sábado, 29 de agosto de 2015




30 de agosto de 2015 | N° 18279 
MARTHA MEDEIROS

A teoria do cachorro molhado

Gatos não gostam de banho, é sabido. O meu detesta. Outro dia o deixei numa pet shop para uma ducha completa e, duas horas depois, meu telefone tocou: eram os funcionários se desculpando, pois não haviam conseguido cumprir a missão. Haviam colocado o Nero numa jaulinha aguardando sua vez, e quando a vez chegou ele virou um tigre. Um tigre com dor de dente e pedra no rim, ninguém conseguiu encostar na fera. Saiu da pet shop tão imundo como entrara.

Quando a coisa aperta, o jeito é apelar para fórmulas caseiras. No dia seguinte, estávamos eu e minha filha conversando na cozinha quando vimos que Nero havia saltado para dentro do tanque da área de serviço a fim de lamber algumas gotas de água que sobraram por ali. Nem ao menos traçamos um plano verbal: bastou uma troca de olhares entre mim e ela para sabermos o que deveria ser feito. Me aproximei, abri a torneira bem devagarzinho e deixei cair um filete sobre a cabeça do bichano. Para nossa surpresa, não houve reação. 

Então passamos um sabonete líquido de uma forma meio disfarçada, como se estivéssemos fazendo um cafuné, até que tivemos que abrir mais a torneira para retirar o sabonete, e aí começou a selvageria. Pouparei você dos detalhes, já bastam as notícias catastróficas dos jornais. O que posso dizer é que Nero se sentiu traído, violentado, agredido, surrupiado em seus direitos. Mostrou as garras e jurou ódio eterno à família.

No entanto, o ódio eterno não durou nem três minutos, graças ao seu recurso de secagem instantânea. Não foi preciso enxugá-lo com uma toalha, ele preferiu fazer o serviço sozinho enquanto andava pela casa. Usou a teoria do cachorro molhado, que serve para gatos também: uma boa sacudida resolve.

Bem que podia ser assim conosco, seres de duas patas. Quer se livrar do que não lhe serve, quer tirar de cima um encosto, quer liberar-se do que é pegajoso, grudento, insatisfatório? Uma boa agitada na cabeça, tronco e membros, como se estivesse recebendo um passe. Pronto. Igualzinho como a gente faz quando sai da piscina, quando encontra refúgio numa marquise para fugir da chuva, quando escapa de uma nuvem de poeira. Abanar-se, arejar a roupa do corpo com umas puxadinhas, agitar os cabelos de um lado para o outro, até que o que não lhe pertence descole de você.

Funciona com água, poeira, fuligem, areia. Mas deveria funcionar também para mágoas, maus pensamentos, paranoias. Uma chacoalhada e xô, vai tudo embora, nos deixando zero bala de novo. Sem precisar da ajuda de Freud, Lacan, Jung, apenas adotando a teoria do cachorro molhado. Tente, às vezes a gente consegue. Uma boa sacudida e o ódio eterno por tudo e todos não excede mais do que três minutos.


30 de agosto de 2015 | N° 18279 
CARPINEJAR

Amiga para sair


Homem pode sair sozinho para uma balada e não vai parecer um psicopata.

Pelo contrário, será visto como um caubói, corajoso, livre atirador.

Sempre haverá um balcão para sentar e se mostrar seguro, sempre haverá um barman para puxar conversa e se distrair enquanto o tempo passa. Não depende de matilha e bando para se sobressair. Usufrui de independência para correr riscos, sem a pecha do isolamento, sem a carga social do abandono, sem a obrigatoriedade de uma cumplicidade aos seus crimes amorosos.

Já há um preconceito contra as mulheres.

É ela estar sozinha num bar em alta noite que já recebe todas as suspeitas. É fotografada culturalmente mais do que terrorista lendo jornal em metrô.

Torna-se dependente de uma amiga. Toda mulher precisa de uma amiga solteira. É um item indispensável para alçar voos e mergulhar na boemia.

Não pode somente aceitar o encontro de um homem para uma festa, precisa convencer a amiga, o que não é uma operação simples, mas uma trabalheira.

A aposta de flerte acaba sendo um convite coletivo.

Para um encontro a dois, a mulher recorre a um plano diabólico, a uma operação militar, a um cavalo de Troia.

Tem que cavar atrativos para tirar a sua amiga de casa. No desespero, é capaz de se oferecer para custear o táxi e a consumação. Ou de buscar e levar de volta. Ou de emprestar uma roupa e, inclusive, pagar a manicure.

A ala masculina não faz ideia do esforço de agenda: telefonar sem parar para voluntárias. Pior do que marcar futebol numa segunda-feira chuvosa.

O “sim” para ver alguém logo vira um “e agora, quem vai comigo?”. Bate um terror, uma caça às bruxas, uma acalorada licitação no Facebook.

A mulher é obrigada a trabalhar e ainda achar uma fresta em seu rápido intervalo para efetuar ligações e mandar mensagens e descobrir quem está disponível para a camaradagem e explicar a aproximação com aquele candidato.

Largar a vida de solteira requer primeiro persuadir uma confidente, com nenhum motivo em especial para o programa. Pois o papel da acompanhante não deixa de ser vexatório. Cumprirá a sina de segurar a vela e desfrutar do timing para abandonar a cena de fininho quando pintar uma atmosfera romântica. Sofrerá o constrangimento de se preparar e se maquiar para nada, apenas para atender aos caprichos de uma amizade.

Há grandes riscos de desistir da roubada na última hora e duplicar o caos da interessada.

E o que era difícil – arrumar uma companhia – transforma-se em missão quase impossível – arrumar uma nova companhia em cima do laço.

Mulher sofre para seduzir. Não subestime o que ela enfrentou para estar com você frente a frente.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015



26 de agosto de 2015 | N° 18274 
MARTHA

Bendita maldita

Assisti ao documentário sobre Cássia Eller e, ao terminar, pensei: tanta gente iria gostar, iria entender – ou não iria entender, mas ficaria mexido... É o que estou fazendo aqui. Convidando.

O filme segue a cronologia do nascimento à morte, cobrindo a infância, as primeiras apresentações, as relações amorosas, a maternidade e, por fim, o sucesso. Mas é muito mais do que um simples registro biográfico, e o interesse que desperta não se restringe aos fãs. É uma aula sobre diversidade.

Cássia era tímida. Cássia era vulcânica. Cássia era um doce. Cássia era o demo. Cássia era recatada. Cássia era despudorada. Cássia era roqueira. Cássia era sambista. Cássia era macho. Cássia era fêmea.

Para muitos, o parágrafo acima traz inverdades. Cássia era avaliada pelo senso comum apenas pelo seu lado B, e foi enquadrando-a desse jeito, como uma Janis Joplin tupiniquim, que muitos a digeriram. Cantora talentosa e porra-louca: pronto, está carimbada. Pode colocar na estante dos estereótipos.

Só que não. Todas as afirmações acima estão corretas, e essa multiplicidade de facetas deixa o povo inquieto. As pessoas costumam querer saber direitinho com quem estão lidando, e esse “direitinho” implica um perfil exato e coerente. Se não for assim, a maioria desiste e se afasta. Paradoxos dão trabalho.

