
01
de dezembro de 2013 | N° 17631
MARTHA
MEDEIROS
De pés
descalços
Para quem vive em locais quentes e com praia, andar
de pés descalços não é nenhuma novidade.
Já
para nós, gaúchos, que passamos a metade do ano usando botas e sapatos
fechados, a chegada do verão resgata o prazer de receber diretamente do solo a
energia vital que circula pelo corpo todo. Posso estar dando uma importância
excessiva ao fato, mas é que andar de pés descalços me remete ao menino das selvas
que habitou minhas fantasias da infância, o Mogli. Sapatinhos de cristal sempre
me pareceram afetados e apertados demais.
Porém,
só fui me dar conta disso, conscientemente, agora, depois de ter feito a viagem
pela Tailândia e Camboja que já mencionei na coluna de quarta-feira passada. O
que menos levei na bagagem foi algo para calçar. Apenas um chinelo para o dia,
uma rasteirinha para a noite e um par de tênis para as aventuras mais radicais
– inclusive os tênis ficaram por lá: não sobreviveram às emoções off road
vividas de bicicleta em torno do templo de Angkor nesse finalzinho da estação
das chuvas cambojanas.
Na
Tailândia, o convite para deixar os calçados na porta, antes de entrar nos
lugares, é frequente, e isso me fez ter contato direto com a madeira, com o
mármore, com pedras rústicas e, principalmente, com a terra: visitando
plantações de arroz, andando de barco por aldeias flutuantes, visitando templos
e palácios, e mesmo em restaurantes, meus pés reaprenderam a sentir, e não falo
de sentir vergonha, ainda que devesse, já que os meus são poucos inspiradores
para fetiches. Falo em sentir um grau de pertencimento que o costume e o
conforto geralmente impedem.
Se
nas vilas e cidades tive o mundo aos meus pés, o que dizer das praias de Krabi,
Koh Phi Phi e demais ilhas paradisíacas do sudeste asiático? Pisava na areia de
dia e inclusive à noite, jantando a poucos passos do mar, monitorada pela lua.
Nem mesmo pés-de-pato coloquei para mergulhar.
Está
aí o verão, que nos Estados do norte e nordeste do Brasil não é uma temporada
tão diferente do inverno. Nesses casos, os pés descalços já fazem parte da
indumentária habitual. Mas para os que têm apenas esses próximos meses para
descer do salto, é hora de conceder-se a delícia de sentir o calor e o frio que
vem da base.
Perceber
o seco e o úmido, o macio e o árido, o liso e o áspero – que absorvamos todas
as texturas, sem se importar que esse despojamento nos roube a classe e o
charme: aliás, rouba nada, a meu ver. Se, em sentido figurado, somos obrigados
a manter os pés no chão o ano inteiro, que o façamos agora também literalmente,
pelo simples e relaxante exercício de uma liberdade que anda cada vez menos em
uso.


A dor nas costas vem das costas, a dor de estômago
vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de
onde?
Protegemos nossas pequenas mentiras em vez de cuidar
do relacionamento.
Sozinha
para sempre, nem pensar. Mas há que se valorizar as vantagens de se passar um
tempo desacompanhada. A solidão não será um bicho de sete cabeças se você tiver
bom humor e souber se divertir com o momento de entressafra.


