terça-feira, 31 de dezembro de 2013


31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
FABRÍCIO CARPINEJAR

Não é amor

Por que ela não conta? Por que ela não presta ocorrência na delegacia?

Todos acham um absurdo apanhar e não revidar publicamente.

Não é fácil se separar. Não é simples para muitas mulheres denunciar o companheiro.

Eu entendo a vergonha de quem suporta maus-tratos em casa.

A humilhação de apanhar do marido. De receber tapa ou empurrão e guardar para si. De levar soco ou pontapé e cuidar dos hematomas em sigilo.

Ninguém tem ideia de como essas pessoas sofrem.

Sofrem pela dor física, mas sofrem ainda mais pela esperança de que um dia seu homem vai se recuperar. E isso não acontece.

As mulheres que aguentam violência doméstica são solitárias. Absurdamente sozinhas. Loucamente desamparadas.

Perdem a paciência e a tolerância de quem poderia salvá-las.

Elas se isolam dos amigos, pois não têm mais coragem de disfarçar as histórias.

Elas se distanciam dos familiares porque nenhum parente admitiria a hipótese sequer de um insulto.

Morrem socialmente: enterradas vivas em suas próprias residências.

Apesar do calor excessivo, não podem usar vestidos e mangas curtas para não ostentar as feridas e os inchaços. Acordam de óculos escuros para se encarar no espelho. Colocam sua maquiagem a reparar os danos noturnos.

Para os colegas, estão constantemente caindo da escada e tropeçando nos móveis.

Para os filhos, fingem que não choram com um sorriso que não mexe nem as rugas.

Elas mentem no lugar do agressor. Mentem pelo medo de não ter outra chance de ser feliz.

Dedicam suas horas a zelar por uma farsa, a proteger um conto de fadas que existe na aparência, tentando salvar o casamento a qualquer custo.

Festejam as semanas sadias como milagres. Saúdam os momentos calmos como férias. Esmolam olhares de ternura para compensar o inferno.

Eu entendo as mulheres agredidas. Entendo, e dói entender.

É uma espiral de constrangimentos, que abole as defesas, que apaga a personalidade, que anula o temperamento.

São frágeis, quebradiças, carentes.

Atravessam um domingo inteiro procurando uma desculpa para continuar.

São as únicas que não enxergam que terminou o relacionamento, que não há jeito de recuperar o respeito.

Não são apenas cegas de amor, porém também surdas e mudas. O amor roubou todos os sentidos, todo o sentido de suas vidas.

Juram que foi uma exceção quando é a terceira ou quarta vez que a discussão desanda em briga.

Invertem a perspectiva do mundo: a tranquilidade é a exceção em sua rotina e se enganam que é a regra.

Juram que o marido não é violento, que há muita pressão do trabalho, que é efeito da bebida.

Explicam e justificam e argumentam o impossível, naquela mania de se convencer da pobreza para aceitar a miséria.

Ele se arrepende, ele chora, ele promete que não fará de novo, ele se ajoelha, ele manda flores, mas será reincidente.

Para essas mulheres que resistem em segredo, só tenho uma coisa a dizer: quem bate uma vez baterá sempre.


Apanhar por amor jamais melhora o amor.

FELIZ ANO NOVO PRA VOCÊ

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
MARTHA MEDEIROS

Oferendas ao nada

Ao reler o livro A alma imoral, do rabino Nilton Bonder, encasquetei com uma expressão que, na primeira leitura, feita anos antes, não havia me despertado a atenção – e isso explica a razão de releituras serem necessárias, pois acontecem num outro momento da vida, em que o que não era relevante passa a ser. E nem preciso dizer que essa predisposição à releitura deveria existir para tudo, não só para livros.

Mas retornando ao ponto.

No livro, o rabino diz que muitos dos nossos sacrifícios e esforços são oferendas ao nada. Oferendas ao nada. Foi esta a expressão que me fez refletir sobre a quantidade de privações e abstinências a que nos submetemos e que têm serventia nula. Zero.

Todo novo ano que se inicia é um convite a uma releitura de si mesmo. Você já passou pelos mesmos janeiros e fevereiros e marços que aí vêm, os mesmos carnavais e páscoas, as mesmas mordidas do Leão, as mesmas estações, o mesmo do mesmo. Se daqui para frente queremos extrair alguma novidade de fato, ela virá da nossa maneira de encarar a vida, de desfrutá-la com mais proveito.

Então, que se oferende flores à Iemanjá, já que rituais de otimismo e fé não fazem mal a ninguém, e que se oferte abraços e bons votos aos amigos, já que a alegria é uma energia que vale a pena ser trocada, e que a gente doe sempre o que temos de melhor, aquilo que nos movimenta – e não o que nos trava.

A timidez, por exemplo. O que a timidez tem feito por você? Ela impede que você se relacione olho no olho, que arrisque uma conversa com um desconhecido, que apresente aos outros seu trabalho, suas propostas, suas ideias. Orgulhar-se da sua timidez, colocando-a num altar, é fazer uma oferenda ao nada.

O que a culpa tem feito por você? Tem impedido você de se responsabilizar pelos seus atos e renegociar com a vida, tem trancafiado você em casa, obrigando-o a lidar incessantemente com questões passadas, tem envelhecido você, consumido você, paralisado você, e você ainda se ajoelha e reza para cultuá-la. Outra oferenda ao nada.