Cássia Eller, além de encantar através da sua arte, confirmou que as pessoas não precisam ser malucas ou caretas, boazinhas ou endiabradas, isso ou aquilo. A conjunção alternativa – ou – exige um posicionamento, mas o fato de termos um caráter preponderante não aniquila a segunda hipótese. Mais vale enxergar o mundo através da conjunção coordenativa: e. Somos malucos e caretas, bonzinhos e endiabrados.

Cássia administrava, a seu modo, todas as mulheres e homens que nela existiam. Todas as sonoridades. Todas as reações. Ficava travada diante de um estranho, mas era uma leoa em cima de um palco. Ia de coturno para os bares, mas usava vestido floreado quando grávida. Tinha tudo dentro dela e esse tudo transbordava conforme a demanda do momento, e se isso confunde, azar do confundido. É vida sendo vivida às ganhas.

No final, o documentário traz uma rápida, mas necessária reflexão sobre como a imprensa foi apressada e leviana ao noticiar a morte da cantora. E, com mais destaque, mostra como foi a disputa pela guarda de Francisco Eller, com oito anos na época. 

Numa decisão precursora, o garoto ficou com a companheira de Cássia, com quem ele vive até hoje. Chico, como é conhecido, está lançando seu primeiro CD e, aos 21 anos, é retraído como a mãe, ao menos para entrevistas. Quando alguém pergunta sobre sua história, em vez de responder, ele pega o violão e avisa: “A música é outro jeito de contar”.

É sobre isso o documentário. Todos nós temos mil maneiras de nos contar.

sábado, 22 de agosto de 2015



23 de agosto de 2015 | N° 18271 
MARTHA MEDEIROS

A piada do macaco


A maioria das besteiras que fazemos é fruto de elucubrações que vão minando nosso cérebro

Sempre que começo a criar cenas fantasiosas na minha cabeça, lembro a piada do macaco. Você já deve ter escutado de mil maneiras essa história, mas vou contar do meu jeito: um cara está dirigindo sozinho na estrada quando o pneu fura. Ele está sem macaco para trocá-lo (e sem celular). Não passa ninguém na rodovia, porém há uma oficina a 8km. Ele começa a caminhar pelo acostamento até a oficina, imaginando o que acontecerá. 

Vou chegar lá todo sujo, suado, e o dono da oficina vai desconfiar da minha aparência. Não vai acreditar que o pneu do meu carro furou, vai achar que sou um assaltante. Quando finalmente eu convencê-lo de que sou do bem, ele vai querer me vender o macaco em vez de emprestá-lo, vai pensar que usarei a porcaria do macaco dele e depois não vou devolver. O desgraçado vai pedir um valor abusivo pela ferramenta. Terei que gastar uma nota por causa desse canalha, que nem um copo d´água vai me oferecer.

Chegando lá, antes que o dono da oficina abra a boca, ele o empurra e grita: “Não preciso de você pra nada, seu infeliz, pode enfiar seu macaco você sabe onde!”.

É um exemplo espetacular de piada didática: como não se deixar subjugar pela nossa mente doentia.

Vai dizer: a maioria das besteiras que fazemos é fruto dessas elucubrações que vão minando nosso cérebro. Quem não?

O cara está indo buscar a namorada para uma festa. No caminho, vai dando corda à imaginação: “Garanto que ela vai estar de minissaia preta de novo. Fica uma gata, pena que não sou só eu que acho isso. O Bento já espichou o olho pra ela na última vez. Ela reparou, evidente, e está a fim de me provocar. Vive grudada naquele celular, é certo que os dois estão se falando pelo Whatsapp. Ela quer me ver louco de ciúmes só pra se vingar da mensagem que minha ex deixou na minha timeline. O Bento vai aproveitar a nossa crise e partir pra cima dela hoje à noite. Ainda mais com a piranha dando mole com a minissaia”.

Ao chegar à casa da namorada, em vez de dizer que ela está linda, o ogro despeja: “Tá achando que sou otário? Pede pro Bento te levar, não vou mais a droga de festa nenhuma”.

A esposa recebe do marido uma dúzia de rosas vermelhas, junto a um cartão romântico e um e-ticket para Veneza. Começa a conjecturar: “Que maluquice é essa? Essas flores só podem ser para outra mulher e o paspalho do Pedro se confundiu ao dar o endereço para a florista. Com quase 20 anos de casados, é certo que esse Don Juan está aprontando. 

Quando ele chegar em casa, vai perceber a panaquice que fez e mentir que essas palavras doces eram mesmo para mim. Vai dizer que resolveu finalmente realizar nosso sonho de conhecer Veneza. Com o dólar nas alturas, sei. Capaz que vou acreditar. Aquele traste não me ama mais”.

No fim do dia, quando o marido abre a porta, o trovão: “Pedro, quero o divórcio”.

Lembre-se sempre da piada do macaco.



23 de agosto de 2015 | N° 18271 
CARPINEJAR

Meu filho aprendeu a perder


Jogo para ganhar. Jamais aceitei qualquer derrota, mesmo em treino, mesmo em amistoso. Não se arrisque no frescobol comigo, por exemplo, que vou encontrar um jeito de vencer, ainda que a brincadeira não proporcione nenhuma vantagem.

Só aprendi a perder por amor aos filhos. Passei a não mais me estressar com o placar pela alegria de vê-los felizes.

Quando Vicente era pequeno, eu não forçava o desempenho, não tirava vantagem de minha superioridade física, tirava o pé no futebol, treinava para acertar na trave com o gol feito. Ele sempre ganhava em nossas partidas no pátio.

Como trabalho paterno, restava-me tensionar o duelo: errar e ainda lamentar, perder e ainda resmungar e não permitir um escore muito dilatado. Dramatizava a derrota para não entregar que entregava o resultado. Disfarçava a marmelada com um toque de ribalta. O pequeno se esbaldava em comemorações, em gritos e rodopios, em uivos de triunfo, e esnobava a sua supremacia em histórias para a mãe no almoço e na janta.

Quando ele cresceu e ficou adolescente, comecei a firmar o passo, a aumentar a frequência do acerto, a equilibrar o duelo, a arrancar algumas vitórias em meio à enxurrada de derrotas. Saía lentamente da zona de rebaixamento. O esforço superava a encenação. Já suava excessivamente, já penava, já não economizava o fôlego. Fazia entradas duras e não me omitia de correr. As disputas milagrosamente se igualaram.

Festejava a humildade do meu rapaz: finalmente aceitava perder, admitia perder. Atingia um novo estágio do aprendizado da vida.

Diante dos revezes, em que não conseguia brilhar, ele me cumprimentava e reconhecia que fui melhor. Não botava a culpa nas circunstâncias. Não arranjava desculpas furadas. Até me elogiava pela vitória e me incentivava a prosseguir evoluindo os fundamentos.

Terminava encantado com o seu discernimento e a sua esportividade: inacreditável como se tornou leve e compreensivo, valorizando a competição acima do resultado! Antes intolerante e manhoso, mostrava-se solidário e gentil.

