sábado, 25 de outubro de 2025


25/10/2025 - 17h27min
Martha Medeiros

Não estaria na hora de reduzirmos os excessos de artifício? 

Resta confiar que a nossa autenticidade dá conta do recado a cada vez que somos flagradas quando menos se espera, com os lábios nus. Tudo bem seguir tendências da moda, é divertido e menos radical do que mudar o próprio rosto.

Acho que foi a saudosa Danuza Leão que escreveu, certa vez, que não deveríamos sair de casa sem batom nem mesmo para ir até o mercado da esquina comprar um quilo de arroz. Vá que justamente neste intervalo de tempo você cruze na calçada com um ex-namorado que ainda faça seu coração saltar. Fosse hoje, Danuza correria o risco de ser cancelada por esse tipo de conselho – não bastassem nossas preocupações, ainda precisamos estar bonitas para encontros hipotéticos com sujeitos que já nem fazem parte da nossa vida? 

Alguém poderia sugerir que os homens, dentro do mesmo princípio, também deveriam colocar uma camiseta limpa antes de ir ao açougue comprar carne para o churrasco, mas esta equiparidade costuma ser derrubada pelas nossas diferenças de expectativas. Eu, ao menos, tenho um fraco por desgrenhados. Uma camisa para fora das calças, uma bota ainda com a poeira de algum show, aquela barba eternamente por fazer.

Não estou dizendo que banho não seja importante, mas deixar o cabelo secar ao deus-dará não é pecado, tem até quem consiga emprego na Globonews sem jamais ter visto um pente. Cancelada serei eu por celebrar a liberdade que os homens têm de não serem julgados pela aparência e ainda apreciar a descompostura deles (sem exagero, claro – prefiro estar acompanhada por um homem de terno numa festa de casamento). Porém, considere este texto parte da luta: reivindico a mesma liberdade para nós. 

Não estaria na hora de reduzirmos os excessos de artifício? Somos perfeitamente atraentes com nossos cílios de nascença, com unhas aparadas e com os lábios que nos couberam. Se é para inflar a boca, que seja a boca das calças: as skinny deram lugar às pantalonas e tudo bem seguir tendências da moda, é divertido e menos radical do que mudar o próprio rosto. 

Mesmo assim, reconheço que não é fácil se libertar da patrulha dos costumes. Outro dia, entrei num mercado de esquina para comprar tomates, era só um pulinho, então nem me importei por estar com o cabelo mal preso num rabo de cavalo, os trapos que uso para trabalhar em casa e, claro, sem nenhum vestígio de batom. Mas, ao ser interpelada por um moço educado (e, se não me falha a memória, bem-vestido, o que põe em dúvida a minha preferência por esculhambação), lembrei dos conselhos da Danuza. Que ideia foi aquela de eu sair de cara lavada e com um mocassim de 1997? Eu sei, mais antigo que o mocassim, só esse desejo de causar boa impressão. Resta confiar que a nossa autenticidade dá conta do recado a cada vez que somos flagradas quando menos se espera, com os lábios nus.


25 de Outubro de 2025
CARPINEJAR

Despreparados

Quando um afeto sofre um acidente ou enfrenta um desconforto, você sempre é pego de surpresa. Vai ao hospital de chinelos. Não tem tempo para se arrumar. Não tem cabeça para se alinhar. Não pensa em buscar uma peça secando no varal ou em passar uma camisa. Sai de casa como estava. Não quer perder nem um minuto do socorro.

Durante o dia, na sala de espera dos plantões médicos, não há ninguém bem-vestido - com exceção dos infortúnios da madrugada em que as pessoas partem diretamente das festas e das celebrações.

Todos estão ali com as vestimentas da rotina e do lazer, pescados por uma doença ou fatalidade, na angustiada tensão por notícias e boletins. Perdoam-se calças sem cinto, bermudas sem elástico, furos na região das axilas das blusas, mangas e golas puídas.

Nota-se um traço comum do imprevisto: os rostos ainda com as marcas impressas pelos travesseiros, as remelas nos olhos, as roupas folgadas e inconscientes do destino, a carteira na mão e a bolsa no colo avulsas, nada combinando com nada, numa sobreposição do acaso.

Não tem como se preparar para uma emergência. Não tem como se valer da melhor aparência, dos pudores e asseios do espelho. Não há maquiagem, não há pente, não há escova, não há barbeador, não há os elementos mediadores entre a privacidade e a rua.

Se estava junto do doente, corre com a velocidade de uma ambulância. Se estava longe e recebe uma ligação, larga tudo ao léu, numa evacuação instantânea do lar e da alma.

Há uma cultura familiar de se mostrar presente nos bastidores, mesmo que você não possa visitar o paciente, mesmo que não possa vê-lo, mesmo que não possa ser útil, mesmo que apenas tumultue a entrada do lugar.

É um protocolo da amizade, uma demonstração de importância, um gesto de interesse e de extrema prioridade. Trabalhos, tarefas, reuniões, alegrias e sono são sumariamente interrompidos para uma lição de empatia.

Grupos de conhecidos se amontoam na recepção, numa corrente de solidariedade. Trata-se de uma característica de nossa mentalidade. Talvez seja uma simpatia emocional, uma crença de que aquele que está lá dentro, na maca, sob cuidados, sentirá as vibrações de quem se encontra do lado de fora. Ter alguém esperando é um reforço positivo para a convalescência.

Os problemas de saúde de um ente próximo despertam a nossa indigência, o nosso desamparo, a nossa incompetência para a despedida. Já a morte suscita o nosso perfume e incensos, encomendados demoradamente para as exéquias.

O velório e o enterro não exibem parentesco com o atropelo do pronto-atendimento. Como a perda se faz consumada, não existe mais a luta contra o relógio, e você consegue se aprumar devidamente para dar as condolências e prestar as homenagens derradeiras. Raramente se observa, na cerimônia fúnebre e na hora do adeus, um parente ou amigo de qualquer jeito. Até os guarda-chuvas e sombrinhas esticam elegantemente suas lonas em direção ao céu turvo, não deixando escapar nenhuma vareta.

A dor do luto dispensa a ansiedade. 

CARPINEJAR

25 de Outubro de 2025
ANDRESSA XAVIER

Conexão

Nessa semana eu estava em um estabelecimento para fazer uma compra. Eis que o sistema da loja caiu. Poderia demorar dois minutos ou duas horas para ser restabelecido, me disse o vendedor. Nesse tempo, sem compras possíveis.

Nas minhas últimas férias, na Bahia, queríamos comer tapioca. Entramos no restaurante que prometia mais de cem combinações. Para minha total surpresa, o pedido era via QR code. No link, podíamos escolher a massa tradicional ou com outros ingredientes, os recheios, os opcionais. Eram umas 15 caixinhas para marcar em cada panqueca. Terminei e fui incluir outra. O bendito sistema me mandou voltar e preencher tudo de novo. Desisti. Ainda tentei explicar para o senhorzinho que estava só esperando eu me virar, pedindo que ele anotasse no caderninho e passasse à cozinha, mas ele negou. Disse que agora era somente pelo site. Éramos seis pessoas. Saímos e sobraram quatro no restaurante. O dono não foi capaz de reverter a situação.

A tecnologia é maravilhosa. A inteligência artificial é revolucionária. Mas, sem o mínimo de noção real e sensibilidade, não adianta nada. Se o sistema não voltar em duas horas, o que farão os funcionários senão mandar o consumidor ao concorrente? Se o cliente estiver sem bateria, o tio da tapioca fica no prejuízo. Parem de usar QR code como se fosse algo acessível a todos.

Recentemente, o ator Mateus Solano se excedeu e arrancou o celular da mão de uma espectadora no teatro. Alguns acharam deselegante. Outros deram razão ao ato. Independentemente do juízo do que ele fez, o motivo é mesmo irritante. Estamos em um momento em que as pessoas não conseguem ficar uma hora longe de seus aparelhos. Incluo-me entre os que passam tempo demais com o celular, muitas vezes rolando a tela para nada.

