraq Coalition Casualty Count, a guerra no Iraque produziu 18.655 mortes. Os americanos alarmaram-se tanto com esse número que aceitaram mandar mais 30 000 soldados para lá.

O resultado? Em fevereiro de 2007, quando as novas tropas desembarcaram no país, registraram-se 3 014 mortes. Em agosto, elas já haviam diminuído para 1.674. Em setembro, 848. Em outubro, até a última quinta-feira, morreram 531 iraquianos.

Consulto todos os dias o site do Iraq Coalition Casualty Count. Consulto todos os dias também o site do Iraq Body Count, onde cada confronto fatal recebe um código e uma ficha de ocorrência.

A ficha k7633 relata a morte de um professor da universidade religiosa de Al Sadr. A ficha k7634 assinala dois cadáveres encontrados em Al Kifl. Os americanos parecem se preocupar mais com os assassinatos de iraquianos do que os brasileiros com os assassinatos de brasileiros.

Pior do que a idéia de Sérgio Cabral de abortar os marginais zambianos da Rocinha só mesmo o Pronasci, aquela idéia de Lula de dar um dinheirinho mensal aos marginais para evitar que eles cometam crimes.

O programa foi apelidado de Bolsa Bandido ou Bolsa Pivete. Prefiro chamá-lo mais simplesmente de Bolsa Júlio Lancellotti.

Cedo ou tarde, o Iraque será pacificado e a autoridade local poderá comparar Al Kifl à Suécia. A Zâmbia de Sérgio Cabral e Lula continuará com seus 44.663 assassinatos. Se tudo correr bem.

Ponto de vista: Stephen Kanitz

Intenções por trás das palavras

"Se não nos preocuparmos em detectar a agenda oculta de quem nos prega alguma coisa, seremos presas fáceis dos que falam bonito e escrevem melhor ainda"

Muitos escritores, cientistas e formadores de opinião usam e abusam de nossa confiança. Sutilmente nos enganam para defender os próprios interesses.

É o que em epistemologia chamamos de "a agenda oculta". É assustador o número de filmes de Hollywood que têm uma agenda oculta, e como caímos como uns patos acreditando em tudo.

Eu sempre desconfio da agenda oculta de escritores, colunistas e pseudocientistas. É a primeira coisa que tento adivinhar. Ele, ou ela, está querendo me dizer exatamente o quê? Que bronca carrega na vida? Ele é separado, foi um dia traído, multado, preso ou ludibriado?

Ilustração Atômica Studio

Quanto mais velhos ficamos, mais percebemos quanta agenda oculta existe por trás de quase tudo o que é escrito hoje em dia no Brasil e no mundo. É simplesmente desanimador.

Salman Rushdie, o autor de Versos Satânicos, ao responder recentemente a por que preferia escrever ficção em vez de livros técnicos, afirmou: "Na ficção pegamos o leitor desprevenido".

Desprevenido significa sem a vigilância epistêmica necessária para perceber o que o escritor está tentando fazer. É mais fácil uma feminista radical escrever um livro de ficção em que todos os personagens masculinos são uns calhordas do que escrever um livro de sociologia dizendo que "todo homem é um canalha", o que resultaria em processo judicial.

Por isso, prefiro sempre artigos que apresentam tabelas, números e outras informações concretas em vez de "idéias", opiniões e indignações. É justamente isso que editores de livros no mundo inteiro nos aconselham a evitar, porque senão "ninguém lê", o que infelizmente é verdade.

Mas é justamente isso que deveria ser lido. Queremos dados agregados, que são difíceis de arrumar, para nós mesmos fazermos nossas interpretações. Se houver uma equação complicada, melhor ainda, porque equações nos revelam regras, relações entre variáveis e tendências. É a isso que se chama ciência.

A opinião dos outros sobre um fato isolado é conversa mera e efêmera. Daqui a um mês ninguém mais falará de Renan Calheiros, assunto que coletivamente nos ocupou por quatro meses.

Infelizmente, somos uma nação que idolatra quem faz parte da academia de letras, aqueles bons de papo, que escrevem bem, e não aqueles que pesquisam bem ou calculam com rigor científico.

Ignoramos solenemente os que fazem parte de nossa Academia Brasileira de Ciências, que descobrem a essência do que ocorre na prática, as causas de seus efeitos, os que usam o método científico de análise.

O último acadêmico de ciências nem sequer foi noticiado pela imprensa brasileira. "Imortais" no Brasil são aqueles bons de bico, que nos seduzem com belas frases e palavras, por isso somos um país do "me engana que eu gosto".

Nosso descaso com ciência, estatísticas, equações, dados, números, análise científica é a causa de nosso atraso. Porque não nos preocupamos com ciência, viramos o país da mentira.

Muito do que se escreve, até em livros de filosofia, vem, na realidade, de pessoas justificando sua vida, seus erros e suas limitações.

Elas têm uma agenda oculta que cabe a você descobrir. Quando alguém sai propondo maiores gastos em educação, sempre indago se não é mais um professor querendo maiores salários, pagos por impostos, "impostos" à sociedade.

Notem como 95% desses artigos pedem verbas, vinculações de verbas e mais verbas, e nenhum discute quais as novas matérias que seriam ensinadas.

Omitem invariavelmente o fato de que hoje, nas universidades, algo em torno de 50% dos alunos nem terminam o curso – e por volta de 50% dos que terminam não exercem a profissão. Esse é um problema resolvido com mais verbas ou com uma urgente reforma no conteúdo educacional?

Desconfio sempre de quem não oferece seu e-mail ou site num artigo ou livro publicado. É como se dissesse: "Já sei tudo". Prefiro ler quem o oferece e lê as mensagens, sugerindo que é um humilde cientista que quer saber se escreveu algo errado, para corrigir o que foi escrito.

Se não mudarmos nossa mentalidade, se não nos preocuparmos em detectar a agenda oculta de todos aqueles que nos pregam alguma coisa, pagaremos caro pela nossa falta de vigilância epistêmica. Seremos sempre presas fáceis dos que falam bonito e escrevem melhor ainda.

Stephen Kanitz é administrador www.kanitz.com.br

Os segredos do sexto sentido

Estudos apontam que a intuição é um processo que envolve a mente e até mesmo o coração. Aprenda a fazer melhor uso desse poder

CLÁUDIA JORDÃO E LENA CASTELLÓN
Colaborou Jonas Furtado

Quem nunca teve a sensação de que deveria mudar de escolha no último instante antes de tomar uma decisão? Para algumas pessoas, isso não passaria de um simples impulso. E não fariam caso dele.

Para outras, no entanto, é algo mais forte, que não se consegue definir com palavras no momento em que surge e que pode indicar a melhor alternativa para aquela situação. Dentro desse segundo grupo estão especialistas de universidades dos Estados Unidos e da Europa.

O que parecia impensável no passado virou realidade: centros de pesquisa estão estudando a intuição, um fenômeno que os dicionários classificam de capacidade de perceber ou discernir coisas, de modo imediato, sem depender do raciocínio.

No latim, intuitione significa “imagem refletida por um espelho”. À luz das descobertas da ciência, a expressão faz sentido. “Ela funciona como resultado de um processo mental realizado abaixo do nível da consciência”, diz o psicólogo Eugene Sadler-Smith, professor da Universidade de Surrey, na Inglaterra. É como se fosse um reflexo da mente que se manifesta como percepção repentina.

Com a estudante de enfermagem Luísa Perisseé, do Rio de Janeiro, os pressentimentos provocam inquietações. Uma vez, despertou agitada. Estava com a sensação de que havia algo errado em um relacionamento que já durava dois anos. Conversou com o namorado e ele afastou problemas. Depois, descobriu que estava sendo traída. “Terminamos”, conta.

Neste ano, Luísa estava quase acertando um novo namoro quando sentiu-se angustiada. Resolveu viajar, apesar de o candidato ter insistido que não fosse. A jovem fez as malas, conheceu outro rapaz na cidade para onde foi e hoje está com novo amor.

“Minha intuição me levou até ele.” Luísa não sabe explicar como surgem essas inquietudes, porém afirma que esses rompantes se referem a situações e pessoas. “Se não simpatizo com alguém logo de cara e mesmo assim não me afasto, me decepciono mais tarde.”

Para quem se habituou a encarar a intuição – também chamada de sexto sentido ou feeling (sensação em inglês) – como algo inexplicável ou místico, pode parecer estranho que ela tenha se transformado em objeto de interesse de pesquisadores. O sexto sentido conquistou, então, respaldo acadêmico? “Sim.

A ciência está começando a esclarecer os complexos processos mentais e corporais que estão por trás da intuição”, afirma Sadler-Smith, que lança nos próximos dias o livro Inside intuition (Por dentro da intuição, em tradução livre).

Na obra, o especialista inglês enumera trabalhos da psicologia social, da psicologia cognitiva (que estuda o modo como as pessoas aprendem, recordam e percebem) e da neurociência.

