sábado, 31 de março de 2012



01 de abril de 2012 | N° 17026

MARTHA MEDEIROS

O macacão branco

Quem de nós pode vestir um modelo decotado na frente e nas costas, colado ao corpo, sem antes passar por uma lipoescultura?

    Sejamos honestas, colegas de trabalho: quem de nós pode vestir um macacão branco decotado na frente e nas costas, colado ao corpo, sem antes passar por uma lipoescultura, uma sessão de bronzeamento e ficar duas semanas sem comer? Resposta no final dessa coluna.

    Não teria adjetivos suficientes para comentar o show que Maria Rita fez no Anfiteatro Pôr do sol , semana passada, cantando músicas da sua mãe, Elis Regina. O espetáculo foi perfeito do início ao fim, e São Pedro ainda deu uma canja, oferecendo um entardecer de cinema, com direito a uma lasca de lua, céu estrelado e brisa suave. Se Elis não fosse gaúcha, teria se naturalizado naquele instante, em algum cartório no céu.

    Mas voltemos a Maria Rita. Toda de branco, ela entrou no palco com uma túnica diáfana que ia até os pés: praticamente um anjo de bons modos. Até que, quatro ou cinco músicas depois do início do show, ela retirou a túnica e ficou só de macacão branco decotado, com as costas de fora, colado no corpo. Pensei: é peituda essa mulher.

    Peituda porque, além de peito, Maria Rita tem coxa, tem bunda, tem barriguinha, tem sustância, tem o corpo da brasileira típica, que passa longe das esquálidas das revistas, das ossudas das passarelas. A numeração de Maria Rita não é 36, mas vestiu aquele macacão branco como se fosse.

    Quaquaraquáquá, quem riu? Quaquaraquáquá, foi ela. Cantando Vou Deitar e Rolar e outros tantos hits da sua talentosa progenitora, Maria Rita rebolou, sambou, jogou charme, braço pra cima, braço pro lado, ajeitadinha no cabelo, caras e bocas, dona e senhora do pedaço e com o namorado bonitão (Davi Moraes, na guitarra) ali na retaguarda, babando – se não estava, deveria.

Porque Maria Rita, além de cantar divinamente, mostrava 100% seu lado fêmea, segura e incomparável. Que nem as modelos de revista? Quaquaraquaquá. Muito melhor.

    Fiquei pensando depois: como mulher se preocupa com besteira. Usa roupa preta pra afinar, veste bermudas compressoras pra chapar a barriga, manga pra esconder os braços roliços, e mais isso, e aquilo, quando o maior segredo de beleza consta do seguinte: sinta-se num palco, mesmo que nunca tenha chegado perto de um.

Imagine-se com 60 mil pessoas te aplaudindo, te admirando pelo que você faz, pelo que você é, imagine-se com o público na mão, pois você é competente e tem uma elegância natural (tem, né?).

Conscientize-se de que sua inteligência é superior às suas medidas, que ser magrinha não atrai amor instantâneo, que sua personalidade é um cartão de visitas, que a felicidade é a melhor maquiagem, que ser leve é que emagrece.

    E dá-se a mágica.

    Quem de nós pode vestir um macacão branco decotado na frente e nas costas, colado ao corpo, sem antes passar por uma lipoescultura, uma sessão de bronzeamento e ficar duas semanas sem comer? Qualquer uma de nós, ora.



31 de março de 2012 | N° 17025

NILSON SOUZA

O cérebro e as pernas

    Fila de autógrafos é melhor do que de INSS. A faixa etária costuma ser mais ou menos a mesma, mas as pessoas têm outro astral, não falam só dos seus achaques – falam também dos achaques do autor, que amanhã certamente terá que se virar com uma tendinite, mas está lá firme, tentando recordar o nome do portador daquele sorriso indecifrável que o saúda com intimidante intimidade.

Mas no meio da fila também podem ocorrer situações embaraçosas. Outro dia fui cumprimentar o Verissimo, que esperava pacientemente pela assinatura da Celia Ribeiro no seu O Jornalista Farroupilha, e o sujeito que estava na frente dele me fuzilou com um risinho inquiridor:

    – Não estás te lembrando de mim, né?

    Olhei para o Verissimo, pedindo socorro, mas ele fez cara de paisagem. Tive que encarar novamente o homem e dizer:

    – Acho que me lembro, sim... Você trabalhava na...

    O desconhecido interrompeu as minhas reticências:

    – Não! Não! Não! Nunca trabalhei contigo. Eu jogava bola contigo.

    Bah, faz tempo que não entro em campo. Dei uma rápida revisada na minha adolescência, mas não encontrei o sujeito lá. Então ele me atalhou novamente.

    – Nós jogamos juntos no Banespa.

    Antes que eu fizesse “ah”, ele voltou-se para o Verissimo, testemunha atônita daquele diálogo surrealista, e exagerou sobre minha performance em campo:

    – Ele era bom de bola, todo mundo queria jogar com ele.

    Meio constrangido, olhei para o Verissimo e balbuciei em tom de desculpa:

    – Eu já enganava naquela época...

    Num esforço para se mostrar interessado, nosso cronista maior questionou o homem da fila:

    – Mas ele era cerebral ou esforçado?

    O meu comentarista acidental não se fez de rogado. Respondeu de bate-pronto:

    – Cerebral, cerebral. Mas era ligeiro, tinha as pernas grossas, bem diferente do que é agora...

    E me olhou de cima abaixo, como se eu fosse um frangalho. Ainda tentei estufar o peito, mas percebi que o ambiente não era adequado para manifestações atléticas e acedi conformado:

    – Por isso que agora só escrevo.

    Meu ex-companheiro de peladas se deu conta de que o papo estava derivando para o lado dos achaques e se corrigiu em tempo, ainda bajulador:

    – E escreve bem. Continua cerebral.

    Logo diante do Verissimo, o mais cerebral dos nossos colegas de ofício. Vi o Walter Galvani um pouco à frente, abanei para ele e aproveitei a deixa para me retirar, pisando o mais firme que podia com as pernas que tenho hoje.


31 de março de 2012 | N° 17025

PAULO SANT’ANA

A eternidade do crucifixo

    Vou meter minha colher neste assunto da retirada dos crucifixos das salas judiciais.

    Não consigo entender como possam os crucifixos aviltar, molestar, prejudicar as pessoas que vão ter aos pretórios e não são cristãs.

    Jesus crucificado é o símbolo da maior injustiça que se cometeu na Terra. Por que não lembrar à Justiça a maior injustiça que os homens já cometeram?

