sábado, 29 de março de 2025

28/03/2025 - 15h56min
Martha Medeiros

A pergunta que ressoa durante os quatro dilacerantes episódios da série "Adolescência"

Somos todos frutos do meio, claro, mas ninguém discutia o poder do legado familiar

O diálogo na mesa de jantar não existe mais, a família unida no sofá também não. Há uma tela entre nós.

Gilmar Fraga / Agencia RBS

Parecia tão romântico: os filhos não são nossos filhos, e sim filhos da vida, flechas que voam enquanto o arco se mantém estável e aquela coisa toda. Éramos projetores de almas que, depois de acarinhadas e protegidas entre quatro paredes, iriam transmitir lá fora o seu aprendizado e seu potencial afetivo.

Somos todos frutos do meio, claro, mas ninguém discutia o poder do legado familiar. Se em nosso destino estava ganhar o Nobel ou cometer um crime, era aos pais que deveríamos agradecer ou culpar. A ligação de causa e efeito era imediata: filhos largados, desgraceira à vista. Filhos amados, futuro a salvo. 

Que angústia quando não saía como o combinado. Se toda a prole foi amada do mesmo jeito, por que a caçula se formou em Medicina com louvor enquanto seu irmão se droga e fica três dias sem aparecer em casa? Por quê? Por quê?

É a pergunta que ressoa durante os quatro dilacerantes episódios da série Adolescência, da Netflix. Espera-se uma explicação convincente para os fatos, e a resposta é aflitivamente inexata. 

Ora, porque cada ser humano tem sua complexidade, porque não há quem seja apto o suficiente para preencher a carência do outro, porque estamos submetidos a julgamentos diários e injustos, porque já não existem paredes que nos protejam do olhar indiscreto e insaciável da sociedade, porque buscamos validação constante e nos atacar é a diversão de estranhos, porque a facilidade de acesso à intimidade alheia induz a uma comparação que nos consome, porque nunca seremos tão belos, desejáveis, ricos, inteligentes e merecedores daquilo que os outros aparentam ter e ser. E mais cinco dezenas de porquês.

Outro dia me perguntaram, ao final de um talk show, o que ainda me fazia acreditar na humanidade. Travei. Não queria terminar um encontro agradável ofertando a palavra “nada” para a plateia. Busquei um subterfúgio, acabei falando em filhos: eles costumam ser a nossa versão melhorada (ao menos, é para isso que nos empenhamos em sua educação). No mínimo, eles estarão em seu auge intelectual quando estivermos apatetados, e saberão lidar melhor com os desafios da vida, ao contrário de seus pais idosos, esgotados de tanto tentar se adaptar às mudanças.

Só que a mudança, agora, é violenta para todos. Os adolescentes hoje consomem irrealidade, boatos, maldades. Estão inseguros em seus quartos e têm dificuldade de identificar emoções genuínas. O diálogo na mesa de jantar não existe mais, a família unida no sofá também não. Há uma tela entre nós. 

Um outro tipo de Deus, nada misericordioso. Só mesmo o amor para amenizar o estrago – sobrou para ele, de novo. Amor de olhos abertos, amor com beijo, abraço e escuta. E seja o que esse outro Deus quiser.

Atualizada em 28/03/2025 - 16h03min
Sara Bodowsky 

Passeios, vinícola e comida na brasa: três dicas para celebrar Porto Alegre 

Na semana do aniversário da cidade, coluna traz opções de caminhadas por diferentes bairros, brinde na Zona Sul e restaurante para desfrutar dos sabores e sensações

Viva+POA / Divulgação

Os guias e professores de Turismo Tamara e Evandro.

Viva+POA / Divulgação

Que tal turistar por Porto Alegre com olhos de primeira vez? A dica é conhecer os passeios cheios de história do pessoal da Viva+POA.

Tem caminhadas por vários bairros, onde os prédios e paisagens vão sendo explicados e contextualizados, tem trajetos temáticos como o da história negra na cidade, a Revolução Farroupilha e tours literários. E tem dois que fiz na última semana – e que vocês podem conferir no meu Instagram (@SaraBodowsky): o Histórias e Cervejas do 4º Distrito, que passa por bares cervejeiros enquanto explica a arquitetura e a linha de tempo da região, e o Lendas Urbanas de Porto Alegre – que é à noite, sai da Praça da Matriz e conta, através de passeio guiado e teatro, os mistérios do nosso Centro Histórico.

Minha vida mudou depois que apliquei técnicas de Feng shui em casa e os resultados começaram a fluir

Os tours têm à frente a Tamara e o Evandro, guias de turismo e também professores de cursos técnicos na área de turismo.

O site para você conhecer o trabalho e escolher o seu passeio é o vivamaispoa.com.br. Ou acesse pelo Instagram @vivamais.poa.