O problema não é o aparelho, é a falta de medida. A tecnologia amplificou um traço antigo: a indelicadeza. Agora, ela vem travestida de modernidade. O restaurante que só aceita pedido online se orgulha da eficiência, mas esquece que existe gente do outro lado. Gente que quer ser atendida, ouvida, acolhida.

O vendedor que se vê de mãos atadas porque o sistema caiu também é vítima. A empresa terceirizou a humanidade para um código de programação. A tecnologia nos prometeu tempo, praticidade e autonomia, e nos entregou impaciência, automatismo e afastamento do real. Hoje, qualquer "erro de sistema" paralisa uma loja, uma refeição, um atendimento básico.

Não é sobre negar o digital, nunca, mas sobre lembrar do essencial. Enquanto a máquina processa dados, é o humano que processa relações. A tecnologia pode até ser inteligente, mas a empatia ainda não foi programada.

O futuro será cada vez mais tecnológico, mas em mesma medida precisará ser também mais humano. Porque, no fim, o que mais faz falta não é conexão de internet. É conexão entre pessoas. 

ANDRESSA XAVIER

O caçador de escândalos

A ótima série documental Collor, o Caçador de Marajás, que estreou no Globoplay, é um vívido retrato de como um playboy que farreava no Rio de Janeiro passa de político provinciano a presidente apresentando-se, nas primeiras eleições diretas após o regime militar, como algoz de corruptos, e sofre impeachment tragado pelo próprio esquema de corrupção.

Vista pelas lentes de três décadas e meia depois, a trajetória de Fernando Collor de Mello exibida na série de sete capítulos é uma síntese de como o bom e ingênuo povo brasileiro volta e meia cai na conversa de políticos fantasiados de salvadores da pátria. Mas O Caçador de Marajás também tem como sujeitos outros personagens raramente observados de perto no dia a dia da política: a família e os amigões do presidente que se esgueiram pelos bastidores do poder.

No caso de Collor, combinaram-se fatores em abundância para sua derrocada. Os visíveis: inflação descontrolada depois de um confisco inútil, escândalos em profusão e povo na rua. E há os que só vieram à tona pelo fórceps da imprensa investigativa e de uma CPI que deu em algo: o testa de ferro das negociatas palacianas, Paulo César Farias, e o irmão Pedro Collor, que implode todo o esquema com uma entrevista bombástica.

Na aparência, a família de Collor era um comercial de margarina. Uma matriarca amorosa, irmãos unidos, uma esposa devota. Na prática, a dinastia viveu o que ficaria conhecido como a maldição da Casa Dinda, residência do ex-presidente. A mãe, Leda Collor, morre no auge da crise sem que os dois irmãos compareçam ao enterro. Fernando Collor está hoje em prisão domiciliar, a esposa leal, Rosane Malta, se separa em 2005 com um divórcio rumoroso, livro de memórias e ação na Justiça, e o irmão Pedro sucumbe aos 42 anos, dois anos após as denúncias, de um câncer fulminante. Resta sua viúva, Tereza Collor, que, sob os holofotes, foi batizada de Musa do Impeachment e presta o depoimento mais revelador sobre as entranhas da família.

É conhecida, e razoavelmente aceita, a influência de primeiras-damas sobre presidentes, embora ela geralmente ocorra na intimidade do casal. Já o peso da família estendida e a energia que rusgas familiares consomem dos governos quase sempre passam ao largo dos olhos públicos. Por tradição, no Brasil pouco se envereda pela vida pessoal de governantes, o que é compreensível quando ela não afeta a vida pública. Mas, como mostra a série da Globoplay, sempre que se elege um presidente é recomendável que se esquadrinhe o pacote que vem junto: o cônjuge, os irmãos, os filhos, os cunhados e os amigos íntimos. São eles que podem transformar também a vida do país em um inferno. _

MARCELO RECH


Inexplicável ausência de deputados na briga pelo Sul

Nenhum dos 31 deputados federais gaúchos compareceu no evento de criação de uma comissão especial para discutir um fundo constitucional também para as regiões Sul e Sudeste, já que Nordeste, Norte e Centro-Oeste já têm. O colunista de GZH Matheus Schuch informou que o grupo - anunciado pelo próprio presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) - vai analisar a proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 27/23 e outras que preveem a criação de fundos de financiamento para as duas regiões.

O que tinham todos os nossos parlamentares do Rio Grande do Sul de agenda tão relevante? E nem foi na sexta-feira, foi na quarta. No fim, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) ficou como relator e o autor da PEC, Toninho Wandscheer (PP-PR), presidirá o grupo. Ao colega Schuch, vários deputados disseram nem saber da comissão. O coordenador da bancada gaúcha no Congresso, deputado Marcelo Moraes (PL), sabia, mas não foi.

A Constituição de 1988 criou os fundos de financiamento para as regiões Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO), quando realmente havia desigualdade econômica maior no país. Mas a falta de união e articulação deixa o Sul comendo poeira, inclusive após enchentes e estiagens.

O fundo constitucional é formado por 3% da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda. Ele dá "funding", ou seja, recurso a ser emprestado com juro baixo para investimentos. Poderia potencializar setores econômicos consolidados, como veículos, ou novas vocações econômicas no RS, como energias renováveis.

Ausência que causa indignação

Lembrando que a bancada gaúcha deixou até medida provisória perder prazo após a enchente. Talvez a ausência agora nem devesse surpreender, mas segue indignando. Comissões sempre dão resultado? Não. É difícil conseguir o fundo? É. Alguns dizem ser utopia, mas dragar hidrovias do Rio Grande do Sul também era e está sendo feito. E utopia ou não, os deputados deveriam estar na criação de qualquer grupo para tratar disso em Brasília. _

01

O que driblou o tarifaço

De 10 grupos de produtos muito exportados pelo Rio Grande do Sul aos Estados Unidos, sete conseguiram mercados alternativos desde o início do tarifaço: tabaco/fumo; armas e munições; veículos; borracha; obras de pedra; ferro e aço; e móveis. Já calçados; madeira e carvão vegetal; e alumínio sofreram mais, sem conseguir fazer esse redirecionamento no curto prazo.

O estudo foi elaborado pelos economistas Oscar Frank e Marcelo Ayub, da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre, após provocação da coluna. Robusta, a metodologia usa dados desde 2018 para comparar um cenário sem tarifaço. Dos produtos em que há evidência de redirecionamento, quatro se destacam: fumo, veículos, ferro e aço e móveis.

- No tabaco, identificamos volume grande enviado à Indonésia e Suíça. Já armas de fogo vão muito para os EUA e têm forte regulação. Ainda assim, houve envios para Filipinas e Argentina - analisou Frank em entrevista ao Gaúcha Atualidade.

Redirecionamento

Desde o início da guerra comercial, a coluna vem defendendo a busca por novos mercados, pois diversificar reduz risco em qualquer atividade econômica. Veja análise da CDL: "Os indícios de redirecionamento das vendas são mais fortes em segmentos com maior base global de compradores, ou seja, onde o grau de concentração é menor."

Claro que não exclui a negociação entre os presidentes Lula e Donald Trump, cuja reunião está para ocorrer neste final de semana, mas ter clientes em vários países permite redirecionar embarques em crises e buscar maior rentabilidade em tempos de mar tranquilo. _

As diferenças

Tarifa média aplicada pelos EUA ao Brasil 34,6%

Tarifa média às exportações do RS 44,7%

Fatia taxada das exportações do Brasil aos EUA 56,6%

Fatia do RS 85,7%

R$ 80 milhões para ônibus híbridos

Com sede em Caxias do Sul e 11 fábricas pelo mundo, a Marcopolo terá financiamento de R$ 80,8 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para desenvolver dois modelos de ônibus elétricos híbridos com etanol. A tecnologia é basicamente a mesma do micro-ônibus da empresa que a coluna conheceu na Busworld, na Bélgica. O que mudará será a carroceria no novo projeto, que terá aporte total de R$ 115,4 milhões.