    Outra coisa, desta vez mais importante: o Brasil nasceu sob o signo da cruz. Quando chegaram aqui os portugueses, trouxeram junto com suas caravelas os sacerdotes católicos.

    Em seguida ao Descobrimento, foi rezada a primeira missa, celebrizada, ao que me parece, na tela de Pedro Américo.

    Compreensível, então, que alguém tivesse se lembrado de mandar colocar nas salas dos pretórios os crucifixos, tornando indelével que alguém que for julgar outrem tem de voltar a lembrança para o Nazareno que foi julgado de modo infame e pagou com a vida por ter pregado somente o bem na sua caminhada ao redor de Jerusalém.

    Então quer negar-se ao Brasil que nós pertencemos por aqui a uma civilização cristã?

    Pelo que ouvi, alguns não cristãos se sentiram incomodados porque ao recorrer à Justiça e seus préstimos viam nos recintos das audiências e dos julgamentos a imagem da cruz, na qual não acreditavam.

    Mas e daí? Não somos, pelo menos simbolicamente, um país cristão e católico? É, queiram os pagãos, queiram os agnósticos, queiram os muçulmanos ou quaisquer outras crenças, não crenças e seitas.

    Por que negar ao Brasil a sua origem notadamente cristã?

    Além disso, se o crucifixo lembrasse o demônio ou qualquer outro agente do mal, seria compreensível que se quisesse exorcizá-lo dos ambientes judiciais.

    Mas não é nada disso, Cristo é agente do bem, não pregou outra coisa na Terra que não fosse o amor, a caridade, a solidariedade, a fraternidade. E, principalmente, em todos os capítulos e versículos de seu livro, pregou a justiça.

    É muita audácia querer expulsar o amor, a caridade, o bem dos tribunais.


31 de março de 2012 | N° 17025

CLÁUDIA LAITANO

  Famoso quem?

    Quem é a pessoa mais famosa do mundo? Digite isso no Google, e as respostas serão tão insólitas quanto divertidas: “Jesus, Bento 16 e Britney Spears”, “Deus, Michael Jackson, Beatles e Madonna”, “Oprah, Obama e Lady Gaga”.

    Famoso pra quem, cara-pálida?, seria a resposta mais adequada. A maior surpresa da cerimônia de entrega do Grammy, realizada em fevereiro, não foram os muitos prêmios de Adele (conhece?), mas a multidão de internautas que durante a festa perguntava nas redes sociais quem era, afinal, aquele coroa sorridente que estava sendo homenageado no palco.

Ter feito parte da maior banda de rock do mundo e estar na ativa há mais de 50 anos queria dizer abacate para os fãs de Rihanna e Lady Gaga: Paul McCartney levou um sonoro e virtual “famoso quem?”.

    Esta semana, aconteceu um fenômeno parecido aqui no Brasil nas horas que se seguiram à morte de Millôr Fernandes. Enquanto boa parte dos adultos letrados lamentava a perda de um dos pensadores mais lúcidos do Brasil, uma multidão de inocentes perguntava-se quem, diabos, era aquele sujeito bom de trocadilhos que andavam citando tanto no Twitter.

A movimentação foi tamanha, que um gaiato decidiu criar o blog quememillorfernandes.tumblr.com, reunindo manifestações do tipo: “Vei... Eu nem sabia quem era Millôr Fernandes, daí essa pessoa morre e vira gênio do nada!”.

    Nossa primeira reação diante da ignorância alheia (principalmente com relação aos nossos ídolos) é amaldiçoar a estupidez humana e a corrupção dos tempos. Menos. Atire a primeira lápide quem nunca foi surpreendido pela consternação em torno da morte de um “famoso quem?”.

Todo mundo tem buracos negros em sua cultura geral – e quem acha que não tem provavelmente está mal informado. (“Não é que com a idade você aprenda muitas coisas; mas você aprende a ocultar melhor o que ignora”, escreveu o próprio Millôr, mestre na arte de não se levar muito a sério.)

    Diante de um fato que ilumina nossa vasta e espessa ignorância, temos duas atitudes possíveis: desprezar a nova informação (se eu não sei e os meus amigos não sabem, não faço muita questão de saber) ou procurar entender do que estão falando.

Na era da superabundância de informação, porém, eleger prioridades tem se tornado cada vez mais difícil: cultura pop e cultura erudita, diversão e notícias, presente e passado, muitas vozes disputam nosso tempo e nossa atenção.

O sujeito que se orgulha de nunca ter ouvido falar de Millôr ou Paul McCartney pode desprezar quem é leigo em Bruno Mars ou Angry Birds (“Em que mundo você vive, macróbio alienado?”).

Tanta informação disponível pode ser encarada com arrogância, por quem se convence de que já sabe tudo o que precisa saber, ou com angústia, por quem é permanentemente assolado pela sensação de que está perdendo alguma coisa.

    Quem nunca ouviu falar de Millôr Fernandes pode ser digno tanto de pena quanto de inveja. Pena se perder a chance de dar-se ao trabalho (e ao prazer) de descobrir por que tanta gente gostava dele. Inveja porque só quem não o conhecia pode desfrutar o prazer irrepetível de ler Millôr pela primeira vez.

domingo, 25 de março de 2012



Sob o domínio das horas

Os sete métodos mais populares de gerenciamento de tempo

GTD
"Getting Things Done", ou fazendo as coisas acontecerem, não se baseia no conceito de priorização, mas de identificação das etapas a serem cumpridas. E diz que toda nova tarefa que possa ser executada em menos de dois minutos deve ser realizada imediatamente

Mapa mental
É uma ferramenta para organizar seus pensamentos. Seja para listar tarefas ou para gerenciar um projeto maior, o mapa mental tem como objetivo fazer com que você planeje, liste, entenda e visualize as etapas considerando sempre o todo, o global.