BATIMENTO O coração “sente” primeiro do que a razão: desacelera 6 segundos antes de uma decisão

À DISTÂNCIA Therezinha recebe avisos

Se depender da quantidade de pesquisas desenvolvidas recentemente, pode-se notar que há uma atenção especial para o sexto sentido. Uma delas, apresentada em julho, traz resultados surpreendentes.

Um grupo de dez bemsucedidos empreendedores do setor de tecnologia passou por uma bateria de testes psicológicos e fisiológicos aplicados por uma equipe dirigida por Murray Gillin, professor da Universidade de Swinburne, na Austrália.

Os voluntários acreditavam na intuição e diziam que isso os ajudou a enriquecer. Eles fizeram exercícios em que tinham de “investir” em empresas cujos dados eram ínfimos. Com a escassez de informações, tiveram de confiar em seus palpites. Ao final, as empresas foram reveladas. Parte delas era lucrativa.

As demais tinham fracassado em seus segmentos. O que os pesquisadores observaram é que aqueles que fizeram as boas escolhas demonstraram uma desaceleração no ritmo cardíaco seis segundos antes de assinalarem suas opções. “Descobrimos que o corpo passa por um pré-estímulo antes de o cérebro fazer a decisão.

Ele vem do sistema nervoso autônomo, que controla o coração, entre outros órgãos”, declarou Gillin. Para o neurologista Martin Portner, de Porto Alegre (RS), é mais uma prova de que o coração está virando um órgão sensorial. Gillin, entretanto, acrescenta que mais estudos devem ser feitos.

Outro trabalho demonstra que até mesmo nos erros se encontram pistas para compreender a intuição. Especialistas do Instituto Max Planck de Pesquisa Neurológica, na Alemanha, estão investigando um processo cerebral deflagrado milésimos de segundo após uma decisão errônea.

O mecanismo – uma onda elétrica – é acionado bem antes que a pessoa perceba realmente que se enganou (leia mais no quadro ao lado).

Ele serviria como um sinal do organismo para a pessoa corrigir o erro e ficar em alerta. Isso seria crucial, por exemplo, para evitar um acidente de proporções maiores. Uma opção errada de rota pode culminar em um desastre, a menos que o corpo avise logo que persistir no engano será pior.

“Para tomar decisões de modo intuitivo, um indivíduo deve ter experiências similares à situação enfrentada e aprender com elas. Monitorar os erros é pré-requisito para constituir a intuição”, diz o pesquisador Markus Ullsperger.

A multiplicação desses estudos é importante. Na ciência, leva-se tempo para uma nova idéia ser aceita. Principalmente quando remete a um campo polêmico.

“Fica difícil para um neurologista se posicionar quando se costuma ressaltar tanto o aspecto místico de um fenômeno. Por isso, é interessante que essas pesquisas coloquem o tema em discussão de um jeito científico”, pondera o mineiro Rogério Gomes, da Academia Brasileira de Neurologia.

De fato, diversos livros exploram o lado esotérico e crenças espirituais. O mercado editorial vem produzindo também uma série de trabalhos no estilo auto-ajuda.


27 de outubro de 2007
N° 15400 - Cláudia Laitano


Dívida

Nasci em uma casa sem livros.

Ou quase. Crescemos, eu e meus irmãos, abastecidos por todas as enciclopédias em voga nos anos 70 - Barsa, Universo, Grandes Personagens da Nossa História - mas com poucos livros de ficção. Frei Caneca, Maria Quitéria e Tiradentes ocuparam durante algum tempo o lugar que, por direito, deveria ter sido de criaturas menos assoberbadas por fatos relevantes e deveres cívicos.

(Quantas horas não passei olhando aquela imagem do Tiradentes esquartejado, do quadro de Pedro Américo, entre o horror e o fascínio mórbido? )

Naquela época, mesmo os pais que não tinham o hábito de ler, como os meus, preocupavam-se em ter material suficiente para as "pesquisas" das crianças, por isso as enciclopédias - que, além de tudo, conferiam uma certa sobriedade à estante da sala.

Com a internet, isso obviamente perdeu o sentido, e as crianças de hoje, suponho, crescem sem saber quem é a Maria Quitéria e sem conviver com o Tiradentes fatiado.

A importância de ler e contar histórias para os filhos, por outro lado, virou hoje quase um senso comum. Com menos filhos para cuidar e mais informações genéricas sobre psicologia, pais e mães de classe média, mesmo sem muito entusiasmo pela literatura, costumam ter o hábito de ler e comprar livros para as crianças.

Meu palpite, meio lamentoso e nada científico, é que as crianças dos anos 70, as primeiras a crescerem com a televisão, caíram em um brete de ausência de fantasia: não pegaram o velho hábito pré-TV de ouvir histórias à noite e perderam a tendência recente, pós-diminuição das famílias, de transformar o momento da leitura em uma oportunidade de convivência entre pais e filhos.

Quem nasce em uma casa sem o hábito da leitura precisa trilhar um caminho um pouco mais pedregoso rumo aos livros. Com sorte, encontrará um professor que lhe desperte o interesse, ou mesmo um amigo, um vizinho, um tio com vocação para as letras.

Mas se faltar professor, amigo, vizinho, parente distante, ainda assim é possível descobrir os livros, simplesmente chegando perto, manuseando, cheirando, olhando a capa e as figurinhas - ou seja, tendo acesso a uma biblioteca.

Foi o que aconteceu comigo, que não tinha livros em casa, mas (olha a sorte) morava ao lado da Biblioteca Pública. Foi graças a uma biblioteca que Emília, Pedrinho e Hércules entraram na minha vida, e junto com eles o hábito da leitura.

Minha gratidão àquela biblioteca e a todas as outras que eu freqüentei é do tamanho da dívida que eu tenho com os livros - que me ensinaram, e continuam ensinando, a ler e a escrever, a pensar e a sentir, retroalimentando a sede pelo oceano de possibilidades que uma estante de livros oferece.

A dívida com as bibliotecas que nos inventaram como leitores não se paga, mas pode ser amortizada. Durante a Feira, o estande da RBS na Praça da Alfândega estará recebendo doações de livros - que serão encaminhadas a cinco instituições, duas de Porto Alegre e três do Interior, indicadas pelos candidatos ao prêmio Fato Literário 2007. (Confira na página 7 do caderno Cultura o trabalho de cada uma delas.)

Seja co-autor de uma história real: ajude um leitor a encontrar o livro que pode mudar o enredo da sua vida. Aconteceu comigo, acontece todos os dias.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007


Juremir Machado da Silva

TUDO POR AMOR

Alguns leitores me pedem para tratar de mais temas culturais e dar mais dicas de leitura. Eles têm razão. Vou satisfazê-los. Mas isso me custou um grande sacrifício. Tive de me dedicar por algumas horas a um tipo de publicação estranha aos meus hábito quase monásticos. Comprei a Playboy.

Ao dono da banca, eu disse que era para ler a obscena entrevista com o Diogo Mainardi. Sou tímido. Todo mundo é tímido no Brasil. Renan Calheiros, por exemplo, é sabidamente tímido. Antes, eu só comprava a Playboy uma vez por ano para conhecer o ranking das faculdades brasileiras.

Sempre me pareceu extraordinário que o julgamento dos melhores cursos superiores do Brasil fosse feito por uma revista de mulher pelada. Isso mostra certamente o quanto somos despidos de preconceitos.

Analisei o material com olhos críticos e perscrutadores. Mônica Veloso passa de ano com nota 7. Depois dessa leitura atenta, feita com esmero e gravidade, comecei a entender melhor Mônica e Renan.

Não estou dizendo isso por ter ficado deslumbrado com os atributos físicos da moça. Mas por ter aplicado uma metodologia complexa ao caso em estudo. É falso dizer que no Brasil tudo termina em pizza. Tudo termina na Playboy. Isso me abriu os olhos. Mônica agiu por amor.

Renan também. Romântica, ela sonhava com as passarelas, com o glamour e com a glória. É humano. Todo mundo sonha com isso. Romântica, porém, bastante prática, ela sonhava também com a estabilidade financeira. Normal. Quem não deseja se preparar para o futuro?

Conhecedora de certas idéias dos senadores, ela, possivelmente, temia o desmantelamento da legislação trabalhista. Tratou, portanto, de amarrar o burro na sombra. Agiu por amor ao conforto, ao sucesso e à fama.

Renan Calheiros, como tenho mostrado incansavelmente, é um homem determinado, persistente e disciplinado. Poucos como ele têm dedicado tanto esforço para manter um cargo que parece só trazer problemas.

Fica toda a mídia de olho, botando defeito e tentando derrubar o pobre presidente do Senado. Sem dúvida, Renan Calheiros agiu por amor. Quem pode condená-lo? Agiu por amor ao sexo com uma mulher jovem.

Agiu por amor ao povo brasileiro que tantos votos tem lhe dado. Agiu por amor ao clima de Brasília, que, apesar de muito seco em determinadas épocas, tem muitos dias de temperatura amena e noites agradáveis.

Agiu por amor ao debate público com os seus distintos confrades, dos quais não quer separar-se de modo algum, indicando até mesmo que não poderia viver sem eles.