O que a insegurança tem feito por você? Nada. O que o medo tem feito por você? Nada.

O narcisismo, menos ainda. Cultuando esse deus chamado “Eu”, você não olha para fora, não exercita a solidariedade, não considera o sentimento dos outros, não compreende, não perdoa, não evolui. Oferece a si próprio uma homenagem patética, fica preso a uma energia que não circula, não realiza troca alguma. Joga flores para a solidão.


Que em 2014 consigamos romper com nossos receios sobre o que os outros irão pensar de nós, com o que não nos traz retorno, com o que não nos insere no universo de uma forma mais efetiva e bonita. Chega de cultuar impedimentos. Façamos, para variar, oferendas ao risco.

sábado, 28 de dezembro de 2013



29 de dezembro de 2013 | N° 17658
MARTHA MEDEIROS

Boa entrada

Vou citar dois filmes antigos. Um é o inglês Mero Acaso, de 1999. Primeira cena: um rapaz bate na porta do vizinho, que é psiquiatra, e diz que precisa desabafar. São 6 horas da manhã, o vizinho ainda está de pijama, mas diante do inusitado da situação, convida-o para entrar e o acomoda numa poltrona.

O outro filme é o francês Confidências Muito Íntimas, de 2003. Um mulher está se separando e procura um psiquiatra pela primeira vez. Entra sala adentro e já começa a contar seu drama, sem dar tempo para o homem respirar. Ele fica absolutamente envolvido pela história dela.

Mesmo que você não tenha visto estes filmes, pode imaginar o que eles têm em comum. No filme inglês, o homem se enganou de porta e bateu na casa de um engenheiro, que ouve tudo quieto e só então avisa que o psiquiatra mora no apartamento ao lado.

Mesmíssima coisa no filme francês. A mulher se enganou de porta e invadiu o consultório de um contabilista. Mesmo depois do engano desfeito, os dois seguem se vendo para amenizar a solidão um do outro.

Ambos os filmes demonstram que terapia é, basicamente, uma via de desabafo, de investigação emocional, de elucidação de si mesmo, e tudo isso se dá quando estamos dispostos a falar.

Então qualquer amigo poderia substituir um profissional? Não. Conversar com amigos é ótimo, porém eles estão comprometidos afetivamente conosco. Conhecem a nossa história e já não prestam atenção nos detalhes. E tomam um tempo para falar deles mesmos, o que é natural.

Além disso, estes papos são frequentemente interrompidos pela chegada do garçom, por um telefone que toca, por outras distrações. E, pra culminar, você não está pagando. Faz diferença. Você não é o centro das atenções. É um encontro, literalmente, gratuito. E, em terapia, o foco tem que estar todo em você. Vigilância total para você não fugir de si mesmo.

Longe de mim estimular alguém a bater na casa do vizinho para contar seus sonhos e fantasias secretas. Ele mandará você plantar batatas, com razão. O que interessa disso tudo é o crucial: o quanto é importante falar. E ser profundamente escutado. E, mais profundamente ainda, escutar a si mesmo. Não é fácil ouvir nossa própria voz verbalizando aquilo que sentimos de forma tão confusa e irregular. É quando passamos a reconhecer abertamente nossas inquietudes, medos, vergonhas. E a nos comprometer com o que está sendo dito. A verdade ganha legitimação. Deixa de habitar apenas o silêncio, onde tudo fica protegido demais.

Alguns não acreditam em terapia e dizem que não é qualquer um que merece ouvir nossas intimidades. Mas tem que ser qualquer um, no sentido de qualquer desconhecido, qualquer pessoa que não tenha nada contra e nada a favor de você, que não lhe conheça, para poder lhe ouvir sem uma opinião prévia sobre sua história. De preferência qualquer um com um diploma na parede e competência para ajudá-lo a se conhecer pra valer.


Que lhe faça descobrir os efeitos terapêuticos de ouvir a própria voz assumindo questões que até então não eram enfrentadas. Dá para fazer isso sozinho também, mas com um interlocutor é mais fácil. Ou menos difícil. Tente. Nada como bater na própria porta e entrar. Feliz 2014.

29 de dezembro de 2013 | N° 17658
FABRÍCIO CARPINEJAR

Tática de guerrilha (para homens distraídos)

O que uma mulher mais reclama do homem é sua distração: esquece de observá-la, não valoriza os detalhes, não identifica surpresas e passa reto em datas importantes e comemorações amorosas.

Com objetivo de salvar casamentos e namoros, encontrei a saída do labirinto.

O homem deveria confessar que tem déficit de atenção já no primeiro encontro. Na verdade, déficit de atenção é um outro nome para egoísmo - ele só escuta o que quer e só faz o que deseja -, mas rebatizando o defeito terá uma nova vida sem atribulações e julgamento, sem críticas e implicâncias.

Tente, funciona perfeitamente.

Está começando uma relação, chame sua garota para perto, faça o olhar triste do Gato de Botas do Shrek, e puxe uma conversa séria:

— Antes de tudo, preciso expor algo, você tem o direito de não ficar comigo, eu entenderia, mas não desejo esconder nada: eu tenho déficit de atenção!