Técnica do Post-it
Sua listas de tarefas são enormes? Então nem adianta começar porque você certamente vai procrastinar. Para o inglês Mark McGuiness, as atividades de um dia têm de caber em um bloco de papel de 7,6 cm x 7,6 cm. A ideia é lembrar que o dia, assim como o quadrado de papel, é limitado

Neotriad
Baseia-se em um tripé que classifica as tarefas como importantes, urgentes e circunstanciais. A proposta é reduzir o tempo gasto com urgências e obrigações para investir nas importantes. O software do método ajuda a pôr em prática

Zen Habits
A técnica defende que é preciso desacelerar para acelerar. Diminuir o estresse para conseguir focar no que realmente é importante. É um blog cujo criador dá dicas de bem-estar e de organização para aumentar a produtividade

POSEC
Sigla em inglês para priorizar, organizar, racionalizar, economizar e contribuir. O método defende que seus usuários agrupem as tarefas em blocos curtos e elenquem os objetivos por ordem de importância, obedecendo aos cinco critérios descritos acima

Pomodoro
É a técnica do tomate ("pomodoro" em italiano). O profissional deve fracionar seu dia concentrando-se em uma única atividade por 25 minutos, com uma pausa de 5 minutos. A segunda pausa será de 10 minutos, e a terceira, de 15

Empresa cria programa para que seus funcionários emagreçam

Companhias privadas, hospitais e prefeituras têm mecanismos internos para perda de peso

Metodologia inclui reuniões em grupo com especialistas, apoio psicológico e aulas de ginástica em academias

Edson Silva/Folhapress           


Funcionárias públicas de Franca, interior de São Paulo, fazem hidroginástica; prefeitura tem projeto para emagrecer servidores com sobrepeso
JULIANA COISSI - DE RIBEIRÃO PRETO

Cada reunião na sala da diretoria significava praticamente o início de uma maratona para o gerente de assistência técnica e serviços Marcel Teixeira da Rocha, 52.

"Como trabalho na fábrica, até alcançar o prédio administrativo eu chegava cansado, bufando", disse Rocha, que pesava 97 kg em fevereiro, o que configuraria obesidade por sua altura -1,67 m.

Foi a abordagem da direção da metalúrgica Renk Zanini, em Sertãozinho (a 333 km de São Paulo), para que perdesse peso que o fez passar por exames e engatar na academia. Hoje, com 90 kg, quer se livrar de mais dez.

Empresas privadas, hospitais e prefeituras estão criando programas próprios ou com assessoria para "emagrecer" seus funcionários obesos ou acima do peso.

Desde fevereiro, a Prefeitura de Franca, também no interior, criou grupos com servidores acima do peso.

O convite foi feito aos funcionários em uma revista interna no mês passado. A procura surpreendeu: hoje há dois grupos, de 20 pessoas cada, e 136 na fila de espera -praticamente só mulheres.

FISCALIZAÇÃO

Os funcionários participam de reuniões semanais com apoio de psicólogo, médico e educador físico. Além de aulas de ginástica, eles usam a piscina municipal para natação e pagam hidroginástica.

E os próprios colegas de trabalho são os fiscais de quem tenta emagrecer, disse a ajudante-geral Gislaine Cristina Salles, 37. "Uma anima a outra, diz que não pode comer dois pães no café."

Há também empresas que fazem parceria com grupos como o Vigilante do Peso. Há 15 anos, a organização criou programa para montar grupos dentro de companhias como Itaú-Unibanco e Vale.

Na CPFL Energia, a parceria funciona desde 2007. Há incentivo financeiro: para quem perde de 3 kg a 5 kg, a empresa paga 60% do valor. Acima de 5 kg, o subsídio sobe para 80%. A concessionária também oferece academia em algumas das unidades.

O casal Marcelo de Moraes, 46, e Cláudia Coimbra, 47, funcionários da empresa, participaram juntos do grupo, no ano passado. Cada um perdeu 7 kg, mas, como recuperaram outros três no fim do ano, voltaram para as reuniões do Vigilantes.

Também em 2011, no Santander, 176 funcionários perderam, juntos, 550 kg.

FERREIRA GULLAR

Da fala ao grunhido

De que adianta escrever o que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir a fala errada?

DESCONFIO QUE, depois de desfrutar durante quase toda a vida da fama de rebelde, estou sendo tido, por certa gente, como conservador e reacionário. Não ligo para isso e até me divirto, lembrando a célebre frase de Millôr Fernandes, segundo o qual "todo mundo começa Rimbaud e acaba Olegário Mariano".

Divirto-me porque sei que a coisa é mais complicada do que parece e, fiel ao que sempre fui, não aceito nada sem antes pesar e examinar. Hoje é comum ser a favor de tudo o que, ontem, era contestado. Por exemplo, quando ser de esquerda dava cadeia, só alguns poucos assumiam essa posição; já agora, quando dá até emprego, todo mundo se diz de esquerda.

De minha parte, pouco se me dá se o que afirmo merece essa ou aquela qualificação, pois o que me importa é se é correto e verdadeiro. Posso estar errado ou certo, claro, mas não por conveniência. Está, portanto, implícito que não me considero dono da verdade, que nem sempre tenho razão porque há questões complexas demais para meu entendimento. Por isso, às vezes, se não concordo, fico em dúvida, a me perguntar se estou certo ou não.

Cito um exemplo. Outro dia, ouvi um professor de português afirmar que, em matéria de idioma, não existe certo nem errado, ou seja, tudo está certo. Tanto faz dizer "nós vamos" como "nós vai".

Ouço isso e penso: que sujeito bacana, tão modesto que é capaz de sugerir que seu saber de nada vale. Mas logo me indago: será que ele pensa isso mesmo ou está posando de bacana, de avançadinho?

E se faço essa pergunta é porque me parece incongruente alguém cuja profissão é ensinar o idioma afirmar que não há erros. Se está certo dizer "dois mais dois é cinco", então a regra gramatical, que determina a concordância do verbo com o sujeito, não vale. E, se não vale essa nem nenhuma outra -uma vez que tudo está certo-, não há por que ensinar a língua.

A conclusão inevitável é que o professor deveria mudar de profissão porque, se acredita que as regras não valem, não há o que ensinar.

Mas esse vale-tudo é só no campo do idioma, não se adota nos demais campos do conhecimento. Não vejo um professor de medicina afirmando que a tuberculose não é doença, mas um modo diferente de saúde, e que o melhor para o pulmão é fumar charutos.

É verdade que ninguém morre por falar errado, mas, certamente, dizendo "nós vai" e desconhecendo as normas da língua, nunca entrará para a universidade, como entrou o nosso professor.

Devo concluir que gente pobre tem mesmo que falar errado, não estudar, não conhecer ciência e literatura? Ou isso é uma espécie de democratismo que confunde opinião crítica com preconceito?

As minorias, que eram injustamente discriminadas no passado, agora estão acima do bem e do mal. Discordar disso é preconceituoso e reacionário.

