quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


26 de fevereiro de 2014 | N° 17716
MARTHA MEDEIROS

O fim do “aqui entre nós”

Enquanto assistia à novela, você comparou a atriz ao Coringa por causa da plástica que ela fez na boca. Ao ver a foto de uma socialite no jornal, comentou que aquilo não era um penteado, e sim uma vingança do cabeleireiro. Num bar, deu uma zoada no garçom assim que ele se virou de costas: é a cara do Bart Simpson! A dona de olheiras profundas que é amiga da amiga da sua amiga não escapa de uma piadinha em off. Você não se conforma: por que a Teca continua usando aquela camisa azul-turquesa acetinada? E não acreditou no microtamanho do biquíni da vizinha de praia. Ela não tem espelho em casa?

Sei que você é boa gente e que jamais negaria um emprego ao garçom com cara de Bart Simpson, que ama de paixão a amiga que usa camisa azul-turquesa e que convidaria a vizinha fora de forma para ser madrinha do seu filho. Você sabe que as pessoas valem pelo que são por dentro. Você tem plena noção de que aparência não determina caráter, inteligência, talento, importância. Você não é burra. Você apenas pega no pé de vez em quando, como todo mundo.

Nenhum de nós passaria incólume por um “microfone aberto”. Falar mal faz parte da natureza humana, mas quem quer saber de absolver humanizações quando se pode ser o paladino da justiça? Todas as pessoas são terríveis e preconceituosas, menos você, não é assim?

É bem ilustrativo o caso da professora de uma universidade carioca que teve a infeliz ideia de fazer uma foto de um sujeito na área de embarque do aeroporto vestindo bermuda e camiseta regata, publicando-a no Facebook com a seguinte legenda: “Aeroporto ou rodoviária?”. Bastaram essas três palavras para ser afastada do cargo e sofrer um linchamento moral por internautas que não perdoaram a indelicadeza do registro.

Não defendo a postagem de fotos de desconhecidos no Face – aliás, não defendo nem a de conhecidos. Não considero elegante a atitude da professora, ainda mais que o rosto do sujeito foi exposto. É possível que venha a ser processada por ele: não foi uma crítica ao pé do ouvido, e sim pública. Não dá. Não pode. Que o cara se sentisse ridicularizado, era de se esperar, mas a reação exagerada da coletividade evidencia uma certa hipocrisia. A professora foi massacrada por todos os anjos do universo que jamais fizeram um comentário jocoso em suas vidas.

Particularmente, acho que homem de camiseta regata, só se for salva-vidas. Questão de gosto, opinião que se compartilha entre risadas com meia dúzia de amigas. Era o que a professora imaginava estar fazendo, sem considerar as consequências dessa nova sociedade em que nada mais fica “entre nós”, tudo fica entre todos. Ninguém deve humilhar ninguém, e ela o fez, mesmo que num impulso zombeteiro, sem intenção de que repercutisse fora da sua turma. Foi ingênua. Que sirva de exemplo para todas as postagens indevidas em redes sociais. Não existe mais piada interna.



domingo, 23 de fevereiro de 2014

ANTONIO PRATA

A pátria de ponteiros

Quando o brasileiro diz 'tô chegando!', em quanto tempo, exatamente, o brasileiro chega?

Numa demonstração de abertura e inequívoca coragem, Fritz pediu uma feijoada. Eu comentei que, aparentemente, ele não estava tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não. Por conta do seu trabalho --instala e conserta máquinas de tomografia computadorizada--, viajava o mundo todo. A única coisa que lhe incomodava, no Brasil, era nunca saber quando as pessoas chegariam aos encontros. O problema era menos o atraso, confessou, do que nossa dificuldade em admiti-lo: "O pessoa manda mensagem, diz tô chegando!', eu levanta do minha cadeirrra e olha prrro porrrta da restaurrrante, mas pessoa chega só quarrrenta minutos depois". Então me fez a pergunta que só poderia vir de um compatriota de Emanuel Kant: "Quando a brrrasileirrro diz tô chegando!', em quanto tempo brrrrasileirrro chega?".

Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa dignidade --ali, naquela mesa, eu era a "pátria de ponteiros"-- o melhor seria falar a verdade: "Fritz, é assim: quando o brasileiro diz tô chegando!' é porque, na real, ele tá saindo". Tentei atenuar o assombro do alemão: veja, não é exatamente mentira, afinal, ao pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada, assim como ao sair do útero se começa a caminhar para a cova. É só uma questão de perspectiva.

"Mas e quando o pessoa diz tô saindo!'?" Expliquei que as declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade --são uma manifestação do seu desejo. Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.

Fritz ficou pensativo. Uma morena entrou no bar e percebi certa reverberação nos hormônios teutões. Era a chance de mudar de assunto, mas eu havia sido mordido pela mosca da sinceridade e resolvi ir até o fim: revelei que, além do "tô chegando!" e do "tô saindo!", ele teria de aprender a lidar com "chego em 15!" e "cinco minutinhos!".

"Chego em 15!" é sinônimo de "tô chegando!": quer dizer que o patrício está saindo. Quinze minutos é o tempo mágico que o brasileiro acredita gastar em qualquer percurso --a despeito da experiência, da Sulamérica trânsito e do Waze. Da Mooca pra USP? "Chego em 15!" De Santo Amaro pra Cantareira? "Quinze!" Mais uma vez, não é propriamente mentira. Se pegássemos todos os faróis abertos e todos os carros saíssem da nossa frente, em tese, vai que...?

Já o "cinco minutinhos!" é um pouco mais vago. Pode significar tanto que o brasileiro está a cem metros do destino quanto a 27 quilômetros. Às vezes, cinco minutinhos demoram muito mais do que quinze, mais do que uma hora: há casos, até, menos raros do que se imagina, em que a pessoa a cinco minutinhos jamais aparece.


Fritz ficou olhando o chope, contemplativo, imaginando, talvez, na espuma branca, a tomografia multicolor desses cérebros tropicais. Senti que, agora sim, era o momento de mudar de assunto, de mostrar ressonâncias, digamos, mais magnéticas do nosso país. Chamei o garçom. "Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um tempinho..." "Tá chegando, amigo, tá chegando!"

