
01
de fevereiro de 2015 | N° 18060
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Coitada de Eva
Não
há maior solidão do que a de Eva.
Ela
não tinha mãe. E não podemos considerar a costela de Adão propriamente uma
madrasta.
Ela
gerou uma penca de filhos sem ter onde deixá-los no final de semana para
desfrutar de um cineminha e de um jantar romântico.
Não
dividiu com ninguém a alegria do primeiro beijo, da menstruação chegando, dos
seios crescendo, do exame positivo da maternidade.
Precisou
aguentar um marido que não morria – viveu 930 anos – sem a possibilidade de
desabafar os problemas do relacionamento, como quando Adão puxava seu cabelo ou
se metia com a bebida ou desejava gastar todo o salário em briga de galos.
Não
contou com conselho materno para esfriar a rivalidade entre Caim e Abel.
Não
recebeu dica de nome para suas crianças. Sete prova que não restava mais
criatividade, já recorria à numeração.
Não
ganhou explicação de método anticonceptivo antes de sua primeira experiência
sexual.
Jamais
acertou a receita do bolo de fubá simplesmente porque não conheceu nenhuma vó.
Ficou
sozinha para enfrentar a lábia da serpente. Nunca pôde usar a expressão “nem
por cima do cadáver de minha mãe”.
Não
se sentia ofendida quando era xingada na selva de “filha da p...”. Não teve
sequer uma mãe para mentir e comer escondido o fruto proibido.
Não
pôde seguir um exemplo ou ser a ovelha negra da família. Não cresceu na
adversidade: não suportou pressão para se casar, prestar vestibular e seguir
carreira.
Não
havia graça nenhuma em fazer terapia sem uma mãe para colocar a culpa. Terminou
pagando mico ao usar pele de animal para passear no Éden, pois não herdou roupa
alguma.
Tombou
com salto alto nas trilhas, desfalcada de um tutorial de mãe.
Uma
vez por mês, explodia em TPM, chorava, arcava com cólicas, morria de vontade de
chocolate, sem saber o que acontecia com seus hormônios.
Não
entendia a diferença entre cócegas e orgasmo.
Não
desfrutava da opção de se separar do marido e voltar para a casa da mãe.
Eva
foi, sem dúvida, a mulher que mais sofreu no mundo.

Na
França, segue o debate sobre o que fazer depois dos atentados terroristas. Não
sei se já há consensos, talvez não haja nunca, ainda mais que neste país a
opinião política é dividida de modo evidente, e os vários modos de pensar e
agir contam com partidos e veículos de comunicação específicos – é uma festa
para um brasileiro como eu acompanhar essa variedade nas bancas. (Também aqui o
jornalismo impresso anda tendo dificuldades, perdendo leitores e tal. O pós-7
de janeiro, porém, está apresentando uma retomada da presença de jornais e
revistas no cenário da opinião pública, com sensível aumento de vendas.)
Ela
me contou que morou durante toda a infância bem no centro da cidade, num
apartamento pequeno de uma grande avenida, e cresceu escutando as conversas e
gritos dos transeuntes lá embaixo, os motores dos ônibus, as portas do comércio
abrindo e fechando, as brigas entre os camelôs, e nem à noite esse zumzumzum
sossegava, pois havia os cinemas, as boates, os botecos, as prostitutas, um
quartel com ininterrupto entra e sai de soldados e uma igreja ao lado cujo sino
não conhecia descanso.
O chuveiro está esquentando demais. A pia da cozinha
não para de pingar. A porta do armário não está fechando direito. A geladeira
está fazendo um barulho estranho. O interruptor de luz está com mau contato. Os
azulejos da área de serviço estão descolando da parede. Escorre água por baixo
da máquina de lavar. A vizinha do andar de baixo está reclamando de uma
infiltração no teto do banheiro dela, e adivinhe de quem é a culpa.

Acima das Nuvens foi o primeiro filme a que assisti
em 2015, com a sempre ótima Juliette Binoche e a enjoadinha da Kristen Stewart,
que reverteu minha má vontade com ela: está muito bem como a secretária pessoal
da diva interpretada por Binoche. A história aqui resumida: uma atriz na faixa
dos 40/50 anos é convidada a atuar no remake de uma peça que ela havia feito 20
anos antes, só que agora ela ficará com o papel da mulher mais velha do elenco
e terá que contracenar com uma jovem atriz em ascensão que fará o papel que foi
dela no passado.

O
músico uruguaio Socio compôs uma balada linda que se chama Fan de Faith no More
e que escuto com frequência, apesar de uma parte da letra me intrigar. Lá pelo
meio da canção ele diz pensar nunca funcionou, e a cada vez que ouço esse
verso, penso: não, Socio, não é bem assim.
Logo depois da tragédia foi aquele Deus nos acuda.
Parecia que ia cair o presidente da CBF, a presidente da república, iam
cancelar o Domingão do Faustão, mudar o carnaval pra agosto e transferir a
capital brasileira pra Buenos Aires (ou Berlim?). Nos últimos meses, contudo, o
choque foi passando e deixamos de tocar no assunto, mas tenho certeza de que lá
longe, num futuro distante, quando olharmos pra trás e nos perguntarmos “E em
2014, hein?