E, assim como para essa gente avançada não existe certo nem errado, não posso estranhar que a locutora da televisão diga "as milhares de pessoas" ou "estudou sobre as questões" ou "debateu sobre as alternativas" em vez de "os milhares de pessoas", " estudou as questões" e "debateu as alternativas".

A palavra "sobre" virou uma mania dos locutores de televisão, que a usam como regência de todos os verbos e em todas as ocasiões imagináveis.

Sei muito bem que a língua muda com o passar do tempo e que, por isso mesmo, o português de hoje não é igual ao de Camões e nem mesmo ao de Machado de Assis, bem mais próximo de nós.

Uma coisa, porém, é usar certas palavras com significados diferentes, construir frases de outro modo ou mudar a regência de certos verbos. Coisa muito distinta é falar contra a lógica natural do idioma ou simplesmente cometer erros gramaticais primários.

Mas a impressão que tenho é de que estou malhando em ferro frio. De que adianta escrever essas coisas que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir a fala errada cem vezes por hora para milhões de telespectadores?

Pode o leitor alegar que a época é outra, mais dinâmica, e que a globalização tende a misturar as línguas como nunca ocorreu antes. Isso de falar correto é coisa velha, e o que importa é que as pessoas se entendam, ainda que apenas grunhindo.

DANUZA LEÃO

Perigo anunciado

Se já tem tanta violência, imagine uma briga por um impedimento mal marcado, com os torcedores bebendo

AFINAL, OS torcedores vão poder beber sua cervejinha nos estádios durante a Copa, sim ou não?

O problema entre a base aliada e a oposição, Código Florestal etc., é uma coisa, mas vamos falar de outra: o compromisso que o governo assinou com a Fifa, liberando a venda de bebida alcoólica nos estádios durante a Copa.

Se já acontece tanta violência entre as torcidas em tempos normais, imagine uma briga por um impedimento mal marcado, com os torcedores bebendo. Mas os dirigentes da Fifa e da cervejaria patrocinadora não estão nem aí, é apenas um problema de $$$, e a responsabilidade sobre qualquer tumulto será totalmente do governo.

O Brasil tem que honrar o compromisso que assinou? Tem. Mas foi certo ter concordado com a liberação da bebida? No meu entender, não. E por que então assinou? Porque a Fifa quis, porque a cervejaria que patrocina quis, e as autoridades brasileiras não tiveram coragem de dizer não. O Brasil quis posar de bacana, sediar a Copa e a Olimpíada mostraria ao mundo como somos importantes etc. etc. Que herança, hein, presidente Dilma?

Os que são a favor da medida argumentam dizendo que até o Qatar, país onde é proibida a bebida alcoólica e que será sede da Copa de 2022 -a escolha aconteceu em meio a escândalos de suborno, propinas etc.-, aceitou que o álcool role durante os jogos; pois fez muito mal o Qatar.

Por duas vezes a Fifa foi deselegante com o Brasil -para não dizer moleque. A primeira quando Valcke, seu secretário-geral, disse que o Brasil precisava levar um chute no traseiro para agilizar as obras e garantir a aprovação da Lei Geral da Copa; ele até tem razão, mas escolheu mal as palavras. Dilma não gostou, o ministro Aldo Rebelo declarou que não aceitaria mais Valcke como interlocutor e até pediu que ele fosse trocado. Valcke se defendeu dizendo que foi erro de tradução.

A segunda foi quando, dias depois de ter sido recebido por Dilma, Blatter confirmou que Valcke continua não só como secretário-geral do evento, mas como responsável pela organização da Copa -é o homem forte do Mundial.

Aguarda-se agora a próxima visita de Valcke ao Brasil, considerado persona non grata pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo.

No nosso país a corrupção nas licitações é normal; quando uma obra atrasa -e as obras da Copa estão atrasadíssimas-, tem que ser feita em caráter emergencial, e esse é o caminho mais curto para roubalheiras escandalosas, o que saberemos pela imprensa, claro.

Vamos nos preparar para ouvir que nunca se roubou tanto nesse país, e só quero ver o que vão achar os torcedores quando souberem o quanto vão ter que pagar para verem um jogo em outra cidade; a passagem aérea no Brasil é a mais cara do mundo, uma Rio/SP/Rio custa em volta de R$ 1.000.

Torcida de futebol com álcool liberado é uma dobradinha que não pode dar certo. Não ter enfrentado a Fifa e dizer um solene NÃO, quanto à liberação das bebidas, foi fruto de nosso complexo de vira-lata. E ninguém sabe o que mais foi combinado -e assinado- entre o Brasil e a Fifa, que se acha a dona do mundo.

O Carnaval hoje é totalmente dominado pelas cervejarias; agora elas começam a mandar também no futebol.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 24 de março de 2012



25 de março de 2012 | N° 17019

MARTHA MEDEIROS

Órfãos adultos

Era uma senhora alegre, faceira. Mas morreu, como acontece com todos. Sem salamaleques, sem longas internações. Morreu rápido, como muitos desejam, e viveu demoradamente, como se deseja também: tinha 99 anos.

Deixou três filhos, todos na faixa dos 70, pois na época em que essa senhora era jovem casava-se cedo. E foi então que, conversando com uma das filhas, de 75 anos, me deparei com uma questão sobre a qual eu nunca tinha pensado. Disse-me ela que estava muito magoada com a reação das pessoas: todos vinham abraçá-la, no enterro, como se ela estivesse de aniversário, como se fosse uma boda, uma promoção, um réveillon.

“Minha mãe, apesar da idade que tinha, não dava trabalho à família, era independente e gozou de boa saúde até o final. Porém, mesmo que tivesse dado trabalho, mesmo que eu e meus irmãos estivéssemos reféns de uma condição desfavorável, ora, perdi minha mãe. Por que isso seria menos doloroso a essa altura? Só porque também sou velha?”

Calei. Ela tinha total razão. É muito comum encararmos a morte de alguém bastante idoso como um alívio para a família – estivesse o defunto já doente ou não. Da mesma forma como nos chocamos quando alguém parte cedo, nos insensibilizamos diante dos que partem aos 95 anos, aos 99, aos 103 anos de idade. É como se estivéssemos aguardando a notícia do óbito para qualquer momento, e quando a notícia chega, tudo certo, cumpriu-se a ordem natural das coisas, é preciso morrer e, que dádiva, ao menos este viveu bastante.

Tudo certo quando se trata dos pais dos outros.