Mas não havia percebido, presa ingênua das maquinações do amor.

Tardei a ter consciência da real natureza da mudança de comportamento de meu filho.

Agora é ele quem me deixa ganhar de propósito, pois acha que envelheci.

  22 de agosto de 2015 | N° 18270 
PALAVRA DE MÉDICO
J.J. CAMARGO

Devolvam nosso sonho


Por que os pacientes idosos lamentam a superficialidade das relações da medicina moderna?

Nos últimos 50 anos, a medicina avançou mais do que em toda a história da humanidade pelo assombroso progresso tecnológico, que contou com a contribuição de inúmeras áreas do conhecimento. A aplicação da física transformou o mundo da imagética, e enquanto o Raio-X era o método mais sofisticado de inspeção não invasiva do corpo humano há apenas 30 anos, atualmente as incríveis imagens da moderna tomografia têm estimulado os mais audaciosos a sugerir diagnósticos histológicos. A antecipação dos achados pelos exames de imagem melhorou a seleção dos pacientes e praticamente extinguiu as inúteis cirurgias oncológicas exploradoras.

A necessidade de acompanhar os batimentos cardíacos de astronautas conduziu ao desenvolvimento dos moderníssimos monitores da terapia intensiva, e os avanços da genética e os progressos da biologia molecular prenunciam a conquista da tão sonhada longevidade qualificada.

Apesar dessa competência adquirida, os pacientes idosos de hoje falam com nostalgia dos médicos de ontem. E lamentam a superficialidade das relações impostas pela chamada medicina moderna. Quando houve a ruptura? Onde perdemos o compasso?

É verdade que o médico antigo, limitado à condição de mero contemplador da história natural das doenças, dedicava-se exclusivamente a aliviar sofrimento e, nesta tarefa, os quesitos parceria e solidariedade eram as escassas armas de que dispunha.

É possível que o médico moderno, cônscio de sua maior competência, tenha sido vítima de alguma soberba, mas nada que justifique a frieza de que se queixam os pacientes.

A chamada medicina de grupo, um subproduto lamentável da socialização do atendimento, substituiu a figura do “meu médico” pelo “meu plano de saúde” e pariu a figura do atravessador, que delibera sobre a necessidade de exames, escolhe terapias e materiais, exige justificativas para condutas das quais não tem a menor noção, determina que o paciente deva vir de casa sem preparação para uma cirurgia de grande porte, enfim, brinca de médico, mas, quando pressionado, nega-se a assumir qualquer responsabilidade, porque, afinal, isso é coisa para os médicos de verdade.

Essa sucessão de atropelamentos do bom senso, aliada a honorários aviltantes, tem minado o ânimo de um profissional que devia ter sua atividade embalada pela doçura e pela generosidade, e se sente frustrado ao vê-la transformada em mero instrumento de sobrevivência.

Não desisto de transmitir aos iniciantes minha convicção de que medicina de qualidade, temperada com uma boa relação afetiva, é receita certa para a realização pessoal e profissional.

Mas agora mesmo fiquei desconfortável ao perceber que está cada vez mais difícil convencer os mais jovens de que isto ainda é possível e conseguir entusiasmo para seguir colocando lenha na fogueira dessa utopia.


22 de agosto de 2015 | N° 18270 
CLÁUDIA LAITANO

Boa-fé


No princípio, era a fé. Muito antes das grandes religiões monoteístas estabelecerem seus dogmas e colarem à palavra sua conotação espiritual, fé era o elemento imaterial do acordo de confiança entre duas partes. Se dois homens saíam juntos para caçar javalis e combinavam dividir a caça na volta, era a fé na palavra mutuamente acordada que garantia que um não iria matar o outro para levar o javali inteiro pra casa.

Vem do Direito Romano o conceito de “bona fide”, que daria origem à “boa-fé” como ela aparece na teoria jurídica e nas leis até os dias de hoje. Conforme o Direito, existem dois tipos de boa-fé: a subjetiva, que busca conhecer as intenções de uma pessoa em determinada circunstância, e a objetiva, que lida com parâmetros que devem ser seguidos por todos, independentemente do que cada um sabe ou acredita. A “má-fé” relaciona-se, portanto, à boa-fé subjetiva. 

Age com má-fé, por exemplo, o caçador que arruma uma boa desculpa para comer sozinho o javali – se é lorota ou não, só ele sabe. No caso da boa-fé objetiva, não vem ao caso a boa ou má intenção do caçador, mas o princípio segundo o qual ele agiu, a lealdade aos acordos estabelecidos e o desejo genuíno de cooperar para um ambiente de justiça e confiança.

Quando o assunto é religião, somos constantemente tentados a eliminar o hífen e a dar um sentido literal aos termos boa fé e má fé. A fé boa sendo aquela que realiza um desejo interior de transcendência e fraternidade que mesmo uma ateísta convicta como esta que vos escreve consegue entender e respeitar. A fé má, desvirtuada, sendo a que incita à intolerância e desrespeita as diferenças de credo, muitas vezes contradizendo os próprios dogmas que afirma defender, ou se aproveita da boa fé (sem hífen) dos crentes.

As denúncias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, apresentadas nesta semana ao STF, incluem a informação de que parte da propina que o deputado teria recebido foi paga por meio de transferências para as contas da Assembleia de Deus – à qual o deputado é ligado por domínios do espírito e da internet (Cunha é dono de um portal chamado Jesus.com).

Se comprovadas, as acusações de que Eduardo Cunha faz parte do esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava-Jato revelam que ele agiu sem a boa-fé objetiva – aquela que exige princípios, probidade e honradez nas relações. Já o envolvimento de uma igreja nas contas sujas de dinheiro desviado de corrupção é um caso exemplar do que pode acontecer quando má fé e ausência de boa-fé acabam associadas na mesma pessoa.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015



19 de agosto de 2015 | N° 18266 
MARTHA MEDEIROS

Educação financeira


Dormir tranquila sem me preocupar com dívidas e poder viajar de vez em quando: é o que faz de mim uma milionária, no meu ponto de vista. Nada a ver com fortuna em banco, e sim em poder desfrutar essas duas condições fundamentais para meu equilíbrio. Raramente compro a prazo, nunca usei cheque especial, gasto o que tenho e, se não tenho, não gasto. Mesmo quando estou mais folgada de grana, não deixo de pesquisar preço no supermercado e, se algo não vale o que está sendo cobrado, não compro. Qualquer etiqueta que chegue aos três dígitos me faz recuar e pensar.

Sou milionária porque posso comprar flores frescas para casa e vinho para minhas refeições. Posso pagar um convênio de saúde particular e investir em livros, cursos, shows. Posso colocar combustível no carro e ter um carro – ainda que já não veja grande vantagem em ter um carro.

Sou milionária, antes de tudo, porque não preciso dizer sim para todas as propostas que chegam, e essa liberdade é inegociável. Hoje, posso abrir mão daquilo que sei que não realizaria com prazer. Não agarro com sofreguidão qualquer oportunidade de somar zeros na minha conta. Faço apenas o que quero e gosto, sem ser regida pelo mais + mais + mais. Meu conceito de luxo não envolve grifes exclusivas e vida de princesa. Poder fazer escolhas atendendo apenas à minha vontade e à minha consciência, sem nenhum tipo de pressão, é o que de mais valioso conquistei até aqui.