É óbvio que ela aceitará, todo mundo admite qualquer coisa que é dita na primeira semana de relacionamento (é a fase da tolerância e impunidade). Ela arregalará os olhos, lamentará a dificuldade, prometerá ajuda e não terá mais como cobrar absolutamente nada daqui por diante de seus lapsos e apagões. Será o paraíso fiscal, a redefinição mágica de sua rotina.

Você não reparou que ela cortou os cabelos, daí você diz:

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não lembrou que completam um ano de relacionamento, não comprou presente e flores.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você saiu com os amigos para beber, e não avisou.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não gravou quando ela avisou que não gostava de azeitonas e buscou servi-la.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não reconheceu o sogro de sunga e a sogra de biquíni.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você troca risos e bocas com uma estranha.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não notou que a casa está tomada de velas e que sua mulher dança sensualmente, e ligou a televisão no canal de esporte.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!


Mas, se ela se depilou e você não viu, por favor, não culpe o déficit de atenção, é o único caso que ele não pode ser usado. Vai voar um tabefe na sua orelha para voltar a ouvir. Ou para ensurdecê-lo de vez.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013


17 de dezembro de 2013 | N° 17647
FABRÍCIO CARPINEJAR

A mulher fiel

Minha mulher permaneceu quatro dias descansando em Búzios. Eu me encontraria com ela no final de semana.

Quando cheguei ao litoral carioca, apareceu na porta da pousada morena, radiante, com os cabelos loiros quase brancos, um loiro diáfano. Era outra, nativa, contrastando com minha brancura amadora.

Eu, um branquinho com cravo; ela, um brigadeiro com granulado. Eu, bolero; ela, samba.

Uma diferença absurda. Ao seu lado, era mais um turista americano. Todos se aproximavam de mim falando inglês. Alguns até elogiavam meu português.

Não tinha saída, nem adiantava convencer do contrário. Faltava somente o chapéu panamenho e camiseta larga para entregar minha origem estrangeira: branquela desde a raiz dos pés.

No momento em que minha esposa pediu para passar protetor em suas costas, já ancorados na praia de cadeirinhas, identifiquei uma queimadura. Enquanto a pele seguia uniformizada, bronzeada, com a cor de café importado, ali havia uma região vermelha, doída de luz, descascando antes da hora.

Perguntei o que tinha acontecido.

– Não se cuidou? Ela meneou a cabeça, envergonhada:

– Como estava sozinha e você não veio comigo, não pedi para ninguém passar protetor em minhas costas. Era uma infidelidade.

Eu amoleci de ternura, como se estivesse na terceira caipirinha sob o sol.

Suas palavras foram açúcar e cachaça. Sucumbi diante da declaração de amor.

Sua timidez era cuidado comigo. Katy não quis insinuar nada de errado solicitando que outro tocasse em sua pele. Vá que homens e mulheres pensassem bobagem, confundissem favor com oferta.

Ela arcou com as consequências em nome do amor. Poderia ter pedido uma gentileza para a camareira, para o porteiro, para as atendentes das tendas à beira-mar.

Mas não. Não correu riscos. Suportou a solteirice pela integridade da relação.

Não há mulher mais fiel. A que se queima para não gerar dúvidas, a que aguenta a lealdade na ardência, reta e firme, sem olhar para os lados.

Mulher fiel não tem costas. Como um anjo. Voa no céu anil da paixão.

Dá gosto de olhar para o horizonte marítimo. Dá vontade de acreditar em casamento.


Mulher fiel não tem costas. Como um anjo. Voa no céu anil da paixão.

17 de dezembro de 2013 | N° 17647
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Vocês, brancos

Ano chegando ao fim, mais um motivo para a gente dar balanço na vida, medir o que passou com o que ficou. Hora de celebrar a vida – aí, valeu, vida! –, mas também de lembrar de quem já não anda mais aqui.

Neste ano, vivi duas felicidades nascidas do passado: dois caros amigos, já falecidos, por assim dizer, reviveram, porque suas obras voltaram ao convívio do leitor. Um deles se chama Luiz Sérgio Jacaré Metz, e sua sensacional novela Assim na Terra está aí, em flamante edição da Cosac Naify.

O outro se chama Jorge Pozzobon, faleceu em 2001, no auge de sua carreira de antropólogo, mas no comecinho de uma promissora carreira de escritor. É o que se lê em uma reedição, pela editora Azougue, do Rio, de uma maravilha chamada Vocês, Brancos, Não Têm Alma.

A frase, nem precisava esclarecer, é de um índio. Pozzobon conheceu de muito perto, em convivência de vários anos, os Maku, uma tribo das mais peculiares. É gente desprezada, ou ao menos muito mal vista, por quase todos os índios da Amazônia.

Os Maku são esculhambados, não parecem caber em descrição técnica regular, casam em alianças nada comuns, chegam a extremos de roubar mandioca de outras tribos, quando se irritam ou ficam desconformes abandonam a aldeia e vagueiam por um tempão, como que para espairecer. Ao contrário da generalidade dos índios da região, vivem nas terras secas entre os rios. Não é raro que sejam pensados como os ciganos dos índios.