O que essa senhora de 75 me esclareceu é que ela tem, também, o direito de sentir-se órfã. É um engano achar que a orfandade é um sentimento exclusivo dos jovens. Ela tinha vontade de dizer, a todos aqueles que foram ao enterro apenas para cumprir uma formalidade social, sorridentes como quem vai a um shopping, que a sua capacidade de sentir dor não havia sido diluída pelos seus 75 anos, e que ela sentia falta daquela mãe tanto quanto a sua filha de 50 sentiria a sua, e tanto quanto a sua neta de 25 sentiria da mãe dela.

Essa história aconteceu alguns anos atrás, mas me veio à memória com clareza e força ao ler recentemente o livro Filosofia Emocional, do professor Frédéric Schiffter, que entre diversos assuntos aborda exatamente isso: a tristeza não é uma doença, muito menos uma doença exclusivamente infantil. O fato de sermos experientes, vividos, maduros e bem resolvidos não cria em nós uma blindagem contra os sentimentos. Ao menos, não diante de perdas tão significativas.

E se por um acaso for uma doença infantil, que respeite-se. Perder a mãe nos leva, a todos, de volta aos 10 anos de idade.

RUTH DE AQUINO

Thor

Na mitologia, Thor é o deus do trovão, mestre das tempestades. Na vida como ela é, Thor é filho do homem mais rico do Brasil e de uma de nossas musas de Carnaval. Ele tem 20 anos. Na semana passada, deve ter envelhecido. Thor matou na estrada um ciclista, Wanderson Pereira dos Santos, ajudante de caminhoneiro, de 30 anos.

O filho de Eike e Luma foi acusado de homicídio culposo, sem intenção de matar. Dirigia um Mercedes SLR McLaren, placa EIK-0063, um dos carros do pai, que pode chegar a 334 quilômetros por hora. O carro, de R$ 2,3 milhões, é considerado o nono mais veloz do mundo.

Thor jura inocência. Afirma que a bicicleta de Wanderson surgiu do nada e cruzou “inadvertidamente” a BR-040, estrada entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Era noite. Diz que dirigia o Mercedes dentro da velocidade permitida naquele trecho, 110 quilômetros por hora. A versão dos advogados da vítima é diferente: Thor vinha em alta velocidade e atropelou o ciclista no acostamento.

Eike correu para o Twitter para defender o filho, que se comportou “como um cidadão honrado” e “poderia ter morrido pela imprudência” da vítima. Sem Twitter, a mãe de Wanderson também defendeu o filho. Disse que Wanderson fazia esse trajeto sempre e jamais colocaria sua própria vida e a de outros em risco.

Thor de fato agiu direito – não como os playboys já citados nesta coluna. Procurou a Polícia Rodoviária Federal. Soprou no bafômetro, não havia nenhum traço de álcool. Socorreu a vítima, em vez de fugir. Passou mal ao ver o corpo de Wanderson, com uma perna e um braço amputados. Deu assistência à família da vítima. E não se furtou a depor na delegacia. Estava acompanhado de cinco seguranças e três advogados.

Não é o primeiro contratempo na vida de Thor. Em maio do ano passado, atropelou, com um Audi, um senhor de 86 anos na Barra da Tijuca, que também estava numa bicicleta mas sobreviveu. A história foi revelada na sexta-feira, pelo colunista do Globo Ancelmo Gois. Esse senhor, cujo nome não foi divulgado, fraturou a bacia, colocou duas placas e cinco parafusos, fez fisioterapia, hidroterapia. Thor pagou todas as despesas.

No mesmo maio de 2011, a revista Quem publicou entrevista com Thor. Ele foi até seu carro estacionado em frente à casa, um BMW de R$ 770 mil. Deu a partida, pisou no acelerador e convidou a repórter a experimentar: “Está ouvindo o motor? Pisa no pedal”.

Thor acabara de comprar um Aston Martin DBS, conhecido como o carro do agente 007, avaliado em R$ 1,3 milhão, pagos de seu bolso com aplicações na Bolsa de Valores. “Trouxe de São Paulo e cheguei a 280 quilômetros na Dutra (rodovia que liga Rio e São Paulo). Gosto de sentir o carro. Não compro para ostentar a marca, mas porque sei dar valor à máquina que está ali.”

Não consigo entender por que pais ricos incentivam filhos jovens e inexperientes a dirigir máquinas incompatíveis com nossas estradas. Não estamos na Alemanha. Não temos autobahns. Nossas rodovias estão longe da segurança e excelência germânicas. Velhos, crianças, bicicletas, animais atravessam as pistas.

O asfalto é ruim, há buracos e cruzamentos perigosos. Dividimos estradas mal conservadas com carros e caminhões velhos, caindo aos pedaços, que deveriam ser apreendidos. É a nossa realidade. Na estrada em que Wanderson morreu, houve 488 atropelamentos em cinco anos.

Sem condenar ou inocentar Thor antes do tempo, sem aderir à grita geral da luta de classes no trânsito, pode-se dizer sem erro que essa tragédia foi uma crônica anunciada, como tantas. Ainda não sabemos o que aconteceu, mas o banco dos réus está lotado.

No Brasil, os pais são condescendentes demais com as infrações dos filhos. Eike disse: “Atire a primeira pedra o motorista que nunca tomou uma multa por excesso de velocidade”. Ora, Thor já tem 40 pontos na carteira. E 11 pontos de outras infrações devem bater em breve. O advogado alega que Thor não sabia e que “outros podem ter cometido as infrações no lugar dele”. Difícil engolir.

Se o Detran leva séculos para suspender um motorista, os pais não deveriam deixar o filho dirigir até regularizar sua situação. Alguém faz isso? Eu faço com meu filho. Enquanto o Detran não cassar sua carteira e obrigá-lo a passar por uma reciclagem, ele não vai dirigir – pelo menos com meu consentimento.

Há outros réus no banco. Governos contribuem com o mau estado e a má sinalização das rodovias. E com a falta de passarelas para pedestres e ciclistas. Motoristas, motociclistas e ciclistas colaboram com a irresponsabilidade. E a Justiça arremata com a impunidade. Ninguém fica preso no Brasil por matar em atropelamento. Ninguém, rico ou pobre. Em nenhuma circunstância.


24 de março de 2012 | N° 17018

CLÁUDIA LAITANO

Dois rapazes e suas circunstâncias

    Thor – Eis um desafio que a maioria de nós nunca vai ter que enfrentar: educar um menino que nasceu bilionário para tornar-se um adulto responsável e decente. Como se cria um bilionário? Como ajudamos alguém que sabe que não vai precisar trabalhar para viver a ser um sujeito com sonhos e ambições próprios?

