
26 de janeiro de 2014 |
N° 17685
ARTIGO - Diana Lichtenstein
Corso*
O prazo do luto
Abandonamos quase todos os
rituais. Hoje eles são uma caricatura do que foram em um passado recente. Se
vivêssemos décadas atrás, agora, no aniversário de um ano das mortes da boate
Kiss, estaríamos levantando o luto, o período previsto para sofrer estaria
cumprido. Voltaríamos a usar roupas normais e estaríamos liberados para as
alegrias da vida. Podemos objetar, e com toda razão, que um prazo assim é
arbitrário, um luto dura enquanto dura, é um tempo subjetivo, pessoal.
Cada um sabe quanto precisa para
juntar seus cacos e seguir em frente, qual é a hora de dar-se conta de que há
outros que contam com sua presença. Talvez fosse mais fácil fazer um luto
quando ele era tabelado, cercado de prescrições que só nos cabia seguir. Mas os
tempos de hoje são de uma maior solidão para esse processo, não existem
parâmetros, cada um tem que inventar sua maneira de lidar com a dor.
Enquanto vivemos possuídos pelos
efeitos da perda, nossos mortos sobrevivem nos sentidos: são vistos e
escutados. Aliás, não é à toa que na ficção há tantas casas assombradas: é na
intimidade que as lembranças ganham corpo, as casas são os cemitérios
preferidos dos nossos sentimentos. Juramos ter visto uma sombra, que se
favorece dos jogos de luz, os ouvidos detectam os passos, a chave na porta, o
quarto vazio guarda ecos de ruídos ausentes. A imagem preservada pelo amor
substitui o corpo que fomos obrigados a nunca mais ver.
Com o tempo, os fantasmas se
transformam em lembranças. Estas têm uma característica inquietante, que é sua
aparente arbitrariedade, pois nunca temos certeza de que elas são verídicas.
Sua natureza é contrária à realidade, só existem porque algo deixou de existir.
Lutamos contra essa transformação com todas as forças, agarramo-nos aos
fantasmas, única presença possível de alguém que se tornou ausência. O maior
apoio dessas aparições são seus objetos, seus cômodos se tornam mausoléu onde
celebrar a perda irreparável. O que ontem era deixar de usar as vestes negras,
sinal de um luto oficialmente encerrado, hoje passa a ser o momento de
desfazer-se de objetos, roupas, ninharias, de reconhecer que já não há sequer
um fantasma que reclama um lugar para morar.
Nesse processo de abrir mão dos
restos materiais daqueles que perdemos, há algo que reencontramos: voltamos a
notar a presença daqueles que restam vivos ao nosso redor. São pais, irmãos,
filhos, netos, sobrinhos, maridos, esposas e amigos que precisam sentir-se
importantes, fazer diferença. Entregues à dor, demonstramos que só nos
importava aquele que partiu. Infelizmente, no sofrimento somos egoístas,
negando qualquer valor aos outros vínculos que não foram perdidos. Por amor aos
que não morreram é preciso deixar o morto tornar-se lembrança, tirar da alma os
trajes negros, resignar-se a viver.
Um certo exagero da mídia em falar
do assunto é também uma resposta coletiva para ajudar em problemas individuais.
Como já não temos regras do que vestir, como portar-se, como sofrer, o
compartilhamento social ajuda a cada um dos familiares e amigos. Acaba sendo
uma forma nova para um problema velho, uma ajuda para seguir em frente depois
de enterrar pessoas amadas.
*PSICANALISTA DIANAMCORSO@GMAIL.COM>



Era aquele que dizia que não bebeu nada, apesar do
bafo de cerveja.
Nos primeiros dias do ano foi organizada uma
manifestação no Rio de Janeiro a favor do topless, mas, para desapontamento
geral, teve adesão de algumas poucas gatas pingadas e o assunto não evoluiu.
Eu estava no banheiro do shopping quando escutei duas
amigas conversando sobre o filme que haviam acabado de assistir. Uma disse: Li
no jornal que era uma comédia e vim disposta a gargalhar muito. A outra: Também
fui surpreendida, esperava outra coisa, não esse soco no estômago. Estava na
cara que elas haviam assistido ao mesmo filme que eu, o impiedoso Álbum de
Família, que no roteiro de cinema de Zero Hora está anunciado realmente como
comédia, ainda que sejam 120 minutos de descontroles, rancores, humilhação,
traição, sarcasmo, agressão física e maquiavelices.




Quando
tento buscar na memória a menina que fui, não consigo me ver chorando. No
colégio? Nunca. Em casa? Só de forma muito reservada e profunda no silêncio do
meu quarto, jamais por fricotes infantis. Mesmo adolescente, com os hormônios
em curto-circuito, tampouco lembro de abrir as torneiras. Era durona, não
chorava nem quando havia sério motivo para tal aliás, bastava que algum parente
distante tivesse morrido para me dar uma vontade louca de rir. Tinha vergonha
de me emocionar.