Agiu por amor aos seus amigos de Alagoas, gente que sempre o apoiou, mesmo nos piores momentos da era Collor, e que necessita muito de alguém bem posicionado na selva que é a capital federal.

Enfim, Renan agiu por amor a algo superior, uma entidade que fascina todo mundo e tira os homens do sério: o poder. Getúlio Vargas preferiu suicidar-se a perdê-lo.

Os militares tomaram-no pela força. Collor quase morreu de tristeza ao ser derrubado. FHC encontrou um jeito pouco ortodoxo de usufruí-lo por mais quatro anos.

Luiz Inácio já sonha com 2014. Renan não podia ser diferente. A leitura de Playboy foi uma revelação para mim. O Brasil está nu em suas páginas bem modeladas. Concluí que a exibição de Diogo Mainardi é pornográfica. Já o nu de Mônica é artístico.

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana, este que é o último de outubro/07.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007



25 de outubro de 2007
N° 15398 - Nilson Souza


Borboletas

A menina de asas me olha submissa, ajoelhada sobre a mesa do gabinete de trabalho, no recanto mais solitário da minha casa.

É neste local que atravesso madrugadas tentando extrair das teclas do computador algum texto legível.

Muitas vezes busco inspiração na sua doce figura. Ela me encanta mas não me engana: sei que a qualquer momento vai dar um sorriso maroto e levantar vôo. É o seu destino. É, também, o meu.

Ganhei o bibelô de presente de uma amiga cheia de sabedoria, que teve o cuidado de me advertir por escrito:

- Não te esqueças que um dia a menina dos teus olhos vai virar borboleta.

Guardo sua mensagem como um lembrete daqueles que se pendura na geladeira. De tanto ver, a gente o incorpora na paisagem e finge que não está lá - até que precisa dele.

Então, a realidade cobra o seu preço e não resta outra saída senão enfrentá-la. Eu sempre soube que a menina dos meus olhos alçaria vôos, como fazem todos os adolescentes, impulsionados pela urgência de viver esse período irrepetível da existência.

São borboletas inquietas, que querem experimentar o néctar de todas as flores antes que a primavera da vida se dissipe.

De festa em festa, elas vão se afastando. Ignoram nossas advertências e nossas apreensões, e vão conquistando espaço, sob o pretexto irrefutável da autonomia:

- Como vou aprender a me defender se não me deixam atravessar a rua sozinha?

Cansei de ouvir argumentos como esse, cheios de razão, mas insuficientes para me fazer largar seu pulso.

Numa cidade de ruas tristemente enfeitadas por borboletas brancas, o sentimento de proteção fala mais alto. Ainda assim, não se pode deixar de ouvir a voz do grilo falante que habita o fundo da nossa alma:

- Deixa-a voar!

Uma vez eu estava brincando com ela, criança, num parque da cidade, quando uma borboleta de verdade pousou no meu braço. Virei estátua por um instante, para não espantar o inseto, e lembro até hoje que ela riu muito da cena.

Jamais esquecerei aquele riso, que fazia lembrar o príncipe loiro de Saint-Exupéry. Durou pouco a magia daquele momento.

Aquela borboleta, momentaneamente atraída pelo calor do meu corpo ou pelo sal do meu suor, logo voou em busca de algo mais aprazível.

Nunca dei significado maior à insólita ocorrência. Hoje, porém, olho para a menina de asas e me dou conta de que a borboleta do parque também me trazia um recado eterno naquela tarde ensolarada de sábado: - Aproveita o dia!

Uma excelente quinta-feira para todos nós, se Deus quiser e Ele haverá de querer.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007



24 de outubro de 2007
N° 15397 - Martha Medeiros


Beatles forever

Em termos de música, minha filha mais velha é eclética: adora Cake, Gotan Project, Jorge Drexler e bandas japonesas. Minha filha mais nova, claro, é vidrada em High School Music. Outro dia elas se viraram pra mim e perguntaram: e tu, mãe? Qual tua banda preferida?

Meu Deus, lá vou eu dar a mesma resposta que dou desde que tinha a idade delas.

- Beatles.

Culpa da nostalgia. Desde menina tenho adoração pelos quatro rapazes de Liverpool. Por que esse assunto agora? Porque eles estão aí, de novo.

Estava tranqüila da vida zapeando com o controle remoto quando vi Oprah Winfrey entrevistando a diretora de cinema Julie Taymor, que falava sobre seu filme Across the Universe. Será o que estou pensando? Aumentei o volume.

Era o que eu pensava. Julie dirigiu um musical moderno, com elenco jovem e desconhecido, que conta, através das letras dos Beatles, uma história de amor com imagens totalmente oníricas, delirantes, criativas.

Instantaneamente, me veio à cabeça o filme The Wall, com trilha sonora do Pink Floyd (um marco da animação musical) e também do Hair, um filme que ressuscitou a Era de Aquário para adolescentes que não tiveram tempo de ser hippies.

Pois agora surge Across the Universe com o mesmo espírito forever young. Se você é um fanático por Beatles como eu e ainda não sabe nada desse filme, acesse www.sonypictures.com/movies/acrosstheuniverse e comece sua própria contagem regressiva.

Semanas atrás, escrevi sobre minha dificuldade em me programar para o futuro, e citei como exemplo o espetáculo que o Cirque du Soleil fará em maio de 2008 em Porto Alegre.

Não comprei ingresso, mas se o espetáculo, em vez do Alegrií, fosse o Love - todo com música dos Beatles - eu compraria ingresso nem que fosse para daqui a 10 anos. Isso diz muito sobre o que John, Paul, George e Ringo representam pra mim.

A estréia do filme, no Brasil, é em 7 de dezembro. Praticamente amanhã. Mas nunca vi um amanhã tão distante.

Isso de criar expectativa é uma cilada, porque geralmente ela reforça uma ilusão e na hora H a coisa nem é tão bacana assim. Vale para promessas de emprego, encontros amorosos e viagens: o mar do cartão-postal é sempre mais azul.

Mas no caso do filme Across the Universe, duvido que me frustre. Ao contrário, mal posso prever o que vou sentir, o tamanho da emoção. Por via das dúvidas, já estou estocando lenço de papel. Em se tratando de Beatles, nenhum exagero é pouco.

Ótima quarta-feira, dia que representa sempre o Dia Internacional do sofá. Aproveite.

terça-feira, 23 de outubro de 2007



23 de outubro de 2007 | N° 15396
Liberato Vieira da Cunha


Um poente de tempestade

A senhora me dirigiu uma frase educada e eu percebi que nem a frase, nem ela, me eram desconhecidas. A senhora era bela, como certas mulheres nórdicas. A frase era simples:

- Boa tarde.

Na verdade não era tarde. O dia estava recém anoitecendo, por conta de uma tempestade de primavera, mas nem esse acidente meteorológico, nem minha péssima memória ajudavam a decifrar a identidade da dama. De modo que só disse:

- Boa tarde.

Isso aconteceu há algum tempo. Um ano? Três anos? O que importa é que era um cumprimento de quem me conhecia. Preciso confessar ainda que essa era uma época em que as mulheres lindas me haviam condenado à pena do esquecimento.

E no entanto aquela agora me desejava boa tarde, mas não como uma simples fórmula de polidez. Havia em suas palavras um convite à dança, uma senha para não sei que secreto paraíso, uma chave para um castelo só por ela descoberto.

Você sabe quando isso acontece. Isso ocorre quando um gesto de cortesia não se contém em si próprio, quando é todo uma insinuação de prazer, quando é uma persuasão de cumplicidade, quando é uma sugestão de entrega e posse.

E eu tudo isso instantaneamente compreendi, mas só soube responder:

- Boa tarde

E aí aquela dama foi-se afastando por entre as bordas do entardecer e recolheu com ela sua infinita capacidade de sedução e seu modo de despertar desejo.

Até hoje a recordo. Lembro dela quando o universo me parece indiferente ou hostil, quando as pessoas fingem me ignorar, quando há um traço de dúvida sobre minha esperança.

Pois basta uma frase para desfazer meu desamparo, algo tão simples e promissor e único como uma bela senhora num poente de tempestade.

Uma ótima terça-feira para todos nós.

sábado, 20 de outubro de 2007



21 de outubro de 2007
N° 15395 - Martha Medeiros


Fecha e deixa solto

Para que as relações durem mais do que três semanas, é bom ter um relacionamento fiel, bacana - mas com espaço para respirar

Muitos leitores mandam sugestões de tema para crônica, e nem sempre posso aproveitá-las, não porque não sejam boas, mas é preciso que eu comungue da mesma idéia, senão vira uma simples encomenda e o texto sai frio.

Mas semana passada um internauta chamado Paulo me contou um papo que teve com um amigo e eu não pude desprezar o depoimento dele, até porque, além de divertido, considero o assunto de utilidade pública.

Ambos maduros, com alguns casamentos nas costas, estavam se queixando das namoradas. Não agüentavam mais a ladainha: "onde foi, onde estava, por que não ligou, não me disse que foi, de quem é esse número, liguei e não atendeu, eu vi que você olhou pra ela, a que horas você chegou, você não me convidou, por que você não atendeu, o que vamos fazer no Carnaval, você quer que eu vá ou não, assim não vou".