Vinícola na cidade: um brinde no coração da Zona Sul

Cave Poseidon / divulgação

Experiência harmoniza com produtos do bairro Vila Assunção.

Cave Poseidon / divulgação

E a coluna comemora o aniversário de Porto Alegre com mais uma dica muito bacana e até inesperada: a vinícola urbana Cave Poseidon, no coração da Vila Assunção, na zona sul de Porto Alegre.

O Carlo de Léo se apaixonou pela ideia de ter uma vinícola dentro da cidade. As uvas vêm de várias regiões do Estado – de acordo com a qualidade e a característica de cada terroir de produção. Ele vinifica em casa, em uma verdadeira minivinícola – muito bem aparelhada e com vinhos surpreendentes!

O casarão histórico é lindíssimo e tem inclusive histórias de ter recebido visitantes ilustres como nosso Erico Verissimo e o escritor francês Saint-Exupéry.

As experiências incluem a harmonização das bebidas com produtos do próprio bairro: chocolates, pães, queijos e charcutarias. É preciso reservar previamente as visitas e experiências pelo WhatsApp (51) 99106-9033. O perfil no Instagram é o @caveposeidon.

Comida de brasa: o equilíbrio entre o clássico e o criativo

EVE6D / Divulgação

O cardápio do Fogo sempre apresenta novidades, tanto nas carnes quantos nos drinks autorais.

EVE6D / Divulgação

E a gente sempre tem aqueles lugares que parecem um evento quando vamos, não é mesmo? Para mim, o Fogo é um deles. 

O balcão em torno do fogo mesmo, as comidas na brasa, a carta de drinks e de vinhos, tudo te traz exatamente para o momento presente, para o desfrutar dos sabores e sensações. 

O cardápio sempre tem novidades com assados especiais, carnes maturadas, texturas diferentes e drinks autorais. E a proposta do restaurante, que já passou dos dois anos, se divide com equilíbrio entre os pratos clássicos da parrilla e pratos mais criativos, sempre tendo o fogo como elemento principal. 

O Fogo fica na Rua Marquês do Pombal, 1.127, Moinhos de Vento. Funciona no almoço de sábados a domingos e no jantar, de terça a sábado. Informações também pelo Instagram @fogo.poa ou pelo WhatsApp (51) 3015-6939. 



29 de Março de 2025
CARPINEJAR

Rei na barriga

Era início dos anos 2000, o bibliófilo paulista radicado em Porto Alegre Waldemar Torres inaugurava o espaço Engenho e Arte, oferecendo ao público sua biblioteca de 5 mil volumes de edições raras.

Existia uma efervescência cultural na capital gaúcha. Minha mãe, Maria Carpi, foi convidada para o coquetel de abertura do acervo. Ela gostava muito da companhia de Waldemar, homem culto, atencioso, preocupado com a rotina dos escritores, influente no círculo artístico.

Enquanto ela dirigia do bairro Petrópolis ao Menino Deus, ia escutando e cantando os clássicos românticos do italiano Sergio Endrigo, vencedor do Festival de Sanremo de 1968.

Rodava o CD com as melhores canções dele: Lontano Dagli Occhi, Lo Che Amo Solo Te, Canzone per Te, Ci Vuole un Fiore, Era d?Estate, L?arca di Noè, Chiedi al tuo Cuore, Nuove Canzoni d?Amore e Il Treno che Viene dal Sud?

Fantasiava como seria conversar um dia com seu ídolo distante. Ele deveria se portar de modo sensível e metafórico, cortês e apaixonante. Quando ecoava sua música predileta, Elisa Elisa - até porque Elisa é seu segundo nome -, chegava a chorar de alegria. Sentia que a composição havia sido criada para ela, pois traduzia seus anelos mais profundos.¶

Elisa Elisa,

Di tanto cielo attraversato,

(De tanto céu atravessado,)

Di tante notti ad occhi aperti

(De tantas noites de olhos abertos)

Sono rimaste poche stelle

(Permaneceram poucas estrelas)

E stan cadendo ad una ad una.

(E estão caindo uma por uma.)

Ela se detinha na beleza das estrofes: estrelas caindo uma por uma. Só alguém muito especial seria capaz de dizer isso.

É necessário entender que a minha mãe é filha de italiano. Então, o idioma entra em sua corrente sanguínea sem mediação racional, com os torvelinhos da nostalgia.

Ela localizou uma vaga na frente do casarão, nem precisou gastar gasolina à toa. Tentou disfarçar a voz embargada, a emoção da cantoria, e se recompor de tanta entrega.

O encontro transcorreu na mais absoluta normalidade da alegria. Ela se divertiu com poetas amigos, aplaudiu concerto de violino e interagiu com os demais presentes até o anoitecer.