Pois é a essa gente que o velho Pozzo dedicou sua melhor atenção, descrevendo-lhes a língua e tudo isso que um antropólogo faz. Mas neste livro não temos antropologia em sentido estrito, científico: temos uma mão de romancista a serviço do relato dos espantos sucessivos do autor com a vida cotidiana dos Maku. Bom de ler como um grande romance, embora sejam 14 textos, de variados formatos (até dois roteiros para filme).


E o derradeiro texto, meu amigo, é para a gente lamentar que o autor tenha morrido tão jovem e com tão pouca publicação. Aproveitando a época, dá para dizer que Jorge Pozzobon produz, na gente, uma epifania como os melhores natais podem produzir.

sábado, 14 de dezembro de 2013


15 de dezembro de 2013 | N° 17645
FABRÍCIO CARPINEJAR

A parte branca do biquíni

O verão é perturbador.

A nudez da mulher muda com a praia e a piscina.

Ela passa a ter uma calcinha na pele. Quando transar, terei duas calcinhas para tirar.

Se uma já era boa, duas são insuportavelmente excitantes. É a tara masculina saciada em dobro.

Você vai baixar a primeira de renda com as mãos e outra com os olhos.

Preste atenção, aproveite a temporada. Só nos meses quentes para contar com strip-tease duplo de sua esposa.

Irresistível a marca de biquíni que ela deixa para mim. Sua pele branca somente reservada para minha adoração.

É o mapa do pecado, é a geografia do desejo, é o país da lascívia.

Fortalecendo a morenidade de minha mulher, o sol me ajuda, é meu cúmplice de alcova. O sal e o mar colaboram colorindo o corpo e me separando a tez imaculada.

Abençoo o contraste. A parte branca do biquíni significa um presente marítimo, uma concha inteiriça e de som infinito que erguemos do rebuliço das águas.

Eu entendo e respeito quando ela fica horas torrando na cadeira. De bruços, de frente, de lado, seguindo os raios com a lealdade dos reflexos dos óculos escuros. Não reclamo do seu isolamento, não digo que é perda de tempo, não vejo como imolação, não recrimino com piadas sexistas, não zombo da dedicação.

Pelo contrário, agradeço sua generosidade comigo. Levo cerveja gelada, caipirinha e protetor reserva para prolongar seu tempo de exposição. Busco toda coisa que deseje. Ela tem direito a sonhos de grávida, a excentricidades de grávida. Não considero nenhuma regalia absurda perante o prazer que encontrarei de noite.

Eu me torno seu cooler, seu isopor, seu guia do deserto, seu pajem. Altero a direção dos ventos, sopro tempestades para longe, abro frestas nas nuvens com o poder do pensamento. Combato o que pode atrapalhar seu dia iluminado e claro.

Conheço o valor de minha recompensa, prevejo a extensão da dádiva.

Não é o bronzeado que me alucina, é onde ela não se bronzeou. É onde ela se guardou para mim.

A parte branca do biquíni vale qualquer esforço, qualquer sacrifício.

A parte branca do biquíni é uma cobiçada ilha após a natação dos braços.


Sem querer esnobar, eu entro onde nem a luz tem permissão.

15 de dezembro de 2013 | N° 17645
MARTHA MEDEIROS

Conversas iluminadas

Tem coisa mais xarope do que faltar luz? Outro dia estava terminando de escrever um texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões começaram a espocar e foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde.

A luz só voltou às 20h. Fiquei com aquele pedação de dia sem poder trabalhar. Então bati à porta do quarto da minha filha e percebi que ela também estava à toa, sem conseguir desfrutar da companhia inseparável do seu laptop. Ficamos as duas ali nos queixando do desperdício de tempo, até que nos jogamos em sua cama e começamos a conversar. Que jeito.

Conversamos sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá até aqui. E ela me divertiu com umas ideias absurdas que só podiam mesmo sair de sua cabeça inventiva, e eu ri tanto que ela se contagiou e riu muito também de si mesma. Então ela me falou sobre uma peça de teatro que foi assistir quando eu estive viajando, e ela disse que eu teria adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator voltar a Porto Alegre.

Aí eu contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar com ela no teatro, e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me apresentar o novo disco da Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu de que existe muito preconceito com essa cantora que, em sua opinião, é revolucionária, e eu escutei umas sete músicas e não gostei tanto assim, mas reconheci ali um talento que eu estava mesmo desprezando.

Então foi minha vez de tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e concluí que a careta era eu. E rimos de novo, e conversamos mais um tanto, e então fomos para a cozinha comer um resto de salada de fruta que estava a ponto de estragar naquela geladeira sem vida, já que a luz ainda não havia voltado.

Será que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde tão luminosa.

Quando por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e voltou minha filha para seu Facebook, e só o que se escutava pela casa era o barulho das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos com quem? Com o universo alheio.

E tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar luz. É ficarmos reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem está ao nosso lado. Se é preciso que a energia elétrica seja cortada para resgatar a energia humana, que seja, então. Não em hospitais, não em escolas, mas dentro de casa, uma horinha por semana: não haveria de causar um estrago tão grande. Se acontecer de novo, prometo não reclamar para a CEEE, desde que não demore tanto para voltar a ponto de estragar os alimentos na geladeira e que seja suficiente para me alimentar da clarividência e brilho de um bom papo.


domingo, 8 de dezembro de 2013



LINDO DIA ANJO AMIGO.