A ideia é desenvolvê-los na operação gaúcha da Marcopolo em dois anos. O biocombustível carrega a bateria, o que dá mais autonomia (450 quilômetros, no caso do Volare Attack 9 Híbrido).

O contrato foi assinado pelo diretor de Inovação da Finep, Elias de Souza Ramos, o CEO da Marcopolo, André Armaganijan, e o CFO (financeiro), Pablo Freitas Motta. _

ACERTO DE CONTAS 


25 de Outubro de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Só concessões podem melhorar estradas

Com o segundo maior PIB do Rio Grande do Sul, a região de Passo Fundo clama por obras capazes de garantir o escoamento da produção. Na Feitech, feira que termina neste sábado, empresários de diferentes setores cobraram a duplicação da BR-285, de responsabilidade do governo federal, e a realização do leilão do lote 2, pelo Estado, para melhorar a qualidade dos acessos à cidade e a comunicação com municípios vizinhos.

Quem conhece a situação das estradas e a dificuldade de caixa dos governos sabe que não há outro caminho fora da concessão, apesar da rejeição da população ao pagamento de pedágio. No caso da BR-285, o repórter Jocimar Farina informa que não está nos planos do governo concedê-la ao setor privado - e uma concessão desse tipo depende em primeiro lugar de decisão política. Por motivos ideológicos, o governo Lula resiste aos pedágios e condena importantes regiões produtivas a conviverem com estradas esburacadas ou cuja capacidade está esgotada há mais de uma década.

As obras de duplicação da BR-386, que estão sendo feitas pela CCR ViaSul, deveriam inspirar os governos estadual e federal a acelerar a transferência de rodovias para a iniciativa privada.

A duplicação do trecho entre Fontoura Xavier e Tio Hugo está andando em ritmo acelerado e a qualidade do asfalto e da sinalização melhorou a olhos vistos. Comparando-se ao período em que a rodovia esteve sob responsabilidade do Dnit, quando até a pintura das faixas foi negligenciada, dá prazer em pagar o pedágio.

O péssimo estado da BR-158 (entre Santa Maria e Cruz Alta) e o esgotamento da BR-290 (de Eldorado do Sul a Uruguaiana) também recomendam que se pense numa concessão para garantir segurança e investimentos.

As vozes contrárias aos pedágios esquecem que São Paulo, considerado exemplo de logística, é um Estado com todas as principais rodovias concedidas ao setor privado, além de contar com trens para transportar a produção.

Os que vociferam contra a concessão do lote 2, que abrange rodovias da Serra e do Norte e que inclui a duplicação da RS-135, entre a BR-386 e Passo Fundo, deveriam comparar o que era a RS-122 antes da concessão. Além de mal sinalizada entre São Vendelino e Caxias do Sul, era o terror dos motoristas por causa dos buracos que destruíam pneus e quebravam rodas. _

No Interior, secretária faz entregas voltadas à saúde da mulher

Em roteiro pelo Interior, a secretária da Saúde, Arita Bergmann, fez entregas destinadas à saúde das mulheres. Na sexta-feira, em Ijuí, inaugurou um ambulatório dedicado ao público feminino e anunciou a aquisição de um aparelho de ultrassom para o Hospital Bom Pastor.

Arita também inaugurou dois ambulatórios de Serviços Especializados de Referência à Saúde da Mulher (SERMulher) - um no Hospital de Clínicas, em Ijuí, e outro no Hospital Nossa Senhora da Piedade, em Nova Palma. _

Comissão de Educação vai a campo ouvir a comunidade

Aliás

Não há pedágio mais caro do que os acidentes fatais causados por estradas malconservadas, congestionamentos intermináveis e perda de tempo.

É preciso, de uma vez por todas, vencer as resistências com argumentos e com editais que levem em conta também a razoabilidade das tarifas, para não repetir, por exemplo, o caso da BR-116-Sul, que tem um dos pedágios mais caros do Brasil, sem obras de contrapartida.

No improviso, Lula tropeça no vocabulário

Acostumado a falar de improviso, o presidente Lula volta e meia escorrega nas palavras. Foi o que aconteceu na Indonésia, quando, ao comentar as ações dos EUA contra o tráfico de drogas na América Latina, disse que "traficantes são vítimas dos usuários também".

Se Lula tivesse dito que o mais lógico seria Trump reforçar a segurança nos portos e aeroportos dos EUA em vez de ficar bombardeando barcos no Caribe ou no Pacífico, estaria dizendo o que muitos especialistas pensam. Se tivesse afirmado que só existe traficante porque existe usuário de drogas, estaria dizendo o que muita gente que não consome drogas pensa.

Traficantes não são vítimas. São bandidos que ganham dinheiro à custa do vício e das fraquezas humanas.

Lula poderia ter dito, ainda, que o combate ao tráfico não pode ser usado como pretexto para derrubar um governo hostil aos EUA ou se vingar de outro que critica Trump. _

PPP das escolas

Mesmo que tenha determinado, em dezembro do ano passado, a suspensão do edital da parceria público-privada para reforma e manutenção de escolas estaduais, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) afirma que o processo não está parado, como dito pela coluna. Em nota, o tribunal diz que a ação segue o "trâmite regular". O TCE argumenta que o Piratini só ingressou com recurso em julho. No mês passado, o assunto começou a ser discutido, mas um pedido de vista adiou a conclusão. 

POLÍTICA E PODER 



25 de Outubro de 2025
REPORTAGEM

REPORTAGEM

A mesma tragédia climática que piorou a crise dos CNPJs na Farrapos, via histórica de Porto Alegre, hoje com mais de 200 lojas vazias, trouxe uma boa nova. Ela entrou no radar de programa de moradia para a pessoas de baixa renda atingidas pela cheia

Abandono

Enchente piorou avenida mas trouxe esperança com novos moradores

Guilherme Gonçalves

A fuligem dos ônibus que passam pela Avenida Farrapos, em Porto Alegre, escurece as fachadas de prédios em estilo Art Decor erguidos na década de 1940. A falta de cuidado com esses edifícios esconde a sua beleza e faz com que o reboco das estruturas caia nas calçadas, tornando ainda mais cinzenta a avenida.

Grande parte dessas construções hoje está desocupada e segue com marcas da enchente que atingiu a cidade em maio de 2024.

No trecho entre o Viaduto da Conceição até a estação do Trensurb, no encontro com a Avenida A.J. Renner, foram contabilizados 211 pontos comerciais no andar térreo vazios. São as conhecidas "lojas de rua", que no passado abrigavam negócios na via, inaugurada em 1940 como a mais moderna da Capital.

João Carlos Zago, 85, conserta radiadores desde 1967 na Avenida Farrapos. Há 15 anos, sua empresa atendia uma média de 20 motoristas por dia. Hoje, se chegam cinco carros para conserto, é muito, diz o empresário.

- Havia várias concessionárias na minha volta. Elas foram todas embora. Tinha casa de autopeças, amortecedor, vidros, para-brisas. Elas foram para onde tem movimento bom - diz Zago.

A família da aposentada Maria Emilia Rivaldo, 71, é dona do edifício Centro Empresarial Farrapos, onde, por anos, funcionou a antiga Casa Dico, tradicional revenda de carros da Chevrolet. Disputada no passado, a construção próxima ao Viaduto da Conceição está agora cercada por placas de "aluga-se" de diferentes imobiliárias.

- Começou um movimento de exigência das montadoras, que viram Porto Alegre crescer para outras regiões. Foram para mais perto de seus clientes. Quando abriram a Terceira Perimetral, aquilo ali se tornou uma área interessante para elas. A Farrapos envelheceu e não houve tentativas da prefeitura para continuar tornando essa área interessante - reclama.

Problema antigo

Em 2009, a situação da Farrapos já não era boa para o setor. Naquele ano, Zero Hora mostrou que grandes marcas haviam deixado a avenida. De lá para cá, o quadro se agravou.

Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA), Irio Piva reforça que o abandono da Farrapos ficou ainda mais evidente depois da enchente do ano passado. Ao contrário de outras áreas da cidade que foram afetadas pela cheia - onde imóveis foram limpos depois da tragédia climática -, grandes prédios da avenida seguem marcados pela água barrosa que atingiu 1m20cm.

- Todo o 4º Distrito sofreu muito com a enchente, inclusive a Farrapos. Mas a avenida já vinha sofrendo antes. O lugar ficou feio, degradado e desvalorizado - diz Piva.

Edifícios atingidos pela cheia foram invadidos e furtados. Para evitar que isso volte a ocorrer, alguns proprietários começaram a lacrá-los com paredes de tijolos. Dos bairros pelos quais a Farrapos atravessa, apenas o Floresta teve aumento no número de locações nos últimos seis anos. Segundo o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS), grandes imóveis comerciais no São Geraldo e Navegantes foram devolvidos em agosto de 2024, depois da enchente.

Desestímulo

Nos últimos anos foram abertos postos de combustíveis e uma concessionária, erguida depois da enchente no terreno da antiga Ribeiro Jung. Presidente do Secovi-RS, Moacyr Schukster diz que o estado de abandono dos prédios antigos afasta interessados em investir na avenida. Para que as estruturas sejam reformadas, sugere incentivos fiscais.

- Teria de haver uma modificação na utilização dessa avenida, a começar por um estímulo fiscal ao retrofit (revitalização de prédios). Se a prefeitura estimulasse isso, teríamos o reaproveitamento de prédios. Outro grande problema é a falta de lugar para estacionar na Farrapos. Isso é fundamental para o comércio - afirma Schukster.

Novos planos

Simone Camargo, dona da Imobiliária Farrapos e também vice-presidente do Secovi-RS, diz que o preço do aluguel de apartamentos de um dormitório na Farrapos gira entre R$ 600 e R$ 800. Para venda desse tipo de unidade, os preços anunciados variam entre R$ 150 mil e R$ 170 mil. Mesmo com o comércio enfraquecido, a empresária afirma que a Farrapos tem ganhado novos moradores desde a enchente.

Apartamentos anunciados na avenida se encaixam na faixa de valor do programa Compra Assistida, do governo federal, destinado a pessoas de baixa renda que foram atingidas pela cheia. Em uma "dança das cadeiras", apartamentos deixados por quem morava na Farrapos até a enchente agora são ocupados por pessoas que deixaram a região das ilhas.

O novo plano diretor de Porto Alegre, apresentado na Câmara de Vereadores este ano, prevê a construção de prédios de até 130 metros de altura, o que poderia trazer um adensamento maior para esta região. Para o arquiteto Lucas Obino, isso ajudaria, mas não é o suficiente.

Via mais caminhável

Segundo o profissional, a solução para a Farrapos estaria no que ele chama de "caminhabilidade". Além de poder atravessar a cidade de carro, o porto-alegrense que ali convive poderia ir a pé aos bairros Moinhos de Vento, São João e Higienópolis.

- É uma boa via para caminhar. É plana, mas é feia e caótica. O grande problema é a barreira de corredor de ônibus. Torna a Farrapos uma via apenas de passagem. No passado, ela era uma via de costura urbana e de permanência. Além desse caráter de terminal, o corredor de ônibus cria essa barreira - diz Obino.

Revitalização

Para resolver isso, o arquiteto sugere o fim do corredor de ônibus e o alargamento das calçadas. Para que os coletivos sigam com preferência no tráfego, uma faixa azul seria destacada junto à calçada, como já ocorre em outras áreas da cidade, trazendo o movimento das paradas para o calçamento, junto ao comércio.

A atual gestão municipal diz estar desenhando um novo projeto para revitalizar a avenida. As obras seriam bancadas por um financiamento com bancos internacionais.

Entre as alterações citadas pelo secretário municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer, estariam melhorias nas calçadas, plantio de árvores e instalação de novo mobiliário urbano. Remover o corredor de ônibus ainda estaria sendo estudado, diz o secretário

- A questão do corredor tem que discutir. A Farrapos, pela sua complexidade, exige estudos técnicos mais aprofundados. Há o propósito de incrementar a avenida. Envolve estímulos para melhorar os prédios que ali existem. Uma pintura nas fachadas já resolve bastante. Vamos ouvir a comunidade antes de qualquer coisa - afirma Schirmer. _

"O que era ruim ficou péssimo"

Antônio de Conto, 69 anos, é dono do Hotel Ivo De Conto, que existe há mais de oito décadas na Avenida Farrapos. Neto do fundador, ele aponta a criação dos corredores de ônibus, há 40 anos, como o início da decadência.

Para a realização desta, obra canteiros com árvores foram derrubados e parte do calçamento que ainda era formado por paralelepípedos foi trocado por asfalto.

- Foi o começo da decadência. A avenida hoje é feia, e isso afasta as pessoas - lamenta o empresário.

Segundo De Conto, nem mesmo a proximidade com o aeroporto Salgado Filho tem ajudado a atrair clientes ao seu empreendimento.

- Atendemos muito pouco quem vem de fora. A entrada da cidade está muito feia, horrível. O pessoal passa longe daqui. Estamos sofrendo há muito tempo. À noite, não podemos nem indicar um lugar para jantar. Após a enchente piorou tudo. Muitas lojas fecharam. O que já era ruim ficou péssimo - desabafa o proprietário do tradicional hotel. _

"Tem edifícios bons, negócio é movimentar"

A Farrapos conta com moradores antigos como a aposentada Tina Gregório, 70 anos. Do sexto andar de um edifício de 15 pavimentos, ela viu as mudanças na paisagem da Farrapos nos últimos 36 anos.

Segundo ela, as pessoas têm medo de empreender na avenida.

- O povo gosta de ver coisa bonita, não gosta de ver tristeza. O negócio é movimentar, tem edifícios bons - diz Tina.

O prédio em que Tina mora fica na esquina com a Avenida Presidente Franklin Roosevelt. Ali, diz que faz tudo a pé, mas somente até as 18h. Quando o sol se põe, as calçadas ficam vazias e a sensação de insegurança predomina na avenida.

É a principal queixa de comerciantes e moradores. Comandante do 9º Batalhão da BM, o coronel Hermes Völker diz que a Brigada tem feito ações na região, especialmente no loteamento Santa Terezinha, conhecido como Vila dos Papeleiros, para coibir assaltos e tráfico.

A Guarda Civil Metropolitana promete melhorias a partir de um ponto fixo no Viaduto da Conceição. 

segunda-feira, 20 de outubro de 2025


20 de Outubro de 2025
CLÁUDIA AITANO

Valeu tudíssimo

Agora que a novela terminou, todo mundo já sabe quem não matou Odete Roitman: o merchan.

As inserções publicitárias não foram inventadas ontem (o termo em inglês para novela, "soap opera", vem exatamente dos comerciais de sabão veiculados nos intervalos dos folhetins radiofónicos nos anos 1930), mas Vale Tudo deve ter batido um recorde histórico em termos de tempo dedicado a anúncios dentro de uma trama de ficção.

Nos últimos capítulos, quando a maioria dos personagens já não tinha o que fazer em cena, o amaciante, o carro chinês e a pomada contra assaduras ganharam protagonismo inédito. (Raquel, coitada, chegou a ganhar nos bastidores o apelido de "garota do merchan".) Teve delivery de bebidas dentro da suíte presidencial do Copacabana Palace, coquetel com os convidados segurando garrafas de refrigerante em vez de copos, bilionária usando cremes de marca popular. Valeu tudíssimo.

Na planilha de Excel, foi um sucesso absoluto - não só para a emissora, que há anos não faturava tanto com uma telenovela, mas para as mais de 20 marcas que colocaram seus produtos em evidência no horário nobre. Funcionou também o cruzamento entre os anúncios que rolavam em cena com aquilo que era postado nos perfis pessoais dos protagonistas - um ótimo negócio para atores e atrizes obrigados a fazer bico como influencers para continuar na profissão.

