sábado, 31 de dezembro de 2011



31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
MARTHA MEDEIROS

2012, me surpreenda

As melhores coisas do ano sempre foram aquelas que eu não previ

    Ano-Novo é uma convenção. Os dias correm em sequência. De 31 de dezembro para 1º de janeiro ocorrerá apenas mais uma sucessão de 24 horas em que nada mudará, tudo seguirá do mesmo jeito.

Pois é, sei disso, mas é um ponto de vista sem nenhuma alegria. Sou das que compram o pacote de Ano-Novo com tudo que ele traz em seu imaginário: balanço de vida, reafirmação de votos, desejos manifestos e esperança de uma etapa promissora pela frente.

Faço lista de projetos e tudo mais. Só que, quando chega o fim do ano e avalio o que consegui cumprir, descubro que o inesperado superou de longe o esperado. As melhores coisas do ano sempre foram aquelas que eu não previ. Então tomei uma decisão: nessa virada, não vou planejar coisa alguma e aguardar as resoluções que 2012 tomará para mim, à minha revelia.

    Mas poderia dar algumas sugestões?

    2012, anote aí: que as coisas mudem, mas não alterem meu estado de espírito. Não deixe que eu me torne uma pessoa ranzinza, mal-humorada, desconfiada, sem tolerância para as diferenças. Aconteça o que acontecer, que eu me mantenha aberta, leve e consciente de que tudo é provisório.

    Não quero mais. Quero menos. Menos preocupações, menos culpa, menos racionalismo. Pode cortar os extras. Mantenha apenas o estritamente necessário para me manter atenta.

    Está anotando?

    Espero que você esteja com ótimos planos para sua amiga aqui. Lançarei livro novo? Permita que eu seja abusada: dois. Sendo que nenhuma coletânea de crônicas, nem romance. Me ajude a variar.

    Que lugares conhecerei que ainda não conheço? Que pessoas entrarão na minha vida que, quando cruzo com elas na rua, ainda não as identifico? Que boas notícias ouvirei das minhas filhas? Quantos shows terei o prazer de assistir? Estou curiosa para saber o que você está aprontando para incrementar os meses que virão.

    Prometo que estarei preparada para receber o abraço afetuoso de quem antes me esnobava, para a frustração por tudo o que for cancelado, para voltar atrás nas minhas teimosias, para me dedicar a algo que nunca fiz antes.

Estarei disposta a tirar de letra os espíritos de porco e assumir a responsabilidade pelas asneiras que eu mesma cometer. E estarei pronta também para uma grande surpresa, ou até duas. Três, meu coração não aguenta.

    Se a dor me alcançar, que me encontre com energia e sabedoria para enfrentá-la. Que eu não me torne dura diante dos horrores, nem sentimentaloide diante das emoções. 2012, os acontecimentos são da sua alçada. Da minha, cabe recepcioná-los com categoria.

    Quais são seus planos para mim, afinal? Talvez nem todos sejam do meu agrado, portanto, que eu não tenha constrangimento em dizer “não, obrigada”, caso seja preciso. Mas que eu me sinta mais predisposta para o sim.

    Se estamos de acordo, pode vir.


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
NILSON SOUZA

Simpatias infalíveis

    Se você quer ganhar um Ano-Novo cor de arco-íris, como sugeriu Drummond na sua receita poética, não caia na lorota de chupar sementes de romã – nem de bergamota.

    Apenas pinte o seu ano com o pincel da imaginação e as tintas do coração.

    Se você quer ganhar um Ano-Novo próspero, exitoso e feliz, como consta nas mensagens de cartões, não coma lentilha nem dê pulinhos nas ondas – pois é tudo onda.

    Em vez disso, semeie suas próprias sementes de uma planta frutífera chamada gentileza.

    Se você quer ganhar um Ano-Novo envolto em cifrões, como preveem os magos da economia, não coloque folha de louro na carteira – ainda que louro rime com ouro.

    Seja mais pragmático, acorde cedo e mergulhe de cabeça, corpo e alma na praia do trabalho.

    Se você quer ganhar um Ano-Novo repleto de esperanças, como prometem os manuais de autoajuda, não precisa servir maçãs sobre toalha branca – para reis que não virão.

    Caia na realidade: é possível saber quantas sementes tem numa maçã, mas não quantas maçãs tem numa semente.

    Se você quer ganhar um Ano-Novo pleno de venturas, como desejam amigos e parentes, não desfile pela casa com malas vazias – até para não se tornar mala também.

    Faça, isto sim, um plano de voo para conhecer o seu próprio paraíso, que talvez nem esteja tão distante.

    Se você quer ganhar um Ano-Novo marcado por uma grande paixão, como prediz a cartomante da esquina, não vista roupas íntimas de cores berrantes – pois o Carnaval está longe.

    Seja mais elegante, invista na sua autoestima e terá mais chance de encontrar alguém especial.

    Se você quer ganhar um Ano-Novo enfeitado de elogios, como sonham os cronistas de amenidades, não dê conselhos nem faça trocadilhos – pois certamente irão acusá-lo de plágio ou repetição.

    Preferível, então, deixar de lado a poesia e lembrar aos leitores que a verdade é a mais poderosa das simpatias.

    Está bem, não sejamos tão racionais. Vem aí um ano que ninguém usou ainda e que pode ser seu, meu, de quem vier. Se você quiser pular ondas, pule e não dê bola para os descrentes. Coma lentilha, milho verde, o que melhor lhe aprouver. O importante é que você se divirta e receba 2012 com alegria, humor e tolerância.

    Saúde e feliz Ano-Novo!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011



28 de dezembro de 2011 | N° 16930
MARTHA MEDEIROS


Chegadas e partidas

    Quem se queixa de que não há mais afeto no mundo precisa dar uma espiada no programa Chegadas e Partidas, que vai ao ar às quartas (hoje!), pelo canal GNT. Mais que merecido o prêmio que levou de Melhor Programa de Televisão em 2011, dado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

A apresentadora Astrid Fontenelle grava o programa dentro de um aeroporto, onde colhe depoimentos de pessoas que estão esperando alguém ou se despedindo de alguém. As histórias são simples e comoventes, provando que nossos dramas e alegrias particulares ainda são o que há de mais rico e raro por aí (sem falar que a trilha sonora é de primeira).

    Na quarta passada, Astrid mostrou duas irmãs se despedindo de uma senhora de 80 anos que estava embarcando para Rondônia, sua terra natal. As duas irmãs conheciam essa senhora havia apenas três meses, quando se ofereceram em uma instituição de idosos para cuidar dela por um dia, como voluntárias.

Porém, se apegaram à senhora e a levaram para casa até que ficasse curada. A hóspede tinha um aneurisma e sofrera um AVC, apenas isso. Essas garotas são filhas de um motorista de ônibus, que também estava no aeroporto para acompanhar pessoalmente o retorno da senhora ao lar. Seria o primeiro voo de ambos – passagem paga através de uma cotização de vizinhos.

    Esse pai e suas duas filhas se mobilizaram por uma senhora que não conheciam e choraram sua partida como se fosse alguém com quem tivessem convivido desde a infância. Como disse Astrid, tem gente que não cuida de uma mãe ou de um irmão doente, e no entanto essa família humilde assumiu a responsabilidade de cuidar de uma estranha, dando-lhe remédios e algo ainda mais terapêutico: amor.

Credo, escrever essa palavra – amor – me fez sentir um Tiranossauro rex. Constranger-se em falar de amor é um mau sintoma.