Distante é tudo aquilo que mesmo apegado, mesmo
Impregnado dentro da gente... perdeu o sentido!
**
Quer realmente amar um pássaro?
Começe por abrir a porta da gaiola.
A liberdade é um passo inicial.
Só depois o amor pode acontecer".
Carlos Kaliban

LINDO DIA ANJO AMIGO.

Amor da minha vida...
E por tanto ser-te sem que
nenhuma Parte de mim fuja de ti
E que a ti não pertença...
Amo-te! Amo-te! Amo-te!
(Cida Luz)

♥ By Keyla ♥

LINDO DIA ANJO AMIGO.

Ao longe, o olhar do teu
coração pousou no meu.
Um vento diferente, sibilou
uma canção que era de amor..

(Cida Luz)
♥ By Keyla ♥


08 de dezembro de 2013 | N° 17638
MARTHA MEDEIROS

Cinemas de calçada

Os cinemas em shoppings possuem um conforto e uma qualidade técnica que só confirma a evolução do setor, mas atire a primeira pipoca quem não sente saudades dos cinemas de bairro.

Como passei dos 11 aos 25 anos morando na D. Pedro II, o Astor era o mais perto de casa. Situado na esquina da Benjamim com a Cristóvão, tinha uma fachada imponente e era vizinho do cineteatro Presidente (onde nunca vi filmes, só shows). Foi no Astor que assisti Laranja Mecânica e E.T.

E havia o cine Colombo ali perto, acho que um dos primeiros a fechar, pois só recordo de ter ido lá quando criança, em turma, fazendo uma bagunça na primeira fila que atordoava os adultos sentados atrás de nós. Mas o que adultos faziam assistindo aos filmes do J.B.Tanko, como Som, Amor e Curtição?

Teve a fase do Coral, em frente ao Parcão, com sua imensa escadaria que nos reconduzia à realidade ao deixarmos a sala escura. Foi lá que assisti, aos 14 anos, meu primeiro filme proibido para menores de 18. Minha mãe me emprestou seus óculos escuros e cruzei o saguão feito uma Jackie Onassis mirim para assistirmos juntas a Nosso Amor de Ontem, com Barbra Streisand. E na véspera de um aniversário, quando bateu meia-noite e passei dos 16 para os 17 anos, estava dentro do Coral também, assistindo ao The Last Waltz, antológico show de despedida da The Band, filmado por Martin Scorsese. Bem melhor do que ouvir Parabéns a Você.

Difícil imaginar que houve um tempo em que eu ficava facilmente acordada à meia-noite, ainda mais dentro de um cinema. Como esquecer as sessões da madrugada no ABC, na Venâncio? Woodstock e Blade Runner foram vistos lá. Assisti Blade Runner apenas uma vez, sou um caso a ser estudado pela ciência. Na época, quem assistia menos, assistia quatro ou cinco vezes.

Perto do ABC tinha o Avenida, na João Pessoa, onde fui introduzida pela primeira vez à obra de Pedro Almodóvar com seu hilário Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos.

O Vogue, na Independência, era meu reduto depois das aulas da faculdade. Foi lá que assisti obras políticas como Sacco & Vanzzetti, A Batalha de Argel e todos os do Costa Gavras, e foi lá também que assisti ao primeiro filme com o primeiro namorado (Jonas, que Terá 25 Anos no Ano 2000 – nome do filme, não do namorado).

No Centro, tinha o Imperial e o Cacique, lado a lado. Difícil lembrar em qual deles assisti, recém liberado pela censura, a O Último Tango em Paris ao lado do meu irmão, na única vez em que fomos ao cinema juntos depois de virarmos gente grande (eu com 18, ele com 16). E foi no Cine Victória, na Borges, que me encantei com A Marvada Carne, que segue na lista dos meus filmes nacionais preferidos.

Nunca fui ao Capitólio.

Por fim, a dobradinha Baltimore e Bristol, na Oswaldo Aranha. O Bristol era cult, com sua pequeníssima sala no segundo andar, alcançável por uma escada estreita onde nos espremíamos em filas para assistir aos ciclos do Godard. Já o Baltimore tinha uma programação mais comercial. Foi onde assisti a Uma Linda Mulher, já que filme cabeça todo dia não dá.


Qual o mais inesquecível dos cinemas? Na verdade, ficava a 200km de Porto Alegre: era o da SAPT de Torres, onde assisti desde os filmes do Roberto Carlos até 2001, Uma Odisseia no Espaço, sempre batendo com os pés no chão antes do início, fazendo barulho no assoalho de madeira para marcar aqueles anos que não voltariam mais.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013


Estava nua me vesti de amor.