Ri muito quando ele reproduziu esse pout-pourri de lamentações. É bem assim. Os apaixonados costumam massacrar. Eu só acrescentaria que esse massacre não é só feminino: tem muito homem que age da mesma forma.

Mas prosseguindo. O amigo de Paulo, durante a conversa, apontou uma saída: "Elas precisam aprender com os flanelinhas".

Como? "O flanelinha te indica um lugar pra estacionar e diz: fecha e deixa solto". Não é simples?

Eis a fórmula sugerida por eles para fazer as relações durarem mais do que três semanas: fecha (sim, um relacionamento fechado, fiel, bacana), mas deixa solto. Mantenha um espaço para respirar.

Permita um mínimo de mobilidade: poder empurrar um pouquinho pra frente, um pouquinho pra trás. Possibilite uma manobra, um encaixe. Não puxe o freio de mão.

Essa crônica foi praticamente escrita pelo meu leitor Paulo, cujo sobrenome não vou revelar para que suas namoradas não se sintam expostas.

Mas seja para Paulos, Marias, Anetes ou Ricardos, a regra do flanelinha deve ser seguida e regulamentada: fecha e deixa solto. Confia. Ninguém quer invadir seu relacionamento, mas é preciso que haja flexibilidade, ajuste às novas situações, enfim, tem que relaxar um pouco.

Tem quê? Bom, talvez não tenha que relaxar, se esse tipo de queixa (onde foi, com quem estava, por que não ligou) for considerado um carinho, um cuidado, parte do jogo do amor, sem causar maiores irritações. Mas, antes de iniciar um interrogatório desse tipo, sonde o terreno, veja se está agradando.

Geralmente, pessoas maduras já estão com a paciência esgotada para investigações minuciosas. Desconfio até que a irritação se dá por que "onde fomos, com quem fomos e por que não ligamos" não tem nada de excitante ou misterioso: fomos almoçar com a mãe e o celular ficou sem bateria.

Se estivéssemos fazendo algo realmente condenável, aí sim, justificaria uma crucificação verbal. Ao menos as respostas exercitariam nossa criatividade e cinismo.

Mas como somos todos inocentes, feche e deixe solto.

Well, um excelente domingo e um ótimo início de semana ainda que com chuva.

Diogo Mainardi

A Pastoral da Pajero

"O padre Júlio Lancellotti ofereceu ao morador de rua que ameaçou denunciá-lo por pedofilia o aluguel de uma casa, uma bicicleta, uma moto, um terreno, uma viagem à praia e uma Mitsubishi Pajero. Bem que poderia estender sua 'amizade íntima' a todos os moradores de rua da cidade"

O padre Júlio Lancellotti era o coordenador da Pastoral do Povo de Rua. A partir de agora, ele será conhecido também como o coordenador da Pastoral da Mitsubishi Pajero.

Recapitulo. Em meados de 2005, segundo o próprio padre Júlio Lancellotti, um assassino chamado Anderson Batista o acusou de abusar de seu enteado de 8 anos e passou a chantageá-lo com pedidos regulares de dinheiro. Como um Michael Jackson da Mooca, o padre Júlio Lancellotti negou ter abusado do menino.

Como um Michael Jackson do Belenzinho, ele preferiu pagar o chantagista mesmo assim. No total, foram mais de 50 000 reais, incluindo o pagamento de vinte parcelas de uma Mitsubishi Pajero.

A polícia terá de esclarecer todos os aspectos do relacionamento do padre Júlio Lancellotti com o chantagista, definido pelo advogado deste último como "amizade íntima". Foi chantagem? Foi presente?

A polícia terá de esclarecer igualmente se o dinheiro usado para pagá-lo saiu de suas economias pessoais ou da entidade beneficente que ele dirige. O padre Júlio Lancellotti declarou que pode contar apenas com os 1 000 reais que recebe da Igreja. Mentira.

Desde 1975, ele é funcionário contratado da Febem, e continua a ganhar do estado um salário de 2 480 reais. Além disso, a prefeitura repassa mensalmente à sua ONG, Bom Parto, 500 000 reais. É preciso saber se a Mitsubishi Pajero foi comprada com esse dinheiro.

No ano passado, o padre Júlio Lancellotti acusou a prefeitura paulistana de "práticas higienistas", por querer tirar os moradores de rua do centro da cidade, oferecendo-lhes "só um albergue". Pode-se argumentar que o padre Júlio Lancellotti ofereceu ao morador de rua que ameaçou denunciá-lo por pedofilia muito mais do que um albergue.

Ofereceu-lhe o aluguel de uma casa, uma bicicleta, uma motocicleta, um terreno, uma viagem à praia e – ei-la – uma Mitsubishi Pajero. Bem que ele poderia estender sua "amizade íntima" a todos os moradores de rua da cidade.

VEJA publicou uma reportagem sobre a disputa entre a prefeitura paulistana e o padre Júlio Lancellotti. Ele chamou a revista de "autoritária". A petista Maria Vitória Benevides foi mais longe – chamou VEJA de "fascistóide".

E o Observatório da Imprensa comentou a reportagem num artigo cheio de termos de duplo sentido, cujo significado só agora consegui entender: "o rabo do texto", "erguer o traseiro", "jornalismo de latrina", "o padre Júlio estende a mão", "via inversa", "amante da dialética", "iguaria de fel", "vanguarda do atraso".

O padre Júlio Lancellotti participou de todas as campanhas eleitorais de Lula. Em 2002, ao tratar do problema dos menores abandonados, Lula apresentou a seguinte solução:

"Você pega o padre Júlio e bota ele para cuidar de criança, ele vai cuidar melhor do que qualquer aparelho de estado". Dependendo do que a polícia descobrir, talvez não seja uma idéia tão boa assim botar o padre Júlio para cuidar de criança.

Lya Luft

O que deixar para nossas crianças

"Que as crianças possam ter a seu lado a Senhora Esperança: ela será a melhor companheira e o mais precioso legado"

Ilustração Atômica Studio

Aos que detestam datas marcadas, porque as consideram exploração comercial, digo que concordo em parte: explora-se a nossa burrice existencial básica, que se submete aos modismos, às propagandas, ao consumismo desvairado.

Pais se endividam para comprar brinquedos e objetos caros e supérfluos para crianças que poderiam fazer coisa bem mais interessante, como jogar bola, pular corda, ler um livro, armar um quebra-cabeça, praticar esporte. Isso acontece na Páscoa, no Dia das Crianças, no Natal, em cada aniversário.

Nesse aspecto, acho que os dias marcados para celebrar coisas positivas se tornam – para os tolos e frívolos, os desavisados – coisa negativa, fonte de tormento e preocupação.

Mas, visto sob outro prisma, não acho ruim existirem datas em que a gente é levada a lembrar, a demonstrar o afeto que se dilui no cotidiano, a fazer algum gesto carinhoso a mais.

A prestar uma homenagem: refiro-me agora à data vizinha do Dia das Crianças, o Dia do Professor, celebrado na semana passada. Ofício tão desprestigiado, por mal pago, pouco respeitado e mal amado, que milhares e milhares de jovens escolhem outra carreira.

E não me falem em sacerdócio: o professor, ou a professora, precisa comer e dar de comer, morar e pagar moradia, transportar-se e pagar transporte, comprar remédio, respirar, viver. Além disso, deveria poder estudar, ler, comprar livros, aperfeiçoar-se e descansar para enfrentar o dia-a-dia de uma profissão muito desgastante.

Então, reunindo a idéia das duas datas, crianças e mestres, reflito um pouco sobre o que me sugeriu dias atrás um amigo:

– Escreva sobre que mundo estamos deixando para nossas crianças, pois vai nascer minha primeira neta, e essa questão se tornou premente em minha vida.

Pois é. Criança tem entre muitos outros esse dom de nos dar um belo susto existencial: abala as estruturas da nossa conformidade, nos torna alertas, nos deixa ansiosos.

O que estou fazendo por ela, o que posso fazer por ela, quem devo ser ou me tornar para representar um bem para esse neto ou neta, filho ou filha, aluno ou aluna?

Se forem as crianças de minha casa, a questão se torna crucial, e o amor é a dádiva primeira. E aí entram também os casais, tema por vezes espinhoso.

Temos em casa um clima fundamentalmente bom e harmonioso, apesar das naturais diferenças e dificuldades? Por baixo do cotidiano de aparente rotina corre um rio de afeto ou grassam discórdia e rancores?

Como apresentamos ao imaginário infantil a figura do nosso parceiro ou parceira? Lembro aqui a atitude infeliz de tantas mulheres: desabafar diante dos filhos, pequenos ou adultos, sua raiva e insatisfação.

Pior: usar os filhos para manipular emocionalmente o parceiro, usando-os para promover a própria vitimização e tornar quase um monstro o pai deles.

Vão mais uma vez dizer que privilegio os homens, mas essa postura, vingativa, cruel e mesquinha, é muito mais freqüente nas mulheres, sobretudo nas separadas.