Claro que não foi sempre assim. Aos 19 anos, trabalhava de manhã e à tarde e estudava à noite. Nunca parei de trabalhar desde então. Já varei madrugadas acordada e fiz muitos plantões em finais de semana. Eu me virava como se viram todas as pessoas. A maior parte delas, a vida inteira.

A tranquilidade veio de uns poucos anos para cá. Mas a educação financeira veio desde cedo, desde a casa de meus pais. Expressões como calote, agiota e ficar no vermelho não faziam parte do vocabulário da família. Dívidas só eram contraídas com o objetivo de investir, nunca para consumir. Pagar as contas em dia era uma religião, só se gastava com supérfluo o que sobrasse – se sobrasse. Honrar o nome era sagrado, nosso patrimônio maior.

Hoje, o Rio Grande do Sul está falido por não ter seguido os conceitos básicos da educação financeira. No entanto, muitos que criticam a atual situação do Estado agem da mesma forma como pessoas físicas. Compreendo que quem ganha uma merreca (a maioria) precise fazer malabarismo com o que ganha, mas mesmo quem nasceu em berço esplêndido tem dificuldade em priorizar: paga R$ 1.500 por um casaco, mas está devendo o condomínio; gasta R$ 300 no salão de beleza, mas atrasa o salário da empregada. Foca na aparência achando que o rombo nunca vai aparecer.

Vale pra tudo e todos: a conta sempre chega.



19 de agosto de 2015 | N° 18266 
PEDRO GONZAGA

A ESTRADA


Tive uma namorada que temia à morte as estradas sinuosas. Um temor sério. Nas vezes em que a levei à sua cidade natal na Serra, a cada placa com uma seta inclinada, ela se agarrava ao banco, como se disso lhe dependesse a vida. Eu ria, ela resmungava, eu ria, ela apertava os dentes, e então eu a acusava de trair a coragem das sucessivas gerações de polacos que singraram campos e o mundo para que aquelas coxas estivessem ali na segurança (aparente) do banco. Houvesse mais oportunidades, teria virado um desses quadros de humor permanente que a intimidade funda.

A diversão de tirar alguém do sério. Quando ela acaba? Por que razão ela termina? O que fazer quando deixamos de rir, quando os humores se desencontram?

Gosto de acreditar que brincar é para os adultos uma forma complementar de erotismo. Não à toa Macunaíma “brincava” com as mulheres nas matas modernistas. Brincar é subverter o medo, as intenções sérias, os relacionamentos sérios. Claro, concedo que para ela minha atuação na estrada fosse apenas irritante. Admito também que minhas brincadeiras nem sempre primaram por um timing adequado.

Até a metade dos 30, a seriedade consumiu boa parte de meus dias, dos quais me sobraram apenas sisudas constituições, que não voltei a abrir. Demorei quase meia vida para descobrir que, depois que todas as coisas passam, costuma restar das coisas o seu lado mais leve, folclórico, cômico, espirituoso.

Assim para as coisas, assim para as pessoas. Imaginem um funeral sem a lembrança das comédias do finado.

As coisas sérias, que parecem tão importantes, os compromissos inadiáveis, as certezas cotidianas decantam-se feito chumbo, até se incorporar ao chão. De tudo, sobrevivem os gestos dignos de graça, feito a mão dela crispada no banco a cada curva, nosso legado jocoso. Por isso, no pequeno santuário das relações desfeitas, não há mágoas, deitadas que foram ao solo para que servissem de adubo à relva que espera a chegada, com sua paciência vegetal, de uma nova brincadeira permanente.

sábado, 15 de agosto de 2015



16 de agosto de 2015 | N° 18263 
CARPINEJAR

Hidratação pelas palavras


Relacionamento se faz no detalhe, na pronúncia, no modo como nos comportamos longe das datas festivas e das folgas dos finais de semana. Ou se tem uma rotina apaixonada ou se é levado pela agressividade. Não identificamos o quanto perdemos inúmeras chances de delicadeza ao longo do dia. Desperdiçamos a gentileza com quem amamos.

Parece que a educação deve ser usada para os estranhos, aquele que está ao nosso lado é obrigado a aguentar grosseria, irritação, azedume, maus tratos.

Entramos no jogo de compensações: quando tristes, maltratamos; quando felizes, festejamos, e não enxergamos problema nenhum nesta alternância.

É preciso criar um mínimo civilizacional, ainda que nos dias mais trágicos, para não ferir os próximos e não destruirmos os laços com as nossas mágoas. Se seguirmos os nossos impulsos, seremos bichos. Morderemos e atacaremos com as palavras.

Ninguém desperta de bom humor (trata-se de uma lenda), o que existe é um redobrado exercício de concentração para sorrir de manhã cedo. A docilidade é uma ardilosa construção psicológica e temperamental. Maquiamos o caráter para conviver.

Generosidade, portanto, consiste em atenção lapidada, em refinada vigilância, em não ser tomado pelo impulso egoísta de que o outro tem a obrigação de nos servir e nos entender.

Só é acabar a água na geladeira que já podemos antever o temperamento de cada um na relação. É uma frase inofensiva que traduz uma gama variada de sentimentos. Por uma declaração banal e singela, já antevemos se a pessoa pretende discutir, agredir ou nos confortar.

– Você me deixou sem água? (autoritário)

– Nem água tem nesta casa! (apocalíptico)

– Esqueceu de comprar água? (acusatório)

– Esqueci de comprar água! (culpado)

– Temos que comprar água! (solidário)

– Você não presta atenção em nada! (oportunista)

– Acabou a água, vou sair para comprar! (engajado)

– Você deseja que eu morra de sede? (filial)

– Cadê a água? (curto e grosso)

– Não temos mais dinheiro para comprar água? (inseguro)

– Vamos beber água da torneira por enquanto. (conformado)

– Farei uma lista de supermercado para não esquecermos nada. (compreensivo)

Quando acabar a água, cuide também para não acabar o amor.


16 de agosto de 2015 | N° 18263 
MARTHA MEDEIROS

Gambá com gambá


Eu já arranquei o adesivo “vive la diference” do vidro do meu carro. Agora quero seguir viagem com quem celebra as semelhanças.

Que os opostos se atraem, não tenho dúvida, mas compensa essa teimosia? Semanas atrás, conversei com uma mulher inteligente, divertida, com mais de 60 anos e três casamentos nas costas. Ela me disse que até hoje sente falta do primeiro marido, com quem tinha afinidades infinitas e viveu uma relação sólida e longeva. Lamenta ter abandonado esse casamento para sair atrás de aventuras, pois, segundo ela, não adianta querer inventar:  Gambá gosta de gambá, elefante gosta de elefante, é assim que os pares funcionam.