    Chegadas e partidas. Um filho que nasce, um filho que morre. Uma paixão que brota na quinta-feira, uma paixão que termina no domingo. Desconhecidos que viram amigos de uma hora para outra, e amigos que somem no mundo sem dar mais notícias. Nossa vida é uma espécie de rodoviária – ou aeroporto, hoje dá no mesmo.

Todos esperando alguém que virá matar a saudade, que irá preencher um vazio, ou então se despedindo de alguém que buscará a felicidade em outro lugar, que irá trabalhar longe de casa.

Pouco temos nos comovido no dia a dia, atucanados em ganhar tempo e em cumprir metas, então nosso afeto só tem transbordado, pra valer, no momento crucial de uma separação ou de um reencontro.

    Um ano está partindo, outro ano está chegando. Eu, dentro da minha “rodoviária”, fico com os olhos marejados tanto pelo que deixo para trás quanto pelo que aguardo. Ou virei um merengue, ou estou ficando velha. Que seja. A boa notícia é que ainda me emociono.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011



27 de dezembro de 2011 | N° 16929
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Noites antigas

    Os tempos não eram definitivamente ecológicos. Tanto que uma carroça verde depositava na calçada de nossa casa, na Rua Sete de Setembro, em Cachoeira, um enorme pinheiro que alcançava o teto.

    Vi a chegada, mas não vi os mistérios de depois. A porta da sala de estar foi cuidadosamente fechada para a minha curiosidade de menino de três anos, e só aberta já noite fechada.

    Nesse instante, ocorreu todo um deslumbramento. O pinheiro era tão alto que, como disse, alcançava o teto. Mas isso era nada. O que maravilhava era aquela imensa torrente de tímbalos e enfeites que se despenhava até o chão – uma caprichosa obra de arte de minha mãe.

    – Esta é nossa Árvore de Natal – explicou meu pai.

    Eu já adivinhava e contemplei, siderado, aquela torrente de cintilações, brilhos, sinos, anjos, arcanjos que descia até o humilde presépio onde um pai e uma mãe velavam pelo Menino. A noite era fria e bois, vacas e ovelhas zelavam com sua respiração para que não sofresse com a temperatura.

    À direita, minha irmã Miriam, que era muito pequena, descansava, adormecida em um berço.

    Os presentes foram distribuídos, eu ganhei uma bola, um elefante e um caminhão com caçamba. E então aconteceu um pequeno milagre.

    De repente surgiram vozes que cantavam, menos eu, que não conhecia a música, Noite Feliz. Miriam dormia em paz.

    Depois vieram muitos Natais.

    Nunca esqueço um, passado em Montevidéu, em plena ditadura. Aquela cidade vocacionada para a liberdade estava sufocada por um regime obscurantista que aprisionava o Estado de Direito e calava os cidadãos.

    Precisamente na Noite de Natal, essa cidade calada pela violência reagiu. Rua a rua, quadra a quadra, bairro a bairro ecoaram os protestos de um estrondoso panelaço clamando pelo retorno da democracia.

    Foi um dos mais belos espetáculos de civismo a que assisti.

    Comecei falando em Cachoeira, terminei em Montevidéu. É que, no Natal, paz rima com liberdade.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
CLÁUDIO MORENO

Assim somos nós

    Na Itália, no Renascimento, a ligação comercial com terras mais longínquas despertou também a curiosidade pelos animais que viviam nos outros cantos do globo. As famílias de renome, que já mantinham em sua corte um séquito de pintores, artistas e saltimbancos, passaram também a demonstrar seu poder e prestígio com grandes coleções de espécimes raros e valiosos.

Além de apurados plantéis de cavalos, cães e falcões de caça, formaram-se zoológicos particulares que incluíam o leão, a zebra e a girafa, até então raríssimos na Europa. Um desses senhores, por exemplo, orgulhava-se de sua rica coleção de leopardos, provindos dos mais variados pontos do Oriente...

    Não faltaram, é claro, os que se dedicaram a formar verdadeiros zoológicos humanos. O famoso cardeal Hipólito Medici, por exemplo, exibia uma coleção de bárbaros que falavam mais de vinte idiomas diferentes, todos eles escolhidos entre os melhores representantes de seu povo: além de incomparáveis ginetes mouros, do norte da África, havia arqueiros tártaros, lutadores etíopes, mergulhadores indianos e turcos caçadores, que sempre acompanhavam o cardeal em suas expedições.

Quando faleceu prematuramente, em 1535 – é Jacob Burckhardt quem conta, em A Cultura do Renascimento na Itália –, seu caixão foi levado nos ombros por este bando esquisito, que misturava a algaravia de suas vozes às lamentações do cortejo fúnebre.

    Essa exaltação da diferença entre os tipos humanos – que sempre serviu, em todas as épocas, para argumentos racistas – veio perdendo força desde o séc. 18, quando se proclamou que a Humanidade, embora múltipla, é sempre uma só. A não ser por fanatismo delirante, hoje ninguém ousaria negar que os homens – afegãos ou japoneses, esquimós ou argentinos – sejam iguais uns aos outros.

Por outro lado – e talvez por consequência – começamos a compreender que aquilo que torna infinita a variedade do zoológico humano é a possibilidade de cada um ser múltiplo em si mesmo.

    Isaac Singer, um dos autores preferidos de nosso Moacyr Scliar, contava a história de um homem que, ao voltar de uma viagem a Vilna, comentou com um amigo que os judeus deviam ser um povo notável, pois tinha visto um judeu que, da manhã à noitinha, dedicava-se aos ensinamentos do Talmude;

um judeu que, durante o dia inteiro, só pensava em como poderia enriquecer; um judeu que agitava o tempo todo a bandeira da revolução, clamando contra a injustiça; um judeu que corria atrás de qualquer rabo de saia que passasse – ao que o amigo replicou: “Por que a surpresa? Afinal, Vilna é uma cidade grande, onde vivem judeus de todos os tipos”.

“Mas não”, disse o primeiro, “estou falando do mesmo judeu”. Pois é: assim somos todos; assim é cada um de nós.

domingo, 25 de dezembro de 2011



24/12/2011 e 25/12/2011 | N° 16927
MARTHA MEDEIROS

Natal para ateus

A semana que antecedeu o Natal foi de caixa de e-mails lotada: diversas mensagens chegaram, algumas bem alegres, outras com apelos um pouco melodramáticos, em especial as que recrutavam Jesus, o aniversariante esquecido. De fato, vivemos numa época megaconsumista e muitos não dão valor à data, mas a tragédia não é absoluta.

De minha parte, não festejo o aniversário de Jesus, mas nem por isso minha casa se transforma num iglu habitado por abomináveis corações de gelo. Me emociono, confraternizo, abraço, beijo e brindo à paz, acreditando que essa abertura sincera para o afeto é uma espécie de religião também.

    Recentemente, o escritor e filósofo suíço Alain de Botton esteve no Brasil lançando Religião para Ateus, livro em que ele defende a tese de que, mesmo sem acreditar em Deus, é possível ter fé. E mesmo sem ter fé, é possível encontrar na religião elementos úteis e consoladores que suavizam o dia-a-dia.

Botton condena a hostilidade que há entre crentes e ateus, e diz que em vez de atacar as religiões, é mais salutar aprender com elas, mesmo quando não compactuamos com seu aspecto sobrenatural.

    Não é de hoje que admiro esse autor, e mais uma vez ele me empolga com sua visão. Fui criada numa família católica, mas já na adolescência minha espiritualidade se divorciou dos rituais de celebração, já que deixei de acreditar em fatos bíblicos que me pareciam implausíveis. Nem por isso fiquei órfã dos valores éticos que as religiões pregam.