Não somos todas umas santas, não somos boazinhas. A mãe-vítima e a santa esposa me assustam: hão de cobrar, com altos juros, todo esse sacrifício.

Enfim: que legado deixamos para as crianças? Primeiro, vem o legado pessoal: quem somos, quem podemos ser, quem poderíamos nos tornar, para que elas tenham um mínimo de confiança, um mínimo de amor por si próprias, um mínimo de otimismo para poder enfrentar a dura vida.

Depois, podemos olhar para fora e imaginar um mundo, pelo menos um país, onde elas não tenham de presenciar espetáculos degradantes de corrupção, melancólicos jogos de interesse ou de poder.

Onde os líderes sejam honrados, onde seus pais não se desesperem nem descreiam de tudo. Onde todos tenham escolas sólidas com professores bem pagos e bem preparados.

Onde, em precisando, elas disponham de hospitais excelentes e médicos em abundância, de higiene em sua casa, comida em sua mesa, horizonte em sua vida.

E que as crianças possam ter a seu lado, mais que um anjo da guarda, a Senhora Esperança: ela será a melhor companheira e o mais precioso legado.


SEPARADOS?

O roteiro é baseado no livro de Alan Pauls. Sofia (Analía Couceyro) e Rimini (Gael) rompem, e ele se envolve com mulheres como Vera (Moro Anghileri, abaixo), mas Sofia não o deixa em paz

O filme O PASSADO, que estréia na sexta-feira 26, é um drama sobre a separação de um casal que se une na adolescência, convive 12 anos e rompe ao atingir a casa dos 30.

“A separação também pode fazer parte de uma história de amor”, diz o cartaz. Pode soar banal e virar comédia ou melodrama. Mas o diretor, Hector Babenco, em seu 11o longa-metragem em 34 anos de carreira, aborda o tema como um ensaio sobre a agonia da paixão.

A câmera acompanha a tensão entre o leviano Rimini (Gael García Bernal), tradutor, e a possessiva Sofia (Analía Couceyro), terapeuta. Como cenário, Buenos Aires chuvosa e européia, com seus parques e prédios neoclássicos. A certa altura, já envolvido com outras mulheres, ele é perseguido por Sofia, que, como um espectro, o faz lembrar dos tempos de inocência.

Ele se apaixona pela modelo Vera (Moro Anghileri), pobre e ciumenta. Mas não se satisfaz. Trabalhando como intérprete na palestra de um intelectual francês (Poussière, última cena de Paulo Autran no cinema), convida Vera para ir ao evento.

Lá está Sofia. Encurralado pelos dois amores, Rimini se declara de repente à colega Carmen (Ana Celentano), que traduz com ele a palestra. Rimini se descobre joguete do desejo feminino.

O recurso é se atirar aos braços de uma terceira. Não é uma solução, mesmo que o casal viaje (vai a São Paulo, retratada em dois ambientes sociais contrastantes, a Estação da Luz e a Bienal) e gere um filho.

Sofia quer reconquistar o amado, provocando turbulência. E seu amor degenera em obsessão. Ela o persegue, faz cenas de ciúme, implora por sexo, arrasta-o de volta à cena original da paixão – e chega a seqüestrar o filho do ex-marido.

Para comover Rimini, usa a coleção de fotos que mantém. É o ontem cristalizado que Rimini tenta evitar.

O Passado é o segundo filme de Babenco ambientado em sua cidade natal, com assunto intimista e baseado em história de autor argentino. O diretor, atuante no Brasil, ficou célebre com filmes de crítica social, como Pixote (1980) e Carandiru (2003).

Mas a Buenos Aires onde viveu a adolescência vem à tona, embora raramente. Isso ocorreu em Coração Iluminado, de 1996, com roteiro de Ricardo Piglia, sobre o retorno de um homem à cidade da juventude à cata do amor perdido. O Passado se baseia no romance de Alan Pauls, de 2003, recém-editado no Brasil pela CosacNaify.

O diretor ouviu falar de Pauls quando filmava Coração Iluminado. Piglia lhe falou de um menino que tinha tudo para virar um grande escritor. Anos depois, leu O Passado.

“O livro me pegou, eu dava berros lendo”, disse Babenco (leia o quadro abaixo). “A história não me saía da cabeça e liguei para ele. O livro parecia intraduzível para o cinema, um catatau com 500 mil enredos, mas notei que havia ali uma história que daria um filme.”

Enxugou a narrativa para se centrar nos amores e vaivéns de Rimini e Sofia. No roteiro, o processo de separação assume importância crescente. Aquilo que lembrava uma reles história de amor recebe as sombras da dúvida e do jogo de poder entre os sexos.

A separação se transforma numa fantasmagoria que domina as ações, os diálogos tensos e a fotografia escura. Por mais que os personagens tentem se livrar da energia negativa do rompimento, mais eles se aprisionam às lembranças.

O diretor faz uma ponta como projecionista de um cinema pulguento. Parece estar ali para dar duas lições. A primeira é chamar a atenção para o valor do antigo método artesanal de fazer filmes.

A segunda, mais profunda, é lembrar que o cinema tem uma função psicanalítica. A trama densa de O Passado martela no inconsciente da audiência. Inova por singrar na corrente contrária das modas do cinema atual.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007


JOSÉ SIMÃO

Dunga reclama da grama!

Tá sem sal! E não se diz que uma pessoa é feia, mas desabonitada: a Ideli tem um design desarrojado

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Novidades da Selecinha Brasileira, ops, Selexotan do Dunga. O Dunga tá zangado: reclamou da grama do Maracanã.

Vai ver achou sem sal. Ai, que grama ruim, não tem nem sal. É tudo desculpa antecipada. Como diz aquele ditado russo: quando o bailarino é ruim, até o saco atrapalha! Rarará!

E o Lula na África? O que o Lula foi fazer na África? Conhecer o Tarzan pessoalmente. E tomar uma bebida típica: gin das selvas. Lula vai à África, conhece o Tarzan pessoalmente e toma um gim das selvas!

E eu já falei que a Ideli Salvatti é tão feia, mas tão feia, que tem uma ONG chamada ONGRO. É verdade! Organização Não-Governamental de Apoio aos Ogros? Rarará. Organização Não-Governamental de Apoio ao Shrek!

E não se diz que uma pessoa é feia, mas desabonitada. A Ideli não é feia, tem apenas um design desarrojado. Rarará! E CPMF pro Renan quer dizer Com a Playboy Me Ferrei! A PERERECA ATÔMICA!

Olha a manchete do jornal de Nova Iguaçu: "Que vaginão, hein! Mulher é presa em presídio de Japeri com dois celulares, duas baterias, carregador, fone de ouvido e chip em sua genitália".

Isso não é uma perereca, é um porta-malas! Foi assim que nasceu o baby celular? O Baby Perereca.

E já imaginou a revista agora? "A senhora tem um celular na vagina?" "Não, é que a minha vagina é ventríloqua." "A senhora tem um celular na vagina?" "Não, a minha vagina é anal-lógica."

Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas é só provocar que ressuscita!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Natal, Rio Grande do Norte, tem um forró pra terceira idade chamado "O Forro da Pêia Mole". Rarará!

Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Soneca": companheiro Dunga em ação! Rarará!

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. Nóis capota, mas num breca!
simao@uol.com.br

RUY CASTRO

Ig Nobels e ignóbeis

RIO DE JANEIRO - Todo ano, na época da distribuição do Prêmio Nobel, fico atento às folhas à espera da matéria sobre os ganhadores do Prêmio Ig Nobel, uma criação da revista científica de humor "Anals of Improbable Research" destinada a premiar pesquisas de duvidosa necessidade para o progresso da ciência.

Os contemplados recebem os diplomas das mãos de vencedores do Nobel oficial, numa cerimônia na Universidade Harvard, e lêem seus trabalhos no auditório do Massachussetts Institute of Technology, sujeitando-se a uma chuva de aviõezinhos de papel.

Entre os campeões de 2007, meu favorito é o pessoal da Universidade de Barcelona, que levou o Ig Nobel de Lingüística ao demonstrar que "os ratos nem sempre diferenciam pessoas falando japonês ou holandês de trás para a frente".

Páreo duro com a equipe do Laboratório Wright, da Força Aérea americana, vencedora do Ig Nobel da Paz pelo desenvolvimento de uma espécie de "bomba gay" capaz de fazer com que "soldados inimigos [num front de guerra] se sintam sexualmente atraídos entre si".

Às vezes, o prêmio é dividido entre equipes que se envolveram na mesma pesquisa, uma sem saber da outra. Vide o grupo da Universidade de Santiago, no Chile, e o da própria Harvard, que venceram o Ig Nobel de Física ao determinar "por que os lençóis amassam".

O que me fascina é que esses pesquisadores acreditam sinceramente estar prestando um serviço à humanidade. Ao se verem ridicularizados, levam na esportiva e vão receber o prêmio e as gaivotas de papel.

Não é cinismo, mas humor ou humildade. Bem diferente das internas da política e da economia brasileiras, em que as medidas mais oportunistas geram crises e disputas como se de importância vital para a nação, e não apenas para o seu próprio círculo, este, sim, ignóbil.