Nessas plataformas, a gente sabe, nem sempre é fácil distinguir o "conteúdo orgânico" de um "publi" - ou seja, um post com uma opinião franca sobre um produto de um comentário patrocinado por um anunciante. Nas redes sociais, é tudo junto e misturado mesmo, com o algoritmo forçando a barra para que o usuário seja mais exposto à publicidade do que a qualquer outro tipo de conteúdo. É essa lógica que parece ter tomado conta da novela das oito, com cada fiapo de história servindo de pretexto para um anúncio - sem falar daquelas cenas que, não contribuindo em nada para o andamento da trama, só estavam lá em função do produto sendo vendido.

Talvez ficção e publicidade fiquem cada vez mais indistintas na televisão. Talvez Odete Roitman volte em breve, em uma nova série ou filme, apenas para encomendar uma rodada de chope do Zé Delivery. Vale tudo, eu entendi, mas acho uma pena. Para boa parte dos brasileiros, a telenovela é a única dose de fantasia consumida com regularidade. O merchan excessivo, sem critério, tosco, desrespeita aquele espectador que gostaria de poder colocar a vida real em suspensão, pelo menos por alguns minutos, sem ser interrompido a todo momento por uma conversa aleatória sobre sabão em pó. _

CLÁUDIA AITANO

20 de Outubro de 2025
OPINIÃO RBS

Um novo aeroporto para o Estado

Aguardado há mais de uma década, um dos projetos de infraestrutura prioritários para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul recebeu impulso para, finalmente, alçar voo. Foi assinada, na quinta-feira, a autorização que permite ao município de Caxias do Sul licitar a construção do Aeroporto da Serra Gaúcha. É um passo inicial, mas imprescindível, para incrementar o turismo e desembaraçar a movimentação de cargas no Estado. Espera-se que, diferentemente de outras obras públicas, não venha a sofrer atrasos.

A implantação do complexo no distrito de Vila Oliva conta com a promessa de R$ 146 milhões da União, via Fundo Nacional de Aviação Civil, destinados a custear uma primeira etapa, que contempla itens como uma pista de pouso e decolagem de 1.930 metros, pátio, sinalização e auxílio à navegação aérea. O cronograma divulgado durante o ato de assinatura, que contou com a presença do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, prevê a publicação do edital no fim do mês e a divulgação da empresa vencedora em janeiro de 2026, com prazo de dois anos para conclusão. A concretização desse calendário, seguida pela confirmação de obras posteriores, a exemplo do terminal de passageiros, deverá estimular o turismo e a economia da Serra com reflexos positivos para todo o Estado.

A nova estrutura terá a função de atender à crescente demanda de passageiros na região e beneficiar diretamente Caxias do Sul e municípios próximos como Bento Gonçalves, Farroupilha, Garibaldi, Gramado e Canela. Para se ter ideia do potencial turístico que o futuro aeroporto vai contemplar, somente Gramado espera receber, no ano que vem, 8,5 milhões de visitantes. O projeto tende a estimular, especialmente, a vinda de turistas de fora do Rio Grande do Sul, o que contribui para a atração de recursos adicionais à economia gaúcha e representa um novo alento para a superação de dificuldades enfrentadas nos últimos anos por conta da pandemia e das enchentes.

Para que todo o potencial do aeroporto da Serra se confirme, é preciso que a sociedade gaúcha se mantenha vigilante a fim de monitorar e cobrar a aplicação dos recursos prometidos, o respeito aos prazos anunciados e a execução das estruturas complementares destinadas a multiplicar o efeito benéfico do investimento. Isso envolve a implantação da estrutura rodoviária no entorno do complexo aeroportuário, com especial atenção ao acesso de Vila Oliva à cidade de Gramado. Conforme o governo estadual, responsável por garantir essa ligação, há previsão de que as obras tenham início também em 2026.

É crucial, ainda, que a iniciativa não esbarre em contratempos como os que afetaram, por exemplo, a construção da nova ponte do Guaíba, em Porto Alegre. Embora a estrutura principal tenha sido entregue, a conclusão das alças de acesso está prestes a completar cinco anos de paralisação. A interrupção em intervenções desse porte provoca transtornos, desperdiça recursos públicos e acaba por transformar esperança em frustração - o que, se espera, não seja o caso do aeroporto previsto para fazer decolar o desenvolvimento na serra gaúcha. 



20 de Outubro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

"Foi um apagão, sim. Mas não teve causa estrutural". Nivalde de Castro - Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Setor Elétrico (Gesel)

Há quase um ano, Nivalde de Castro alertava nesta coluna para os riscos do excesso de subsídios à energia solar. A ameaça se concretizou com a necessidade de corte na oferta de energia limpa em um país que ainda convive com apagões como o que ocorreu há poucos dias. Castro frisa que não há riscos sistêmicos e que não há conexão entre os dois temas. Vê na redução que dá estabilidade ao sistema um remédio amargo para "as dores da transição".

Como havia alertado, estão sendo feitos cortes em geração solar. Não foi possível evitar?

Esse crescimento acelerado foi motivado, em grande parte, por subsídios que permitem ofertar contratos no mercado livre com tarifa mais baixa. Quando se constrói fazenda solar ou coloca placas voltaicas em casas, a oferta é ampliada. E isso não é monitorado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema). É uma mudança de paradigma da metodologia de operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Há mais oferta sem aumento de demanda. Por isso, é preciso cortar geração. O ONS está perdendo a capacidade de operar o sistema porque as fontes eólica e solar só funcionam quando tem vento ou sol. Então, o ONS só pode determinar o despacho (ordem para produzir) de hidrelétricas e termelétricas.

Há sentido na crítica sobre o resultado líquido ser mais energia "suja" e menos limpa?

Não, porque o ONS precisa das térmicas para o ajuste. A variável independente é a demanda. Não pode chegar aqui na minha casa e dizer "corta aí a tua demanda (consumo de energia)". Quando começa a escurecer, a produção de energia solar desaba. Aí, tem de puxar geração térmica, notadamente se os reservatórios estiverem baixos. Está emitindo? Está, mas 90% do que o Brasil produz é renovável, e o mundo gera 85% não renovável.

Preocupa o ONS perder a capacidade de gerir o SIN?

Isso é consenso, o próprio ONS reconhece. Cada painel (fotovoltaico) que entra na rede de distribuição fica fora da capacidade técnica do ONS de operar, não tem nem equipamentos. Sempre foi assim, mas a rede de distribuição só consumia energia elétrica. Agora, está produzindo. E a demanda prevista cai, porque existem os autoprodutores.

Como se resolve?

O mundo felizmente identificou que o aquecimento global é um grande problema e precisa ser resolvido. Um componente é o consumo de energia de fontes não renováveis, que geram gases de efeito estufa. É preciso descarbonizar, e o setor elétrico tem papel estratégico nessa transição, com a produção de energia eólica e solar. Quando entram, vão mudando o paradigma. São as dores do processo de transição, que trazem problemas novos. Estamos gerando energia limpa, mas tendo de cortar. Quem não conhece vê um absurdo, mas é preciso cortar porque cresceu muito, por ser mais barato e porque teve muito subsídio. A solução, primeiro, é que esses cortes sejam rateados por todos os produtores. Quem apostou tem um risco comercial, vai deixar de ganhar, mas está sendo feito de forma assimétrica. Estruturalmente, precisamos de sistemas de armazenamento. Aí, quando sobra, carrega a bateria. Quando começa a anoitecer, liga e evita a termelétrica. Outra solução é trazer grandes consumidores de energia, como data centers para inteligência artificial e produção de hidrogênio verde.

? De um lado, há cortes na oferta, de outro tem apagão. Há ligação?