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014


19 de fevereiro de 2014 | N° 17709
MARTHA MEDEIROS

Amores ideais

No filme A Garota Ideal, de 2007, o ator Ryan Gosling vive um cara tímido e introspectivo que compra uma boneca inflável, dá a ela o nome de Bianca e começa a tratá-la como a uma namorada de verdade. Cega, surda e muda, mas com um corpo, ele a leva para passear e a apresenta aos colegas, deixando todos perplexos com esse delírio.

Em determinada cena, uma vizinha, entrando no jogo do rapaz, presenteia a “namorada” dele com flores de plástico, deixando-o comovido: as flores durariam para sempre, como Bianca. Em sua cabeça, ele havia conquistado uma relação eterna, à prova de realidade.

Corta para o excelente Ela, filme em cartaz com Joaquin Phoenix vivendo um recém-divorciado que, solitário e carente, se apaixona pela voz de um sistema operacional – outro absurdo, mas é isso mesmo que acontece: ele fala com um smartphone através de um serviço de inteligência artificial que faz parecer que há, de fato, uma pessoa real batendo papo com o cara.

Dessa vez, não há um corpo, mas há uma voz feminina que pergunta, responde, conversa, faz declarações de amor, discute a relação, faz sexo por telefone, dá toda a pinta de que é humana – só que é outra “garota ideal” que não existe.

Em ambos os filmes, os protagonistas tratam as suplentes como gente: um leva a boneca para as refeições à mesa com a família, o outro leva o aparelho tagarela para um piquenique com um casal de amigos. A diferença entre os filmes é que, no primeiro, todos ao redor estão conscientes de que aquela maluquice é um caso isolado. Já em Ela, a situação é considerada normal, corriqueira até. Não duvide: em muito pouco tempo, estaremos namorando smartphones e quiçá casando com eles.

Se, no primeiro filme, o protagonista é um desajustado, no segundo é um homem sensível, romântico, que está apenas atravessando uma fossa e encontra na tecnologia uma forma aparentemente menos sofrida de se relacionar. Porém, havendo idealização, sempre haverá a dor da perda – mesmo entre um homem e uma máquina. A única forma de manter uma relação sem brigas, ciúmes e desencantos é não se envolvendo emocionalmente. Ou seja: quem almeja um romance perfeito, que abrace de vez a solidão, a única candidata à altura do projeto.

Parece ficção científica, mas o relacionamento entre pessoas reais e virtuais, que já acontece, não demora será convencional. Esse futuro está logo ali, dobrando a esquina. O artificial e o verdadeiro estão cada vez mais próximos e parecidos. Enquanto isso, o melhor é continuarmos nos virando com amores onde há cheiro, toque, pele, e que brotam e murcham, dois processos naturais da vida orgânica. Ao menos, poderemos guardar deles a lembrança das mãos que acariciaram nossos cabelos e dos beijos de boa noite.


O dia que um smartphone também fizer isso, eu caso.

sábado, 15 de fevereiro de 2014


16 de fevereiro de 2014 | N° 17706
MARTHA MEDEIROS

Woody Allen vs. Mia Farrow, ainda

Nem uma, nem duas, mas oito pessoas me enviaram e-mails exigindo que eu me posicionasse sobre a acusação de que Woody Allen abusou sexualmente de uma filha adotiva quando esta tinha sete anos. Isso mesmo, eu, que não sou irmã, prima, esposa, advogada, terapeuta, amante ou vizinha do Woody Allen, senti como se me jogassem tomates em plena rua. E agora, o que você nos diz sobre seu ídolo, hein, hein?. Me chamaram para a briga.

Não deixo de admirar os filmes do Polanski mesmo ele tendo sido acusado de abuso sexual, nem deixo de me emocionar com a obra de Picasso mesmo sabendo que ele tinha um caráter peçonhento, e não vou deixar de reverenciar a filmografia do Woody Allen mesmo que um dia se comprove sua depravação – da qual sigo duvidando. Mia Farrow, sim, é que não me parece de confiança.

Estou sendo tendenciosa? Ora, estou sendo hiper, super, megatendenciosa, pois é incômodo acreditar que um sujeito com capacidade de transformar neuroses em tiradas geniais, um homem que extrai o melhor de seu elenco, que é fiel à sua equipe técnica, que ama o jazz, que não se deixa bajular por tapetes vermelhos, que deu ao mundo filmes como Manhattan, Hannah e Suas Irmãs, Crimes e Pecados, Match Point e tantas outras obras-primas, vá ferrar com a vida de uma garotinha. É a palavra de um contra o outro, então me dou o direito de escolher de que lado ficar.

A questão é pessoal, familiar e intricada. Allen leva sobre os ombros as acusações de ter seduzido a jovem Soon-Yi, adotada por Mia Farrow e o ex-marido dela, André Previn. Segundo Allen, ele e Soon-Yi nunca tiveram relação de pai e filha nem mesmo moravam sob o mesmo teto (ele e Mia moravam em casas separadas e a moça morava com a mãe). O romance vingou e estão casados até hoje, e lá se vão uns 20 anos – não era um capricho, como se vê. Mas foi suficiente para deixar a ex-esposa ferida em seu orgulho e a opinião pública disposta a julgar o diretor sem atenuar nada.

Será Woody Allen um tarado, um pedófilo, um cara que deveria estar atrás das grades? Não acredito, mas tudo pode nesse mundo maluco. Ainda assim, devemos deixar de admirar o trabalho daqueles que não vivem com retidão? Se um presidiário escrever uma emocionante peça de teatro ou esculpir magistralmente, não merecerá reconhecimento pelo que faz pela arte, a despeito do que fez contra a sociedade? Deixo aqui essas perguntas porque não tenho resposta conclusiva para a questão. Mas vale lembrar aquela máxima de Nelson Rodrigues: se soubéssemos o que cada um faz na intimidade, ninguém cumprimentaria ninguém.


Tomara que nenhuma agressão tenha acontecido de fato, mas se aconteceu, sinto muito, não conseguirei gostar menos dos filmes de Woody Allen. Apenas deixarei de cogitar ter um filho com ele – vá saber.
Alejandro Sanz - Não Me Compares ft. Ivete Sangalo

Adriana Calcanhoto - Sou eu assim sem você


MAS É CLARO QUE O SOL...