17 de outubro de 2007
N° 15391 - Martha Medeiros


Mônica despe a todos

Peguemos um acontecimento trivial, que está praticamente perdendo a atualidade e que daqui a uma semana não será mais comentado nem em fila de banco, nem em mesa de churrascaria: as fotos da jornalista Mônica Veloso na Playboy.

O que sabemos de concreto sobre o fato: ela teve um caso com um senador da República, casado. Ninguém tem nada a ver com isso, são dois adultos e fazem o que bem entendem.

No entanto, ele acabou colocando a República na história porque pagava pensão pra moça com dinheiro que não era dele, e sim de aliados que ele favorecia com sua ascendência política, o que passa a ser assunto nosso, já que Renan Calheiros é funcionário meu, seu e de todo o povo brasileiro.

O caso deles termina, pormenores vêm a público e, depois de prolongadas e irrefutáveis denúncias, Sua Excelência renuncia usando o eufemismo "licença" para sair de cena com alguma pose, como se isso fosse possível depois do trucidamento moral e ético. Ela? Linda! Faturando com gosto.

Mas, em entrevistas, negando-se veementemente a falar sobre o pai da sua filha, que, segundo ela, nada tem a ver com a venda da revista ou com a futura biografia que pretende lançar sobre os bastidores da política em Brasília - projeto que é bom que saia logo antes que a esqueçam.

Gente, eu sonhei tudo isso ou é real?

Primeiro: a Playboy, revista respeitada em seu segmento, sempre alternou ensaios sensuais com mulheres famosas e mulheres contingentes, digamos assim. Atualmente, as contingentes estão mais requisitadas do que nunca e, se não forem deusas, o photoshop está aí pra isso mesmo.

Muitas artistas consagradas e respeitadas já fotografaram também por dinheiro, mas souberam dar à sua nudez algum conceito, alguma mística, algum mistério. Agora é essa liquidação, esse fim de feira.

Segundo: Mônica se recusa a falar em entrevistas sobre Renan Calheiros, como se o fato de ela ter sido pivô de um escândalo político nada tivesse a ver com sua projeção momentânea.

É um faz-de-conta constrangedor e hipócrita: ela se comporta como se tivesse sido convidada apenas por ser bonita, quando, na verdade, no Brasil, chuta-se uma árvore e caem 10 Mônicas Veloso, só que nenhuma com a história peculiar que ela tem pra contar - mas que, recatada, não conta.

Terceiro: que mediocridade é essa que estamos vivendo e consumindo? Uma sociedade sem vergonha de se expor, sem vergonha da própria farsa, sem vergonha de faturar em cima de situações vexatórias, sem vergonha de ganhar dinheiro a qualquer custo, uma sociedade absolutamente sem pudor.

Já tivemos glamour, já tivemos cultura, já tivemos um certo refinamento, uma certa discrição. Foi em outra vida. Que bando de chinelões nos tornamos.

Uma ótima quarta-feira, pelo menos com previsão de tempo bom lá fora. Que aqui dentro de cada um também esteja um ótimo tempo.

domingo, 14 de outubro de 2007


DANUZA LEÃO

Fazendo as pazes

Ele chega mais perto e abre os braços para um grande abraço. É a hora do perdão, do não se fala mais nisso

SUPONDO QUE ele te traiu; difícil, perdoar a traição. No início são aquelas intermináveis conversas pela madrugada; depois, os silêncios.

Ele, que traiu, não sabe o que dizer; você sofre, tem vontade de matar, não tem coragem de se separar porque ainda ama, tenta conservar a cabeça fria, mas não dá para ser a mesma de sempre.

Até tenta; fala das coisas que foram manchete no jornal, evitando de todas as maneiras citar o caso Renan Calheiros e Monica Veloso, mas tudo é forçado, sem alegria, sem espontaneidade, pois quem foi traído fica imaginando seu grande amor nos braços da outra.

E na hora de irem dormir, viram um de costas para o outro e apagam logo a luz do abajur para não ter que falar, ou repetir tudo que já foi dito, até porque sabem que não adianta.

Quando as crianças estão por perto, pior ainda; elas não devem saber do que está acontecendo, e só Deus sabe o que é fingir que está tudo bem.

Os dias vão passando, você não pensa em outra coisa e ele, que traiu -nem foi por paixão, apenas uma dessas coisas que acontecem-, quer se matar, dizer mil vezes que aquilo não significou nada, mas não há clima para isso nem para nada.
Tentar um contato físico, nem pensar.

Cada tentativa é um fracasso, e por aí é que não é. Chegar levando flores jamais, se chamar para jantar num restaurante, vai ter como resposta um não, e se sair à noite para escapar do clima pesado da casa, é perigoso: pode dar a impressão de que vai encontrar com a outra.

Ah, essa história de trair é complicada, e pode render meses, isso quando não há uma separação imediata. Se ele pudesse voltar atrás teria resistido, mas quem pensa nisso quando bate a vontade?

Agora já foi, e é agüentar as consequências, a cara amarrada, o mau humor e às vezes um toque seu que é pior do que uma facada pelas costas. Ah, se arrependimento matasse.

Mas existe o tempo, e só ele, para curar certas feridas. Um dia chegam uns amigos e a conversa flui quase como antes; quando vão embora vocês trocam algumas palavras sobre como fulana estava bonita, sicrano mais gordo, e vislumbra-se uma trégua, até porque não há ninguém que consiga ficar sofrendo por uma traição para o resto da vida.

As coisas vão melhorando, vocês passam a viver numa certa harmonia, já conversam normalmente, mas o contato físico continua zero. E ele lá tem coragem de tentar, levar um não e voltar tudo ao que era antes?

Mas um sábado qualquer, um sábado comum, com um sol lindo, vocês resolvem sair e dar uma caminhada num parque da cidade.

A caminhada acaba virando uma corrida, e quando chegam em casa, suados, comentam como foi bom terem conseguido correr, que devem fazer isso mais freqüentemente, pois faz bem ao corpo e à alma.

Nesse momento ele sente que é a hora -e é mesmo; chega mais perto e abre os braços para um grande abraço. É a hora do perdão, do -sobretudo- não se fala mais nisso; um abraço bem generoso, bem demorado, bem apaixonado, e a paz volta a reinar no universo.

Porque, pensando bem, não há nada melhor na vida do que um abraço bem sincero, bem apertado, bem encaixado, melhor do que todos os beijos na boca do final dos filmes.

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! Alexandre Frota de Elite!

Site produz uma versão pornô com o ator; senadores também têm a sua: "Trepa de Elite"

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Aí levaram o Rolex do Luciano Huck e ele quer todos os bandidos na cadeia.

Como é o nome do programa dele? CADEIÃO DO HUCK! E o Rolex foi presente da Angélica. Então, por que ele não anda de táxi? Vai de táxi! Vai de táaaxi!

Isso parece prova de gincana: atravessar São Paulo de carro sem ar-condicionado, vidro aberto e Rolex no pulso. Dou três semáforos de lambuja! Farol em Sampa parece luta de boxe: três assaltos por minuto.

E aí o Huck escreveu um artigo pra Folha, e o escritor Ferréz do Capão respondeu. Como é o nome da polêmica? Troca de Elite! Bota o Luciano no Capão e o Ferréz no Caldeirão!

E o site Euhein acaba de lançar uma versão pornô de "Tropa de Elite" com o Alexandre Frota: "Frota de Elite!".

E o Senado, depois do Renan, acaba de lançar o mais novo filme: "TREPA DE ELITE"! Aliás, um leitor amigo meu mandou uma campanha pra "Playboi" da Mônica Veloso: "Já pagamos e não comemos! "Playboy" de graça". Rarará!

E adorei a charge do Neocorreia sobre a "Playboy": "Somente uma construtora pra manter esse monumento". Rarará! Mendes Junior conserva essa área.

A Mônica é um monumento, e o Renan é um monstromento! Rarará! E as mulheres dos senadores, as chifrudas chapas-brancas, lançaram o "Tropa de Celulite". E os senadores que adoram uma pizza lançaram o "Tropa de Aliche"! Rarará!

E o dono do Bahamas se filiou ao PT do B. Partido das Trabalhadoras de Bordéis ou Partido Trabalhista das Bundudas! E olha o e-mail que recebi: "Simão, acabo de comprar a "Playboy" da Mônica. Fico contente em saber que estão gastando muito bem o nosso dinheiro.

Champanhe e Mônica, esse negócio de Marisa e pinga não tá cum nada". Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz o outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Nassau, Bahamas (o país, não o bordel), tem um restaurante japonês chamado Tengoku! Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Rolex": companheiro que faz rolo com relógio. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

sábado, 13 de outubro de 2007



14 de outubro de 2007
N° 15392 - Martha Medeiros


E l a

Todos tem uma, grande, média, pequena. Todos querem perdê-la, caminhando, correndo, nadando, suando. Raros estão felizes com a sua

Se você não tem problemas com a sua, levante as mãos para o céu e pare agora mesmo de reclamar da vida. O que são algumas dívidas para pagar, um celular sempre sem bateria, um final de semana chuvoso?