Como fazê-lo respeitar as regras que valem para todos se sua vida é tão diferente das outras? Como ensiná-lo a enfrentar os olhares de inveja e interesse despertados pela condição, alheia a sua vontade, de ter nascido tão rico em um país tão desigual?

    Aos 20 anos, Thor não é apenas o filho mais velho do bilionário com a beldade: ele é um experimento pedagógico ambulante. Se Eike e Luma conseguiram educá-lo para ser um homem digno da fortuna que herdará, renova-se a nossa fé na capacidade dos homens de superarem e transcenderem suas circunstâncias – na fartura e na miséria, a pé ou de Mercedes.

Meu juízo classe média me assopra que meninos de 20 anos e seus hormônios traiçoeiros não deveriam lidar com carros mais potentes do que a sua capacidade de discernimento e autocontrole. Mas, apesar do carro importado, dos advogados caros, do pai falastrão e das falhas da Justiça, que nem sempre trata ricos e pobres do mesmo jeito, Thor não merece ser julgado e condenado apenas pelas aparências.

    Nem ele nem os meninos magrelas e pardos, sem nomes de deuses nórdicos ou pinta de galã, que precisam conquistar todos os dias o direito de contrariar os estereótipos.

    O menino de Santo Ângelo – Nas reportagens, seu rosto e seu nome não aparecem, mas sua história anônima é parecida com a de muitos outros meninos de 15 anos – pelo menos 10% da população, segundo as estatísticas. Diferentemente da maioria, porém, esse menino não se escondeu.

Meu juízo classe média teria aconselhado o guri a ficar na dele, discreto, evitando chamar atenção para si ou para o fato de ter descoberto, já aos 13 anos, que gostava de meninos. Mas ele fez tudo ao contrário: contou para os pais logo que pôde e aos colegas de escola na primeira oportunidade.

As consequências foram as previsíveis: isolamento, gozação e depois violência física. Foi demais para ele – garotos de 15 anos tendem a superestimar sua capacidade de enfrentar adversidades. E o menino pensou em se matar.

    O fato de ter pais amorosos e esclarecidos deve ter pesado para que ele desse mais valor à própria vida. Em vez de punir a si mesmo, botou a boca no trombone, reclamou, pediu ajuda, se expôs.

    O filho de Eike, o menino de Santo Ângelo e todos nós somos produtos das nossas escolhas e das nossas circunstâncias. No caso do garoto gaúcho, sua coragem e seu pedido de ajuda podem ter servido para que outros garotos percebam que não estão sozinhos e que não devem desistir de denunciar a violência e a intolerância – mesmo que demore um pouco até serem ouvidos.

Contrariando o bom senso, ele tornou-se um pequeno herói da resistência. Thor, por sua vez, vai ter que provar que, diante da primeira grande adversidade da sua vida, também saberá transcender suas circunstâncias – agindo como homem, e não como herdeiro.


24 de março de 2012 | N° 17018

NILSON SOUZA

Como nossas mães

Elis vive e volta a cantar em Porto Alegre hoje, reencarnada em sua filha. Maria Rita é Maria Rita, tem ideias próprias, voz própria, talento próprio. Mas é também Elis, porque, querendo ou não, somos como nossos pais.

Nem é preciso fechar os olhos para ouvir Elis na voz de Maria Rita, pois seus trejeitos, seu sorriso de arcada superior, seu olhar amendoado e levemente estrábico, seu temperamento forte, tudo lembra a mãe, que ela fez questão de não imitar ao longo da ainda breve e bem-sucedida carreira.

    Trinta anos depois da morte da maior cantora que este país já conheceu, Maria Rita supera a barreira emocional e faz a mais bela homenagem que uma filha poderia fazer à mãe: assume a sua identidade. Inspirado nas letras das músicas cantadas por Elis, que marcaram a minha juventude e a de tantas gerações de brasileiros, associo-me à homenagem nesta despretensiosa mistura de versos celebrizados pela Pimentinha do IAPI.

    Canta, Maria Rita, que a vida passa. Mais do que nunca, é preciso cantar o que é nosso. Como você bem sabe, qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa. Essa menina, essa mulher, essa senhora, em que esbarras toda hora no espelho casual, é feita de sombra e tanta luz, de tanta lama e tanta cruz, que acha tudo natural.

    Maria, Maria, cantar é um dom, uma certa magia. É preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca mistura a dor e a alegria. Sabemos que carregas, feito tatuagem, corações de mãe, arpões, sereias e serpentes, que te rabiscam o corpo, mas não sentes. Forte és, mas não tem jeito. Hoje terás que chorar.

    Chora, Maria Rita. No solo do Brasil, choram Marias e Clarisses. O mar é uma gota, comparado ao pranto das mães e filhas. Tristeza não tem fim. Felicidade, sim. Nosso mais-que-perfeito está desfeito. A vida é como uma escola e a morte é o vestibular. Na parede da memória, essa lembrança é o quadro que dói mais.

Mas uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida. E a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar. Vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar.

    Obrigado, Maria Rita, por cantar neste porto dos casais. Você que é feita de azul, você que é bonita demais, se você tiver que apagar a luz, se você tiver que calar a voz, se você quiser encontrar a paz, tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais.



24 de março de 2012 | N° 17018

CAPA - Shows de aniversário

Minifestival com Hermes Aquino marca comemorações dos 240 anos da Capital do RS

Música, teatro, exposições e debates abrem neste final de semana as comemorações dos 240 anos de Porto Alegre.

A festa de aniversário terá como pontos altos, hoje, as apresentações de Maria Rita, no Anfiteatro Pôr do Sol, e um minifestival no Teatro Renascença reunindo Hermes Aquino, Jorge Mautner, Tonho Crocco e Júpiter Maçã.

Amanhã, as festividades continuam com Arthur Moreira Lima no espelho d’água Redenção, às 10h, e Shana Muller e Delicatessen na Praça da Alfândega, a partir das 17h. Um pouco depois, às 17h30min, o Monumento ao Expedicionário recebe apresentações de Banda Municipal, Buenas e M’Espalho e Apanhador Só.

Hoje, no Teatro Renascença, os espetáculos começam às 21h, com mais um show do retorno de Hermes Aquino. Desde o relançamento de seus discos, no final do ano passado, o músico engatou uma série de concertos em Porto Alegre, ancorados em grande parte na nostalgia pelo hit Nuvem Passageira.