    Solidariedade, gentileza, tolerância, princípios morais, nada é furtado daqueles que descartam a existência de Deus. Claro que, se não houver o hábito constante da reflexão, podemos nos tornar materialistas convictos e acabar exercendo a bondade só em datas especiais.

É nesse ponto que Alain de Botton defende o lado prático e benéfico das religiões: elas funcionam como lembretes sobre a importância de nos introspectarmos e de fazermos a coisa certa todos os dias. Quem prefere não buscar esses lembretes na igreja, pode buscar na arte, no contato com a natureza ou onde quer que sua alma se revitalize.

    Do que concluo que é possível encontrar o sentido do Natal sem montar presépio, sem assistir à missa do Galo e sem servilismo religioso. Basta que sejamos uma pessoa do bem, consciente das nossas responsabilidades coletivas e que passemos adiante a importância de se ter uma conduta digna. Nós todos podemos ser os pequenos “deuses” de nossos filhos, de nossos amigos e também de desconhecidos.

    Dentro desse conceito, posso afirmar que o Natal é frequente aqui em casa: hoje, amanhã, depois de amanhã. A diferença é que nos outros dias estamos de moletom em vez de vestido de festa, e a ceia vira uma torrada americana, mas o espírito mantém-se em constante estado de alerta contra o vazio e a superficialidade da vida.

   Feliz Natal – para todos.
Danuza Leão

Turismo no Rio

E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta

A melhor coisa do mundo é ser turista no Rio. Eles/elas chegam trazendo uma sacola com duas bermudas, cinco camisetas, um biquíni, uma sandália de borracha, um boné, acordam cedo e saem para conhecer a cidade -e que cidade.

Um dia vão a Santa Teresa, o bairro mais charmoso que existe, e andam a pé, vendo casas lindas, descobrindo ruelas sem saída, parando várias vezes para comer um pastel, tomar um caldo de cana ou uma cerveja gelada, e conhecendo botequins e restaurantes que quase nenhum carioca conhece, só eles.

O problema é a escolha: podem caminhar na pista Claudio Coutinho, que faz a volta do morro da Urca, depois aproveitar a viagem e subir ao Pão de Açúcar para ver a vista mais deslumbrante que existe.

É um programa que não passaria pela cabeça de nenhum carioca fazer; eles acham brega, não sabem o que estão perdendo.

E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta, com direito a um banho de cascata para refrescar. E pense: qual a grande cidade que tem a sorte de ter uma floresta de verdade tão perto?

Se estiver de carro, pode voltar pelo outro lado, descer direto na Barra e escolher em que ponto dos muitos quilômetros de praia vai dar um mergulho.

Vai poder também visitar o sítio Burle Marx e se extasiar com as centenas, milhares de plantas tropicais; depois, almoçar em um dos restaurantes das "tias" ali perto, em chão de terra batida, comer um camarão fresquinho, um peixe acabado de pescar, pagando três, quatro, cinco vezes menos do que num restaurante chique.

E dar uma volta no Jardim Botânico, lembrando que era o lugar preferido de Tom (Jobim, é claro), e se deixar levar pela memória, pensando nas músicas que o maestro compôs, muitas delas inspiradas por ali.

Mas o Rio tem mais, muito mais.

Um mercado de artesanato: quem não gosta? E não é programa obrigatório, quando se visita um país exótico? Pois aos domingos temos um, maravilhoso: é a feira hippie, na praça General Osório.

Lá você compra por dez, 20 reais, as pulseirinhas mais lindas, que estão nas vitrines das butiques por cem, 150, e mais colares e brincos, bolsas que vão fazer furor na volta para casa, calças compridas, blusas, pareôs, tudo bem baratinho, como a gente gosta, ainda com direito a comer um acarajé feito na hora por R$ 6,50 (só os cariocas não vão à feira).

Depois das compras feitas, mais um mergulho para arrematar o dia, e detalhe: a praia é a dois passos.

Como moro no Rio, não costumo seguir esse roteiro, mas no fim de tarde faço como eles: boto um tênis e ando até o Arpoador.

Na volta, paro num quiosque, tomo uma água de coco -R$ 4-, fico vendo o sol se esconder atrás do morro Dois Irmãos, e a cada vez me surpreendo com a beleza. Só vou para casa depois que escurece, mas eles, os turistas, continuam: como se fosse mágica, rola um som, a caipirinha aparece, e a festa continua até de madrugada.

Ah, se eu fosse esperta mesmo, nas próximas férias iria para um hotel na frente do mar, me fantasiaria de turista e aproveitaria melhor a cidade onde tenho o privilégio de morar.

PS - O governo do Rio é muito criativo; como, durante as obras do metrô, algumas ruas serão fechadas ao trânsito -o que vai impedir os moradores de ter acesso às garagens-, manobristas estarão à disposição para cuidar dos carros, não é lindo?

E aproveitando: será que o visual das novas estações do metrô não podia melhorar? A da praça General Osório é monstruosa, e dá medo só de pensar que podem fazer algo parecido na linda praça Nossa Senhora da Paz.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 24 de dezembro de 2011



24/12/2011 e 25/12/2011 | N° 16927
NILSON SOUZA

Decreto de Natal

    Fica decretado, nesta noite encantada, que nenhuma criança passará fome, nem será maltratada ou negligenciada. E que todos os meninos e meninas do planeta dormirão sob um teto, receberão carinho, presentes e afeto.

    Fica decretado, nesta noite de festas e serestas, que todos os homens e mulheres da Terra rejeitarão a guerra, andarão de braços e trocarão abraços. Todos, sem exceção, tratarão o próximo como irmão e não haverá mais qualquer distinção entre empregado e patrão.

    Fica decretado, nesta noite em que a estrela-guia namora fogos de artifício, que o suplício, o sacrifício e o desperdício serão substituídos por vias lácteas de alegria.

    Fica decretado, nesta noite de luzes, que carpinteiros, marceneiros e guerreiros estão impedidos de construir cruzes e de lançar obuses. E que, em contrapartida, todas as forças do universo serão usadas para preservar a vida.

    Fica decretado, nesta noite tão especial, que o ser humano jamais renegará sua origem animal e tratará as demais espécies com respeito reverencial. Protegerá bichos, florestas, rios e as demais dádivas da natureza, e cuidará com carinho da limpeza desta casa única que nos serve de fortaleza.

    Fica decretado, nesta noite de inspiração divina, que está extinta a rotina, que a emoção é a melhor adrenalina e que, talvez, um grande amor esteja nos esperando na primeira esquina.

    Fica decretado, finalmente e em definitivo, que este aditivo aparentemente autoritário pretende ser apenas um estímulo afetivo a quem sonha com um Natal mais solidário. E que este comentário singelo, que mistura desejo e presságio, não será confundido com um plágio do inimitável Thiago de Mello.

    Fica decretado, nesta noite de sonhos misturados, que passa a valer como preceito o direito, o respeito e o escorreito, mas os erros, gafes e planos malfeitos serão tolerados, até mesmo porque ninguém é perfeito.

    Fica decretado, sobretudo, que o leitor paciente e a leitora generosa, mesmo não concordando com tudo, acatarão as sugestões deste estudo, abrirão seus corações, unirão seus pensamentos e suas orações, para que todos tenhamos uma noite maravilhosa.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011



A LIÇÃO DA INOCÊNCIA

 A leitura de uma graciosa carta de criança sobre Papai Noel e da resposta que lhe foi dirigida, constitui salutar refrigério para nosso século tão materializado

          Numa manhã de setembro do ano de 1897, o  redator-chefe do jornal nova-iorquino “The Sun” encontrou sobre sua mesa de trabalho a seguinte carta de uma menina de oito anos:

Prezado Sr. Redator:

         Tenho oito anos de idade. Algumas de minhas amigas sempre me dizem que não existe o Papai Noel. Porém, meu pai afirma que se essa existência o “The Sun” confirmar, então é certo que existe o Papai Noel. Por favor, diga-me a verdade: existe mesmo o Papai Noel?