Ao ir embora, pacificada, viu o seu carro obstruído por um Porsche, que estava literalmente atravessado na frente de todos os quatro veículos na calçada. Ninguém iria conseguir sair dali.

De repente, começou a chamar os encarregados da segurança:

- Alguém me fechou, pode me ajudar?

Depois de 30 minutos, apareceu um senhor esbaforido, de topete grisalho e testa longa. Ela o conhecia de algum lugar, mas não lembrava.

Já saiu reclamando. Quem você pensa que é? Acha que a rua é sua?

Ele apenas falou: - Sorry! Ela insistiu com o sermão. Ficou realmente irritada com a soberba e falta de educação.

- Tem um rei na barriga? Não dá para agir como se estivesse sozinho no mundo.

Assim que sua ré se mostrou novamente liberada, partiu queimando os pneus, cheia de raiva da pouca empatia daquele cidadão metido a besta.

Na manhã seguinte, abrindo a Zero Hora, ela lê na capa:

"Sergio Endrigo faz show em Porto Alegre".

Olha o rosto dele, empalidece e reconhece o motorista que bloqueou a sua passagem.

A vida nunca é como imaginamos. _

CARPINEJAR


29 de Março de 2025
ANDRESSA XAVIER

Sociedade doente

O escritor israelense Yuval Noah Harari diz, no seu livro Sapiens, uma Breve História da Humanidade, que a grande revolução do Homo sapiens foi sua capacidade de criar realidades compartilhadas, como religiões, sistemas políticos e códigos morais. Foram essas abstrações que permitiram a coesão social e a construção de civilizações. No entanto, o mesmo mecanismo que uniu pessoas em sociedades também foi usado para justificar barbáries ao longo da história. Guerras, genocídios e atos individuais de violência extrema são contradições, mas também partem desse desenvolvimento ao longo dos séculos.

Temos visto uma série de acontecimentos que devem nos fazer refletir sobre a humanidade e seu rumo. Uma sociedade que não fica indignada com brutalidades, é uma instituição que faliu moralmente e como parte de uma civilização. Nessa semana o Rio Grande do Sul assistiu, atônito, a um homem que se diz pai e que jogou o filho vivo de uma ponte para atingir a ex-mulher. Assistiu também a um funcionário que colocou soda cáustica no bebedouro da empresa para fazer mal aos colegas. Como se não bastasse, em outro caso, o chefe torturou o empregado por mais de oito horas. Não precisei nem usar a memória, são todos casos desses últimos dias.

A crueldade humana, ainda que apareça em casos específicos, é assustadora. Na história se descreve o humano como um ser capaz de ter empatia e raciocinar, mas que também pode cometer atos brutais como esses. A sociedade, desde sempre, precisa ser analisada sob vários aspectos, como transtornos mentais, repetição de padrões e ciclos de violência que não são quebrados. Além disso, ocorre o prevalecimento dos mais fortes em relação aos mais vulneráveis. 

Ouvia no Timeline, da Gaúcha, o psicólogo e psicanalista Julio Walz. Em uma analogia bem simples, ele dizia que o homem que atirou a criança de cinco anos da ponte não atacaria um cachorro feroz. Simplesmente porque seria atacado de volta, e com mais força. É por isso que a criança, frágil e pequena, vira presa fácil de criaturas como essa. Criança precisa ser defendida. Quem tinha que fazer isso neste caso fez exatamente o contrário, e de forma covarde e monstruosa.

Tentando entender o que acontece nesses casos, também ouvimos na Gaúcha a promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Norte Érica Canuto, especialista em relações familiares. Ela chamou atenção para o quanto a saúde mental é subestimada e até causa de vergonha. Prestar atenção no seu comportamento e no do outro é imprescindível para evitar novos crimes. Doença mental não tratada é bomba-relógio e pode explodir a qualquer momento.

Diante desse cenário, o desafio da civilização é fortalecer as bases familiares, éticas, de sanidade. Educação emocional, suporte psicológico e políticas públicas eficazes são fundamentais para acertarmos os ponteiros. _

ANDRESSA XAVIER

 29 de Março de 2025
MARCELO RECH

A cultura da irresponsabilidade

Certa feita, em uma viagem pelo Japão, notei que o motorista do ônibus, ao parar em vias com mínima inclinação, descia e imediatamente dispunha um calço na roda. Sem o calço, o ônibus ia deslizar? Muito provavelmente, não. Mas havia uma chance, por menor que fosse, e por isso a cautela de não confiar apenas nos freios de estacionamento ou motor.