Coloquei uma coroa de flores.
Todas com cores dos madrigais.
Seria um jeito de colocar o que sinto,
para que todos sintam o brilho do amor.
Quando chega não sentimos nem uma diferença.
O tempo vai passando ele vai criando formas...
Começa as transformações de céticos nos tornamos crentes.
De orgulhosos humildes sem pretensões alguma.
De egoístas abrimos um portal de doações.
Do brilho transferimos a todos os opacos.
Dos sábios amigos sinceros porque ouvimos sons sonoros.
Fazemos que a luz ilumine a todos, que sonhos se realizem.
Vestimos os nus e cobrimos abundância onde a miséria impera .
Fazemos o trajeto do mestres dos mestres.
JESUS CRISTO nosso amor e luz regidos por DEUS nosso pai.
AMEM...
..Sol Holme..


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Um Lindo Dia!

No vazio cabe um monte de coisa, mas nenhuma se encaixa.
Todas deslizam pelo rio de lágrimas que inundam todos
Os meus andares vazios. A hora que eu chorar,
Vai ser o choro mais triste do mundo.
- Tati Bernardi

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04 de dezembro de 2013 | N° 17634
MARTHA MEDEIROS

Histórias verdadeiras

Quando me convidaram para assistir a uma nova modalidade de stand-up que está sendo implantada no Brasil (e que já funciona com sucesso nos Estados Unidos), fiquei curiosa. A ideia é levar pessoas comuns para compartilharem, no palco de um bar, a sua trajetória de vida. Em 12 minutos, a pessoa, sem ajuda de anotações, espontaneamente, conta sua história real, que pode ter a ver com superação, sorte, risco ou qualquer coisa que não seja trivial. Cômica ou trágica, pouco importa.

Na noite do projeto-piloto, eu estava na plateia. Foram cinco convidados a falar. Um diretor de teatro contou o que ele e seu companheiro passaram para adotar duas crianças. Um músico contou sobre o momento em que descobriu que tinha um câncer no estômago e do acidente de carro que sofreu um dia antes da cirurgia. Uma garota contou sua experiência vivendo num país estrangeiro, quando fez uma besteira e acabou presa. Um personal trainer contou sobre como deixou de ser um adolescente obeso, perdendo cerca de 40 quilos e tornando-se um amante dos esportes. E, por fim, uma mulher viciada em limpeza e arrumação contou como controla o TOC – transtorno obsessivo-compulsivo.

Nós cruzamos por eles todos os dias nas ruas. São exatamente como você e eu. Comem pizza, vão ao cinema, namoram, correm no parque. Olhando assim, nem diríamos que já viveram um roteiro pronto para um filme. A questão é: quem, com pelo menos uns 30 anos de idade, não teria algo significativo para contar? Todos, ou quase todos nós, já passamos por um turning point, uma perda, uma dificuldade, uma experiência surreal. Não há vida que seja irrelevante.

Em 12 minutos, uma pessoa comum, ao vivo, pode oferecer um reality show muito mais interessante do que três meses de episódios diários de Big Brother, pois ela está ali, na frente de estranhos, meio nervosa, constrangida, relembrando algo muito particular, como se estivesse numa sessão de terapia em grupo. Não há figurino, nem texto decorado, nem direção de cena. É simplesmente alguém falando algo que nunca postará no Facebook.

Para que serve isso?

Para quem fala, sinceramente, não sei. Se quiser, você pode se inscrever (www.historiasverdadeiras.com.br) e descobrir como é a sensação, caso seja escolhido – haverá uma apresentação por mês em Porto Alegre, a partir de janeiro.

Para quem ouve, é uma oportunidade de cair na real neste mundo onde tudo nos é apresentado com alguma maquiagem. É a chance de dar uma colher de chá ao que é estritamente humano. É uma possibilidade de se emocionar sem uma tela separando você de quem conta a história. É ser plateia de um striptease inusitado: ver alguém despindo a alma. É perceber que nem sempre a arte e o talento são necessários para uma narrativa – a realidade crua também tem seus encantos. É sentir-se lisonjeado pela confiança de quem não teme ser julgado. É testemunhar o humor, o jogo de cintura, a capacidade de relativizar e as saídas encontradas por desconhecidos.

Numa época em que muitos se exibem, mas poucos se revelam, está aí uma novidade.






sábado, 30 de novembro de 2013


01 de dezembro de 2013 | N° 17631
MARTHA MEDEIROS

De pés descalços

Para quem vive em locais quentes e com praia, andar de pés descalços não é nenhuma novidade.

Já para nós, gaúchos, que passamos a metade do ano usando botas e sapatos fechados, a chegada do verão resgata o prazer de receber diretamente do solo a energia vital que circula pelo corpo todo. Posso estar dando uma importância excessiva ao fato, mas é que andar de pés descalços me remete ao menino das selvas que habitou minhas fantasias da infância, o Mogli. Sapatinhos de cristal sempre me pareceram afetados e apertados demais.

Porém, só fui me dar conta disso, conscientemente, agora, depois de ter feito a viagem pela Tailândia e Camboja que já mencionei na coluna de quarta-feira passada. O que menos levei na bagagem foi algo para calçar. Apenas um chinelo para o dia, uma rasteirinha para a noite e um par de tênis para as aventuras mais radicais – inclusive os tênis ficaram por lá: não sobreviveram às emoções off road vividas de bicicleta em torno do templo de Angkor nesse finalzinho da estação das chuvas cambojanas.