Virginia O'Hanlon

             Francis Church, redator do “The Sun”, com relutância e hesitação tomou a si a tarefa de responder à carta de Virginia. Contudo, tendo começado a escrever, as palavras saltaram rápidas sobre o papel, e assim surgiu a seguinte carta:

“Virginia:

            Tuas amigas não têm razão. Elas sofrem de uma doença péssima e que mais tarde trar-lhes-á ainda muitas dores. Toma cuidado para que essa doença não te pegue. Trata-se de uma doença de alma. Nós, os adultos, chamamo-la de incredulidade, espírito de crítica, falta de inocência. Tuas amigas e outras pessoas que tentaram te convencer pensam que são sábias e espertas, porque só admitem como real aquilo que podem ver com os olhos e tocar com as mãos. Contudo, elas não sabem quão pouco é isso!

                Ora, pequena Virginia, imagina todo este imenso Globo terrestre com seus lagos e montanhas, com seus rios e mares, e, pairando sobre nossas cabeças, o céu infinito com suas miríades e miríades de estrelas. Imagine quantas espécies de seres existem no mar, nos ares e sobre a terra.

O homem é apenas um entre milhares de seres, e ademais quão pequeno! Diante das imensidões do universo, ele é pouco mais do que um besouro ou uma formiga. Como então pode o homem ver tudo o que existe e com seu pequeno entendimento querer explicar todas as coisas?

            Sim, Virginia, existe o Papai Noel! Tão certamente quanto existem o carinho e a alegria, o amor e a bondade, os quais, porém, não podemos ver com nossos olhos e apalpar com nossas mãos. Mas tudo isso existe. Tu mesmo já os experimentaste. E não trazem eles beleza e alegria em tua vida?

            Ah, como seria triste o mundo sem o Papai Noel! Tão triste como se não houvesse mais Virginias, como se não houvesse mais os contos de fadas, os anjos, as canções, as histórias infantis escritas pelos poetas. Ou, pelo contrário, só houvesse gente que jamais se encanta com nada, que jamais sorri! Então estaríamos todos perdidos. E aquela luz eterna, que jamais se apaga, com a qual as crianças iluminam o mundo e que acompanha toda criancinha que nasce, esta apagar-se-ia para sempre.

            Não acreditar no Papai Noel?! Então ninguém mais precisaria crer em fadas e anjos. Tu poderias convencer teu pai a colocar vigias diante de cada chaminé, na noite de Natal, para que eles pudessem agarrar o Papai Noel. O que ficaria então provado se eles não o vissem descer pela chaminé?

Ora, ninguém vê o Papai Noel! Isso porém não prova que ele não existe. As coisas que neste mundo são verdadeiramente reais, não as podem ver nem crianças nem adultos. Já viste alguma vez uma fada dançar sobre os prados floridos? O fato de não a teres visto não prova que a fada não dance na pradaria. Ninguém pode compreender todas as maravilhas invisíveis do universo.

            Tu podes bem desmontar um chocalho de bebê, a fim de ver como se produz propriamente o ruído das pedrinhas que se chocam umas contra as outras. Porém, sobre o mundo invisível há um véu estendido, o qual não pode ser rasgado nem mesmo pelo homem mais forte da terra, e nem sequer pela força conjunta de todos os homens fortes de todas as épocas.

Somente a fé e a caridade podem levantar um pouquinho a ponta deste véu e assim contemplar a beleza e o esplendor sobrenaturais que se escondem atrás dele.

            Será tudo isso realidade? Ó, Virginia, sobre a Terra não há nada de mais real, de mais verdadeiro do que isso! Graças a Deus que o Papai Noel vive e viverá eternamente! Nos próximos mil anos – oh! que digo, pequena Virginia --, nos próximos 10 mil anos multiplicados por outros tantos mil anos, o Papai Noel continuará a fazer com que os corações puros das crianças se alegrem e batam com mais força na abençoada noite de Natal.


23 de dezembro de 2011 | N° 16926
NÍLSON SOUZA - INTERINO

Vende-se, sim

    Se o Real Madrid realmente confirmar uma proposta razoável por Mário Fernandes, dificilmente o Grêmio deixará de vender. Claro que o presidente Odone vai fazer o possível para valorizar o negócio, pois ele tem que defender os interesses do clube. Mas aquela faixa de 1999 (Não vendemos nossos craques), que alguém teve a infeliz ideia de pendurar no Olímpico, já deve ter sido destruída.

O mercado do futebol não permite mais tal arrogância. Todos vendem, inclusive os poderosos. E quando um jogador começa a dar sinais de que está interessado em sair, como parece ser o caso de Mário Fernandes, o melhor mesmo é planejar uma boa venda.

Faço, porém, duas ressalvas. Uma: não se pode dizer, ainda, que Mário Fernandes é um craque. É um bom jogador e tem potencial para crescer. Outra: a tal proposta, por enquanto, está no campo nebuloso das especulações.

    Negativa

    Ontem mesmo o Real Madrid publicou uma nota em seu site, negando que tenha feito qualquer proposta ao Grêmio. Fez isso em resposta à matéria publicada pelo jornal espanhol Marca, que anunciou o negócio. Porém, o clube espanhol teve o cuidado de não negar o interesse: apenas afirmou que não entrou em contato com o Grêmio nem fez qualquer oferta. Traduzindo: mantém a porta aberta.

   Concorrência

    Um dos auxiliares de Mourinho andou recentemente no Brasil para observar laterais brasileiros, possivelmente inspirado no sucesso dos conterrâneos Daniel Alves e Adriano, do Barcelona, e de Marcelo, do próprio Real. Além de Mário Fernandes, o espanhol se interessou também por Mariano, do Fluminense.

   Bom senso

    Ainda que o Inter esteja mesmo desembolsando algum dinheiro para contar com Dagoberto no início da temporada, é uma medida sensata. Segundo as informações do próprio São Paulo, a presença de Fernandão, que deixou boa imagem e muitos amigos no clube paulista, foi fundamental para romper o impasse. Todos ganham com a decisão.

    Vice colombiano

    O Once Caldas perdeu o título colombiano, mas tem bala na agulha. Este ano mesmo deu trabalho aos clubes brasileiros que o enfrentaram pela Libertadores. Eliminou o Cruzeiro e deu um sufoco no Santos, que venceu o primeiro jogo em Manizales mas só empatou o segundo no Pacaembu. E o Cruzeiro, vale lembrar, estava no seu melhor momento. Chegou a ganhar o jogo da Colômbia por 2 a 1, mas levou 2 a 0 na Arena do Jacaré.

    Jogada

    No confronto final contra o Junior de Baranquilla, na última quarta-feira, o Once Caldas marcou seus dois gols em levantamentos para a área adversária. No primeiro, fez uma cobrança de escanteio diferente, com a bola lançada para um jogador que estava fora da área.

Quando a defesa começava a sair na sua direção, ele deu um giro e colocou na frente do atacante que entrava sozinho. Parece coisa ensaiada. Como o Inter tinha olheiro no jogo, certamente vai se prevenir.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011



Contardo Calligaris

Papai Noel por toda parte

Nossa 'generosidade' é narcisista; deve ser por isso que preferimos fantasiá-la de Papai Noel

Embora meu pai fosse agnóstico, ele tolerou que, durante a infância, eu tivesse uma educação religiosa -católica, no caso.