A lei de trânsito brasileira determina que todo veículo com mais de 3,5 toneladas deve ter a roda calçada quando estaciona em declive ou aclive. Um ônibus médio pesa 16 toneladas. Motoristas e cidadãos não precisariam de lei e punição para prevenir acidentes, mas a regra não é essa no Brasil. Mesmo com todo o arsenal de legislações e normas, há um traço cultural na irresponsabilidade que governa nossas vidas, e muitas vezes as encerra.

Converse com qualquer europeu que tenha vivenciado o trânsito brasileiro e se terá uma visão mais nítida desse traço cultural. Para eles foge a qualquer compreensão que um motorista não respeite a faixa de segurança ou que um pedestre ignore a passarela e ponha a vida na corda bamba ao atravessar seis pistas de alta velocidade separadas por uma mureta - o que ocorre a todo momento na BR-116, entre Novo Hamburgo e Porto Alegre, por sinal.

MARCELO RECH

29 de Março de 2025
OPINIÃO DA RBS

Tempos de perversidades

É desconcertante a sequência recente de episódios chocantes no Estado que envolvem violência, perversidades e desatinos. O noticiário dos últimos meses, semanas e dias está repleto de casos de pais que matam filhos, mães que cometem filicídio, feminicídios, parricídios, envenenamentos e outros assassinatos cruéis, como o consumado pela mulher que tirou a vida de uma grávida para roubar o bebê que ainda estava em seu ventre. Foi também perturbadora a tortura perpetrada por um patrão em um empregado, em Canoas. Os métodos e requintes de sadismo são terrificantes

A sucessão de acontecimentos, em que estão presentes maldade, desespero e problemas de saúde mental, juntos ou não, merece uma reflexão da sociedade para buscar compreender o que está acontecendo e tratar de soluções e medidas preventivas. São muitas ocorrências estarrecedoras concentradas em pouco tempo. É temerário considerá-las apenas coincidências soturnas que não tenham uma razão de fundo.

São crimes, mas não têm relação direta com o que se convencionou chamar de criminalidade. Não são situações cujas respostas estão na ação policial, no endurecimento de legislação penal ou em uma maior rigidez da Justiça. Talvez esses pontos até façam parte das reações, junto à atenção a outras dimensões, como os já mencionados distúrbios mentais, o aperfeiçoamento da rede de proteção a públicos vulneráveis e seus protocolos e um cuidado mais acurado do sistema de justiça com desentendimentos familiares, violência doméstica e disputa por guarda de filhos.

Também devem ser incluídos neste debate a importância de uma educação voltada a combater a cultura do machismo e, outra vez, os riscos da circulação sem controle de conteúdos tóxicos em redes sociais e no submundo da internet. A série Adolescência, lançada neste mês na Netflix, alimenta essa discussão contemporânea, ao abordar o ciberbullying e como movimentos misóginos encontram no ambiente virtual terreno fértil para influenciar jovens, com consequências dramáticas. A trama, que vem chamando atenção e estimulando análises, trata do assassinato de uma menina cometido por um colega de 13 anos.

A saúde mental é um dos aspectos que merecem especial interesse. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2023 mostrou que o número de pessoas com sofrimentos do gênero cresce no mundo e o Brasil é o país com a maior prevalência de depressão na América Latina, quadro agravado pela dificuldade de acesso a tratamento na rede pública. Dados do Ministério da Previdência Social apontam que ansiedade e depressão levaram a mais de 470 mil afastamentos do trabalho no ano passado, número nunca visto e 68% superior a 2023. As angústias vividas ao longo da pandemia estão entre as causas apontadas. No Rio Grande do Sul, mostram outras pesquisas, há ainda o estresse pós-traumático das enchentes.

Trata-se de um fenômeno difuso, que requer o envolvimento de diversas áreas do conhecimento para entender as causas e tratar de ações para frear essa onda de atrocidades. Ser complexo não significa não ter solução. Como exemplo podem ser citadas as medidas que contiveram o surto de ataques a escolas no país entre 2022 e 2023. 


 29 de Março de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

"Susto do emprego": contradições da desaceleração

Dados apresentados na sexta-feira reforçam as contradições sobre a desaceleração da economia, que o Banco Central (BC) tenta induzir à custa de juro alto e aumento da dívida.

No Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho houve novo recorde no saldo positivo: 432 mil empregos com carteira assinada a mais em fevereiro de 2025. Foi o maior resultado mensal da nova série histórica iniciada em 2020, 40,5% acima de fevereiro de 2024. Representou grande surpresa, porque as expectativas do mercado estavam por volta de 220 mil, quase a metade do efetivamente registrado.

Já o IBGE anunciou que a taxa de desemprego subiu de 6,1% para 6,8% no trimestre móvel encerrado em fevereiro em relação ao período anterior. É uma desaceleração.