Na Tailândia, o convite para deixar os calçados na porta, antes de entrar nos lugares, é frequente, e isso me fez ter contato direto com a madeira, com o mármore, com pedras rústicas e, principalmente, com a terra: visitando plantações de arroz, andando de barco por aldeias flutuantes, visitando templos e palácios, e mesmo em restaurantes, meus pés reaprenderam a sentir, e não falo de sentir vergonha, ainda que devesse, já que os meus são poucos inspiradores para fetiches. Falo em sentir um grau de pertencimento que o costume e o conforto geralmente impedem.

Se nas vilas e cidades tive o mundo aos meus pés, o que dizer das praias de Krabi, Koh Phi Phi e demais ilhas paradisíacas do sudeste asiático? Pisava na areia de dia e inclusive à noite, jantando a poucos passos do mar, monitorada pela lua. Nem mesmo pés-de-pato coloquei para mergulhar.

Está aí o verão, que nos Estados do norte e nordeste do Brasil não é uma temporada tão diferente do inverno. Nesses casos, os pés descalços já fazem parte da indumentária habitual. Mas para os que têm apenas esses próximos meses para descer do salto, é hora de conceder-se a delícia de sentir o calor e o frio que vem da base.


Perceber o seco e o úmido, o macio e o árido, o liso e o áspero – que absorvamos todas as texturas, sem se importar que esse despojamento nos roube a classe e o charme: aliás, rouba nada, a meu ver. Se, em sentido figurado, somos obrigados a manter os pés no chão o ano inteiro, que o façamos agora também literalmente, pelo simples e relaxante exercício de uma liberdade que anda cada vez menos em uso.

01 de dezembro de 2013 | N° 17631
FABRÍCIO CARPINEJAR

Amigos se casando

O que faz duas pessoas quererem passar o tempo todo juntas? Que loucura é essa? O que move um casal a dividir suas fantasias, seus medos, suas manias? O que tem na cabeça dessa gente que decide casar e se expor ao imprevisível do fim do dia? Dormir lado a lado, acordar lado a lado, grudar nos finais de semana, sentir saudade e se desesperar de preocupação. O que faz alguém ceder metade do seu guarda-roupa, metade de seu quarto, metade de seus sonhos, metade de suas confidências?

O que faz um casal se acotovelar para escovar os dentes no espelho? O que pretende: dormir em paz? Como? É uma ginástica rítmica encontrar o encaixe, a conchinha, o tempo da respiração do outro na cama. E se um levanta, como não se assustar e seguir descansando? É brigar pela televisão, pelo horário de abandonar uma festa, pelo uso das folgas. É ouvir que bebeu demais, é ouvir que falta paciência e não poder mais deslizar pela grosseria impunemente. É criar vexame e ser repreendido.

Não seria mais fácil cada um seguir sua vida e seguir namorando em residências separadas, com ideais separados? Não seria mais fácil não sofrer com contratempos e dores, ser egoísta e breve, não se importar com que o outro está pensando?

O que movimenta o coração dessa gente que se entrega? Essas pessoas insistentes numa história de amor, românticas, ingênuas, que não acreditam em divórcios, apesar da metade dos amigos ser divorciada. São loucos ou desinformados? Ou os dois?

Ninguém tem vontade de avisá-los? Ninguém ficou com vontade de convencê-los a se manter longe do altar? Que p**** de amigos são estes? Que p**** de padrinhos são estes?

Que doideira é esta? Comprar o sorvete predileto e de repente ver que não está mais no congelador. Não experimentaram irmãos para ver que nada permanece no lugar durante a vida familiar?

Não pode ser normal desejar essa dependência quando os dois poderiam ser livres, sem necessidade de prestar contas para onde vai e com quem está.

Olha o esforço que estão se metendo: não há mais como sair de casa e deixar o celular desligado. Olha o quanto sofrerão de ciúmes à toa, de insegurança à toa.

É um caminho sem volta: é dizer “eu te amo” e esperar a resposta “eu te amo”, é dizer “eu te amo muito” e esperar a resposta “eu te amo muito”, é perguntar se o amor é correspondido com receio do despejo.

Para que se incomodar, hein?

Eu sei o motivo. Todo amor é um milagre. O que é o sofrimento perto da sorte de ser amado?

Todo amor é uma comoção. Os pássaros invejam os casais que podem andar de mãos dadas. Os pássaros dariam suas asas para andar de mãos dadas por cinco quadras. Todo amor é uma revolução. As árvores dariam seus frutos para dançar colados pelo menos por uma noite.

Não existe sacrifício, existe doação. Não existe renúncia, existe entrega. Não existe culpa, existe escolha. Ninguém entenderá o que vocês estão vivendo, além de vocês mesmos.

O amor é um segredo a dois. Transforma tudo o que é errado em personalidade. Transforma tudo o que é certo em lembrança.

O amor é coragem. Só pode ser feliz quem não esconde seu rosto. O amor é incurável. Não tem como trocá-lo por nada. É uma amizade cheia de desejo.

Vocês não precisam de explicação porque se compreendem pelo olhar. Não precisam de paz, a confiança é o início da fé. Não precisam temer problemas, basta se abraçar dentro de um beijo. Vocês nasceram sozinhos, mas jamais ficarão de novo sozinhos. Estarão se acompanhando a vida inteira, até depois do fim.