Chatices, mas dá-se um jeito. Nela não. Nela não dá-se um jeito. Para eliminá-la, prometemos cortar bebidas alcoólicas, prometemos fazer mil abdominais por dia, mas ela não acusa o golpe, segue com sua saliência irritante.

A gente caminha, corre, sobe escada, desce escada, vibra quando nosso intestino está bem regulado, cumprindo suas funções à perfeição, mas ela não se faz de rogada, mantém-se firme onde está. "Mantém-se firme" é força de expressão. Ela é tudo, menos firme. Você sabe de quem estou falando.

Ela é uma praga masculina e feminina. Os homens também sofrem, mas aprendem a conviver com ela: entregam os pontos e vão em frente, encarando a situação como uma contingência do destino.

As mulheres, não. Mulheres são guerreiras, lutam com todas as armas que têm. Algumas ficam sem respirar para encolhê-la, chegam a ficar azuis.

Outras vão para a mesa de cirurgia e ordenam que o médico sugue a desgraçada com umbigo e tudo. Mas passa-se um tempo e ela volta, a desaforada sempre volta.

Quem não tem a sua? Eu conto quem: umas poucas sortudas com menos de 15 anos. Umas poucas malucas que acordam, almoçam e jantam na academia.

Algumas mais malucas ainda que não almoçam nem jantam. As que nasceram com crédito pré-aprovado com Deus. E aquelas que nunca engravidaram, lógico.

As que ignoram totalmente sobre o que estou falando são poucas, não lotariam o Gigantinho. Já as que sabem muito bem quem é a protagonista desta crônica, pois alojam a infeliz no próprio corpo, povoam o resto da cidade, estão por toda parte. Batas disfarçam, vestidinhos disfarçam, biquínis colocam tudo a perder.

Nem todas a possuem enorme. Cruzes, não. Às vezes é apenas uma protuberância, uma coisinha de nada, na horizontal nem se repara.

Aliás, mulheres acordam mais bem-humoradas do que os homens porque de manhã cedo somos todas magras. Todas tábuas. Todas retas. Passam-se as primeiras horas, no entanto, e a lei da gravidade surge para dar bom-dia. Lá se vai nosso humor.

Falam muito de celulite. Falam de seios, de traseiros, de rugas, de pés grandes, de falta de cintura, de caspa, de tornozelos grossos, de orelhas de abano, de narizes desproporcionais, de ombros caídos, de muita coisa caída. Temos uma possibilidade infinita de defeitos. Mas ela é que nos tira do prumo.

Ela é que compromete nossa silhueta. Ela é que arrasa com a nossa elegância. Ela. Nem ouso pronunciar seu nome. Você sabe bem quem. Se não sabe, sorte sua: é porque não tem.

Tenhamos todos um ótimo domingo e uma excelente semana. E no dia 15 os nossos parabéns para os nossos Professores, os de agora e aos de antigamente.

Diogo Mainardi

Tropa de Elite é fichinha

"A platéia torceu para o protagonista e, pelo que li, aplaudiu as torturas praticadas pelos meganhas do Bope. O fato gerou uma gritaria danada. Como se os espectadores não soubessem distinguir a tortura praticada nas telas da tortura praticada na realidade"

Wagner Moura reclamou de mim. Foi um tal de fascista para cá, fascista para lá. Tudo porque fiz um comentário despretensioso sobre suas poses nos cartazes promocionais de Tropa de Elite.

Ele está certo em reclamar. Ninguém pode julgar o trabalho de um ator baseado em meia dúzia de fotografias. E era só isso que eu conhecia de Wagner Moura: meia dúzia de fotografias estampadas nos jornais.

Na última segunda-feira, com grande esforço, consegui me arrastar até o cinema para assistir a Tropa de Elite. Como um carro-patrulha da PM carioca, o filme demora um bocado para carburar, mas acaba engrenando depois de uma hora.

Wagner Moura faz seu papel direitinho. Contrariamente ao que aparenta nas fotografias, ele é contido, sereno, economizando nas narinas arfantes e nos arqueios de sobrancelhas. Talvez fosse o caso até mesmo de me desculpar.

Um dia depois de assistir a Tropa de Elite, acompanhei as imagens bem mais assustadoras de Jean Charles de Menezes em Londres, momentos antes de ser assassinado pela polícia local com sete tiros à queima-roupa, como se o metrô de Stockwell fosse uma boca-de-fumo no Morro do Turano, no Rio de Janeiro.

Jean Charles passou pela roleta, caminhou por um corredor cheio de gente e desceu pela escada rolante, sempre seguido de perto por dois policiais identificados como Ken e Ivor.

Em seu depoimento no tribunal, Ivor declarou que o comportamento de Jean Charles lhe pareceu suspeito. O que ele teria a dizer a respeito do comportamento do deputado tucano Paulo Renato Souza, que foi flagrado pela Folha de S.Paulo submetendo um artigo sobre o sistema bancário ao presidente do Bradesco?

A platéia que assistiu à pré-estréia de Tropa de Elite torceu para o protagonista e, pelo que li, aplaudiu as torturas praticadas pelos meganhas do Bope. O fato gerou uma gritaria danada.

Como se os espectadores não soubessem distinguir a tortura praticada nas telas da tortura praticada na realidade. É desse jeito que o bom-mocismo instaura sua censura: tratando os espectadores como imbecis, incapazes de interpretar corretamente as idéias e as obras de imaginação.

Bem pior do que aplaudir as torturas praticadas por Wagner Moura em Tropa de Elite é aplaudir as torturas praticadas em nome de Renan Calheiros no Senado. É o que está acontecendo comigo.

Eu sei que é errado, mas aplaudo toda vez que, em sua desavergonhada defesa de Renan Calheiros, Ideli Salvatti aparece na TV como se estivesse com um saco plástico enfiado na cabeça, sem ar, com a jugular inflada.

E aplaudo toda vez que Aloizio Mercadante esperneia como se estivesse sendo ameaçado com um cabo de vassoura.

Wagner Moura disse que o maior mérito de Tropa de Elite é ter suscitado um debate. O maior – quem sabe o único – mérito do filme é justamente o contrário: ele acaba com o debate. O país é retratado como aquilo que de fato é: uma guerra de bandido contra bandido.

Ótimo sábado e um excelente fim de semana.


Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

Falsos estágios?

"A legislação brasileira já conseguiu varrer do mapa o milenar sistema de aprendizagem. É perfeitamente esperado que agora se
dedique a destruir os estágios"

Muito se fala e se escreve sobre os estágios. Alguns decantam incansavelmente suas virtudes. Mas, também, denunciam-se os estágios como forma disfarçada de contratação de mão-de-obra barata.

Por isso, tramitam novas regulamentações, visando a coibir tais abusos, estabelecendo limites às tarefas pertinentes aos estagiários, bem como reduzindo sua jornada de trabalho e proibindo o trabalho produtivo.

Aqueles que acusam o estágio de ser uma forma disfarçada de emprego a baixo custo estão cobertos de razão. Do milhão de estágios, boa parte é exatamente isso.

Contudo, esse é um de seus méritos. Grande número de jovens tira xerox, leva papéis, executa os trabalhos mais simples e desinteressantes dos escritórios. No fundo, não são estágios legítimos. São empregos simplórios reservados para estudantes.

Mas é assim que os jovens financiam os estudos. Sem esses falsos estágios, muitos deles estariam impedidos de estudar, pois não disporiam de recursos para pagar a mensalidade da escola.

Em outras palavras: diante de uma legislação trabalhista que desencoraja o emprego, o estágio é uma saída, ainda que seja pela porta dos fundos.

É bom para a empresa, pois é mão-de-obra mais barata. Pesquisas mostram que os (falsos) estagiários também gostam, o trabalho permite-lhes muito aprendizado útil. É infinitamente melhor do que o desemprego.

As companhias têm diferentes razões para acolher estagiários. Essa pode ser a principal estratégia para selecionar seus futuros funcionários de primeira linha. Nessa lógica, atraem os melhores candidatos e investem neles.

Seu número não depende de leis protegendo os estagiários, mas das políticas de contratação vigentes na empresa e do dinamismo da economia. Bem sabemos que há pouca criatividade e inadequado aproveitamento dos estagiários. Contudo, as leis são impotentes para mudar isso.

Ilustração Atomica Studio

Outra razão para receber estagiários é o fato de obter trabalho temporário ou serviços adicionais a baixo custo. Não são reais estágios, mas empregos simples para estudantes, garantidos por uma reserva de mercado. Enquanto for mais barato, contrata-se um estagiário para tirar xerox.

Se a lei não deixa o estagiário produzir "de verdade", limita as horas de presença no trabalho e cria outros constrangimentos, a empresa preferirá contratar office-boys. As restrições em discussão poderão ter um efeito devastador sobre os falsos estágios, por uma questão elementar de racionalidade econômica.