Na segunda metade dos anos 1970, não havia festa que não ecoasse a canção que Aquino compôs para o disco Desencontro de Primavera (1976) e que virou mania nacional após entrar na trilha da novela O Casarão, exibida na Globo.

A apresentação deverá relembrar este e outros sucessos do compositor, que pouco depois de lançar seu segundo disco, Santa Maria (1978), desapareceu dos holofotes. Nos últimos anos, Aquino afirma ter se dedicado a estudar os meandros das novas tecnologias de gravação. Mas se mantém cético quando o assunto é um disco de inéditas.

– Por enquanto, eu estou mais voltado para o palco, sentindo o feedback do público – explica.

O show desta noite é também uma vitória sobre a ânsia pela perfeição que Aquino desenvolveu. Agora, garante estar mais relaxado e seguro para encarar o palco.

– Cheguei à conclusão de que show muito ensaiado enfeita os olhos, mas não tem grande vida. E a vida é agora – conclui o músico.

sexta-feira, 23 de março de 2012



23 de março de 2012 | N° 17017

ARTIGOS - Flavio José Kanter*

Velhos podem trabalhar?

Li a história do senhor Ron Akana, que tem 83 anos de idade. Parece ser o comissário de bordo em atividade há mais tempo nos Estados Unidos, 63 anos na United. Há um outro com 87 trabalhando na Delta, mas começou dois anos depois de Akana. E sua antecessora na mesma companhia deixou de trabalhar há cinco anos, aos 85.

Ele já voou uns 20 milhões de milhas, algo como fazer 800 voltas à Terra ou ir e voltar à Lua 40 vezes. Quer saber se ele está cansado? Diz que não. O fato de ser o mais antigo lhe permite escolher antes a escala de trabalho.

O que escolhe? Rotas longas, como seus pares mais antigos nas companhias aéreas, para atingir rapidamente a quota de horas requeridas no mês. Muitos comissários trabalham até idade avançada porque precisam do salário.

Não é o caso deste senhor. Ele ganhava mais de US$ 100 mil anuais aos 70 anos. Diz que trabalha porque não se imagina longe dos colegas e dos passageiros que encontra a cada novo voo. Gosta do que faz, até de preparar a mala e o uniforme de trabalho nas noites antes de voar. Brinca que o que ganha trabalhando é para as férias...

Há o que refletir nessa história. A pirâmide populacional vem se modificando, com menores taxas de nascimento e aumento na longevidade. Muitos países já avançaram, e o Brasil entrou nessas mudanças.

Isso traz implicações, pois diminuem contribuintes e as aposentadorias tornam-se cada vez mais longas. Gastos com saúde e doença de pessoas que vivem mais tornam-se maiores. São necessários mais leitos hospitalares, vagas em emergências.

A presença dos velhos por mais tempo no mercado de trabalho também se torna real. Tudo indica que os que gostam do que fazem trabalham bem, são apreciados, utilizam a experiência acumulada e são bons no que fazem. A satisfação por se envolver com algo prazeroso faz com que o trabalho seja uma alegria renovada, não um fardo.

Isso é construído ao longo da vida. Ron Akana trabalha desde os 20 anos, época em que se voava impecavelmente trajado, eram servidos coquetéis de frutos do mar e se atendiam passageiros que se reuniam em torno do bar do avião para uma bebida.

Nos tempos cinzentos da aviação atual, ele trabalha com a mesma satisfação: soube entender e se ajustar às mudanças que ocorreram nessas décadas.

A tendência é de se viver mais. É bom nos prepararmos para uma velhice boa.

*Médico

quarta-feira, 21 de março de 2012



21 de março de 2012 | N° 17015

MARTHA MEDEIROS

Burrocracia

    Recebi convite para participar de um evento literário em João Pessoa. Já quase não viajo a trabalho, preciso ficar mais tempo no meu escritório, mas respondi que, dependendo da data, talvez conseguisse ir. Foi então que me chegou uma lista de documentos que eu deveria providenciar para viabilizar minha participação.

Não acreditei. Nem para um ex-presidiário acusado de desfalque do Banco Central exigiriam tamanha quantidade de certificados de idoneidade moral e financeira. Eu teria que passar uma semana percorrendo cartórios e contratar um ou dois advogados. Muito grata, mas fica pra próxima.

    Nunca vi um país se entravar tanto. Nada avança em ritmo razoável. As incensadas obras prometidas para a Copa do Mundo são apenas um exemplo. Afora maledicências, pilantragens e disputas de poder, ainda temos a questão da papelada: é 1 milhão de pareceres, assinaturas, carimbos e rubricas que impedem o andar da carruagem. Pois é, ainda estamos nos tempos da carruagem, trotando.

    Durante a enxurrada que desabou sobre Porto Alegre, semana passada, tivemos mais do mesmo: ruas alagadas nos pontos de sempre. Ok, o asfalto não absorve a água, o lixo é jogado em locais impróprios e choveu o esperado para o mês inteiro. Mas não há pessoas dentro das secretarias de governo sendo pagas para resolver os problemas da cidade?

Vai chover de novo, e forte. E os carros ficarão boiando, poucos conseguirão chegar ao trabalho, o comércio terá que fechar, moradores perderão seus móveis, grávidas terão que ser retiradas de barco de dentro de suas casas. É um déjà vu recorrente.

    Como não imagino que haja almas satânicas por trás da nossa administração, só posso pensar que a burocracia tem algo a ver com isso. Quantos estudos, laudos, aprovações, orçamentos, prazos remarcados, projetos refeitos serão necessários para resolver nossas pendências? É o país da novela, de fato.

    Fizemos progresso na emissão de documentos pessoais – hoje se pode tirar uma certidão de nascimento ou uma carteira de identidade sem trâmites e demoras, mas ainda falta, como falta, para a gente ser uma nação que flui. A expressão “é pra ontem”, que configura a pressa, passou a ser literal. Não conseguimos sair do ontem e entrar no amanhã.

    Os reféns da burocracia se defendem dizendo que não é culpa deles, exige-se o cumprimento da lei, e estão certos, senão vira bagunça. Mas alguém lá em cima, com a caneta na mão, tem o dever de promover mais agilidade nesse Brasil que só é rápido na informalidade. Há que se encontrar um meio de trabalhar de forma legal e ao mesmo tempo atender as demandas em prazo de país desenvolvido, que é o que almejamos ser.

    O que é preciso para promover a desburocratização? Claro, uns 3.479 estudos de viabilidade. Pocotó, pocotó.