Tenho visto muito gambá com coelho, gaivota com jacaré, urso com leopardo, e o resultado dessas parcerias é um misto de excitação com frustração. O diferente nos desafia, mas também nos cansa. É comum nos abrirmos para esse tipo de arranjo quando somos jovens e propensos a viver perigosamente, mas vamos combinar que, depois de tanta batalha para encontrar o amor ideal (supondo que ele exista), melhor encurtar o caminho e se contentar com o óbvio: girafa com girafa, morcego com morcego.

Acredito que alguém que gosta de ler pode se entender com aquele que não gosta, que quem acorda cedo pode se dar bem com quem dorme até o meio-dia, que quem é viciado em esportes pode se encantar por um sedentário – mas um desacordo por vez. Reunir todos esses antagonismos num único casal é provocar o destino. Não tem como ele sorrir para uma dupla de desajustados.

Eu já arranquei o adesivo “vive la diference” do vidro do meu carro. Agora quero seguir viagem com quem celebra as semelhanças.

Em se tratando de amigos, colegas, ídolos e outros que compõem o elenco das minhas relações, a diversidade de ideias e de gostos me atrai. Mas para dividir comigo o volante, intimamente, melhor evitar duelos. Que nós dois gostemos de estrada. Que nós dois gostemos de dormir à noite. 

Que nós dois gostemos de sexo. Que nós dois tenhamos uma visão aberta da vida, sem posar de donos da verdade. Que nós dois gostemos de música boa. Que nós dois gostemos de ir ao cinema. Que nós dois não precisemos de muito luxo para ser feliz. Que nós dois gostemos de conversar um com o outro. Que nós dois gostemos de praia. Que nós dois gostemos de natureza. 

Que nós dois gostemos de Londres. Que nós dois gostemos de rir. Que nós dois não sejamos preconceituosos. Que nós dois tenhamos consciência de que estamos aqui de passagem e que é preciso aproveitar esse instante. Que nós dois não sejamos carolas nem apegados à dor. Que nós dois sejamos cuidadosos um com o outro, amorosos um com o outro. Que nós dois sejamos honestos. Que nós dois saibamos fazer uso moderado das redes sociais. Que nós dois não sejamos reféns de grifes, mas tenhamos bom gosto. Que nós dois gostemos muito de vinho.

Gambá com gambá.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015



12 de agosto de 2015 | N° 18257 
MARTHA MEDEIROS

Amores livres

Por mais que a gente se considere cabeça aberta, a nova série do GNT, Amores Livres, causa alguma perturbação, pois ela arromba (com delicadeza) o quartinho dos fundos onde armazenamos nossas convicções e nos apresenta um mundo com o qual a gente pouco convive: o da liberalidade absoluta. Os puritanos rangerão os dentes e apontarão o dedo, denunciando: é imoral! Não é. É amoral. Outra história.

O sujeito imoral está em desacordo com as regras de conduta. Age contra princípios éticos (caso do médico especialista em fertilização que foi condenado por estupro de pacientes, por exemplo). Já o amoral é destituído de senso moral. Não é contra nem a favor de nada. Cria as próprias regras sem querer provocar ninguém.

Amores Livres, no meu entender, é amoral – o que eleva a discussão, não fica na dicotomia entre certo e errado. No primeiro episódio, apresentou a relação amorosa de um homem e duas mulheres que formam um trio fiel entre si: eles estão fechados num arranjo particular. Não é fácil. São criticados pelos amigos. Desprezados pela família. Mas é assim que se sentem plenos, realizando seus desejos a três.

Se não é fácil para eles, que assim escolheram viver, para nós, adeptos das relações convencionais, é ainda mais embaraçoso. Nossas fantasias secretas estão ali, sendo experimentadas a céu aberto por pessoas que vivem no bairro vizinho, com quem cruzamos diariamente no supermercado. 

Não há como não se impressionar com o desprendimento deles ao abrirem sua experiência num programa de televisão – que, diga-se, não é trash. As entrevistas são conduzidas por João Jardim, cineasta sensível e mestre em documentários. Me senti grata por permitirem que eu espiasse pelo buraco da fechadura e conhecesse de perto a intimidade de desconhecidos e sua coragem em desafiar conceitos monogâmicos.

Tive uma amiga que viveu essa experiência. Ela já faleceu e nunca conversamos abertamente sobre esse assunto, o que hoje lamento. Ela sabia que a situação me desestabilizava. Eu ficava dividida entre o espanto e a admiração: o preconceito me atormentava de um lado, mas a autenticidade dela me comovia. 

Assistindo a Amores Livres, desejei muito que ela estivesse viva para assistir a esse programa que, de certa forma, ajudaria a fazê-la se sentir menos excluída e que me incentivaria a tocar no assunto a fim de entender sua escolha. Porque é para isso que servem esses projetos ousados: para conversarmos a respeito e ampliar as fronteiras da compreensão.

Hoje à noite irá ao ar o segundo episódio. Agarre-se nos braços da poltrona e mantenha as mãos controladas, sem apontar dedos. Disponha-se a aceitar que o que parece devasso pode ser apenas a manifestação de uma pureza extrema.

sábado, 8 de agosto de 2015




09 de agosto de 2015 | N° 18253 
CARPINEJAR

Mania de discutir pelo motivo errado

Não assumimos a real natureza do descontentamento.

Procuramos disfarçar o motivo da reclamação, o que confunde quem está ao nosso lado. Não ensinamos o que não gostamos. Não nos mostramos óbvios, diretos e acessíveis.

É ficar magoado por uma situação e encontrar uma próxima para procurar briga. É não dizer na hora o que dói e achar pretextos absolutamente desconexos e posteriores com o que gerou a raiva.

A escola da dissimulação é estabelecida na infância, quando não revelamos as nossas molecagens, fugimos dos castigos, transferimos a culpa para os irmãos e colegas. Somos educados a trancar as vontades e despistar os desejos. Camuflamos, omitimos, nos envergonhamos de estar sentindo algo e procuramos enobrecer com outras justificativas.

A maior parte das brigas é por algo que não foi contado, por isso nunca são resolvidas.

Se me bate ciúme da mulher porque ela voltou tarde de uma saída com as amigas, por exemplo, sou capaz de jamais tocar no assunto. Pelo contrário, apresento-me independente e bem resolvido e até inspiro que ela repita os encontros. Mas depois comprarei uma discussão boba pela bagunça do nosso quarto.

Assim não sou honesto com a irritação. Transferi o que me perturbava para um cenário diferente, sem nenhuma correspondência com o verdadeiro. A esposa me entende distorcido: vê que sou extremamente chato com a arrumação da casa, e não que sou ciumento.

Há uma deslealdade ingênua em curso, involuntária e automática, que trará sérias dificuldades de comunicação.

A mulher enxerga a ansiedade do ciúme, porém as minhas palavras dizem o oposto. Como me encabulo da insegurança amorosa, não comento o que me enervou, e vou catando conflitos falsos para explodir e desabafar.

Ela me interpreta errado pois transmiti a mensagem errada. Ao esconder a origem da minha angústia, é certo que brigaremos mais vezes.

O que explica o quanto casais estouram do nada em restaurantes, em passeios, em bares. Ninguém compreenderá o estopim da guerra. A motivação parece sempre absurda (falar de boca cheia, rir demais).