O conjunto de redes que forma o SIN tem cerca de 180 mil quilômetros (4,5 vezes a volta da Terra), com linhas de tensão de 230 a 800 quilovolts. É uma complexidade fantástica. São 250 mil megawatts (MW) de potência. Quando houve o apagão, às 2h, só rodavam 72 mil MW. A demanda cai muito à noite. Quando acontece um problema em linha de transmissão com a de Bateias, de 500 kV, para de escoar energia. As linhas de transmissão são como autoestradas de energia. Como é uma estrada importante, quando dá problema, é preciso cortar o fluxo. A montante, ou seja, para trás, tem de pedir para as usinas pararem. E à jusante, à frente, orienta para cortar porque não tem energia para mandar. Só que como o sistema é interligado, ocorre o chamado efeito dominó. São procedimentos previstos no Esquema Regional de Alívio de Carga, o Erac.

É impossível evitar apagões, como disse o ministro?

Sim, porque se acontece um evento extremo como esse, em que um reator de uma subestação de 500kV pega fogo, tem de desligar. Foi preciso diminuir a carga (total de energia que passa pelo sistema) em 10 mil MW. Mesmo que tenha capacidade para produzir 250 mil e naquele horário estivesse demandando 70 mil, é 15%. Mas como os equipamentos estão interligados, gera um efeito em cadeia. Depois, vai recompondo a carga, ou seja, religando. Esse processo demorou umas duas horas e meia. Como foi à noite, não foi problema de excesso de oferta, de pico de demanda.

Como ocorre um incêndio em um equipamento tão complexo, com tantas consequências previsíveis?

É imprevisível. Se acontecesse toda semana, todo mês, teria algo muito errado. Agora, Aneel e ONS vão analisar o problema do equipamento para criar um protocolo. Será verificado se o óleo estava velho, se faltou manutenção. Isso ocorre, mas não é falha do sistema, não é sinal de que está faltando investimento ou planejamento. Foi um acidente. Em qualquer lugar do mundo em que uma subestação de 500kV da qual saem várias linhas tivesse esse problema, teria o mesmo efeito. seja em Estados Unidos, China ou Alemanha. É um problema de física. O ministro disse que não foi um apagão, mas foi, sim. Mas não teve causa estrutural. O protocolo do ONS é preservar os equipamentos. É para isso que faz o corte na demanda.

O SIN precisa de uma atualização?

Claro que precisa, porque a oferta está crescendo à frente da demanda. É preciso investir, notadamente se é preciso atender a esses eletrointensivos, como datacenter e hidrogênio. Para 2029, a previsão do ONS é sair dos atuais 176 mil quilômetros para 184 mil quilômetros. Em cinco anos vamos aumentar 8 mil quilômetros em linhas de transmissão. É preciso ter um equipamento aqui, outro ali, mas isso está sendo analisado e está no planejamento.

Podemos dar adeus definitivo ao horário de verão?

A única coisa para sempre certa é a morte. O resto pode ser qualquer coisa. 

GPS DA ECONOMIA

20 de Outubro de 2025
POLÍTICA E PODER - Paulo Egídio

PPP para escolas emperra no TCE

Lançado em agosto de 2023 pelo governador Eduardo Leite, o projeto para a reforma e manutenção de escolas estaduais via parceria público-privada (PPP) corre risco de não sair do papel até o final do mandato. O lançamento do edital está suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) desde dezembro do ano passado. Após a liberação da Corte, o Palácio Piratini ainda precisará efetivar o leilão e assinar o contrato com a futura concessionária para que as obras comecem.

A intenção do governo é repassar para uma empresa privada as tarefas de melhorar a infraestrutura e cuidar da manutenção de 99 escolas por 25 anos. Para isso, o Estado vai aportar até R$ 203,6 milhões por ano. De acordo com o Piratini, foram selecionadas instituições que ficam em áreas de vulnerabilidade social.

Em dezembro do ano passado, o conselheiro do TCE Estilac Xavier emitiu medida cautelar que impede o governo de lançar o edital da PPP. Conforme a decisão, o Piratini não comprovou a vantajosidade econômica da proposta e não incluiu mecanismos para a fiscalização do contrato. Além disso, o projeto violaria a lei que assegura autonomia das escolas. No final de agosto, Leite chegou a pedir publicamente a liberação da PPP, alegando que projetos semelhantes feitos pelas prefeituras de Caxias do Sul e Porto Alegre não sofreram o mesmo questionamento.

Pedido de vista

O caso foi analisado pela última vez no mês passado, quando a Primeira Câmara do TCE julgou recurso apresentado pela Procuradoria-Geral do Estado. Em voto de 30 páginas, Estilac manteve a cautelar, enquanto o conselheiro-substituto Roberto Loureiro votou pela revogação e a conselheira substituta Ana Moraes pediu vista, interrompendo o julgamento. De acordo com o TCE, a magistrada deve apresentar o voto na sessão do dia 4 de novembro.

Pelo cronograma original, a licitação da PPP deveria ter ocorrido em fevereiro deste ano. Em nota, a Secretaria da Reconstrução Gaúcha afirmou que o Serviço de Auditoria da Corte já considerou que não há óbice para o lançamento do edital.

"O governo do RS quer dar sequência ao projeto. Esse atraso, por parte do TCE-RS, que já dura dez meses, prejudica mais de 60 mil alunos e 99 escolas da rede estadual, localizadas em 15 cidades gaúchas", diz trecho da nota. _

Foco no Dmae

Após o tumulto na sessão da última semana, o prefeito Sebastião Melo reviu a estratégia na Câmara de Porto Alegre.

A prefeitura decidiu retirar da pauta de hoje o projeto que proíbe catadores de resíduos nas ruas da Capital. Em contrapartida, centrará foco no texto que autoriza a concessão do Dmae, previsto para ser o primeiro da pauta na quarta-feira. O cálculo preliminar é de que haja ao menos 20 votos na base, dois a mais do que o necessário para a aprovação. _

Porta de saída

O secretário de Governo, André Coronel, diz que a prefeitura decidiu rever o projeto dos catadores para incluir no texto uma proposta de qualificação profissional à categoria. _

Pé no acelerador

Sebastião Melo deu aval para que a presidente da Câmara, Comandante Nádia (PL), coloque em votação ainda em 2025 a revisão do Plano Diretor.

Apresentada mês passado, a proposta tem 106 páginas, 344 artigos e diversos anexos. _

PEC do setor turístico será apresentada hoje

Será apresentada hoje na Assembleia Legislativa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Marco Legal do Turismo Gaúcho. A iniciativa é do deputado Guilherme Pasin (PP) e já foi apresentada ao governo, que abriu expediente para analisar o conteúdo.

O texto dá status constitucional ao Fundo de Desenvolvimento do Turismo, inclui o setor como pilar permanente de desenvolvimento e prevê a criação de distritos turísticos mantidos pelo Estado, municípios e iniciativa privada.

Pasin abraçou a causa do setor, representada pelo movimento RSNASCE, criado após a enchente de 2024. 

Preparando as togas

O projeto que cria 30 cargos de desembargador no Tribunal de Justiça passou na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia. Na mesma sessão, foi aprovada a revisão do plano de carreira dos servidores.

A direção do TJ está em contato assíduo com deputados de diferentes bancadas para levar os projetos ao plenário em breve. 

Em nome da paridade

O Ministério Público enviou à Assembleia projeto para aumentar a gratificação dos diretores de promotoria. Hoje, o adicional é de 2%, 3% ou 4%, a depender do tamanho da promotoria. O plano é ampliar para 5%, 7,5% ou 10%.

De acordo com o MP, o objetivo é instituir paridade aos percentuais auferidos por juízes diretores de Foro. 

Entusiasmado com Juliana Brizola (PDT), o ex-deputado Juliano Roso (PCdoB) está trabalhando para que ela seja a candidata da esquerda no RS, com apoio de seu partido e do PT. Os dois foram colegas na Assembleia Legislativa.