21 de março de 2012 | N° 17015

JOSÉ PEDRO GOULART

Bafo. Da rua

    Sinal. Fechado. Calor. Carro. Condicionado. Sujeito aparece. Velho. Desdentado. Remela. Olho. Mão estendida. Artelhos destroçados. Humilhação. Pausa. Suspiro. E a moeda? Cadê? Cinzeiro. Pega. Nota de vinte. Não. Moeda. Abre vidro. Bafo. Da rua. Da boca. Dos dentes. Do podre. Do pobre. Mão estendida. Moeda. Sorriso. Moeda. Toma. Suborno. É suborno. Pega. Some. Cai fora. Sai. Da minha visão. Da minha consciência. Deus. Abençoe. Vidro fecha. Ar frio. Ainda bem.

    Cidades. Cruzamentos. Infinitos. Semáforos. Azar. Azar. Repetido. Rapaz. Gasolina. Engole. Cospe. Fogo. E ela. Lá vem ela. A mão. A esmola . O imposto. Arte. Rua. Couvert. Protesto. Desilusão. Jovem. Emprego. Empregue-se. Desdém. O jovem desdenha. E pensa. (Mas não diz). Empregue-se? Ou revolte-se? Imagina. Enlouquece. Gasolina. Cospe. Fogo. Sinal. Aberto. Fuga. Sem moeda, sobrou a mão, vazia. A cabeça, cheia.

    Na esquina. A pé. Moça. Fotografa. Procura. Direciona. Respira. Inspira. Se inspira. Escolhe. Aponta. Estátua viva. Pessoa. Pintada. Imóvel. (Porém, agora, só agora, nesse momento, a estátua não quer ser estátua). Descanso. O corpo encolhe.

E, agachado, medita. Rodin? Não. Anjo. Branco. Prata. Cintilante. Poros cobertos. Tinta barata. Cena inusitada. Oportunidade. Moça. Iphone. Foto. Instagram. Facebook. Likes. A estátua reclama. A rua é de todos. O anjo pragueja. Quer descanso. Sombra. Água. (Foto. Esmola. Agora. Não.)

    A cidade. Asfalto. Ponte. Viaduto. Esgoto. (Os ratos engolem os espinhos e vomitam as flores. Do mal.) Loucura. Cresce. Distância. Vida. Infinito. Morte. Vidros. Grades. Cercas. Polícia. Bandido. Medo. Nojo. Repulsa. Culpa. A cidade. Nociva. Abrasiva. Cega. Dissimulada. Fingida. Banal. Imoral. A cidade. Crua. Cruel. Indiferente. Indiferente. Autoindulgente. Pouco. Importa. Ser. Diferente.

    Semáforo. Guri. Olhos. Vivos. Trepado. Ombros. Malabarismos. Brincadeira? Não. Trabalho. Tarefa. Obrigação. Dinheiro. O pai exige. A mãe obriga. A família precisa. E tem a cola. Benzina. Loló. Sonho. Fantasia. Prazer. Anestesia. Ressaca. Pensamento. Triste. Olhos. Vivos. (Tão vivos). Logo. Logo. Apagarão.

domingo, 18 de março de 2012


DANUZA LEÃO

O mais importante

Uma boa informação tem de vir de quem está por dentro da intimidade dos negócios, da amizade com políticos

A informação é hoje um bem precioso, e milhares de pessoas se matam para obter uma, por pequena que seja, não importa sobre o quê.

É preciso ser bem informado, e para isso é preciso uma especial competência: um homem bem informado é um homem poderoso, pois com boas informações se consegue qualquer coisa.

Se for sobre o mercado de capitais, alguns podem ficar ricos ou, para usar uma expressão mais moderna, dar uma tacada que vai garantir toda a sua descendência.

Uma boa informação tem de vir de alguém que está "por dentro" da intimidade dos negócios, da amizade com políticos; pode também vir da amiga da mulher do governador ou da manicure da mulher do juiz, pois quem souber da novidade antes de ela se tornar pública vai poder ligar para dez amigos importantes e contar, para que eles saibam que você já sabia.

Para isso talvez seja preciso ser amigo também do segurança do Congresso, e com tantas e tão ecléticas amizades, não vai ter tempo, jamais, para ir a um cinema ou namorar. E daí?

Pense um pouco: algum poderoso vai contar a você, que não é ninguém, se a taxa de juros vai subir ou descer? Pois é exatamente aí que entram eles, os que têm a capacidade de captar os sinais da mensagem, como se fosse um código.

Para obter a informação, é preciso dar algo em troca, seja lá o que for. É um negócio -como quase tudo na vida.

Para um político tímido e solitário, pode ser companhia; para quem quer ascender socialmente, conhecer as pessoas certas; para certos homens, ser apresentado às gatas. Não, nada de prostituição: bem pior. É, por exemplo, apresentar jovens aspirantes a modelo e, num clima de muito charme, levantar a bola do amigo, levar para jantar, dar muita risada. Isso hoje em dia é profissão.

Cada vez se entende menos o mundo. Houve um tempo em que trabalho era trabalho. Havia hora para começar, para terminar, e todo mundo sabia o que estava fazendo. O carpinteiro tinha seu martelo, seu serrote, seus pregos, quando o serviço estava pronto, entregava e recebia seu dinheiro. Ou era sapateiro, ou costureira, ou médico, ou tinha uma loja.

Era fácil de entender. Hoje, é nos jantares e nas grandes festas que são feitos os negócios.

Mas às vezes é preciso tirar férias de tanta modernidade e ir para um lugar onde a informação não chegue ou, se chegar, não faça quase nenhum sentido.

Um lugar onde não haja carros, nem televisão, onde não existam cinemas, os jornais não cheguem nem existam celulares, nem internet.

Se quiser radicalizar, vá para uma casa no mato, sem conforto, eletricidade, ar-condicionado; um lugar onde as informações cheguem por um vizinho que apareça de manhã, sente na varanda, tome um café - talvez uma cachacinha-, olhe para o céu e diga que acha que vai chover; não soube pelo serviço de meteorologia, mas porque as galinhas acordaram alvoroçadas e o vento está abafado. Dizem que isso ainda existe.

Mas um dia pode dar vontade de voltar, e aí o problema vai ser se inserir de novo no mundo e ver o quanto é importante saber, em primeira mão, se a atriz da novela está ou não grávida.

Em primeira mão significa 30 minutos antes dos outros -e talvez não mais do que 15 depois dela.

O mundo anda mesmo estranho.

danuza.leao@uol.com.br