Bom Dia Anjo!
A gente cuida.
"Quando a gente gosta, a gente cuida.
Cuida mais do que devia. Gostar é se prevenir do desgosto.
A gente nunca sabe o que é suficiente, a gente vai se doando,
se gastando, sem pedir troco.
A gente gasta mais do que tem e corre atrás para imaginar
o que não viveu, para não fazer falta à memória mais adiante."

__By Keyla

Bom Dia Anjo!
Mais longe

"No mesmo instante em que recebemos
Pedras em nosso caminho,
flores estão sendo plantadas mais longe.
Quem desiste não as vê."

William Shakespeare

__By Keyla
LINDO DIA ANJO AMIGO.

Nas pedras e nas estrelas

Apenas tente ser feliz, e um dia,
Quando você estiver dançando em sua felicidade,
Quando seu rio interior estiver fluindo, de repente
A vida não parecerá mais banal.
Em todos os lugares, alguma força
Desconhecida se esconderá,
E você verá Deus nas flores,
Nas pedras e nas estrelas."
(Osho)

Eu 
tenho coragem, de ser eu mesma. 
E muito peito, pra me enxergar ao ponto 
de notar que preciso mudar. 
Porém, faço isso por vontade própria e 
jamais por pressão da massa!

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014


12 de fevereiro de 2014 | N° 17702
MARTHA MEDEIROS

A conexão perdida

Para se estressar, hoje, não é preciso muito. Basta que a pessoa se hospede numa pousada que não tenha wi-fi, ou que haja uma queda de energia que deixe seu computador paralisado: que desespero ficar sem o Instagram, o Face, o Twitter, o YouTube, o Google.

É chato, eu sei. Mas há uma conexão muito mais séria que está sendo perdida sem que ninguém se importe: a conexão entre causa e consequência, que exige apenas o bom funcionamento dos fios que interligam os neurônios.

Quem viu as imagens do rojão que atingiu o cinegrafista Santiago Andrade durante um protesto no Rio reparou que ele não estava cercado por muita gente, havia um clarão ao seu redor, o que resultou num comentário paralelo à comoção geral: alguns consideraram a tragédia um azarão. Não era para acertar ninguém, foi uma fatalidade.

Que azar, o quê. Não foi azar de quem soltou o artefato, nem azar de quem estava no caminho. Não houve azar ou sorte. Houve, mais uma vez, a falta absoluta de conexão entre causa e consequência, uma relação lógica que entrou em desuso.

Quem lida com material explosivo no meio da rua (ou dentro de um estádio, como aconteceu no ano passado num jogo do Corinthians, na Bolívia) tem que estar ciente de que pode ferir e até matar outros. Quem dirige feito um insano na estrada tem que ter noção de que pode provocar um acidente fatal. Quem depreda um ônibus tem que lembrar que aquele é o mesmo ônibus que o levaria ao emprego no dia seguinte.

Quem se descontrola com gastos estapafúrdios tem que responder pela falta de verba para o essencial. Quem pensa que está fazendo economia ao usar material de baixa qualidade em obras de infraestrutura tem que considerar que poderá haver danos, atrasos e acidentes de trabalho. Quem se envolve com corrupção tem que saber que é um ladrão como qualquer outro, não importa se usa gravata e tem curso superior.

Quem não atende com eficiência vê sumir a freguesia. Quem solta boatos obstrui a comunicação. Quem mente perde a credibilidade. Quem não investe não avança. Quem só cultiva aliados em vez de amigos fica sozinho. Quem não lê não pensa direito. Quem não pergunta tateia na ignorância. Quem mima em vez de educar lega ao mundo seres prepotentes. Quem não entendeu que gentileza gera gentileza acabará sentindo na pele que grosseria gera grosseria.

Mas, em vez de manter conectada essa corrente óbvia entre causa e consequência, o que vemos são políticos governando o hoje como se não houvesse amanhã, manifestantes confundindo consciência com delinquência, motoristas desrespeitando as leis para chegar antes, homens e mulheres procurando resolver seus problemas com imediatismo, sem levar em conta as necessidades e sentimentos dos outros.


Apagão é isso.


No fim tu hás de ver que as coisas mais
leves são as únicas que o vento
não conseguiu levar: um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento."

_Mário Quintana_

By Keyla

sábado, 8 de fevereiro de 2014


09 de fevereiro de 2014 | N° 17699
MARTHA MEDEIROS

Conversa por dedução

Sabe a.... a... aquela, você sabe....a loirinha.... prima da.... como é mesmo o nome... aquela que morava na rua atrás do clube... aquele clube que teu irmão jogava futebol com o... tsk, que futebol, o quê. Tênis, jogava tênis! Sabe?

Antes era só com minha mãe que eu conversava desse modo, tentando preencher os pontinhos deixados em branco. Mas hoje em dia tem sido com as amigas também. Entramos na fase da conversa por dedução. E dessa fase não sairemos mais. Não vivas.

Vocês já foram nesse restaurante novo que abriu? Esse que foi matéria ontem no... Vocês sabem, me ajudem, esse que foi superbem comentado pela... Ah, não importa, andam dizendo que é onde se come o melhor linguado ao molho de maracujá. Não: de manga. Linguado nada, eu quis dizer salmão. Salmão ao molho de manga. Isso. Já foram lá?

Completar uma frase tem sido tarefa de adivinhação. Não sei com você, mas eu não consigo mais lembrar o nome de artistas, de filmes, de lugares. Mal consigo dizer corretamente o nome das filhas, e são apena duas. Quem tem três – e acerta – vira meu herói.

É sabido que nosso cérebro está com lotação esgotada. É informação demais para processar, não há como manter o estoque, é preciso jogar no lixo o que não serve mais. Aquela atriz... aquela bonitona... me escapa o nome agora. Pois bem, em sua biografia, ela comenta que, quando esquecemos um nome, o melhor é deixar pra lá e seguir em frente, mais adiante a lembrança retorna espontaneamente. Muito bem. Assim tenho levado a vida, aguardando a volta de palavras que debandaram.

Sim, quero o CPF na nota. É 439136... não, 37... esquece, esse é meu RG. O CPF é 30055082... Calma, acabei de te dar o telefone do meu escritório.

Aguardo a volta dos números também.

Caduquice de velha? Olha: não é. Tenho visto muita criança de 30 anos que também está custando para levar uma frase até o final sem se perder nos “como é mesmo?”. A questão é que estamos sobrecarregados de tal forma que esquecer passou a ser mais comum do que lembrar. E os bate-papos agora são assim, um tentando adivinhar o que o outro está querendo dizer.

