
30
de julho de 2014 | N° 17875
MARTHA
MEDEIROS
Uma pequena
joia
Não
sei se é de família ou hábito apenas da minha mãe, só sei que, entre nós,
qualquer preciosidade é chamada de joia. Pergunto para minha mãe sobre um filme
ou sobre um lugar que ela conheceu, e se ela responde que é bonito é porque é
bonito, se responde que é interessante é porque é interessante, mas quando ela
diz “é uma joia”, logo me sento e me disponho a ouvir os detalhes.
E
ela não diz joia referindo-se àquela gíria que não se usa mais. Se ela diz que
é uma joia, é algo especial, em que se deve prestar atenção. E se ela diz: “É
uma pequena joia”, aí é porque a coisa é grandiosa mesmo. Em casa sempre
rezamos pela cartilha do “menos é mais”, preferindo as pequenas joias em
detrimento das ostentosas. Um discreto ponto de luz, um brilhante comedido,
algo que reina sem pompa, o clássico que não se pavoneia, a elegância que não é
extravagante: isso.
Quem
já leu o italiano Alessandro Baricco sabe que ele se adapta bem à descrição de
valor que fiz acima. Já havia lido dois ótimos livros dele e recentemente
estive com o terceiro em mãos, que se chama Mr. Gwin. Um livro com um nome
próprio como título é sempre um enigma. Quem seria Mr. Gwin? O que faz? Qual o
seu conflito? Para que time torce? Por que devo parar minha vida rotineira e
apressada para dedicar algumas horas a esse fulano?
Mr.
Gwin é realmente um fulano até que se abra a primeira página, mas Alessandro
Baricco é autor respeitado. Então, mais em consideração ao prestígio do autor
do que àquele ilustre Mr. Gwin desconhecido, abri o livro.
Quando
terminei, pensei nela. Já sabia como recomendá-lo: mãe, é uma pequena joia.
Autêntico,
poético, magistralmente bem escrito. Curto, sintético, nenhuma palavra falta,
nenhuma palavra sobra. Original sem ser exibicionista, contido sem ser humilde.
Uma
história meio estranha, mas daquelas estranhezas que se infiltram na alma, que
fazem a gente perder a insistência de buscar realidades comprovadas: a troco de
quê devemos acreditar apenas naquilo que já vimos antes? Qualquer história é
uma história, e é a ela que o livro presta reverência, mais do que aos
personagens, ainda que eles brilhem também.
É
uma pequena joia porque é pequena no tamanho, mas comove por sua literatura tão
bem lapidada. Porque não é um livro como tantos, tem uma singularidade que o
destaca. Ou talvez seja uma pequena joia apenas porque gostei dele, mesmo que
ninguém mais goste – aquilo de que gostamos é sempre significativo a despeito
do que pensem os outros.
Pode
ser que você não encontre nada de relevante em Mr. Gwin, caso aventure-se a
lê-lo. O que para mim foi percebido como uma pequena joia talvez lhe pareça uma
grande porcaria. Assim é a vida, povoada por opiniões diversas. Mas que ao
menos essa conversa toda tenha feito você questionar o que significa uma
pequena joia em seu próprio conceito. Porque, entre tantas bugigangas que nos
cercam, temos o dever de eleger algumas raridades.
Eu
estava na cidade dela, não na minha, e sendo visita acatava as sugestões de
tudo: onde almoçar, o que ver, o que fazer. Não que eu fosse uma estrangeira
naquele lugar, pelo contrário, era uma das capitais em que mais estava quando não
estava em Porto Alegre, seguia meus próprios rituais quando andava sozinha por
suas alamedas, já tinha preferências sedimentadas, mas desta vez caminhava ao
lado de uma amiga nova e nativa, e que, com um entusiasmo de anfitriã, apontava
o que eu deveria enxergar com os olhos dela, não com os meus.
As
redes sociais alimentam, mas não são as únicas responsáveis pela egolatria que
tomou conta do mundo. Vivendo numa bolha chamada sociedade de consumo, cada um
de nós passou a ser encarado como um produto e, como tal, precisa se vender. Para
se colocar bem no mercado do amor e no mercado de trabalho, tornou-se obrigatório
apresentar um perfil, e então tratamos de falar muito sobre nós, sobre nossos
atributos e tudo o que possa fazer a gente avançar em relação à concorrência,
que não é pequena. Somos os publicitários de nós mesmos, uns mais discretos,
outros mais exibidos, mas todos procurando encantar o próximo, que propaganda
nada mais é do que isso: a arte de seduzir.





Hulk
na guitarra, Cahill no baixo, Maya Yoshida na bateria e Eto´o no vocal. Essa é a
banda de rock que entrou no palco para tocar Paradise City, do Guns nRoses. Não
é delírio meu, e sim um inusitado comercial de cerveja que começou a ser
veiculado antes do início da Copa, com craques das seleções de Brasil,
Inglaterra, Japão e Camarões brilhando em outro campo. Para quem está acostumado
a ver o futebol associado ao pagode, a ideia publicitária pode ter parecido
estapafúrdia, mas eu achei coerente. Toda Copa é meio rocknroll.
A
primeira Copa que recordo com clareza foi a de 1970, eu tinha oito anos. Assisti
a todos os jogos do Brasil sentada no chão, lugar de criança. O sofá era
reservado aos mais velhos (pai e mãe entrando na casa dos 30, uns fósseis), então
a mim restava o parquet, que era bem limpinho. 