Só que o nada não é nada. O nada é um desconforto atrasado, um pequeno ressentimento que não foi desfeito no flagrante. A gota d’água costuma vir de uma torneira diferente daquela que encheu o copo.


09 de agosto de 2015 | N° 18253 
MARTHA MEDEIROS

Homens que investem

Filho é um investimento, sim, mas em outro sentido. Filho é uma aplicação rentável no quesito emoção. Filho é um investimento.

Se essa frase parece ter saído da boca de um esquimó, reconsidere. Não há nada de glacial na afirmação. Filho é, realmente, uma espécie de plano de previdência. Resta saber se você é bom investidor.

Algumas pessoas pensam em ter filhos por razões pragmáticas. A mais comum delas: “quem cuidará de mim no futuro?” Para muitos, o que importa é evitar ser abandonado numa casa de repouso. Só não sei onde essa gente descola bola de cristal para ser assim tão profética.

Filho é um investimento, sim, mas em outro sentido.

Filho é uma aplicação rentável no quesito emoção. Quando bebês, são uns fofos, apesar de exigirem um preparo físico de campeão de UFC. Tudo bem, papai é atlético o suficiente para engatinhar com seu filhote, rolar pelo chão, segurar no colo, levar nos ombros, carregar nas costas. Até que os fofos entram na adolescência.

Tudo bem, também.

Viram uns purgantes, mas pode ser animado. Eles lotarão a casa de amigos, desde clones deles mesmos até aqueles moleques estranhos que tocam guitarra, têm o cabelo vermelho e os olhos idem. Eles explicarão para você que Tóquio é muito mais radical que Paris. Deixarão o quarto bagunçado, mas um dia arrumarão, confie: até o próximo Natal aquele muquifo estará um brinco, e se você disser essa gíria na frente deles - um brinco - pediu: nada lhes dá mais prazer do que debochar do seu vocabulário vintage.

Eles fingirão que não sentem orgulho de você, mas conforme-se, faz parte do sigilo do negócio. Eles se meterão em encrencas, e você vai chamá-los para aquela necessária conversa que sempre começa com gritaria e termina em comoção. Eles ajudarão você a manejar o computador, o smartphone e o Netflix. Eles falarão mal das suas roupas, mas numa noite emergencial pedirão emprestado aquele casaco preto que custou uma fortuna e que você emprestará mesmo assim. Algum sacrifício? Caramba, nenhum, são seus filhos.

E eles virarão adultos, e o investimento será ainda mais recompensador. Eles farão coisas que você nunca teve coragem de fazer - e bem que quis. Eles terão ideias liberais demais até pra você, que sempre se julgou um revolucionário. Eles não compartilharão alguns segredos cabeludos, mas quando o problema for sério mesmo, irá ouvir; “pai, estou precisando de você”. E esta confiança é um lucro impossível de ser medido em cifras.

Hoje é domingo, dia calmo e propício para dar uma analisada nos extratos e avaliar se valeu a pena tanta preocupação, se não foi um preço muito alto ter aberto mão de um pedaço da sua liberdade, se a relação custo benefício compensou.

Ora. Fechando as contas, ninguém pode dizer que não sai dessa aventura mais rico.


09 de agosto de 2015 | N° 18253
CAPA

Meu velho, meu amigo

Pai é pai. Mas também pode ser o melhor companheiro para curtir junto o que a vida tem de bom
Esses seus cabelos brancos, bonitos, esse olhar cansado, profundo

Me dizendo coisas, um grito, me ensinando tanto do mundo

E esses passos lentos de agora caminhando sempre comigo,

Já correram tanto na vida,

Meu querido, meu velho, meu amigo

Pode ser clichê, mas vamos combinar que, neste final de semana, é difícil não lembrar da canção que Roberto Carlos compôs em 1979, em homenagem a seu pai. A letra de tom melancólico torna-se ainda mais tocante quando se assiste ao clipe, montado com imagens do velhinho de estatura pequena, cujas feições assemelham-se às do cantor, sentado em uma poltrona, recebendo um beijo do filho. A poesia cantada traz muitos dos elementos relacionados às figuras tradicionais dos pais especialmente os pais de pessoas adultas: cabelos brancos, passos lentos, olhar cansado. Roberto inspirou-se no próprio pai, é claro, um senhor já bastante idoso. Mas será que todas as relações entre pais e filhos chegam à maturidade com o tom grave e introspectivo que o Rei deu a sua canção?

Ao buscar histórias para ilustrar esta reportagem especial de Dia dos Pais, descobrimos que não. Pai rima, cada vez mais harmoniosamente, com amigo, companheiro, parceiro. Depois de boa parte da vida sendo (apenas) pai, muita gente descobre que também pode ter nos filhos os companheiros ideais para praticar esportes, pular Carnaval, viajar, cozinhar ou qualquer outro hobby que faça a vida ficar mais leve e saborosa. E os filhos, que já tiveram naquele homem somente a figura paterna, percebem que há muito mais naquele sujeito do que poderiam supor.

Observar as mudanças nos arranjos familiares prova que a figura paterna já não tem o mesmo papel que ostentava há 20 anos na sociedade brasileira. Segundo números do IBGE, o modelo pai + mãe + filhos já representa menos da metade das famílias no país. Outras configurações, como lares em que só um dos pais toma conta da prole, são cada vez mais comuns desde que as mulheres ingressaram de forma expressiva no mercado de trabalho – o que deu a elas a independência necessária para, por exemplo, encarar um divórcio. As mudanças em ritmo acelerado fizeram surgir inquietações e discussões sobre o papel do homem na nova estrutura social e, principalmente, o papel do pai na formação dos filhos e na organização familiar.

PATRÍCIA LIMA


09 de agosto de 2015 | N° 18253
CAPA

Meu velho, meu amigo


Com mais tempo e sem o peso da responsabilidade de ser o único provedor, o homem passou a descobrir novas possibilidades de relacionamento com os filhos, tornando a paternidade algo naturalmente mais próximo e presente.

Mas isso não significa que pais mais velhos, que viveram o período da paternidade à moda antiga, não experimentem, também eles, a sensação de descobrir-se, mesmo que na maturidade, os melhores amigos de seus rebentos. Ao compartilhar gostos, interesses e hobbies com os filhos, fica selada uma herança íntima deixada de um para o outro. Ou melhor: uma herança desfrutada por todos, sem necessidade de inventariar o tamanho da felicidade.

Assim são as histórias que recolhemos para esta reportagem. Pais e filhas que descobriram-se, em algum momento, os companheiros ideais para curtir a vida. É o caso, por exemplo, do pai que encontrou na filha a melhor parceira para duas das suas maiores paixões: degustar vinhos e viajar – hábitos que também são os hobbies preferidos dela. A ausência da mãe, acometida pelo mal de Alzheimer, fez com que a dupla se tornasse ainda mais próxima nas questões familiares e também na necessária diversão. 