Se meu pai tivesse impedido que eu fosse batizado, suponho que minha avó materna teria me administrado o sacramento às escondidas. Era ela quem me levava para a missa do domingo; foi ela quem se encarregou de minha primeira comunhão e de minha crisma.

Talvez meu pai aceitasse a ingerência da minha avó para preservar a paz do lar. Ou talvez ele pensasse que um pouco de religião na infância não me faria mal (há uma ideia laica de que um pouco de fé, no começo da vida, pode nos dispor ao respeito pelo próximo e a saudáveis escrúpulos morais).

Seja como for, meu pai era cético, minha mãe, incerta, e minha avó, crente -assim como muitos eram crentes entre os professores, os parentes e os amigos dos meus pais. Havia, portanto, muitos adultos para quem, apesar do ceticismo do meu pai, Deus era uma verdade -não apenas um artifício pedagógico.

Essa divergência não existe em matéria de Papai Noel: a partir da pré-adolescência, ninguém acredita mais que ele exista de verdade. Ao contrário, uma criança de dez anos que escreva uma carta para o polo Norte desperta preocupação: "Atraso cognitivo ou emocional?", perguntam, preocupados, os mesmos adultos que, poucos anos antes, declaravam a essa criança que Papai Noel existe (e se felicitavam ao verificar que ela acreditava).

O Papai Noel não é o único caso de crença reservada à infância. Porém, por mais que os adultos contem histórias de bruxas ou ogros e achem graça na credulidade apavorada das crianças, é só no caso do Papai Noel que produzimos anualmente um grandioso culto público.

Imagine que um meteorito se choque com a terra hoje, 22 de dezembro, acabando com a espécie humana. No futuro, uma expedição arqueológica de um planeta distante chegará à Terra com o intento de entender quem eram os humanos. Eles concluirão que uma grande parte dos terrestres venerava um velhinho acima do peso, que vivia na neve, se locomovia em trenó e presenteava as crianças.

No melhor dos casos, haverá, entre os ETs, uma espécie de Paul Veyne (o autor de "Acreditaram os Gregos em seus Mitos?", Edições 70): estranhando a contradição entre nossa cultura e o infantilismo de nossas crenças, ele escreverá "Será que os terrestres acreditavam mesmo em Papai Noel?".

Enfim, o fato é que, nesta estação, enchemos nossas cidades de imagens do Papai Noel e encorajamos as crianças a conversar com os papais noéis que povoam lojas e shopping centers.

Milagre natalino: sábado à noite, em São Paulo, a avenida Paulista (fechada aos carros) era um desfile alegre de famílias. Às crianças pequenas, boquiabertas, só sobrava acreditar no Papai Noel: se ele não existisse, por que os adultos se dariam àquele trabalho?

Alguns dizem que tudo isso não passa de uma invenção do comércio -para que todos esperem receber presentes e, na falta de um Papai Noel real, sejamos obrigados a tomar seu lugar, indo às compras. Eu tendo a pensar que o comércio pegou carona numa invenção que não foi dele, mas nossa, dos adultos em geral.

Talvez precisemos do Papai Noel para encarnar e disseminar o espírito natalino. Seríamos crédulos na infância e faríamos de conta uma vez por ano, para preservar um ideal de solidariedade e bonomia.

E há outra explicação, menos poética, mas não excludente. Amamos nossas crianças de uma maneira que não é exatamente prova de nossa grandeza de ânimo.

Sobretudo nas últimas décadas, enfiamo-lhes presentes ou guloseimas goela abaixo, que elas os mereçam ou não, para vê-las satisfeitas e gratificadas (mesmo que seja só por um instante).

Com que propósito? Esperamos que a fartura de nossos rebentos compense todas as nossas frustrações, passadas e presentes.

Como nos envergonhamos dessa "generosidade" narcisista, o jeito é fantasiá-la de Papai Noel: não somos nós que mimamos e estragamos nossas crianças, é um velhinho vestido de vermelho.

É um problema? Não sei, mas um adulto que acredita no Papai Noel é alguém convencido de que o almoço é de graça e não é preciso se esforçar: o mundo, os deuses ou a sorte lhe darão o que ele quer, que ele mereça ou não. É isso que queremos que nossas crianças acreditem?

Feliz Natal, e que o Papai Noel não se esqueça de ninguém.

ccalligari@uol.com.br

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


 
21 de dezembro de 2011 | N° 16924 
MARTHA MEDEIROS  

Aula de cinema

Covardia não é palavra que me defina, mas fujo de brigas. Se pressinto que vou me incomodar, desapareço pela porta. De certa forma, isso explica por que, desde os primeiros comentários que li sobre o novo filme de Almodóvar, resolvi que não iria assistir, mesmo sendo sua fã assumida. Bizarro, grotesco, chocante, era o que eu ouvia a respeito de A Pele que Habito. Tudo indicava que era um filme soturno. Uma amiga chegou a sair antes de terminar. Pensei: neste fim de ano, investirei em levezas, e não no que pode me atingir feito um chumbo.

Não vou. Verei no DVD mais adiante, bem mais adiante. Até que minha filha, no dia em que passou no vestibular para Cinema, me convidou para assistir à nova obra do espanhol com ela. Poderia estar comemorando com os amigos em algum bar, mas quis saudar a nova etapa do seu jeito – e me senti honrada em ser sua convidada exclusiva. Pois bem.

A Pele que Habito é bizarro, grotesco, chocante, soturno e muito mais. E é este muito mais que o torna imprescindível para acordarmos do marasmo, seja no fim do ano, no início ou no meio. A vida intelectual nos tem sido servida em bandeja de prata, parece proibido causar desconforto. A arte continua sendo vital, mas não tem sido viral.

Não nos desacomoda da cadeira, não perturba, não assombra, não nos faz perguntar qual terá sido o truque. Os truques estão vindos todos explicados no rodapé. Já Almodóvar perturba, assombra, provoca e fascina, sem nos dar um minuto para respirar. E essa quantidade de reações é que torna A Pele que Habito uma lição de cinema para todos, não só para os bixos da faculdade. Está tudo ali, grandioso como a tela exige: o roteiro inventivo e insano, a direção magistral, a fotografia espetacular.

O superlativo assumido, ainda que a estética kitsch que o caracterizou em outras obras esteja cada vez mais refinada – mas nunca refinada a ponto de se tornar palatável. O indigesto que Almodóvar oferece é uma iguaria da qual nós, famintos por nonsense, famintos por entranhas, famintos por magia, precisamos para nos alimentar – também. Podem parecer disparatadas essas minhas argumentações, mas ficou evidente, ao sair do cinema, o quanto é necessário abandonarmos nossa zona de conforto para enfrentarmos o absurdo, para desmascarar tudo que existe de secreto e indizível que nos revoluciona por dentro, e dentro se mantém encarcerado. A arte serve para isso – dar voz ao incômodo.

Há quem faça filmes de terror de maneira crua e explícita, sem utilizar todos os recursos que o bom cinema oferece. Não é o caso de Almodóvar, que sempre faz uma empolgada declaração de amor ao seu ofício, ao mesmo tempo que dá um tremendo crédito ao seu espectador: ele realmente acredita na ausência de covardes na plateia. Aproveite o último dia da primavera de 2011. Amanhã começa o nosso verão. Lindo dia pra você.