Mas a massa de rendimentos, possível combustível de inflação, alcançou novo recorde, de R$ 342 bilhões. Teve variação positiva de 0,1% em relação ao trimestre anterior, o que equivale à estabilidade estatística, mas segue na máxima e com sinal positivo.

Deterioração significativa

No mesmo dia, pesquisa publicada pelo próprio BC apontou que a maioria das empresas do setor produtivo vê "deterioração significativa" na situação econômica entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano. É um novo levantamento do Banco Central, chamado Firmus, que está na quarta edição-piloto.

Conforme o BC, foram ouvidas 156 empresas para captar "a percepção de empresas não financeiras quanto à situação de seus negócios e às variáveis econômicas que podem influenciar suas decisões".

Essas contradições são típicas de início de ciclo de aperto monetário - leia-se juro levado às alturas. Embora existam sinais diferentes, é importante que o BC avalie os que estão no cenário para graduar a próxima decisão, no dia 7 de maio. Está prevista nova alta, desta vez sem martelo batido sobre o tamanho. Será o melhor momento para lembrar da máxima que a diferença entre remédio e veneno é a dose. _

Ninguém espera que um ministro da Fazenda diga algo como "o presidente faz tudo errado". Mas daí a Fernando Haddad atribuir a queda de popularidade de Lula ao cenário global, como fez em entrevista à Bloomberg...

Chancela de gigante

Desde a sua criação, em 2017, quando o foco ainda estava em startups em estágio inicial, a Gramado Summit vem mudando para agregar empresas maiores.

Neste ano, o evento terá a Magalu Cloud, divisão de tecnologia em nuvem da gigante nacional, como apresentadora oficial, maior cota de patrocínio. Luiza Helena Trajano, uma das líderes mais influentes do varejo, será palestrante. A Gramado Summit prevê crescer o faturamento em 50% neste ano, de R$ 8 milhões para R$ 12 milhões. _

Emprego cresce, dólar estaciona

Havia risco de o dólar saltar, na sexta-feira, com o recorde na geração de vagas formais, segundo o Caged. No entanto, a moeda americana ficou estável, com variação para cima de 0,13%, para R$ 5,76, a terceira sucessiva na semana.

Na quinta-feira, havia circulado a informação de que viria um "Cagedão", o que fez com que operadores de câmbio se antecipassem - o dólar avançou 0,38%. Segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, houve diminuição do risco embutido na especulação da véspera. _

Parceria gaúcha com a Receita

A partir de quinta-feira, a Faqi passará a operar como braço estendido da Receita Federal: vai começar a prestar atendimento gratuito de assistência contábil e fiscal em Gravataí, onde fica a sua sede.

Vale para quem tem dúvidas sobre declaração de Imposto de Renda e obrigações fiscais de pequenos produtores rurais, pequenas empresas e microempreendedores individuais (MEIs). E também para quem precisa de instrução para encomendas internacionais ou simplesmente busca esclarecimentos sobre tributos.

O acordo da Faqi com a Receita Federal é de cooperação com o Núcleo de Apoio Contábil e Fiscal (NAF), projeto que a autarquia desenvolve com instituições de ensino. A Faqi vai disponibilizar infraestrutura e professores para atendimentos, que também poderão ser acompanhados por supervisores e alunos. Conforme diretora-geral da instituição, Fabiane Klein, a parceria marca os 20 anos da Faqi.

- A Faqi tem raízes fortes em Gravataí. Agora, vamos apoiar a comunidade em outras situações. A expectativa é positiva.

É preciso agendar atendimento pelo telefone (51) 3014-0014. A assistência fiscal será prestada em Gravataí todas as quintas-feiras, das 19h às 21h. No contraturno, a proposta é oferecer serviço online, em dois dias por semana que ainda serão definidos. _

GPS DA ECONOMIA

 
29 de Março de 2025
ACERTO DAS TUAS CONTAS - Giane Guerra

Dívida longa demais

Pelo último balanço enviado pelo Ministério do Trabalho à coluna, o novo crédito consignado para trabalhadores CLT tem gerado empréstimos aqui no Rio Grande do Sul com, em média, 23 parcelas. O gaúcho fica aproximadamente 68 meses no emprego, média formada por variações de setores, que vão de 35 meses para trabalhadores da construção civil até 136 meses para quem atua na administração pública.

Ou seja, parece um período bastante longo que os gaúchos estão comprometendo com um empréstimo (que não deveria, mas sabemos que em muitos casos se soma a outros créditos tomados). A parcela média tem ficado em aproximadamente R$ 340, que é mais de 20% de um salário mínimo. Estes são mais alguns pontos que preocupam a coluna sobre a necessidade de maiores travas para evitar que esta ferramenta superendivide ainda mais as famílias.