Se um esquecer, o outro vai lembrar. Se um vacilar, o outro vai amparar. São inteiros sendo dois. Mais inteiros hoje do que quando nasceram.


A eternidade tem inveja de vocês.
WALCYR CARRASCO
29/11/2013 20h48 - Atualizado em 29/11/2013 20h48

Abaixo Papai Noel

Por que os pais ainda reforçam essa mentira? Atrás dela, está uma palavra mágica: “Gaste!”

Acho que fui um menino burrinho. Durante anos, todo Natal, eu tentava ver Papai Noel. Minha casa não tinha chaminé. E minha mãe tinha um bazar que também vendia brinquedos. Mesmo abrindo o pacote, embrulhado com os papéis festivos que ela usava nas vendas, eu caía na história de Papai Noel. Todas as manhãs do dia 25, acordava surpreso.

– Mas não vi o Papai Noel.

– Ele passou assim que você dormiu, mas, como estava com pressa para entregar outros presentes, não pôde esperar você acordar – dizia mamãe.

Pacientemente, eu aguardava o ano seguinte. Havia um motivo ambicioso para tanto fervor. Queria ganhar um cavalo branco, de corrida. Minha mãe sempre explicava a falha.

– Papai Noel disse que não tinha espaço para o cavalo aqui em casa. O ano que vem ele dará um jeito.

Foi decepcionante descobrir que Papai Noel não existia. A história ficou tão engasgada que um dos meus primeiros livros infantis, Meu encontro com Papai Noel, fala de um menino que vê o velhinho de barbas brancas no shopping, o segue até sua casa e descobre que é um homem comum e pobre. Ah, sim, o menino quer um cavalo de corrida...

Penso: por que os pais ainda inventam, reforçam essa mentira? Não sou um radical do politicamente correto que quer proibir tudo. Mas os shoppings já estão lotados de Papais Noéis. Há profissionais especializados, que engordam o ano inteiro para ganhar uma grana recebendo as crianças nos shoppings, ouvir seus pedidos e fazer “ho ho ho”. Devem derreter dentro daquela roupa vermelha. É tenso ser Papai Noel. Algum dia um Papai Noel mais nervoso dará uns safanões numa criancinha insistente.

Sua lenda vem do século IV, quando um bispo turco, São Nicolau Taumaturgo, botava, anonimamente, saquinhos com moedas nas chaminés dos mais necessitados. Bem, nem tão anonimamente assim, já que todo mundo ficou sabendo e foi canonizado. Papai Noel também é chamado de São Nicolau.

Mora, para alguns, no Polo Norte. Para outros, na Lapônia, onde vive cercado de elfos mágicos, que trabalham sem ganhar hora extra, nem ter direito a férias ou décimo terceiro salário. Hoje, fabricam até videogames! Sua imagem atual foi criada por Thomas Nest, numa ilustração da revista Harper’s Weekly, que só se popularizou ao ser usada numa campanha da Coca-Cola, em 1931.

Particularmente, fico irritado ao entrar num shopping e ver Papais Noéis com um sorriso eterno. Por trás de toda essa festa há, sim, uma palavra mágica: “gaste”, “gaste”, “gaste”. Mágica para os donos das lojas, claro. É terrível as crianças pedirem presentes que não podem ter, como meu cavalo de corrida. O realmente mais terrível é ter passado esses anos todos com a consciência de que Papai Noel não existe e se tornou só uma invenção lucrativa do Natal.

Eu adoraria que existisse! Faço de tudo para tornar a lenda real. Explico aos amigos e à família que voltei a acreditar em Papai Noel. Ainda não me levam a sério. Qualquer hora dessas, envio as cartinhas diretamente às minhas sobrinhas. Ou se comovem, ou me internam. O mundo acha lindo uma criança acreditar em Papai Noel. Mas é cruel quando um adulto insiste em acreditar que vai achar um presente na chaminé.

Já que a lenda persiste, só resta fazer alguma coisa. Todos os anos, os correios recebem milhares de cartas de crianças pedindo presentes. A gente vai lá, escolhe os pedidos adequados ao bolso. Compra e envia anonimamente. Muitas crianças ficam sem presente, porque extrapolam nos pedidos. Outras ganham, sim, uma surpresa de Natal. Nos últimos anos, tenho escolhido algumas cartinhas. É um sentimento agradável saber que uma criança desconhecida passará o Natal feliz, com um brinquedo que não poderia ganhar da família.

Talvez esse sentimento seja o verdadeiro espírito natalino. Também, sempre me dou de presente uma cesta de Natal, repleta de gulodices. Já para amenizar o regime que farei o ano que vem, quem sabe? Já que Papai Noel não vem, eu mesmo me presenteio. Mas não nego, também ganho bons presentes.

Insisto: abaixo Papai Noel! Qual seu sentido na formação de uma criança, na relação com o mundo? Sonhar é bom, sempre. Mas esse é um sonho cruel. Não entendo insistir numa história, para depois contar que era mentira. Descobrir que Papai Noel não existe costuma ser o primeiro ritual infantil para a entrada no mundo adulto. A primeira dor, a perda de alguém que a criança ama, para então saber simplesmente que nunca existiu.