Em busca de vinhos e aventuras, já andaram por destinos como Caribe, Punta del Este e Portugal – e já planejam incursões por Itália e Estados Unidos. Ele, um comerciário de 67 anos, há tempos não marca férias sem antes consultar a agenda da filha, a jornalista que agora escreve este texto emocionado. E ela, quem diria, percebeu que a letra da música de Roberto Carlos – outra paixão transmitida pelo pai – não é só melancolia. Quando, nos versos finais, o Rei canta que “seu sorriso franco me anima”, ele bem poderia estar nos observando, a mim e ao meu pai, ao bebericar um branco bem gelado em algum lugar do mundo.


RUTH DE AQUINO
07/08/2015 - 20h07 - Atualizado 07/08/2015 20h07

A quem interessa a queda de Dilma

Se Dilma renunciar, ou se sofrer impeachment, Lula é quem mais ganhará. Quem disse que a política é linear?

Numa bolsa de apostas apartidária, livre e intuitiva, poucos hoje investiriam seu dinheirinho na permanência de Dilma Rousseff como presidente por mais três anos e meio. Não sou a favor do impeachment de Dilma. Ainda não surgiram provas irrefutáveis de sua desonestidade, apenas de sua incompetência na gestão econômica e política. Por enquanto, Dilma não é Zé Dirceu. Não parece ter a ganância do companheiro.

O que pode manter Dilma no Planalto? Numa crise econômica provocada por ela mesma e pelo PT, e que nada tem de passageira, a presidente precisa de apoio para recolocar o país nos trilhos. Urgente.

Dilma não pede uma vaquinha, apenas paciência. Pede união a quem pensa “só em si mesmo”. Não tem coragem de mostrar na TV, na galeria dos egoístas, a foto de Eduardo Cunha – quem, mais que ele, tenta tumultuar? A pauta-­bomba do presidente da Câmara é clara: inviabilizar Dilma, derrubar a presidente por estrangulamento e por meios legais. PDT e PTB já aderiram ao motim e anunciaram a saída da base aliada.

O Brasil cai no tal alçapão mostrado pelo ator José de Abreu na TV. Os apelos de Dilma não encontram eco, só barulho. Mas é patética a tentativa do PT de intimidar o brasileiro com a alternativa D ou D: “Dilma” ou “Ditadura”. Isso não existe.

De onde pode vir o apoio para Dilma se manter? Da população, não: só 8% aprovam seu governo e 71% a reprovam, segundo pesquisa Datafolha. Da Câmara, jamais – o Planalto considera Eduardo Cunha “ingovernável”. Do Senado, depende do sedento Renan Calheiros. O vice Michel Temer foi o primeiro a constatar o lugar vago da presidente, ao dizer que “alguém” precisa unir o Brasil. Quem será esse alguém? Temer jogou a toalha como articulador. Ou puxou o tapete. A semana dramática culminou em apelos petistas ao PSDB e aos empresários.

Nenhum presidente governa sozinho. Essa fórmula não fica de pé. Chico Buarque cantava que “é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar”. O ar que emerge dos panelaços hoje cheira a azedo. Dilma descobrirá que não pode fazer troça de manifestações populares. O humor, nesses casos, vira provocação. Se Dilma negociar sua saída do Planalto em nome da governabilidade e ceder sua cadeira ao vice Michel Temer, quem ganhará com isso? Se Dilma sofrer impeachment, e levar junto o vice, com convocação de novas eleições, quem será o mais forte adversário do novo presidente, seja ele do PMDB ou do PSDB?

Em ambas as hipóteses, Lula é quem mais ganhará. Ganhará fôlego para a eleição de 2018. Ganhará liberdade para aumentar as críticas a “tudo que está aí” – como vem fazendo de forma subliminar. Jogará a conta no novo governo e nos economistas liberais. Dirá que sabe como fazer o Brasil crescer. Os remédios amargos para curar o país do “mal de Dilma” não serão mais ministrados pelo PT.

“O Lula é um animal político, dos mais sagazes e mais capazes de manipular a opinião pública”, disse Roberto Romano, cientista político da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas. “Lula tem uma liderança inconteste, mesmo em baixa nas pesquisas. A prisão do Dirceu foi um golpe, mas ele já isolou o companheiro. Com Lula é assim: os ônus vão para os auxiliares. Desde o Getúlio (Vargas), não existe personagem mais rápido para se reorganizar. Saindo Dilma, poderá bater sem pudor no Levy, na terceirização. Dirá que Dilma não seguiu a linha dele, e que ele é a salvação da lavoura.”

Não sou a favor do impeachment de Dilma. Também não acho bonito o cenário de Dilma sangrando até o final, sem base e sem chão. A continuidade da presidente interessa à economia, pois o impeachment agrava a crise. Interessa a Serra e Alckmin, que sonham em ser candidatos tucanos em 2018. Interessa à parte do PMDB que quer disputar com alguma viabilidade a Presidência – leia-se o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Interessa à terceira via, Marina Silva. Interessa a todos que odeiam tanto o PT que têm medo de fortalecer Lula para 2018. Paradoxo? A política nunca foi uma ciência linear.

Não vejo ninguém capaz de unir o país, nem na base aliada nem na oposição. Faltam líderes com credibilidade. O melhor para o Brasil seria que a presidente tivesse habilidade para dialogar com as forças políticas e a população. Utopia.

Enquanto o PT tiver a cara de pau de defender que evitou por seis anos que a crise internacional chegasse ao Brasil, que o país vive “problemas passageiros na economia” e que reprovar Dilma equivale a nos jogar nos braços de uma ditadura de direita, será difícil reconquistar a população. Chamar críticos de trouxas e fascistas é desespero de causa. Diz o PT: “Hoje, há uma pessoa capaz de evitar uma grave crise política no país: você”. Não diga! “Juízo”, aconselham mamãe Dilma e papai Lula. O que você fará no dia 16?


08 de agosto de 2015 | N° 18252 
NÍLSON SOUZA

TELEFONE SEM FIO

Caos em Porto Alegre: arrastões no centro da Capital, tiroteios em diversos bairros, assaltos nos engarrafamentos de trânsito e muita troca de mensagens nas redes sociais, com avisos alarmantes e notícias sobre ocorrências policiais. Assim começou para os gaúchos uma semana marcada por paralisações e protestos de servidores públicos com salários atrasados. 

Só que não. A única coisa real desse cenário é a compreensível revolta dos trabalhadores com o parcelamento de seus salários. Tudo o mais faz parte de uma onda de boatos que provocou fechamento antecipado de lojas e causou pânico nas pessoas.

O boato é filho do medo e tem a maldade como madrasta. Nem sempre é intencional. Quando fiz meu estágio de Educação Física, uma das brincadeiras que gostava de fazer com as crianças na hora do “volta à calma” era a do telefone sem fio. Inventa-se uma frase secreta, de preferência com certa complexidade, dispõe-se a garotada em fila ou em círculo, e o primeiro conta a historinha em voz baixa no ouvido do segundo, que repassa ao terceiro e assim por diante. O último diz em voz alta o que ouviu – e, invariavelmente, o resultado é desastroso, engraçado, com muita coisa diferente daquilo que foi proposto no início.

Pois o telefone sem fio, tanto o aparelho quanto o da brincadeira, é agora uma realidade. Qualquer pessoa tem poder para lançar uma afirmação, uma suposição ou até uma maledicência – e a tecnologia da retuitagem faz o resto.