Estou indo para Ibiraquera, aluguei uma casa. Falei Ibiraquera? Perequê, Perequê! Fica ali pertinho de... de... Porto Belo, obrigada. Só voltaremos depois do Natal. Depois do Carnaval, isso. Muito tempo, né? Estou levando quatro livros... Esse novo da Fernanda Montenegro... Hein? Torres. Fernanda Torres. Um de um australiano, canadense, uma coisa assim. Um sobre a vida da Jane Fonda. E outro daquele cara que tu gosta, o Stephen... Philip Roth, esse aí. E um monte de palavras cruzadas, prescrição médica.


Jane Fonda, claro. Como é que pude esquecer?

09 de fevereiro de 2014 | N° 17699 FABRÍCIO CARPINEJAR
carpinejar@terra.com.br


Liga da justiça

Os homens só confessam seus problemas aos amigos quando a casa caiu, quando o casamento desmoronou, quando o fim está sacramentado.

Nada mais pode ser feito, estão oficializando a notícia.

Os amigos são solicitados para socorrer a fossa, não como prevenção da dor; são requisitados para beber as mágoas: dividir o uísque da solidão, a cerveja do desamparo, o conhaque do ressentimento.

Muito distinto do ritmo feminino, que presta uma consultoria permanente às amigas durante os atritos do casamento.

O homem procura seu amigo para esquecer um amor rompido, a mulher procura sua amiga para salvar o amor em apuros.

Sim, por que você acha que sua mulher discute tão bem, tão senhora de si?

Ela está preparada para a DR, recapitulou o que precisava dizer e como dizer com suas amigas, levantou os pontos negativos e os positivos das exigências, assimilou o contraditório com a versão e experiência de suas confidentes.

Na refrega sentimental, ela antecipa suas respostas, não é verdade?

Ela desarma suas opiniões, não é verdade?

Não fica impressionado com o poder e a velocidade do raciocínio dela, o quanto é adulta e equilibrada, enquanto você, do outro lado, espuma raiva, infantilidade e insegurança?

É que ela teve a humildade de pedir opinião para suas colegas, com o objetivo de evitar injustiças. Formou um ibope das diferenças e das dificuldades e carrega as informações privilegiadas para dentro de sua casa.

Não é curioso que antes de uma conversa séria sua esposa ou namorada tenha saído com as melhores amigas na noite anterior?

Elas treinaram o discurso do qual seria vítima. Vírgula por vírgula. Ponto por ponto.

Sua cara-metade chega para o papo com uma oratória de Angela Merkel, uma firmeza de Oprah. É impossível contê-la.

Compreenda que uma mulher jamais toma alguma decisão sozinha. Ela é uma multidão. Ela é um conselho de leitor. Ela é uma reunião ministerial.

São três ou quatro mentalidades pensando ao mesmo tempo em sua cabeça. É como jogar xadrez com um computador. Não tem chance. O que ela fala é absolutamente lindo, honesto, real, comovente, por várias perspectivas. O que resta fazer é pedir desculpa, mesmo que desprovido de culpa.

Já fiquei abobado em várias DRs, exclamando para mim mesmo: – Como ela domina nosso relacionamento, como tem consciência de tudo!

Minha vontade era cumprimentá-la, elogiar o desempenho, assim como um time juvenil leva goleada de uma equipe profissional e ainda quer autógrafos ao final.


Hoje absorvi a lição. Nunca mais o amadorismo. Não brigo com a minha esposa sem antes consultar meus comparsas Éverton e José Klein. Formamos a Liga de Justiça. Meus improvisos são bem ensaiados.

08 de fevereiro de 2014 | N° 17698
NICO NICOLAIEWSKY 1957-2014

Adeus ao amigo

É difícil de escrever este texto, como se, ao não falar a notícia, ela não fosse existir, como se guardar silêncio fosse postergar esta frase fria e tão inacreditável: o Nico morreu! Isso nunca deveria ter saído da minha boca, sempre queria que fosse ao contrário, fosse tu, meu querido amigo e parceiro, que noticiasse aos outros com teu jeito tão sensível, emotivo, poético e com um sorriso no fim, essa notícia que, por estarmos vivos, em algum momento será dita: morreu!

O triste é pensar nos dias futuros quando a ficha for caindo, caindo e a saudade aumentando ao nível do insuportável. O triste é pensar na Nina, tua querida filha, e na harmonia carinhosa e silenciosa que existia entre vocês dois! O triste é ver a Márcia, tua esposa, com seu coração partido e tentando garantir as pontas para que a casa não caia. Tudo é triste, meu amigo, com tua ausência. Ah, se eu fosse um Monty Python, encontraria uma piada para elevar nossa tragédia ao patamar da comédia, mas está sendo impossível.

Me falta aquele teu jeito forte e rápido de transfigurar a realidade numa gargalhada, num riso que acariciava nossa dor e nos transportava para a vida. Falar contigo sempre me acalma, e agora, sabendo que falamos de alma para alma, estás me confortando novamente. E estou cada vez mais seguro de que estamos cada vez mais juntos e que agora somos mais amigos ainda! 

Quis sempre dizer aos quatro ventos o quanto te amava, mas o que iriam dizer? Até tu ficarias constrangido (Ué, o que houve contigo, Levitan, desmunhecou?). Agora vou dizer, te amo, foste mais que um amigo, foste meu irmão, parceiro, alma gêmea... quanta coisa planejávamos fazer... por que tão cedo?

As respostas não cabem ao nosso plano, são de outra esfera e que fiquem nela. Aceitemos os fatos e garantiremos que vamos honrar a tua memória, tão cara e tão grata para nossa cidade que aprendeu a te amar, nossa cidade e o mundo inteiro, inclusive, o mundo de outras esferas! Meus profundos e sinceros pesares para a querida e maravilhosa família do Nico, seus pais, irmãos, esposa 

08 de fevereiro de 2014 | N° 17698
NICO NICOLAIEWSKY 1957-2014

Próximo ato: “Até que a Sbórnia nos Separe”

Já parte da paisagem cultural de Porto Alegre, os personagens Kraunus e Pletskaya ganharam versões animadas no filme Até que a Sbórnia nos Separe. Já finalizado e exibido em Gramado em 2013, o desenho animado está em processo de conversão para o sistema de projeção 3D, ainda sem previsão de estreia. Com a morte de Nico Nicolaiewsky, ontem, deve ser definido um novo planejamento para exibição comercial do filme dirigido por Otto Guerra e Ennio Torresan Jr.

