
28
de setembro de 2014 | N° 17936
MARTHA
MEDEIROS
Diga-me o que
vestes
Lembro-me de uma matéria interessante que li anos
atrás na revista Elle: convidaram uma estudante e uma executiva para passar 24
horas com a roupa uma da outra. Explico: a estudante, que costumava se vestir
de uma maneira sexy e irreverente, teve de se vestir com o que encontrou no
closet da executiva, e esta, por sua vez, teve de abandonar seu estilo sóbrio e
conservador para escolher peças no closet da estudante. Resultado: viraram
outra mulher por um dia.
A
estudante, que adorava decote, barriga de fora e sandália de salto alto,
colocou pela primeira vez um terno escuro com camisa para dentro da calça e
sapato fechado. A executiva, habituada aos tailleurs bem-comportados, encarou
uma saia acima do joelho, top de alcinhas, sandália gladiadora e gargantilha
com crucifixo. Conclusão delas: não dá para mudar nosso jeito de ser
simplesmente trocando de roupa.
Em
termos, em termos. As próprias protagonistas da reportagem adotaram uma postura
completamente diferente na hora de se deixar fotografar e, mesmo que tenham
sido orientadas pela produtora de moda, a verdade é que a roupa conduz nossa
atitude, sim.
A
estudante, uma clone de Miley Cyrus sempre de mãos na cintura e ar provocante,
cruzou os braços docemente quando colocou o terno. A executiva, que costumava
ficar encolhida em seu trajes pastéis, jogou os cabelos para trás e encarou as
lentes com um olhar sedutor, digno de quem se veste para matar. Lógico que a
roupa pode despertar novas facetas de nossa personalidade.
Dormir
com um pijamão apeluciado e dormir com uma lingerie de renda vermelha: tanto
faz? Você de legging e tênis pela manhã, de jeans e jaqueta de couro à tarde, e
à noite com um vestido justo decotado nas costas. Sim, é a mesma mulher, mas
são três estados de espírito diferentes.
A
roupa, subliminarmente, autoriza um determinado tipo de comportamento. Os
homens se sentem mais confiantes quando estão de gravata, até seu jeito de
caminhar se transforma. Já as mulheres sentem-se mais joviais quando estão de
camiseta e mais sensuais quando estão de preto. Coloque um longo Versace numa
freira e ela subitamente esquecerá da oração da Ave-Maria, empacará em “o
Senhor é convosco” e, dali em diante se pegará, cantarolando algo da Beyoncé.
Cada
pessoa deve vestir-se de acordo com o que é, e não com o que que gostaria de
aparentar, mas não é pecado experimentar um personagem fora do habitual:
desejar ser menos tímida, ou mais séria, ou um pouco excêntrica. É uma
transformação que deve vir de dentro, mas o visual ajuda. Um botão a mais
aberto na camisa pode operar milagres numa alma introvertida.

Quando eu comecei a escrever crônicas, quinze anos
atrás, prometi a mim mesmo que iria revolver somente a terra do meu canteiro,
resistindo à tentação de arrastar o meu modesto arado por latifúndios
pedregosos como a política, a economia, a crise no Oriente Médio. (Como diz o
mestre Humberto Werneck, crônica é conversa sentado no meio-fio, não discurso
sobre um caixotinho). Todo domingo, porém, questiono minha promessa: o mundo é
vil, o país é injusto, há muitas causas importantes sem voz e muitos calhordas
com megafones – devo seguir falando da minha infância, de um amigo que reencontrei,
dos primeiros passos da minha filha?
Uma pesquisa revelou que 61% dos eleitores rejeitam a
obrigatoriedade do voto. A desilusão com a política é apontada como um dos
motivos. Sendo o voto um instrumento de transformação, eu jamais abriria mão
dele, mesmo que fosse opcional, mas concordo: quem dera todos votassem por
consciência em vez de fazerem uni-duni-tê em frente à urna apenas por dever
cívico. Obrigação é uma palavra que me arrepia. Desde garota. Passei a infância
desejando crescer porque intuía que a espontaneidade vivia no lado maduro da
existência.
Reproduzo o relato que minha filha recebeu pelo
whatsapp de uma garota brasileira que mora no Japão: Ontem veio um homem aqui e
deixou um galão dágua na frente da minha porta. Disse que durante a madrugada
eles fariam uma vistoria nos encanamentos de água do bairro e por isso estavam
passando para avisar, deixar o galão e pedir desculpas por terem que desligar o
registro de água por algumas horas.
Sim, vou falar de novo sobre Woody Allen, então, se
você não o suporta, pode pular para a página seguinte, ou me ler com ressalvas
por eu ser tão tendenciosa, ou simplesmente me dar outro voto de confiança: o
filme Magia ao Luar não é extasiante e não vai concorrer ao Oscar em nenhuma
categoria (figurino, talvez), e nem mesmo Colin Firth arrebata (pouco à vontade
no papel, meio afetado), mas quem se importa?