POLÍTICA E PODER


20 de Outubro de 2025
iNFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

O cessar-fogo não vai longe

Só o mais ingênuo dos mortais acreditaria que o cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas iria longe ou se transformaria em uma paz duradoura. Nem sua retomada traz algum alento.

A trégua não durou nem uma semana. Ontem, ataques aéreos das Forças de Defesa de Israel atingiram a região de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, em resposta ao que o governo de Benjamin Netanyahu considerou violações do cessar-fogo por parte dos extremistas, que teriam disparado mísseis antitanque contra posições militares. Pelo menos 21 pessoas morreram, e Israel suspendeu a entrada de ajuda humanitária no território.

Nentanyahu diz ter ordenado que as tropas tomassem "medidas enérgicas" contra alvos terroristas, o Hamas negou ter feito disparos contra Israel e se disse comprometido com o armistício.

As trocas de disparos, por enquanto, são apenas isso: trocas de disparos. Escaramuças. Se as violações irão resultar no retorno da guerra aberta entre Israel e Hamas, os próximos dias dirão. Mas o incidente de ontem serve, como já havíamos previsto nesta coluna, para fortalecer vozes contrárias a qualquer acordo. Os lados a favor da sabotagem são conhecidos. Pelos israelenses, os ultraconservadores que integram o gabinete, como o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, que instou o exército a retomar totalmente os combates na Faixa de Gaza "com toda a força". Do lado dos terroristas, as alas mais radicais. Não são poucas, considerando que se trata de um grupo cuja pedra angular não é a construção de um Estado palestino, mas o extermínio de Israel.

Não são blocos monolíticos - nem a cúpula de Netanyahu, nem o comando do Hamas. Há "fogo amigo" de todo lado.

Aliás, como em política não há vácuo de poder - tão logo Israel recuou até a "linha amarela", na segunda-feira, ainda dentro de Gaza, o Hamas retomou o controle do território. Foram vários os vídeos que circularam em redes sociais, na semana passada, mostrando execuções públicas, protagonizadas pelos terroristas, de membros de clãs rivais, que prosperaram durante a guerra, principalmente lucrando com o conflito, colaborando com Israel. Modus operandi: tiros na cabeça e nos joelhos de opositores, exatamente como fizeram em 2007 ao expulsarem a Fatah do território. Nas ruas, os extremistas espalham-se para manter a ordem, voltando a ser a lei - o que reforça a percepção de que tiveram suas capacidades militares fragilizadas, mas não perderam completamente o poder de fogo. E isso é mais uma derrota para Netanyahu, que prometeu exterminar o Hamas.

O acordo de Trump foi mal costurado. Cumpriu o papel fundamental da libertação do restante dos reféns - e nisso tem méritos -, mas, ao deixar pontas soltas, sem se preocupar com o "como", abriu pouco espaço para qualquer otimismo.

É assim a "névoa da guerra", conceito atribuído ao general prussiano Carl von Clausewitz: "Tudo é muito simples, mas até o mais simples é difícil". No Oriente Médio, essa máxima se adequa com perfeição. _

Entrevista - Filipe Albano

Gerente do Instituto de Petróleo e Recursos Naturais (IPR), uma das maiores referências em captura de carbono, e professor da Escola Politécnica da PUCRS

"A empresa que menos emitir CO2 será mais competitiva"

É um mercado que estabelece limites máximos de emissões de gases do efeito estufa, traduzidos em termos de CO2 equivalentes, CO2e. Não é só o CO2, também metano, óxido nitroso, os HFCs e os PFCs, muito mais nocivos para a camada de ozônio e que contribuem para o aquecimento global. A partir desse mercado, o foco é estabelecer um sistema governamental que controle as emissões das empresas, em especial dos setores mais poluentes. O mercado de carbono tem duas vertentes: uma que o governo está envolvido, o mercado compulsório, em fase de implementação. E o outro mercado, voluntário, que já acontece em vários países, inclusive no Brasil. Porém, ele tem uma aceitação um pouco menor, e os créditos vendidos no mercado voluntário são um pouco mais baixos em valor.

Apesar de ser a mesma métrica, o preço pode ser variável. Está atrelado ao tipo de projeto técnico. Daí entram engenharia, química e geologia. O preço da tonelada removida (de CO2 da atmosfera) ou reduzida está associado ao tipo de metodologia que se usou para captura e armazenamento de CO2, o tempo que ficará sequestrado e a qualidade do processo. Por exemplo, qual laboratório foi utilizado, se usou um organismo de validação e verificação acreditado.

Exatamente. No site carboncredits.com, há o valor dos principais mercados compulsórios operando no mundo. No mercado europeu, o crédito deve custar cerca de 70 euros. Na Califórnia está em torno de US$ 40, US$ 50.

O mercado brasileiro não estabeleceu preço básico. Normalmente, se começa estabelecendo um preço básico, mas, depois, entra na lei de oferta e demanda. O mercado brasileiro ainda não estabeleceu as metodologias técnicas que vão ser aceitas aqui. Isso é uma grande chave: para que tipo de projeto vai ser aceito, se a gente vai aceitar aqui metodologias do mercado voluntário, se vamos criar as próprias metodologias da Embrapa ou de agências do governo, da ANP, entre outras.

Nos próximos dois anos, a fase é de regulamentação. Estão começando a criar as secretarias que vão tratar do SBCE. Vai ser a Receita Federal do carbono. Cada empresa poderá emitir até 25 mil toneladas de CO2. O limite mínimo é de 10 mil toneladas. A partir disso, vai ter que reportar (ao governo). Terá obrigações formais. E há sanções claras na lei, multas pesadas a quem descumprir. A sanção pode levar até ao cancelamento do registro da empresa. Há uma expectativa de que, inicialmente, estarão os setores mais poluentes: óleo, gás, energia, siderurgia e cimento.

Exatamente. Há três palavras-chave: retenção, redução ou remoção do CO2. Os três Rs.

Pode ser, sim. Ela pode comprar um percentual de crédito, mas precisa ter um percentual que seja de projetos de redução de emissões. Então, não é só "vou lá e compro". A ideia é fomentar projetos técnicos de engenharia, reflorestamento, biologia ou de geologia, que foquem em reduzir ou remover CO2 da atmosfera. _

Um dos gerentes do Instituto de Petróleo e dos Recursos Naturais (IPR), da PUCRS, Filipe Albano, explica como o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) irá contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

INFORME ESPECIAL

18 de Outubro de 2025
CARPINEJAR - 

O oceano que liga o pai ao filho

Nem sempre temos a rara chance de surgir no trabalho paterno para uma homenagem surpresa.

Experimentei esse privilégio. Meu pai é o único gaúcho na Academia Brasileira de Letras (ABL). O secretário-geral da instituição, Antonio Carlos Secchin, convidou-me para ser painelista de um ciclo sobre Carlos Nejar. Agendamos a data e ele pediu segredo. Ainda brincou: "Filho de peixe, oceano é".

O encontro se deu na terça-feira, no auditório Raimundo Magalhães Júnior, na sede dos imortais, no Rio de Janeiro.

Meu paizinho, de 86 anos, magrinho, passarinho sábio no alto da árvore, cabeça raspada como a minha, de mirada faiscante e penetrante, com mais de cem obras publicadas em todos os gêneros (poesia, romance, conto, novela, teatro, ensaio), sentou-se na fila da frente, reservada às autoridades. Minha maior autoridade.

Quando me viu subindo ao palco, sentiu na pele um de seus inúmeros arrepios do dia. Arregalou a boca, demonstrando espanto mais com os lábios do que com os olhos. Enquanto eu arrumava o microfone para a minha altura, lembrei que a minha primeira palestra aconteceu na Feira do Livro de Porto Alegre, justamente sobre a sua lírica, em 1999. Na época, eu gritava para superar a timidez.

Recordei também as apresentações escolares, em que o procurava na plateia pelas frestas da cortina.