A animação, livremente inspirada no espetáculo Tangos & Tragédias, foi gestada, originalmente, com o título Fuga em Ré Menor para Kraunus e Pletskaya. Na trama, que tem roteiro de Rodrigo John e Tomás Creus, a queda da grande muralha que cerca a Sbórnia, terra natal dos personagens Kraunus (Hique Gomez) e Pletskaya (Nico), expõe a fechada sociedade sborniana a um choque trazido pelos ventos da modernidade e pelas pessoas do continente. O embate de culturas é agravado pela ganância de um empresário do continente interessado em engarrafar o extrato da Bizuvin, cujo chá é bebida tradicional na Sbórnia.

A versão convencional da animação já foi apresentada em festivais e mostras. Segundo Marta Machado, produtora do longa, a primeira sessão pública de Até que a Sbórnia nos Separe na versão 3D deve ser em março, no Festival de Cinema de Animação da Holanda.

– É inacreditável o que ocorreu – diz o diretor Otto Guerra – Foi tudo muito rápido. Estávamos planejando a divulgação do filme. Conhecia o Nico há mais de 30 anos, é dele a trilha do meu curta O Natal do Burrinho (1984). O Nico trabalhou com muita dedicação na dublagem e na trilha do Sbórnia. A voz do Pletskaya se destaca porque, na história, o Kraunus não fala. Além do talento musical, ele tinha um timing impressionante, fez muitos improvisos no estúdio – lembra Otto.

“Achei o trabalho fantástico”, disse Nico

Desde o traço, mais tortuoso, com ângulos acentuados, a direção de arte de Eloar Guazzelli buscou dotar Até que a Sbórnia nos Separe de um visual de animação europeia – aproveitando o fato de que a fictícia ilha natal de Kraunus e Pletskaya, embora seja móvel pelos oceanos, tem uma vaga similitude com o Leste Europeu. Nico já havia manifestado mais de uma vez aprovação pelo resultado.

– Achei o trabalho fantástico. Para mim, é muito especial porque, antes de ser músico, uma das coisas em que eu gostaria de trabalhar era com animação. Fazer parte do processo foi mágico – disse ele, em entrevista em janeiro.

Abre aspas

Luciano Alabarse, diretor de teatro, coordenador do Porto Alegre Em Cena e secretário municipal de Canoas

Estive há muito pouco tempo com Nico. Nos encontramos em Canoas, no dia do concerto da Bibi Ferreira de Natal, no qual ele era um dos convidados. Essa morte pega a gente de surpresa, pois é uma perda prematura. Tangos & Tragédias é umas das coisas mais lindas já criadas no Estado. Nico foi um dos maiores compositores gaúchos, com canções geniais. Tem músicas dele que me arrepiam até hoje, como Feito um Picolé no Sol.”

Zé Victor Castiel, ator

Ele era meu amigo de uma vida inteira. Acompanhei o início do Nico no Colégio Israelita. Assisti ao primeiro espetáculo de Tangos & Tragédias no bar do IAB. Eu vinha acompanhando a doença dele, mas não esperava que tivesse um desfecho tão repentino. Nico terá um velório à moda antiga, no qual as pessoas são veladas na sua própria casa.

Vitor Ramil, músico

Foi uma notícia muita dura, porque nós sempre fomos parceiros e amigos. A gente produziu juntos o Pé de Pilão, eu, ele e o Cláudio Levitan, e colaborei com ele no Tangos & Tragédias com participações especiais. Quando comecei a tocar em Porto Alegre, ele tinha o Musical Saracura. Passamos a vida nos cruzando. Ele tinha um talento incrível, sempre com grandes achados, como seu novo trabalho, Música de Camelô. Ele era um artista muito versátil.

Juarez Fonseca,

jornalista

Nunca nenhum artista no Brasil teve tanto tempo de cartaz quanto Nico e Hique em Tangos & Tragédias: todos os anos, tinha temporada no Theatro São Pedro, e todas as apresentações sempre lotavam. Era um espetáculo de 30 anos com grande demanda, inclusive fora do Estado. Nico era uma pessoa muito cordial, sempre disposto a dialogar. Era um cara supercriativo, com várias facetas.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014


05 de fevereiro de 2014 | N° 17695
MARTHA MEDEIROS

Depois daquele beijo

Quase todas as novelas acabam virando o samba do crioulo doido da metade para o final. Os autores precisam esticar a trama e aí personagens que no início eram interessantes tornam-se patéticos e a história que fazia sentido passa a não fazer mais sentido algum, a lógica vai para o espaço. Salva-se quem tiver talento acima da média, caso de Mateus Solano, que defendeu seu Félix com bravura e humor, virando o grande destaque de Amor à Vida.

Coube a ele e a Thiago Fragoso a cena histórica da tevê brasileira: o primeiro beijo de amor entre dois homens. Quem vinha acompanhando o desenrolar do relacionamento dos personagens Félix e Niko certamente não se chocou. Se houvesse uma palavra para traduzir aquela relação, seria ternura. O oposto de depravação.

Eu não esperava que o beijo ocorresse. Pega de surpresa, meu senso crítico (bem crítico!) em relação à novela desapareceu e me vi emocionada e feliz por todos os homens e mulheres que vivem um amor homossexual, e por seus pais, e por todos nós. Uma nova sociedade começava ali a sair do armário.

Não se pode desmerecer o alcance de uma novela das nove, ainda mais em seu capítulo final. Dezenas de milhões de pessoas assistiram dentro de suas casas a uma realidade que a cada dia se torna menos secreta. Ouvi de alguém uma comparação espantosa: que assim como os telejornais não mostraram as cenas de cabeças cortadas na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, as novelas também deveriam se abster de mostrar o beijo gay, bastaria uma insinuação. Se entendi bem, o beijo estaria sendo considerado violento.

Os beijos podem ser românticos, eróticos, indecentes (os melhores), mas só são violentos quando acontecem contra a vontade. Afora isso, são detonadores de histórias de amor – ou de ilusões de amor, que seja. A partir deles, sempre começa alguma coisa (o.k., não nesta era de ficações banais, mas permita-me ser nostálgica). Assim como na vida real, os beijos do cinema, do teatro e da televisão ajudam a construir uma narrativa.