Está certo provocar a concorrência de bancos e financeiras para oferecerem taxas menores, pois o crédito para CLT antes ficava restrito apenas à instituição que a empregadora tinha convênio. Agora abriu a todas. Mas sem limites, não sei se o mercado se ajustará sem educação financeira do tomador do empréstimo. A margem consignável de 35% (limite do salário para comprometer com o desconto na folha de pagamento) historicamente não é cumprida.

Casos de demissão

Importantíssimo: o que acontece em caso de demissão do trabalhador que tem o empréstimo? O valor restante da dívida será descontado das verbas rescisórias, observado o limite legal de 10% do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e 100% da multa rescisória (os 40% que a empresa paga quando é demissão sem justa causa). Se esse dinheiro for insuficiente, o pagamento das parcelas é interrompido e será retomado quando o trabalhador conseguir outro emprego CLT. Ainda mais importante: o valor das prestações aumentará no período, pois tem o juro e a correção monetária. O trabalhador até poderá procurar o banco para acertar uma nova forma de pagamento, mas sem garantia de que terá boas condições para este acerto. _

Dúvida do leitor

Quanto demora a liberação do consignado para o trabalhador? O Ministério do Trabalho diz que depende do banco, variando entre um e dois dias. Mas há casos de liberação imediata. Após a simulação, deve-se esperar 24 horas pelas propostas. Não esqueça de analisar as demais cobranças, pedindo o Custo Efetivo Total (CET), que reúne todos os custos que o tomador terá.

GNV pisa no freio

Seguindo uma tendência, o RS registrou queda - ainda que pequena - nas adaptações de veículos para gás natural veicular (GNV) em 2024. Levantamento do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS) para a coluna apontou 5.449 conversões de janeiro a dezembro, 213 a menos que em 2023 - redução de 3,76%. A quantidade foi a menor desde 2020 (3.280) - ano da pandemia. Lembrando que o gás bombou em 2021 e 2022, quando o preço da gasolina disparou a picos históricos no país todo.

Quem quiser adaptar o veículo para GNV precisa desembolsar entre R$ 2,5 mil e R$ 3 mil, conforme pesquisa da coluna em oficinas da capital e Região Metropolitana. O valor corresponde ao kit novo com cilindros seminovos. Para um completamente novo, o valor vai de R$ 3,5 mil a R$ 6 mil. Também há vistorias e taxas do Detran-RS. A mudança precisa ser autorizada e passar por revisão depois.

A vantagem do GNV é para quem roda mais, enfatiza o consultor energético Anderson de Paulo, alertando que inclusive o seguro fica mais caro.

- Para o frotista, o gás precisa estar abaixo do preço da gasolina. Para um motorista usual, tem que ser 50% mais barato - diz.

Pela média da pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a gasolina está custando R$ 6,38 no RS, enquanto o custo médio do GNV está em R$ 4,66. _

conversões

2020 3.280

2021 9.979

2022 7.266

2023 5.662

2024 5.449

Gás não é verde

O gás natural veicular (GNV) é posto muitas vezes em estratégias de marketing como um combustível sustentável. Ele realmente é menos poluidor e tem baixo nível de resíduos, o que aumenta a vida útil do veículo. Porém, não é "verde", porque é derivado de petróleo, ou seja, tem origem fóssil.

O combustível renovável mesmo que temos à disposição é o etanol, que é feito principalmente de cana-de-açúcar, mas também tem sido produzido de milho e triticale. A vantagem sobre o GNV é que os carros flex já o aceitam, sem precisar da adaptação do gás. Porém, o preço do álcool combustível no Rio Grande do Sul é muito alto, pois não produzimos e precisamos trazer de usinas do Sudeste. _

O recorde do ouro

Compra ouro? A cotação do metal está batendo recordes com as tensões comerciais provocadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A última foi taxar carros importados, que mexem no orçamento dos norte-americanos. A medida gera temor de inflação, com alta de juro e desaceleração econômica. Com o receio, o mercado coloca recursos em ouro, considerado seguro. Diante da inflação, o ouro mantém o valor do dinheiro.

O ruim disso é que vai para o ouro dinheiro que poderia estar em bolsas de valores, títulos de empresas e mesmo de governos, financiando crescimento de negócios e políticas públicas.

Na última semana, o preço do ouro bateu o recorde de US$ 3.086,50 por onça troy, medida universal usada para o metal. _

ACERTO DAS TUAS CONTAS


29 de Março de 2025
MERCADO DE TRABALHO

MERCADO DE TRABALHO

RS tem saldo de 30,7 mil vagas formais em fevereiro

Mercado de trabalho

Dados do Caged divulgados na sexta-feira pelo Ministério do Trabalho mostram que o Rio Grande do Sul teve saldo de 30.693 postos de trabalho com carteira assinada em fevereiro. O resultado é fruto de 143.992 demissões e 174.685 admissões. Em igual período do ano passado, foram 25,3 mil vagas.