Não era apenas um discurso, porque rebobinava nossa história juntos. De esperança e de cadeiras ocupadas nos momentos cruciais da existência.

Eu desfrutava do apogeu de devolver o meu carinho, prestar um reconhecimento muito além do recanto familiar, no lugar sagrado em que ele atua, entre seus pares.

O público atento formava um círculo de notáveis, com escritores como Ana Maria Gonçalves, Antônio Torres, Miriam Leitão e Rosiska Darcy. Prometi a mim mesmo não encarar o pai durante a minha fala: duas crianças tensas, assustadas com os relâmpagos das palavras, que certamente ricocheteariam seu clarão no nosso coração.

Evitei o contato visual, embora fosse o que mais desejava. Como queria testemunhar o pai sendo reverenciado, agora em minha condição de filho adulto.

Respirei fundo e expliquei que meu pai escreve para não morrer, escreve para lutar contra a finitude, escreve para se manter desperto e lúcido, escreve como um animal da linguagem, furioso pela sobrevivência - já que, quando jovem, recebeu o diagnóstico de que contava somente com seis meses de vida. Aquilo mexeu com suas crenças. Desde então, não parou de deixar testamentos compulsivamente, a preencher as estantes e adiar o seu corpo na cova aberta.

Conforme os ritos da ABL, a produção do evento insistiu que eu preparasse a conferência por escrito. Solicitava, inclusive, um resumo com antecedência. Eu disse que improvisaria; ninguém me levou a sério. No final, com os aplausos de pé, meu pai me abraçou, absolutamente fragilizado pela sucessão de elogios, e me fez um apelo:

- Me dá o que escreveu?

Alcancei as folhas. Ele olhou, olhou e concluiu:

- Mas não tem nada nelas!

Eu simplesmente comentei:

- Pois é, meu pai, eu já o sei de cor. Tudo está impresso dentro de nós. Para os outros, fingi que estava lendo. Coloquei meus óculos e virava as páginas com lenta parcimônia. Assim pareceria mais formal.

Ele sorriu. E, por um breve descuido, chorou longamente. _

CARPINEJAR

18 de Outubro de 2025
ANDRESSA XAVIER

Respiro de humanidade

A semana começou com esperança de cenas menos tristes no mundo, a partir do cessar-fogo entre Israel e Hamas. Mais do que isso, foi emocionante ver reféns sendo devolvidos às suas famílias. Fiquei feliz, mesmo sem conhecê-los. A sensação veio ao pensar em suas famílias e ao ver o alívio dos abraços. Vinte homens liberados depois de viverem o inferno desde que foram arrancados de casa, de festas, das ruas, e mantidos em cativeiro. Muitos viram familiares sendo mortos ao lado. Um deles cavou a própria cova. Outros tantos não sobreviveram e jamais terão seus corpos devolvidos. As mulheres foram abusadas.

Aqui, de longe, não temos noção do que foi o 7 de outubro de 2023. Naquela madrugada, milhares de terroristas atravessaram a fronteira, burlaram a inteligência e a segurança de Israel. Mataram, estupraram, caçaram, filmaram tudo e até comemoraram. A guerra começou ali e se estendeu até o último fim de semana, com outros milhares de mortos em Gaza. Com nosso olhar ocidental e distante, jamais entenderemos plenamente o que se passa no Oriente Médio.

Os palestinos da Faixa de Gaza, mesmo com o fim da guerra, seguem sofrendo pelo próprio reflexo do conflito, ao voltarem para o que restou de suas casas, mas também pelo poder imposto pelos terroristas do Hamas, que matam em praça pública. Esse grupo não se importa com quem matou, com quem morreu, ou com quem sonha com um Estado palestino. Não há interesse em reconstruir Gaza nem em cuidar dos que morreram de fome ou sob bombardeios. As flotilhas humanitárias não apareceram no pós-guerra. Os financiadores dos ataques se lixam para a população civil, que continua pagando a conta da barbárie provocada por eles.

De longe, muitos apenas escolhem um lado e o defendem como uma causa. E está tudo bem ter causas, mas é preciso separar o que é povo do que é causador de uma guerra. Nesta semana, relembrei nas minhas redes sociais histórias que ouvi na viagem recente que fiz a Israel. As respostas vieram cobrando as histórias dos palestinos, como se fosse preciso contrabalançar dor com dor. Querendo cobrar justiça, as pessoas confundem o peso das vidas e acham que precisam torcer por um lado e desejar o mal do outro. A velha narrativa do bem contra o mal, como se o mundo fosse uma partida e cada um tivesse de escolher um time.

Mas o mundo não é um jogo. É múltiplo, complexo, cheio de nuances. Sem empatia, fica ainda mais difícil entendê-lo. Sem reconhecer o direito de o outro existir, então, torna-se impossível. Que o cessar-fogo traga, ainda que somente até um próximo conflito, um respiro de humanidade. _

ANDRESSA XAVIER

18 de Outubro de 2025
OPINIÃO RBS

Fim da farra dos celulares nos presídios tarda

Foi notícia na sexta-feira uma operação da Polícia Civil gaúcha contra um trio acusado de aplicar o golpe dos nudes. É mais um dos tantos crimes que se espalham com a ajuda de ferramentas digitais. O detalhe é que o delito era coordenado de dentro da Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas. Dos três envolvidos, dois são detentos. Esse é apenas mais um caso que demonstra a importância de o sistema prisional gaúcho não tardar mais em contar com uma estrutura eficiente de bloqueio de sinal de celular e internet. É de amplo conhecimento que, de dentro das cadeias, líderes de facções emitem ordens a seus comandados soltos e criminosos se comunicam com comparsas nas ruas, tentam golpes virtuais e praticam extorsões.

O governo gaúcho, de fato, encara o problema, mas chamam atenção os percalços na contratação de empresas para prestar o serviço de instalação dos equipamentos e os atrasos nos cronogramas de trabalho. Os prazos prometidos são invariavelmente descumpridos, como mostrou reportagem de Carlos Rollsing e Jonas Campos que está nesta edição de Zero Hora. Desde 2021 o Piratini tenta começar a instalação dos bloqueadores. Mas, das 24 unidades prisionais que já deveriam contar com a tecnologia, apenas duas tiveram os equipamentos colocados e aprovados nos testes. A despeito da demora, convém reconhecer ao menos que, enfim, há um horizonte para acabar a farra da comunicação sem muitos embaraços entre o interior dos presídios e o mundo exterior.

Reportagem anterior do Grupo de Investigação da RBS (GDI), em maio, demonstrou que mais de um ano depois da assinatura do contrato entre o Estado e a IMC, empresa vencedora de pregão eletrônico para o serviço, nenhuma das casas prisionais do Rio Grande do Sul que deveriam já estar garantindo a incomunicabilidade atrás das grades tinha o bloqueio pleno dos sinais. A promessa da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, então, passou para setembro. Agora, pulou para dezembro. A primeira empresa contratada, em 2021, teve o contrato rompido dois anos depois por não conseguir cumprir o acordado.

De forma resumida, das 24 unidades previstas para receber os sistemas, 13 têm os equipamentos instalados - mas, destas, 10 ainda aguardam os resultados dos testes e em uma a verificação se não há vazamento de sinal não começou. Nas outras 11, a colocação dos equipamentos e estruturas não foi concluída. É de se esperar que exista uma cobrança firme para o novo prazo, desta vez, ser respeitado.

As estatísticas mostram uma queda consistente da criminalidade no Rio Grande do Sul nos últimos anos, o que é reconhecido pela sociedade gaúcha, mas a facilidade com que detentos usam telefones celulares se mantém como um calcanhar de Aquiles da política de segurança. São recorrentes os questionamentos da população, não apenas no Estado, sobre o fato de, apesar de existir tecnologia há bastante tempo, essa situação de descontrole perdurar. É ilustrativa a informação de que, entre janeiro e setembro, 11.977 celulares foram apreendidos nas prisões gaúchas. Aguarda-se que esse deboche acabe definitivamente.