21 de dezembro de 2011 | N° 16924
DIANA CORSO


Meus heróis não morreram de overdose

    A foto não me sai da cabeça. Tirada em 1970 e só recentemente divulgada, mostra a presidente Dilma Roussef. Ela estava com 22 anos, sendo interrogada por militares que escondem a face com as mãos. O olhar desafiador da jovem militante, que vinha de uma jornada de tortura, contrasta com os rostos ocultos dos inquisidores.

    Em 70 eu tinha apenas 10 anos, mas a próxima década me jogou numa militância que tinha conexão com aquela imagem. Nossa principal reivindicação era a abertura política e a libertação dos presos políticos: sentíamos um compromisso com os mais velhos que, mesmo apanhando, conquistaram o pouco ar rarefeito que se respirava. Admirava sua coragem, pois lembro bem do medo que sentia.

    O clima ainda era de caça às bruxas, de paranoia: agentes infiltrados nas aulas e reuniões, pancadaria nas passeatas, a maior parte dos bons professores expulsos. Na vida cotidiana da maior parte das pessoas dos anos de chumbo imperava a alienação orgulhosa de si, a mediocridade convicta, o discurso retrógrado. Os rebeldes eram exceção.

    As famílias classe média tomavam seu Campari e sentiam-se prósperas. Os governantes militares davam arrepios, mas pareciam ter chegado para ficar. Sentia que nadava contra corrente, não conseguia me acomodar. Embora barulhentos, éramos poucos os chatos que discursávamos proselitismos de revolução. O despotismo se firma esbravejando certezas nas quais muitos se acomodam, aniquilando discordâncias. Uma espécie de bullying em escala gigante.

    Os efeitos desse mundo de adultos, pais, governantes e mestres, vivendo alegremente graças à ditadura se fizeram sentir em várias gerações de adolescentes, hoje adultos. Sofremos as sequelas culturais e psíquicas da tentativa de extermínio, ou do exílio de uma boa safra de pensadores, artistas, militantes.

Muitos morreram, outros nunca voltaram ou desistiram. O psicanalista Winnicott dizia que o questionamento dos jovens, sua irresponsabilidade criativa, capaz de pensar soluções novas para velhos problemas, era um tesouro para qualquer sociedade. Mas o despotismo nutre-se de salgar essa terra, cortar o broto da transformação. As ditaduras são estruturadas sobre a morte dos opositores e das utopias, com elas morre a juventude.

    Eu devia ter visto antes aqueles rostos ocultos, vexados. É o detalhe da foto que mais me impacta: pelo jeito, a soberba dos repressores não era tão senhora de si. Se soubesse disso, poderia ter encontrado mais coragem.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011



20 de dezembro de 2011 | N° 16923
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um passo à frente

De vez em quando surge uma ideia luminosa no campo da educação. É o que acontece agora, com o projeto que planeja enviar 100 mil estudantes brasileiros para estudar em centros de excelência no Exterior.

O programa do governo federal pretende enviar, em escala nunca vista, turmas de alunos de boletim impecável e pendor para as ciências. Os estudantes, de graduação ao pós-doutorado, segundo leio na excelente reportagem de Renata Betti na Veja, estudarão com as maiores cabeças pensantes de centros de excelência acadêmica lá fora.

Algo similar já se tentou no país na década de 1930. Quando foi fundada a Universidade de São Paulo, importaram-se cérebros da Europa para lecionar entre nós.

Agora ocorre o oposto. Somos nós que enviamos alunos para se qualificarem nos melhores centros de pesquisa do universo.

Não foi diverso o que sucedeu em nações como a China, a Índia e a Coreia do Sul, que aprenderam que não havia outro caminho para se equiparar com as economias de ponta do que aprender com elas. Por isso, incentivam os seus mais promissores alunos a se aperfeiçoar no Exterior e oferecem atrativos para que regressem.

Conta Renata Betti que o programa brasileiro vai na mesma linha, projetando garantir aos retornados boas condições de pesquisa e remuneração acima da média.

Temos muito que andar. O Brasil conta com apenas um pesquisador para cada mil pessoas ativas, um sétimo da média dos países mais industrializados.

Essa desproporção ajuda a entender o abismo que nos divorcia das economias mais prósperas.

Resta esperar duas coisas: que as pesquisas produzidas atendam às verdadeiras demandas do desenvolvimento nacional e que as bolsas não se limitem ao território das ciências exatas, mas abranjam igualmente o riquíssimo domínio das ciências humanas.

sábado, 17 de dezembro de 2011



18 de dezembro de 2011 | N° 16921
MARTHA MEDEIROS


A vida da gente

Como é bom se reconhecer em personagens menos alegóricos e voltar a acreditar que não somos tão cafonas

Desde que estreou, assisto a A Vida da Gente sempre que posso. Primeiro, porque já estava habituada a ligar a tevê no horário das 18h para ver Cordel Encantado, que foi uma obra de arte. Segundo, pela autora, Lícia Manzo, cujo trabalho segue a linha da excelente Maria Adelaide Amaral. E, por fim, por bairrismo mesmo: fiquei curiosa em ver como retratariam Porto Alegre, onde a trama ficcional se passa.

A Vida da Gente tem a medida da realidade. Por mais que saibamos que existem, na sociedade, vilões que mandam matar, mulheres que se vendem barato, familiares que se sacaneiam e barracos que acabam em delegacias, tudo isso é sempre over nas novelas – ninguém presta. E as motivações são fúteis, maniqueístas e sem respaldo psicológico.

A trama principal da novela: uma tenista entra em coma por quatro anos e, ao acordar, depara com uma filha crescida e um namorado que já não é seu. Foram transferidos para sua irmã, que não é uma cobra, e sim um doce de garota que apenas respondeu às exigências da continuidade da vida: criou a filha da irmã desacordada e acabou se apaixonando pelo pai da garotinha. Incomum, mas verossímil, até porque todas as nuances são abordadas sem simplificações. O público apenas testemunha as urdiduras do destino.

Em paralelo, um pai cuida das filhas em casa enquanto a mãe trabalha. Outro pai e sua esposa fútil não cuidam do filho, terceirizando-o para uma babá. A dificuldade de se relacionar com enteados. Uma mulher sequelada se anula para viver a vida da filha favorita. O amor na terceira idade.

A aproximação de uma filha adotiva com o pai biológico. Uma mulher com urgência para procriar busca um pai compatível, em vez de um amor de verdade. Pais, pais, pais. Eles nunca tiveram tanto protagonismo numa novela – finalmente, os papéis masculinos ganharam humanidade, em vez de se dividirem entre bandidos inescrupulosos ou galãs insípidos.

Não há apelos sensacionalistas – os homens não andam sem camisa, as mulheres não são periguetes, os diálogos não são vulgares, o humor é sutil, e não caricato. A canastrice foi abolida.

E ainda que as atuações sejam discretas, pouco mobilizantes, não há como não se render ao trabalho de Ana Beatriz Nogueira, Nicette Bruno, Gisele Froes, Marjorie Estiano e Fernanda Vasconcellos – sem desprezar nenhum dos não citados.

Mas, de tudo, o que mais me anima é o bom gosto. Não só o bom gosto da luz, da trilha sonora, da fotografia, do texto, mas da conduta. Não há grandiloquência no heroísmo nem na vilania. O que existe é a vida de todos nós: frágeis, inseguros, divididos, carentes, buscando acertar sem cometer muitos furos.