Claro, o boato é antigo como o mundo. Há incontáveis exemplos na história da humanidade de fofocas que interferiram nos rumos dos fatos. Em tempo de guerra, mentira é como terra – diz o ditado. A própria imprensa foi rotulada de fofoqueira durante anos, o que a obrigou a desenvolver mecanismos de checagem e transparência para reconquistar a confiança do público. Não que esteja totalmente livre de erros e até de desvios éticos. Ainda ocorrem. Mas agora essa pecha de pouco confiável está passando para as redes sociais.

Durante o dia confuso do início da semana, os jornalistas e os veículos de comunicação foram muito pressionados a divulgar as informações sobre os tais arrastões e assaltos que cidadãos sérios e preocupados repassavam aos amigos. Poucos profissionais, porém, caíram na armadilha da boataria.

Acho que nos saímos satisfatoriamente desse deprimente e nem sempre bem-intencionado telefone sem fio.

terça-feira, 4 de agosto de 2015



04 de agosto de 2015 | N° 18247 
CARPINEJAR

A minha primeira carteira de motorista

Tirei a minha primeira carta de motorista dentro de um supermercado.

Tinha cinco anos. Já não entrava mais no banquinho de bebê do carrinho, muito menos me equilibrava na grade de trás, junto com os produtos.

A mãe precisava me ocupar. Queria que não incomodasse para comprar salgadinho, bolacha recheada, sorvete e refrigerante. Ela sabia o perigo que era qualquer criança de pé e sozinha, com a possibilidade de mexer nas prateleiras com liberdade.

Lembro claramente quando, numa tardezinha de sexta-feira, ela me ordenou:

– Hoje, você leva o carrinho. Toma! – Eu?

O mercado estava lotado, véspera de Carnaval.

Não explicou como se manobrava. Não me deu aula de direção. Não treinou balizas. Não realizei nenhum psicotécnico, exame médico e prova teórica.

Entregou o veículo com displicência, avaliando o ato como fácil e instintivo.

O “toma” me marcou definitivamente. Eu merecia um tutorial. Afinal, o que há de gente que nem consegue pilotar um guarda-chuva e vive batendo em quem está se protegendo nas marquises.

De uma hora para outra, tornei-me o responsável pelas compras da casa. Não lia e nem escrevia, e já dirigia carrinho de supermercado.

Aquilo me envaideceu, meu primeiro grande passo de adulto, e também me enervou, talvez fosse o meu primeiro grande tropeço de adulto.

Assumi o comando da barra com as duas mãos, tremendo, suando barbaridade, mal enxergava um palmo à minha frente.

Cauteloso com a função, comecei devagarinho, a 0,01 km/h, mas ela me pediu que andasse mais rápido pois não contava com a noite inteira.

Foi quando colidi com o enorme traseiro floreado de uma senhora selecionando verduras.

– Uiii! Também foi a primeira vez que fiz uma mulher gemer na vida.

– Olhe por onde você anda, menino! – ela protestou.

Em vez de me apoiar, a mãe engrossou o coro:

– Mais atenção para não atropelar as pessoas, senão tiro o carrinho de você.

Eu não havia pedido para dirigir, mas a arte materna consistia em transformar suas imposições em nossas escolhas.

Segui por mais quatro corredores, já rezava para que aquilo terminasse logo, que a listinha encurtasse de repente, que a mãe não entendesse mais sua letra.

Na grande quina das bebidas com os itens de higiene, realizei uma curva muito fechada e não vi a pilha de galões de clorofina em promoção.

Dei no meio: garrafas voaram para todos os lados. Criei um lago de água sanitária na entrada dos caixas.

Lavei o súper e instalei um pânico de rodos, panos e vassouras entre os empacotadores.

O cheiro da água sanitária vem junto com a lembrança. Inspiro com força até umedecer os olhos, e recordo de cada detalhe desse entardecer emocionante, em que comprei minha primeira carta de motorista dentro de um supermercado – e não saiu barato para o Zaffari.

sábado, 1 de agosto de 2015



02 de agosto de 2015 | N° 18245 
MARTHA MEDEIROS

O primeiro beijo


Se antes as vozes eram graves, suavizam. Se antes havia cerimônia, ela se desfaz assim que os lábios se desgrudam.

Para quem tem Woody Allen como ícone, é imperdível o documentário sobre sua vida e obra. Não sei se ainda está em cartaz quando fui ao cinema, havia menos de 10 pessoas na plateia, não é exatamente um blockbuster. 

Durante o apanhado que o filme faz da carreira deste cineasta singular, aparece uma cena de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa que considero genial: o cara convida a personagem de Dianne Keaton para ir ao cinema e depois, ao saírem caminhando pela calçada, em meio ao papo, ele estanca de repente e diz a ela: Que tal se a gente se beijasse de uma vez para terminar com essa tensão e irmos comer alguma coisa?. Ela concorda, ele a beija por dois segundos e então voltam a caminhar e a dar prosseguimento à conversa do ponto onde haviam parado. Simples assim.

Se a cena parece boba, não é. É mais um acerto do olhar afiadíssimo do diretor para os detalhes que fazem das relações humanas o que elas são: um universo repleto de peculiaridades. O que pode ser mais potente do que um primeiro beijo? Pense. Vocês dois estão ali conversando, ou bebendo, ou dançando, ou fazendo qualquer outra coisa prosaica. Já há um clima no ar, mas ninguém confirma, pode ser apenas um delírio de uma das partes. Nada parece estar acontecendo, mas se estiver acontecendo de fato, só passará a valer a partir do primeiro beijo. Antes dele, era uma coisa. Depois dele, well...

O primeiro beijo transfigura a ação. Se antes as vozes eram graves, suavizam. Se antes havia cerimônia, ela se desfaz assim que os lábios se desgrudam. Se antes eram apenas bons amigos, agora se instalou a indefinição. O primeiro beijo remete a uma nova fase, a um novo feitio de relacionamento – ou acaba tudo, porque tem isso também: pode ser uma decepção e a fantasia terminar ali mesmo. Mas é raro: o primeiro beijo dificilmente age como finalizador. O mais comum é o primeiro beijo ser inaugural.

O primeiro beijo acaba com a tensão e traz de volta à cena essa mesma palavra, só que com o “n” a menos. O primeiro beijo traz a promessa de um segundo beijo, um terceiro, um quarto – principalmente um quarto.

O primeiro beijo faz valer a escova no salão, a depilação em dia, o Trident mascado momentos antes.

O primeiro beijo, se for muito ruim, ao menos aconteceu. Fim de estresse. Ninguém espera mais nada e a noite não foi totalmente perdida, ao menos ficaram esclarecidas as possibilidades (ou impossibilidades) de futuro.

Mas se for muito bom, pode levar você às nuvens ou até mesmo a lugares mais arriscados, como a um altar.

Em tempos de pegação em que não existe amanhã, pode parecer que escrevi esse texto sob efeito de um alucinógeno, mas quem acredita que o romantismo ainda sobrevive, mesmo respirando por aparelhos, vai entender. E lembrar.