Muitos dirão, ora vivas, taparemos um buraco na lei. Para as empresas, a perda será limitada. Mas acontece que são ínfimas as chances que têm esses alunos modestos de arranjar verdadeiros estágios, competindo com colegas academicamente mais fortes.

Mas o prejuízo atinge também os reais estágios, oferecidos pelas grandes empresas. Os autores da proposta de lei, pelo que se depreende, nunca entraram em uma empresa e jamais entenderam a lógica do "aprender fazendo", mais velha e tão respeitável quanto a escola.

Pelas novas regras, um aluno de marcenaria deve aprender a serrar em tábuas que serão jogadas fora. Contudo, há muitos conhecimentos que só podem ser adquiridos pelo exercício da ocupação. Um aprendiz nas tarefas gerenciais ou administrativas não pode decidir e jogar fora a decisão.

Aprende-se executando, "de verdade", tarefas mais simples ou ajudando colegas mais experientes. Se os estagiários não podem produzir, não podem aprender. Portanto, é tudo "de fingidinho", empobrecendo o processo de aprendizado dos reais estagiários.

Os clássicos beneficiários da atual flexibilidade da lei são os mais pobres. Como tentar consertar a CLT é encrenca certa, deixar como está seria o mal menor. De fato, os estágios financiam a educação de 28% dos universitários (em SP).

São mais alunos do que no ProUni e no Fies. Quantos estágios desaparecerão com a nova lei? Mas há lógica nessa burrice. A legislação brasileira já conseguiu varrer do mapa o milenar sistema de aprendizagem. É perfeitamente esperado que agora se dedique a destruir os estágios, outra forma de aprender fazendo.

Claudio de Moura Castro é economista
Claudio&Moura&Castro@attglobal.net



















JONAS FURTADO

Promotores que desafiam as leis

Atropelamento e morte de três pessoas é o terceiro caso de horror que envolve promotores de São Paulo

"O QUE EU FIZ?" Wagner Grossi pediu licença médica

No momento em que setores do Ministério Público (MP) questionam o foro privilegiado a que têm direito autoridades dos poderes Executivo e Legislativo, o MP paulista tem se deparado com uma sucessão de fatos envolvendo seus membros em atos ilegais.

A eles também cabem privilégios que transmitem à sociedade uma leitura de impunidade.

O último deles ocorreu às 20h40 do domingo 7. O promotor de Justiça Wagner Juarez Grossi, 42 anos, segundo testemunhas, dirigia em alta velocidade uma picape Ranger pela Rodovia Elyeser Montenegro Magalhães (SP-463), em Araçatuba, a 530 km de São Paulo.

Ele entrou na contramão e atingiu uma moto na qual trafegavam o metalúrgico Alessandro Silva dos Santos, 27 anos, sua companheira, a faxineira Alessandra Alves, 26, e o filho dela, Adrian Riel Alves, de apenas sete anos. A moto foi arrastada por pelo menos 15 metros. Os três morreram na hora.



THALES SCHOEDL Em 2004, matou a tiros o estudante Diego Modanez.
O promotor está afastado das funções




IGOR DA SILVA Matou a esposa, Patrícia Longo, em 1998.
Foi condenado a 16 anos. Está foragido há seis


"O que foi que eu fiz?", teria perguntado Grossi a uma das testemunhas do acidente, o vigilante Nestor Feliciano, que prestou depoimento à Procuradoria Geral de Justiça na terça-feira 9. Segundo ele, o promotor estava bêbado, desceu do carro desorientado, segurando uma lata de cerveja.

Grossi recusou-se a realizar teste de dosagem alcoólica (o que é permitido por lei), mas o exame clínico feito por um legista constatou que ele estava em estado de "embriaguez moderada". Ele só não ficou na cadeia, ainda que por algumas horas, porque é promotor.

A lei lhe assegura o privilégio de não ser preso, mesmo em flagrante, nos casos de crimes afiançáveis. Os familiares das vítimas se revoltaram com o tratamento dado ao promotor. "Se fosse um pobre igual a mim, já estaria preso", diz Alberto dos Santos, pai de Alessandro.

Após o acidente, Grossi pediu licença médica de 15 dias. Se as acusações forem confirmadas, a pena prevista para o crime é de até quatro anos de reclusão, com agravamento de 1/3 em virtude do estado de embriaguez.

Grossi responderá ao processo em liberdade, como aconteceu com o promotor Thales Ferri Schoedl, que em 30 de dezembro de 2004 matou a tiros o estudante Diego Modanez e feriu Felipe Cunha de Souza.

O crime ocorreu na saída de um luau, em Bertioga (SP). Schoedl, que disparou 12 vezes contra Modanez e Souza, alegou legítima defesa. Segundo ele, as vítimas fariam parte de um grupo que teria mexido com sua namorada e depois o acuado.



TRAGÉDIA A moto, o casal e o filho de Alessandra foram atingidos em rodovia

Denunciado por homicídio qualificado (motivo fútil), o promotor trava sucessivas batalhas judiciais para ter direito a cargo vitalício. Ele quer ser julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em vez de ir a júri popular. Em setembro, Schoedl foi afastado de suas funções em decisão unânime do Conselho Nacional do Ministério Público.

Outro caso que desafia a lei é o do expromotor Igor Ferreira da Silva. Na madrugada de 4 de julho de 1998, ele matou com dois tiros na cabeça a esposa, Patrícia Aggio Longo, que estava grávida de sete meses.

Silva atribuiu o crime a um ladrão, que teria executado Patrícia durante assalto em Atibaia (SP). Não colou. Condenado a 16 anos e quatro meses de prisão por homicídio qualificado e aborto, Silva está foragido desde 2001.

Para o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, o Ministério Público faz parte da sociedade e não está isento de encontrar em seu meio os mesmos problemas que afetam a comunidade. "Mas a instituição tem atuado com o rigor necessário, em todos os casos", diz Pinho.

Ele lembra que nos três casos citados partiram do MP as medidas necessárias para responsabilizar criminalmente os envolvidos. O que é preciso deixar claro é que ser promotor de Justiça confere à pessoa o dever de zelar pelas leis, e não de estar acima delas.


13 de outubro de 2007
N° 15386 - Paulo Sant'ana


Duplo prejuízo

Eis como terminou a história daquele leitor de Passo Fundo que me contou os detalhes do assalto que sofreu, no qual foi levado pelos ladrões o seu carro.

Como se soube, ele não foi molestado além do susto que levou ao ver apontado para seu rosto um revólver, depois que deixou o volante do seu carro.

Decorreram dois dias de remorso por ter perdido um carro que não tinha seguro.

Mas a seguir estabeleceram-se negociações entre a vítima e os ladrões, no sentido de que, mediante pagamento, lhe fosse devolvido o carro.

Depois de diversos telefonemas entre a vítima e os ladrões, segundo me contou o leitor três dias atrás, ficou acertado que ele levaria até um determinado local da cidade um pacote contendo R$ 7 mil, que seria entregue aos ladrões, em troca da devolução do seu carro.

Mas deixemos que o próprio leitor, Rodolfo Accadrolli Neto (rodolfoan@annex.com.br), conte o desfecho:

"Por incrível que pareça, estou mais calmo. Mas o acordo com os ladrões não surtiu o efeito esperado. Chegando à rua escura para onde foi combinado o encontro, comigo sozinho, conforme exigência deles, num carro emprestado,

andei por alguns minutos bem devagar, com os vidros abertos para não dar margem a alguma possível interpretação diferente, no sentido de acharem que eu pudesse estar com alguma arma ou com um policial dentro do carro.

Em alguns minutos, avistei uma moto pelo retrovisor, talvez a mesma moto com que tenham me assaltado. Eram eles, parei o carro. Novamente na posse de uma arma, o rapaz me pediu o dinheiro. Antes, olhei para os olhos dele e perguntei onde estava o carro.

Ele me disse onde era o local. E eu repliquei: Tem certeza?. Naquele instante vi que o acordo não acabaria como o ansiado. Mas eu era o súdito e um ato de desrespeito poderia valer a minha vida.

Entreguei-lhe o dinheiro, depois fui até o local distante onde ele disse que estaria meu carro e lá não estava. Continuo sem meu carro e agora com um rombo de R$ 7 mil na minha conta bancária. Não sei ao certo o que devo fazer. Preciso dormir." Estava assinado, com o fone (54) 3313-6882.

Esse relato contém uma lição: entrega de dinheiro para reaver um bem roubado ou até mesmo como resgate de seqüestro tem de ser feita com o monitoramento da polícia. A polícia é que vai dizer se a vítima tem de ir sozinha ou não.

Assim, sozinho nas negociações com os ladrões, o leitor ficou inteiramente à mercê da esperteza deles.

Acho até que o leitor arriscou-se demais em ir sozinho e deve se dar por consolado, se a rua do local do encontro era assim escura como relata, de não terem lhe roubado o segundo carro, o emprestado. Ter sido roubado em seu carro, como se viu, era um prejuízo tolerável ainda pelo leitor.

Mas ter pago R$ 7 mil por nada, se tivesse me avisado que seria do jeito que foi, teria aconselhado a não fazê-lo para não restar com este duplo remorso. Mas, enfim...