E o que a história de Félix e Niko contou foi que homens enamoram-se entre si, sentem ciúme, ficam inseguros, reatam, tudo como ocorre entre héteros. Mesmo ainda não sendo considerados casais convencionais, podem ser tão amorosos quanto. Há alguma obscenidade no amor? Nenhuma. Não há obscenidade nem no sexo, não quando consentido e entre maiores de idade.

Obscenidade é quando a grosseria nos remete ao nosso estado mais primitivo, mais irracional. Não fazemos questão de ver cabeças cortadas na tevê porque nos dói admitir o quanto o ser humano é descontrolado e feroz. Em contrapartida, nunca haverá razão para cortar cenas de afeto que nos façam lembrar o quanto podemos ser doces, estejamos em cena ou simplesmente aplaudindo de fora.


sábado, 1 de fevereiro de 2014


02 de fevereiro de 2014 | N° 17692
MARTHA MEDEIROS

A melhor vida possível

Quanto mais converso por aí, mais percebo que é inútil acreditar em verdades absolutas e fórmulas ideais de convivência. Cada pessoa tem familiares que influenciaram suas escolhas, medos herdados e medos adquiridos, sonhos altos demais ou mesmo nenhum, e um número incalculável de perguntas sem respostas, de desejos embaraçosos, de mágoas vitalícias. Quem vai decretar para mim o que é melhor para mim? E quem vai dizer o que é melhor para você? Com que topete?

A melhor vida não é aquela que atende os mandamentos universais, as ordens celestes e os clichês eternizados, mas a que se tornou possível, a que você vem construindo a despeito de todas as suas dúvidas.

A melhor vida seria a da Gisele Bündchen, pensa a menina feia. A melhor vida seria a da Dilma, pensa a vereadora de uma cidadezinha do interior. Enquanto isso, vivem a vida possível, sem perceber o quanto deveriam ser gratas por não precisarem arcar com consequências que desconhecem.

A melhor vida para mim é bem diferente da melhor vida para você. Reúna o planeta inteiro e não se encontrará duas pessoas que planejem possuir a mesma vida, porque uns não querem ter horário para nada, outros se envaidecem de ter suas atitudes comentadas por estranhos, há os que se paralisam à primeira frustração, os que estão sempre inventando novos desafios, e a vida possível de cada um torna-se impossível para os demais, o que não deixa de ser uma piada termos que conviver intimamente uns com os outros apesar desse tabuleiro inesgotável de escolhas e destinos.

Se eu almejar uma vida ideal, terei que me basear na vida dos outros, pois o ideal é fruto de uma racionalização coletiva e consagrada, enquanto que se eu me contentar com uma vida possível, volto a assumir algum controle sobre os royalties das minhas decisões.

O que não impede que ela seja ótima, a mais adequada para o fôlego que tenho, a mais realizável dentro de minhas ambições, a menos sofrida, já que regulada pelo autoconhecimento que adquiri até aqui. Tenho como manejar uma vida possível de um jeito que jamais teria de manejar uma vida perfeita, até porque vida perfeita não é deste mundo, e o sobrenatural é matéria que não domino.

A melhor vida não é a focada em suposições, fantasias, esperas, surpresas e demais previsões que raramente se confirmam. A melhor vida não é aquela que é cumprida feito um pagamento de dívida, como um acerto de contas com nossos antigos anseios juvenis.

A melhor vida não é a que desenhamos quando criança na folha do caderno, a casinha de venezianas abertas, a fumaça saindo pela chaminé e os girassóis protegidos por uma cerquinha branca, e tudo o que isso sugere de proteção e vizinhança com os desejos comuns a todos. A melhor vida possível é aquela que você ainda vem desenhando, mesmo já com algumas pontas de lápis quebradas.

02 de fevereiro de 2014 | N° 17692
FABRÍCIO CARPINEJAR

Porto alegre a pé

Eu voltava das festas a pé com os amigos.

Não tinha nem dinheiro para bebida, muito menos para o táxi.

Não interessava a distância. A ausência de opção resolvia a vida.

Enfrentávamos o perigo com o destemor da cumplicidade.

Ia caminhando com os amigos. Recapitulando as frustrações ou os namoros das reuniões dançantes.

Porto Alegre não é e nunca será uma cidade grande para o adolescente.

A distância se abreviava na conversa à toa, nas descobertas, na expectativa da opinião de meus confidentes.

Já caminhei de Ipanema a Petrópolis, de Cavalhada a Petrópolis. Se eu fosse um carro na juventude, ultrapassava os quinhentos mil quilômetros rodados.

Meus tênis cediam primeiro pelas solas, furavam nas pontas, marcas da herança dos paralelepípedos.

Era impressionante que não me cansava e não reclamava da lonjura. A amizade oferecia, além do fôlego extra, uma distração dos problemas.

Tomava carona nas vozes de meus amigos.

Avançava por ruelas escuras, por bairros apagados. A algazarra superava o medo do assalto. Quem estava perdido por ali é que ficava com medo da gente.

Não há sensação mais agradável do que percorrer a própria cidade ao clarão da lua, acompanhado da turma de sua confiança.

Ouvia os nossos passos nas calçadas, e os pássaros madrugando com seus piares.

A claridade chegava aos poucos, a fome pedia passagem, a felicidade era esperançosa e aguardava o futuro com cheiro de almoço pronto.

Falávamos sem parar, até entrar em nosso bairro.

Naquele momento, estranhamente nos calávamos.

Quatro quarteirões antes do portão de casa, fechávamos a matraca.

Bastava dobrar na rua Carazinho, que não trocávamos mais nenhuma mensagem.

A avenida representava o marco de nosso laconismo.

Sumiam as palavras. Como um código. Como um princípio ético.

Não é que faltava assunto, ou que acabara o filão dos segredos e dos espantos amorosos para serem repartidos.

O silêncio nos preparava para a despedida.

O silêncio, desde aquela época, diminui a angústia da separação.

O silêncio é quando a cumplicidade vira pensamento. É um respeito pela importância do que foi escutado.

É quando começamos a dormir devagar e atravessar a pé os nossos sonhos.

Já os sonhos precisam de solidão. É um trajeto isolado, por mais que tenhamos bons amigos.


