
29 de outubro de 2014 | N° 17967
MARTHA MEDEIROS
A tal correria dos dias
O que é luxo para você? Já houve quem
respondesse: uma bolsa Prada, um vinho Romanée-Conti, a suíte do Hotel Hermitage
em Montecarlo. Aí ostentar passou a ser brega, e as respostas mudaram: levar
meus filhos à escola, almoçar em casa todos os dias, encontrar os amigos uma
vez por semana. Tocante, mas familiar demais. Até que se optou por algo mais
contemporâneo: luxo é ter tempo. É o que 10 entre 10 entrevistados respondem
hoje.
Quem ousaria discordar? Luxo, de fato, é ter
tempo. Ainda mais nestes dias turbulentos, em que se corre de um lado para o
outro vivendo contra o relógio. Estão todos megaocupados, não estão?
É o que se diz. Você tem que renovar a carteira
de habilitação, tem que cortar o cabelo, tem que visitar um cliente, tem que
levar a bicicleta para o conserto, ir à farmácia, ao dentista, à aula de
pilates, à terapia, esperar o eletricista, levar o cão para passear, mandar um
sedex e ainda utilizar oito das 24 horas do dia trabalhando. Aliás, seu dia
ainda tem 24 horas? Parabéns. Eu devo ter bobeado, pois afanaram umas cinco
horas do meu.
Resultado: você não tem mais tempo para nada. E
isso é uma constatação tão irrefutável, tão crível, tão corriqueira, que os
outros não questionam, aliviando você da culpa que sente por estar sempre
alegando falta de tempo quando, muitas vezes, a falta é de interesse.
Dar uma carona para sua tia tagarela até a
rodoviária numa sexta-feira chuvosa às sete da noite? Você adoraria, mas está
entrando numa reunião.
O filho do seu vizinho vai estrear como DJ de
um bar no outro lado da cidade? Você adoraria, mas está entrando numa reunião.
Churrasco do pessoal da empresa no domingo, num
sítio a 170 quilômetros de distância, sem sinal de internet, tendo que levar a
própria bebida? Você adoraria, mas está entrando numa reunião. De condomínio,
sério!
Marcaram reunião de condomínio para
quarta-feira? Você adoraria, mas às quartas sempre fica doente.
Adiaram para quinta? Você acaba de baixar
hospital.
Você não tem tempo para nada que não queira
fazer, e ninguém o acusa de antipático porque estão todos na mesma situação,
sem “tempo” para aquilo que antes nã tinha escapatóia, mas que atualmente tem,
graças à abençada agenda lotada. Luxo mesmo é viver numa era tã esquizoide, que
te concede a desculpa perfeita para estar em outro lugar.
Mas de mim você não escapa. No próximo sábado,
dia 1º à 16h, autografarei as antologias Paixão Crônica, Felicidade Crônica e
Liberdade Crônica na Feira do Livro de Porto Alegre. Nem pense em alegar falta
de tempo. Arranje uma desculpa mais original ou então vá. Estou contando com
você.

O
que não falta é frase satirizando a primeira etapa da vida. Exemplo: A
juventude é um defeito facilmente superável com a idade. Outro: A juventude é uma
coisa maravilhosa, pena desperdiçá-la em jovens. Quem ultrapassou essa fase
dourada hoje olha para ela com certo desprezo. Não de todo equivocado: a
maturidade, de fato, se não é nosso período mais fértil, certamente é o mais
sabido. Algum benefício tinha que trazer essa tal passagem do tempo.
Não vou votar no Aécio, hoje, mas enquanto estiver
acompanhando a apuração, no início da noite, um lado meu torcerá secretamente
para que ele ganhe. Esse meu lado (que não revelarei a ninguém, caro leitor, só
a você, confiante na sua discrição) teme menos os próximos quatro anos sob um
governo do PSDB do que os efeitos anabolizantes e lisérgicos que outro
quadriênio petista pode causar à direita mais raivosa deste Brasil varonil.
“Me chame de louca e me ganhe para sempre.” Tá, não é
bem assim, mas parecido. Quanto mais cresce e se estabiliza a campanha pelo
politicamente correto, mais as pessoas gostam de serem chamadas de loucas.
Mulheres, quase todas. Principalmente as que não são.

Daniel
Filho é um diretor incansável, sempre disposto a novos desafios, mesmo já tendo
conquistado seu lugar de honra entre os maiores nomes do cinema e da tevê brasileira.
Quando ele tinha 72 anos e filmava o longa-metragem sobre Chico Xavier, alguém
perguntou por que ele não parava de trabalhar. Ele respondeu: Minha mãe me
ensinou a nunca deixar comida no prato. E tem comida no prato.