Indústria e o setor de serviços puxaram a criação de vagas no mês passado, com 16.013 vagas e 12.954, respectivamente. Em seguida estão comércio (2.521), construção (1.375) e agropecuária (-2.170).

No acumulado do ano, são 57.657 empregos formais, com destaque para indústria (25.193) e serviços (16.655). Agropecuária, com 12.912, fica em terceiro, seguido de construção (2.572) e comércio (352). No período de janeiro e fevereiro, o RS fica em segundo entre as unidades da federação, atrás somente de São Paulo.

No país, houve novo recorde no saldo positivo: 431.995 postos de trabalho. Trata-se de resultado mensal mais alto da série histórica atual do Caged, iniciada em janeiro de 2020. Em janeiro de 2025, haviam sido 144.086 vagas.

Ainda assim, conforme dados de outro levantamento, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados também na sexta-feira, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação no Brasil ficou em 6,8% no trimestre encerrado em fevereiro.

O resultado fica 0,7 ponto percentual acima do registrado no trimestre móvel anterior, terminado em novembro de 2024 (6,1%). Segundo a coordenadora da pesquisa, Adriana Beringuy, a elevação da desocupação em relação ao trimestre móvel anterior é um comportamento comum nesta época do ano.

A pesquisa aponta ainda que o país alcançou recorde de trabalhadores com carteira. Eram 39,6 milhões, o maior volume da série histórica, iniciada em 2012.%. 



29 de Março de 2025
EM FOCO

EM FOCO

Políticas públicas afirmativas desenvolvidas nos últimos 20 anos ampliaram a diversidade entre estudantes de universidades federais. Porém, dificuldades financeiras e falta de pertencimento afastam muitos beneficiados da sala de aula

Um caminho tortuoso para conquistar o diploma - Isabella Sander

A cara das universidades federais mudou nos últimos 20 anos. Com a criação de políticas públicas que ampliaram a presença de pessoas de baixa renda, de pretos, pardos e indígenas e de moradores de outros Estados e países, as instituições ganharam diversidade, mas, com ela, também novos desafios. Estudantes relatam dificuldades financeiras, como pagar moradia e transporte, e emocionais, como saudade de casa e falta de pertencimento àquele espaço.

No início de 2024, Gabriel Cledson da Silva estava empolgado: depois de seis anos estudando, havia conseguido uma vaga em Medicina, e na prestigiada Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Potiguar, o jovem não titubeou e fez uma vaquinha para custear as viagens que precisaria fazer entre a capital do Rio Grande do Norte, Natal, e a do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Os empecilhos ao aterrissar em solo gaúcho, porém, foram maiores do que imaginava. Após um semestre, acabou voltando para casa.

O que me fez desistir não foi a faculdade, que é maravilhosa e me recebeu muito bem, mas é muito diferente morar em Porto Alegre, chegar em casa depois de um dia intenso de aulas e não ter o apoio familiar. Eu e muitos colegas tínhamos que chegar, fazer comida, lavar roupa - reconhece o jovem de 28 anos.

Exigências

Além do choque de realidade de ter de lidar com contas e atividades domésticas, a exigência do curso de Medicina dificultou a adaptação de Gabriel. Ele conta que havia dias em que tinha aula das 7h30min às 18h30min e, à noite, ainda precisava estudar em casa, para acompanhar o ritmo cobrado por alguns professores.

No último mês em Porto Alegre, ele conseguiu vaga na Casa do Estudante da UFRGS, o que facilitou muito a vida dele, que pagava o aluguel de um apartamento com outras três pessoas e ainda precisava pagar pelas refeições nos finais de semana. Mesmo assim, a saudade de casa e a falta de perspectiva de ter dinheiro para visitar a família com frequência o desestimularam.

Decisão difícil

Quando voltou para Natal em janeiro, de férias, Gabriel descobriu que uma faculdade privada havia disponibilizado matrículas em Medicina por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni). Resolveu tentar, meio de supetão, e passou. Assim, abandonou o curso na UFRGS e voltou para o Rio Grande do Norte.

- Foi muito difícil de tomar essa decisão, mas não estava conseguindo viver aquele momento: sentia que estava na UFRGS de corpo, mas de alma e espírito, não. Isso se refletia nas minhas notas, que não eram tão boas quanto gostaria. Aqui em Natal, voltei a sentir vontade de estudar em casa - comenta Gabriel.