Silvio Brito - Uma história bonita e feliz de uma terra tão linda!

Silvio Brito e Clarissa – Quando o coração diz sim


Canção do amor talvez - Silvio Brito e Marysol - Rede Vida de
Bom Dia Anjo!
Fundamental

O excesso pra mim é fundamental. Sou da tribo dos intensos.
Esse talento pra loucura é meu. Ninguém tasca.
Agora o que você pensa dele sim, é um problema putamente seu.
Sou alguém com muito pouco apreço a opinião alheia.
Fui contaminada pela loucura.
Livrai-me de gente normal. Amém.

__By Keyla


Bom Dia Anjo!
"A esperança tem asas. Faz a alma voar.
Canta a melodia mesmo sem saber a letra.
E nunca desiste. Nunca.
***
Na procura de conhecimentos,
O primeiro passo é o silêncio, o segundo ouvir,
O terceiro relembrar, o quarto praticar
E o quinto ensinar aos outros

By Keyla



01 de fevereiro de 2014 | N° 17691
O PRAZER DAS PALAVRAS | CLÁUDIO MORENO

Judiar

A primeira consulta vem de um gaúcho que mora no Rio de Janeiro, ex-aluno e admirador, como eu, do professor Celso Luft (o que, nesta coluna, já dá direito de puxar um banco e ir sentando). Ele é gentil, mas seu raciocínio é tortuoso: “Gostaria de saber se a expressão baixo calão, usada pelos dicionários para classificar os palavrões, não poderia ser substituída por baixo escalão. Acontece que no dicionário do prof. Luft consta que um dos significados de escalão é “nível”; logo, baixo escalão teria o sentido de “baixo nível”, exatamente o conceito que se aplica aos palavrões – o senhor não concorda?”.

Sinto muito, prezado amigo, mas não posso concordar; calão nada tem a ver com escalão. Escalão provém do Latim scala, “escala, escada”, que produz também escalar; é por isso que falamos, numa estrutura hierarquizada, em cargos ou postos que vão do baixo ao alto escalão. Calão, por sua vez, vem de caló, como os ciganos chamavam a si próprios e ao seu próprio idioma. Pela desconfiança histórica que os povos europeus votavam (ou votam) aos ciganos, o termo passou a designar “língua vulgar, grosseira, de pessoas de baixa extração”. Como estás a ver, entre calão e escalão há uma mera semelhança casual, a mesma que existe entre adulto e adúltero ou banha e banho, vocábulos que nada têm a ver um com o outro.

A segunda consulta vem de São Paulo, capital, assinada por Gabriel, um jovem que precisa de algo mais substancioso que uma simples aula de Português. Escreve ele: “Prezado prof. Moreno, tenho apenas 14 anos mas acompanho sua coluna pela internet. Gosto muito do bom humor e da franqueza com que o senhor trata as pessoas e por isso me animei a lhe fazer uma pergunta. Ontem eu li num site que o holocausto da Alemanha nazista não passa de uma invenção (que eles chamam de “holoconto”) e que a palavra judiar vem das maldades que os judeus costumavam cometer contra os cristãos. Essa explicação está correta? É impressão minha ou o site é meio racista?”.

Meu caro Gabriel, não fosse pela tenra idade eu não desculparia tuas dúvidas. “Meio” racista? Para começar, ele faz, a meu ver, duas coisas imperdoáveis: primeiro, nega o horror absoluto que foi o Holocausto; segundo, e talvez pior ainda, procura fazer humor com algo que jamais será engraçado (convenhamos, “holoconto” é uma blague de insuperável mau gosto). Já que frequentas a internet, procura e acharás dezenas de depoimentos e documentários que vão ter dar uma visão aproximada dessa inexplicável explosão da maldade humana.

Como diz Giorgio Agamben no início de seu livro sobre Auschwitz (a tradução é minha), “No campo de concentração, uma das principais razões para sobreviver é a ideia de um dia poder testemunhar sobre o que aconteceu” – exatamente para neutralizar esses fanáticos do lado negro da Força que vivem tentando, dos modos mais delirantes, apagar de nossa memória o que nunca deverá ser esquecido.

É também um equívoco a explicação que eles dão para judiar. É importante lembrar que as judiarias (ou judarias, como eram mais conhecidas) eram os bairros judeus do Portugal antigo, similares às mourarias, onde se concentravam os muçulmanos. Nas Ordenações Afonsinas, que datam mais ou menos do descobrimento do Brasil, lê-se, no título 86: “De como os judeus hão de viver em judarias apartadamente”. Nas cidades maiores de Portugal, onde esse confinamento era imposto com rigor, era proibido ao judeu, sob graves penas, “andar fora da judaria depois de tanger a Ave Maria”, como nos explica o dicionário de Bluteau.

O verbo judiar, ao que parece, era usado justamente para descrever as incursões que os cristãos faziam nessas judarias para infernizar a vida de seus moradores – daí o valor que este termo tem até hoje de “maltratar, tratar com escárnio”. “Vamos judiar!”, portanto, seria um sinônimo para “Vamos mexer com os judeus”. Contudo, contaminada por uma longa tradição de preconceito racial e religioso, a cultura popular (e, portanto, nossa língua) preferiu ver o judeu como o sujeito deste verbo (aquele que judia), quando, na verdade, ele era apenas o seu objeto direto (a vítima, ou seja, aquele que é judiado).


O único dicionário que registrou esse ponto de vista foi o Aurélio – mas apenas até sua segunda edição, a que eu uso, apelidada por mim de Aurélio-vivo (acredite, prezado leitor, esta é a mais confiável de todas, pois as edições seguintes, feitas depois da morte do mestre, continuam descendo vertiginosamente ladeira abaixo). Ali, o verbete judiar abre com uma definição que inexplicavelmente foi retirada das edições posteriores: “tratar como antigamen­te se tratavam os judeus: escarnecer, maltratar”.

01 de fevereiro de 2014 | N° 17691
NÍLSON SOUZA

Cartas do antes

Encontrei um tesouro de papel. Antes que alguém imagine pacotes de dólares ou euros, já vou explicando que se trata de uma fortuna exclusiva, pessoal e intransferível, de imenso valor afetivo para este escriba e talvez pouca ou nenhuma relevância para terceiros. Ainda assim, peço permissão aos leitores para compartilhar a minha descoberta. São papéis escritos a lápis ou com caneta-tinteiro, relíquia que por si só já explica a origem dos documentos. Vieram do Antes – um tempo anterior à minha própria existência.