Não que Terezas Cristinas sejam totalmente irreais, mas como é bom se reconhecer em personagens menos alegóricos e voltar a acreditar que não somos tão cafonas.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011



14 de dezembro de 2011 | N° 16917
MARTHA MEDEIROS


Não pega

Hoje será votado o projeto que pretende alterar o nome da Avenida Castelo Branco. A ideia é de que a avenida deixe de homenagear um representante da ditadura militar para se chamar Avenida da Legalidade, que é um movimento que orgulha os gaúchos.

Os autores do projeto, os vereadores Fernanda Melchionna e Pedro Ruas, estão bem-intencionados e seus argumentos são razoáveis, mas é uma iniciativa que, vitoriosa ou não, pouca diferença fará. Ninguém vai passar a dizer: “Me atrasei, fiquei preso na Legalidade”. Todos continuarão saindo e entrando livremente de Porto Alegre pela Castelo Branco.

No Rio, as pessoas desembarcam no Galeão, mesmo que o aeroporto se chame Antonio Carlos Jobim desde 1999. Alguém se refere a Cat Stevens como Yusuf Islam? É o nome do cantor desde que ele se converteu ao islamismo. Quem escutava Jorge Ben quando criança não consegue chamá-lo hoje de Jorge Benjor, e muitos moradores vizinhos à Praça Carlos Simão Arnt (praça o quê? Ah, a praça da Encol) seguem chamando o supermercado Nacional de Febernatti.

Não importa se por homenagem, conversão religiosa, numerologia ou mudança de propriedade: temos profunda resistência a trocar de hábitos. Na época da escola, tínhamos uma colega cujo apelido era Gorda. Hoje, a Gorda é uma mulher linda e magra que faz questão de que a chamemos pelo nome, Marina.

Mas alguém consegue? Quando ela nos apresenta algum namorado ou se está diante de uma cliente, ai de nós, suas amigas de infância, se perguntarmos: “Onde é que tu conheceste a Gorda?”. Ela nos fulmina com os olhos como quem diz: “Te pego na saída”.

Mas não pega.

Porque, depois de um tempo, Gorda deixa de significar acima do peso, assim como Castelo Branco deixa de significar presidente do regime militar. Ninguém racionaliza sobre nomes próprios. A menção torna-se automática, sem nenhuma codificação, sem nenhum racionalismo. Tanto faz se uma loja for inaugurada com um nome esdrúxulo ou chique, pois todos os nomes são rapidamente despidos de qualquer sentido.

Lembro que houve uma época em que a butique mais elegante de Porto Alegre chamava-se Levajeito: nome de lojinha de subúrbio. Assim como lanchonetes de fundo de quintal são batizadas com nomes em inglês e apóstrofo – identificações superficiais, pois o que segue relevante é a identidade intrínseca do local.

Infelizmente, é assim: o costume elimina a significância. Vá saber se em algum rincão do Brasil não há uma rua chamada Orlando Silva, que tanto pode estar homenageando o cantor das multidões como o ministro que saiu do governo sob acusações de irregularidades.

Na hora de dizer Orlando Silva, 256, apartamento 101, quem pensa no ilustríssimo que a inspirou?

Não que seja um mau projeto. Só me parece inútil.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011


JAIME SPITZCOVSKI - jaimespitz@uol.com.br

O túnel escuro das férias

Além do problema da rejeição, a população canina nas ruas aumenta também devido aos rojões

Nuvens escuras se avizinham para quem cultiva o bem-estar animal. Férias e festas de fim de ano conspiram para uma alta significativa no número de pets abandonados e daqueles que, sem aguentar o barulho ensurdecedor de rojões, fogem de seus lares na esperança de chegar a um porto silencioso.

O aumento de abandonos ocorre por motivos dantescos. O dono, sem local para deixar o animal durante a viagem de férias ou sem disposição para resolver o problema, descarta o suposto companheiro. Deixa-o no meio do caminho, na estrada, próximo ao terminal rodoviário, ou mesmo nos arredores do destino turístico.

A condenação à pena do abandono se infiltra em países dos mais diversos perfis socioeconômicos. Na Holanda, uma associação de proteção animal recorreu a um vídeo polêmico. A primeira cena mostra um carro se dirigindo a um bosque. Uma criança no banco traseiro segura uma bola. A sonoplastia sugere um clima de descontração e relaxamento típico das épocas de veraneio.

O veículo escapa da estrada principal e estaciona num local ermo. O motorista desembarca, abre a porta para a criança e os dois caminham alguns passos. O adulto pega a bola, dá um chute de longa distância e o petiz dispara exultante, em busca do brinquedo. É quando o motorista dá meia-volta, entra no carro e sai em alta velocidade. Desolado e inerte, o menino observa, bola na mão, a fuga de quem o levava.

A imagem congelada, impactante, serve de pano de fundo para uma frase com a triste constatação da realidade holandesa: "Todos os anos 150 mil pets são abandonados". E o vídeo termina exortando que se pense duas vezes antes de assumir a responsabilidade de cuidar de um animal.

Além da crueldade do abandono, outros aspectos colaterais surgem. Segundo levantamento feito na Itália, 85% dos cães descartados por seus donos morrem em até vinte dias, sobretudo em atropelamentos. As cifras seguem para apontar que, em 2004, houve 754 acidentes provocados por cães ou gatos na pista. Número de humanos mortos: 380.

A população canina nas ruas aumenta também devido ao uso de rojões, hábito tão enraizado em festas de fim de ano. A explosão de alegria humana corresponde a uma tortura para ouvidos famosos pela exacerbada sensibilidade, especialmente quando comparada aos de seus donos. Nessa comparação, vale registrar que o cão consegue captar barulhos quatro vezes mais distantes.

Fim de ano também corresponde ao término do Campeonato Brasileiro. Mais rojões espocam e como que lancetam tímpanos caninos. Sei que esta coluna não corresponde ao espaço para tal discussão, mas pergunto se não é hora de adotar no Brasil o calendário futebolístico europeu.

A argumentação aqui se reveste de interesse canino. Pelo menos as finais aconteceriam em outra época do ano, e os castigos em decibéis impostos aos amigos de quatro patas deixariam de se concentrar tanto em dezembro.

domingo, 11 de dezembro de 2011


Danuza Leão

Dá para sonhar

Sempre haverá um herói na família para, num calor absurdo, se vestir de bom velhinho no Natal

Foi dada a largada para as festas, e de todos os lados se ouve o mesmo refrão: "ah, mas que chatice, odeio Natal, estou louca/o para chegar logo janeiro e tudo isso acabar".

Alguns já compraram passagem, estão viajando uma semana antes, para disfarçar que estão fugindo, e só voltam em 2012 -e é por isso que não se encontra mais lugar em nenhum avião para nenhum destino.

Já passei noites de Natal em casa de amigos, e elas são, sempre, rigorosamente iguais: as mesmas comidas, o mesmo troca-troca de presentes, as luzinhas da árvore piscando, piscando, as mesmas pessoas de todos os anos repetindo o mesmo texto -Feliz Natal-, mas ficando pouco tempo, pois tinham pela frente outras festas espalhadas pela cidade, da sogra do irmão, da mãe do futuro genro etc., nessa loucura que são hoje as novas famílias.

Mas ouço falar que existem os que curtem de verdade; não sei se pelo lado religioso -será?- ou pelo lado familiar.

Há os que cruzam os oceanos para poderem estar todos juntos e unidos nessa noite, e para esses o Natal começa em setembro, outubro. É quando combinam em casa de quem vai ser a ceia, quem leva o que, e começam as compras: presentes, papéis de embrulho, laços de fita, e os enfeites, os famosos enfeites da árvore, que a cada ano deve surpreender por ser maior e mais bonita que a do anterior. E o Papai Noel?

