
26 de fevereiro de 2014
| N° 17716
MARTHA MEDEIROS
O fim do “aqui entre nós”
Enquanto assistia à novela, você
comparou a atriz ao Coringa por causa da plástica que ela fez na boca. Ao ver a
foto de uma socialite no jornal, comentou que aquilo não era um penteado, e sim
uma vingança do cabeleireiro. Num bar, deu uma zoada no garçom assim que ele se
virou de costas: é a cara do Bart Simpson! A dona de olheiras profundas que é
amiga da amiga da sua amiga não escapa de uma piadinha em off. Você não se
conforma: por que a Teca continua usando aquela camisa azul-turquesa acetinada?
E não acreditou no microtamanho do biquíni da vizinha de praia. Ela não tem
espelho em casa?
Sei que você é boa gente e que
jamais negaria um emprego ao garçom com cara de Bart Simpson, que ama de paixão
a amiga que usa camisa azul-turquesa e que convidaria a vizinha fora de forma
para ser madrinha do seu filho. Você sabe que as pessoas valem pelo que são por
dentro. Você tem plena noção de que aparência não determina caráter, inteligência,
talento, importância. Você não é burra. Você apenas pega no pé de vez em
quando, como todo mundo.
Nenhum de nós passaria incólume
por um “microfone aberto”. Falar mal faz parte da natureza humana, mas quem
quer saber de absolver humanizações quando se pode ser o paladino da justiça?
Todas as pessoas são terríveis e preconceituosas, menos você, não é assim?
É bem ilustrativo o caso da
professora de uma universidade carioca que teve a infeliz ideia de fazer uma
foto de um sujeito na área de embarque do aeroporto vestindo bermuda e camiseta
regata, publicando-a no Facebook com a seguinte legenda: “Aeroporto ou
rodoviária?”. Bastaram essas três palavras para ser afastada do cargo e sofrer
um linchamento moral por internautas que não perdoaram a indelicadeza do
registro.
Não defendo a postagem de fotos
de desconhecidos no Face – aliás, não defendo nem a de conhecidos. Não
considero elegante a atitude da professora, ainda mais que o rosto do sujeito
foi exposto. É possível que venha a ser processada por ele: não foi uma crítica
ao pé do ouvido, e sim pública. Não dá. Não pode. Que o cara se sentisse
ridicularizado, era de se esperar, mas a reação exagerada da coletividade
evidencia uma certa hipocrisia. A professora foi massacrada por todos os anjos
do universo que jamais fizeram um comentário jocoso em suas vidas.
Particularmente, acho que homem
de camiseta regata, só se for salva-vidas. Questão de gosto, opinião que se
compartilha entre risadas com meia dúzia de amigas. Era o que a professora
imaginava estar fazendo, sem considerar as consequências dessa nova sociedade
em que nada mais fica “entre nós”, tudo fica entre todos. Ninguém deve humilhar
ninguém, e ela o fez, mesmo que num impulso zombeteiro, sem intenção de que
repercutisse fora da sua turma. Foi ingênua. Que sirva de exemplo para todas as
postagens indevidas em redes sociais. Não existe mais piada interna.

Nem uma, nem duas, mas oito pessoas me enviaram
e-mails exigindo que eu me posicionasse sobre a acusação de que Woody Allen
abusou sexualmente de uma filha adotiva quando esta tinha sete anos. Isso
mesmo, eu, que não sou irmã, prima, esposa, advogada, terapeuta, amante ou
vizinha do Woody Allen, senti como se me jogassem tomates em plena rua. E
agora, o que você nos diz sobre seu ídolo, hein, hein?. Me chamaram para a
briga.




Sabe a.... a... aquela, você sabe....a loirinha....
prima da.... como é mesmo o nome... aquela que morava na rua atrás do clube...
aquele clube que teu irmão jogava futebol com o... tsk, que futebol, o quê.
Tênis, jogava tênis! Sabe?
Os homens só confessam seus problemas aos amigos
quando a casa caiu, quando o casamento desmoronou, quando o fim está
sacramentado.

Quanto mais converso por aí, mais percebo que é
inútil acreditar em verdades absolutas e fórmulas ideais de convivência. Cada
pessoa tem familiares que influenciaram suas escolhas, medos herdados e medos
adquiridos, sonhos altos demais ou mesmo nenhum, e um número incalculável de
perguntas sem respostas, de desejos embaraçosos, de mágoas vitalícias. Quem vai
decretar para mim o que é melhor para mim? E quem vai dizer o que é melhor para
você? Com que topete?
Eu voltava das festas a pé com os amigos.