São cartas de amor, escritas por dois jovens apaixonados. Muito apaixonados. Pelo que consegui recuperar, penso que escreviam quase uma carta por dia, em páginas pautadas, a maioria extraídas de cadernos antigos, muitas delas nas chamadas folhas de papel almaço porque a paixão era imensa e as linhas insuficientes. Nem todas as mensagens estão em bom estado. Quase tive que passar a ferro algumas delas, tão amassadas estavam, resultado de sucessivas dobras para ocupar menor espaço nos insuspeitos desvãos em que foram guardadas por anos seguidos. Tive, inclusive, que espanar a poeira das décadas com um pincel de fios delicados, para tornar visíveis e legíveis os textos sem danificar mais o papel.

E o que diziam aqueles jovens do pretérito? Ora, diziam o mesmo que os apaixonados de hoje dizem, coisas tão bobas quanto essenciais, saudades inesgotáveis, vontade de ficar junto para sempre, olhares cúmplices, lágrimas por nada, risos por tudo. O amor, sabem as leitoras e os leitores, não precisa de tradução. Claro, os bilhetes não eram tão audaciosos nem tão explícitos como são hoje os torpedos dos meninos e das meninas da era digital. Gíria, então, nem pensar. As cartinhas eram cheias de formalidade. Amor imenso, embriagado de juventude, mas tudo com muito recato e elegância. Chega a ser divertido constatar que noivos apaixonados se despediam, muitas vezes, com um “sincero aperto de mão”.

Confesso que, em alguns momentos desta viagem, à intimidade do casal prestes a se formar, me senti um pouco constrangido. Será que eu tinha direito de espiar pela janela do passado? Como aquele personagem do filme De Volta para o Futuro, que, em determinado momento, acompanha o namoro dos pais, sem poder interferir, acabei me autorizando. Afinal, eu tinha um salvo-conduto para aquela investigação. Sabia, mais do que ninguém, que aquele amor tinha dado certo, que todas aquelas promessas e suspiros em letra cursiva tinham se transformado na mais sublime realidade.

Se não fosse assim, eu não estaria aqui para contar esta história que as cartas do antes me revelaram.

01 de fevereiro de 2014 | N° 17691
CLÁUDIA LAITANO

Reclamildo Pereira

Como passageira de táxi, tento me comportar como uma moça educada em uma sala de visitas. Não peço para desligar ou trocar a estação do rádio, mesmo que isso signifique ouvir 25 minutos de debates sobre a lesão no menisco do zagueiro do XV de Piracicaba. Não costumo puxar conversa, mas tento ser uma interlocutora interessada. No verão, não peço para ligar o ar, a menos que a opção seja oferecida e que o calor seja insuportável.

Ao contrário dos teatros locais, os táxis de Porto Alegre costumam ter sistemas de refrigeração que funcionam. A maioria dos carros já chega com o ar-condicionado ligado e tinindo, não só para agradar o passageiro, mas porque nem mesmo o motorista aguenta trabalhar neste calor da gota. Foi por isso que estranhei quando um motorista me perguntou esta semana se eu queria que ele ligasse o ar. Dentro da minha política de mínima interferência no ambiente alheio, disse que não precisava e menti que o ventinho na janela bastava para refrescar.

Era um senhor com idade para já estar aposentado há algum tempo, e talvez por isso antes mesmo de ter dito a primeira palavra já tinha ganhado minha simpatia. Fiquei pensando quantos verões iguais (piores é impossível) ele deve ter enfrentado sem o conforto de um ar-condicionado no carro ou em casa. Talvez a decisão de manter o ar desligado tivesse menos a ver com a pequena economia de combustível do que com a afirmação de um ponto de vista.

Talvez se orgulhasse de possuir um tipo de resistência ao calor que nós, a classe média split-dependente, perdemos nos últimos 10 ou 15 anos. Eu, que dormi toda a infância e boa parte da vida adulta sem ar-condicionado, hoje seria capaz de abrir mão de todos os eletrodomésticos e móveis da casa (e talvez até da própria casa) para não passar calor à noite. Viramos todos uns maricas térmicos, pensei, e o planeta vai acabar porque um dia vai faltar energia para abastecer a frescura (nos dois sentidos) de tanta gente. Aquele motorista era um herói, um mártir do verão de Porto Alegre, o último gaúcho capaz de enfrentar 40ºC sem o mimimi dos guris de apartamento.

Mas aí o velhinho puxou papo – e o monólogo que se seguiu foi um showroom de insatisfações de variadas origens. Não falou nada do calor, por motivos óbvios, mas reclamou da greve, do prefeito, das obras, da Copa, da Dilma, do governador, dos gays da novela... e aí parei de ouvir porque desci do táxi.

Trabalhar sem ar-condicionado, afinal, não era uma exibição de estoicismo ou fibra moral, como eu havia fantasiado: 40°C e trânsito parado era tudo o que aquele homem precisava para fermentar seu descontentamento generalizado com a humanidade na temperatura ideal. Saí do carro menos incomodada com o calor do que com a gastura, que é aquele mal-estar difuso causado por um barulho irritante ou por pessoas que ostensiva – e inadvertidamente – reclamam de tudo o tempo todo.


Já faz algum tempo que eu deixei de acreditar em qualquer tipo de segredo mágico para a felicidade. A gente se vira do jeito que pode, e em geral nada é muito ruim ou muito bom para sempre – mais ou menos como o tempo em Porto Alegre. Já a receita para ser infeliz (e fazer os outros infelizes) me parece simples e infalível – e dou aqui de graça como dica de antiajuda: para quem faz o estilo Reclamildo Pereira, o que está ruim sempre pode ficar pior. Inclusive o calor.

Tenho muita pena de quem sente inveja...
É muita infelicidade consigo mesmo!
_Sirlei Passolongo_



Amigo "virtual" é aquele que te faz
carinho, sem tocar tua pele,
porque consegue tocar
teu coração!
_Luandrade_


Não sei fazer nada por encomenda.
Na hora de Deus, tudo brota
do meu coração
_Franci Mello_




Que a gente aprenda a mercer o céu
porque lá é que vamos morar
eternamente...
feliz