Sempre haverá um herói na família para, num calor absurdo, se vestir de bom velhinho, com direito a peruca, gorro, barba e bigode. Onde se compra a roupa de Papai Noel? Mistério. E será que alguma criança ainda acredita em Papai Noel? Outro mistério.

Mas as datas têm um peso, e os que não têm família -ou acham que o Natal não tem nenhuma importância, é um dia como qualquer outro -, estão sujeitos a uma certa melancolia (e alguém encontra um analista dia 24 de dezembro?).

Esses ligam a televisão e olham para o relógio a cada dez minutos, para ver se já está na hora de poder tomar um tranquilizante, dormir, e só acordar no dia 25 com um ufa!, já passou. Mas ainda tem o 31.

Nessa noite é obrigatório ser feliz, e ai de quem estiver só, curtindo um amor que se foi ou lembrando das tristezas do ano que passou. E quanto mais alegres estiverem as pessoas, mais fogos forem estourados para festejar 2012, mais sós e tristes vão se sentir.

Não adianta o discurso de que é um dia como qualquer outro, porque não é; a pressão é grande, dela poucos escapam.

E é inútil tentar brigar com o mundo; ainda é tempo de se organizar, combinar com amigos, aqueles que estarão tão sós quanto você, e combinar de passarem juntos a famosa data. Para isso, o ideal seria ter um bom ar condicionado, alguma bebida, muito gelo, e -por que não?- uma travessa de rabanadas, mas com a firme intenção de achar tudo normal.

É claro que à meia-noite vão haver muitos beijos e abraços, muitos votos de feliz ano novo, mas é rápido, pronto, acabou. E atenção: beba com moderação, pois as ressacas do primeiro dia do ano costumam ser colossais e podem ser confundidas com depressão; aliás, alguém já viu uma ressaca feliz?

No fundo, bem lá no fundo, dá uma inveja danada dos que acreditam e festejam o Natal e o Ano Novo a sério; estas devem ser as pessoas mais felizes do mundo, mas por que não tentar entrar no clima e pensar que o novo ano vai ser maravilhoso e que vamos ser felizes para sempre?

Afinal, sonhar não custa.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 10 de dezembro de 2011



10 de dezembro de 2011 | N° 16913
NILSON SOUZA


Marias

O Brasil tem mais de 13 milhões de Marias, segundo recente pesquisa que apontou os 50 nomes mais populares do país. Lá em casa tem uma, que não gosta muito de ser chamada pelo primeiro nome – e, por uma dessas inexplicáveis contradições dos casais que compartilham o mesmo teto, é exatamente o que mais me apetece chamá-la.

Maria é um nome suave, que desliza pelas cordas vocais e ganha dimensões oceânicas. Tem sonoridade. É uma sinfonia de cinco letras. Quem, com alguma rodagem na vida, nunca cantou baixinho aquele antológico verso de Ary Barroso? “Maria, o teu nome principia, na palma da minha mão...”

É um nome agradável, solito ou acompanhado. Ele se encaixa bem, antes e depois de qualquer outro. Até mesmo alguns nomes masculinos adquirem certa suavidade com a conjugação. Lembro, por exemplo, de um ex-goleiro do Internacional chamado Ademir Maria, cuja originalidade se constituía em prato cheio para os locutores esportivos em meio à fauna de apelidos viris do futebol.

Mas é no gênero feminino/feminino que Maria mais encanta. Conjuga-se com Anas, Floras, Madalenas, Ritas e Claras, além de uma infinidade de outros nomes igualmente bonitos. Também estas combinações me lembram uma música de Roberto Carlos, bela e triste, mas simbólica para evidenciar a singularidade do nome: “E não lhe chamaram/ assim como tantas/ Marias de santas/ Marias de flor./ Seria Maria/ Maria somente/ Maria semente/ de samba e de amor”.

Somente Maria já é mais raro, mas é suficiente. Maria é um nome imenso, não apenas pela conotação religiosa, mas também pelo significado. De acordo com os dicionários especializados, significa “mulher que ocupa o primeiro lugar”. Mariam, em hebraico, também significa “mares”, o que dá bem ideia da sua dimensão.

É um nome que gera nomes. Maria é nome de santa, de planta, de chá, de pássaro, de penteado, de refeição, de trem, de inseto, de peixe, de brincadeira infantil, de doce e também de estrela. As Três Marias, por capricho dos astrônomos, respondem individualmente por outros nomes, mas são conhecidas popularmente pelo genérico coletivo.

Na verdade, todas as Marias são estrelas. São tantas as Marias, que alguém pode alegar falta de originalidade na escolha do nome. É um equívoco. Nenhuma Maria é igual à outra. Todas são especiais.

Espero que a minha Maria, que, como no verso, tem olhos claros cor do dia, leia este texto para ter certeza de que também ela é única entre mais de 13 milhões.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011



07 de dezembro de 2011 | N° 16910
MARTHA MEDEIROS


Vidas secas

Não é Graciliano Ramos, não é sobre o sertão, mas o filme francês O Garoto da Bicicleta também tem na aridez a sua força. Nada é úmido, nada é aguado, nada transborda no filme dos irmãos Jean Pierre e Luc Dardenne.

O garoto Cyrill, interpretado magnificamente pelo ator Thomas Doret, corre ou pedala em quase todas as cenas. Corre atrás de um pai que não o ama, corre atrás de uma infância que lhe foi interditada, corre atrás de promessas de afeto, corre atrás de si mesmo sem nem saber por onde começar a procurar-se.

Em cerca de 90 minutos de projeção, ele dá apenas dois meios sorrisos, o que equivale a um só, e contido. No resto do tempo, carranca, seriedade, perplexidade com um mundo que lhe virou as costas. Só quando enfim aceita a ideia de que tem um pai imprestável que nunca lhe dará os cuidados e o amor necessários, é que percebe que existe um anjo a seu lado.

O mais curioso no filme é o comportamento desse anjo: uma cabeleireira bonitona que poderia estar tocando sua vida sem nenhuma responsabilidade maior a não ser trabalhar e namorar, mas que se compromete a cuidar de um guri surgido do nada, que nem parente é. Por que ela topa abrir mão da sua tranquilidade para ser guardiã de um menino-problema?

Porque sim. Só por isso.

Poderia ser uma história sentimentaloide, mas não há meio segundo de sentimentalismo no filme. Muito estranho. Não estamos acostumados com essa escassez de drama, ao menos não aqui, abaixo da linha do Equador, onde vivemos tudo entre lágrimas e sangue, amores e ódios líquidos.

O filme mostra um menino de prováveis 11 anos, talvez 12, não mais que 13, levando todas as bordoadas que a vida pode lhe dar e mais algumas, e uma moça segurando a barra dele como se fosse uma questão de destino apenas, e não de uma escolha. Ninguém chora, ninguém berra, ninguém reclama, ninguém se exalta. E nessa economia de demonstração externa dos sentimentos, saltam no filme as dores silenciosas.

Elas. As dores silenciosas. As mais contundentes.

É um filme amparado por dois personagens extremamente raçudos. E eu fico me perguntando: quantos raçudos há entre nós? Quantas crianças que tiveram amor sonegado, que levaram essa recusa de afeto como se fosse uma pedrada na cabeça, que se deixaram cair pelo desânimo, cansaço e frustração, mas que tiveram que levantar, mesmo alquebrados, e seguir vivendo do jeito que era possível?

A maior sacanagem do mundo é não dar amor a quem não espera outra coisa. Um filho não espera outra coisa dos pais.

A maior bênção do mundo é receber amor de quem a gente menos espera. E esse amor pode vir de qualquer um.