Apesar de ter feito as pazes com a sua decisão, o potiguar sente que não foi por acaso que passou na UFRGS, e pretende voltar para Porto Alegre depois de formado, para fazer residência no Hospital de Clínicas. _

Desafios para a única indígena da turma

A existência de uma Casa do Estudante Indígena que recebesse a ela e a seu filho foi o que viabilizou o ingresso da caingangue Luciane Inácio, 29 anos, no curso de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A jovem foi aprovada em 2023 em processo seletivo para indígenas e quilombolas, depois de abandonar outra graduação que fez, em 2017, quando sua filha faleceu.

- Eu sou natural da terra indígena do Guarita, da cidade de Redentora. Vendo a necessidade que as crianças especiais da minha aldeia têm de um profissional formado nessa área, resolvi voltar a estudar - conta Luciane, que está no quinto semestre.

Dos 45 alunos de sua turma, é a única indígena. Ela já sentiu olhares, ouviu piadinhas e percebe que, até hoje, algumas pessoas evitam se aproximar. Mesmo assim, conseguiu fazer algumas amizades. A presença do filho, Lucas, em todas as aulas também é bem recebida. Crianças filhas de alunos são aceitas em todas as Casas do Estudante da UFSM. Luciane recebe um auxílio parental que usa para pagar o transporte de Lucas até a escola.

- Como mãe, acho que a gente deveria ter acesso a um auxílio até o aluno sair, pelo menos, do Ensino Fundamental. E, em questão de saúde mental, a gente passa por muitas coisas por aqui. Só não desisti porque tive acesso à CAEd (Coordenadoria de Ações Educacionais), que tem auxílio psicológico, e isso me ajuda a me acalmar - analisa.

Grávida novamente, o sonho de Luciane é dar uma vida melhor para todos os pequenos da terra indígena do Guarita. _

Rotina intensa

A estudante de Publicidade e Propaganda da UFRGS Mayra Ávila, 20 anos, trabalhava desde os 15, entre estágio e atividades autônomas, e precisou ajustar a vida para comportar as aulas em turno integral. A rotina é corrida - tem dias em que sai às 6h de Viamão, onde mora, e chega em casa às 23h. Aos finais de semana, faz freelances para bancar suas despesas.

- Minha maior preocupação sempre foi como eu iria me manter aqui dentro (da universidade) sem ter dinheiro, porque mais da metade do valor da bolsa, que eu agora consegui eu gasto com passagem. Com mais os tíquetes do RU, sobram R$ 200 para mim - diz a jovem, que está no segundo semestre.

Uma melhor organização dos horários das disciplinas, segundo Mayra, ajudaria os estudantes que trabalham a não atrasar cadeiras. Um auxílio-transporte mais alto também daria uma folga. _

Formatura atrasada

O estudante de Letras Wellington Porto, 26 anos, está desde 2018 na UFRGS. As aulas em turno integral do curso que frequenta versus a necessidade de, ao menos, atuar em bolsas de iniciação científica, para dar conta das despesas, lhe obrigaram a atrasar a formatura. O valor da bolsa é de R$ 700. Mais os auxílios passagem (R$ 240) e internet (R$ 100), ele soma em torno R$ 1 mil.

Wellington também é coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), que vem cobrando a instituição de que realize uma reforma curricular que adeque a universidade ao novo perfil de alunos surgido após as políticas afirmativas:

- Não dá mais para a UFRGS dizer que temos que nos adequar à universidade. A política de cotas apresentou uma outra perspectiva à qual a UFRGS tem que se adaptar.

A gestão atual do DCE defende que o orçamento da UFRGS seja discutido também com os estudantes, a fim de definir quais são as prioridades a serem atendidas. _

O que está sendo feito

No ano passado, uma lei instituiu a Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que prevê recursos federais para garantir a assistência em diferentes áreas: moradia, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, esporte, atendimento pré-escolar a dependentes, apoio pedagógico e atendimento especializado a estudantes com necessidades especiais.

UFRGS

Entre os benefícios para alunos com renda familiar de até um salário-mínimo, estão o auxílio para pagar a internet, acesso gratuito ao RU, subsídio que permite um custo por refeição nesses restaurantes de R$ 1,30, auxílio-transporte, auxílio-material didático, auxílio-parental para responsáveis legais por crianças de até cinco anos e 11 meses, o atendimento a alunos com necessidades especiais e um programa de saúde que oferece atendimento odontológico, atividades esportivas e apoio à saúde mental.

Há quatro residências estudantis para 300 alunos. Outros 100 estudantes recebem auxílio financeiro para pagar o aluguel.

Há serviço de acolhimento psicológico e ajuda financeira de R$ 250 para 214 estudantes fazerem terapia.

O valor investido em assistência estudantil ficou em R$ 38 milhões em 2024 - somando verba do Pnaes e da própria UFRGS.

Pietra Méndez, pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFRGS, afirma que é preciso ampliar o orçamento federal para assistência estudantil. E a própria universidade precisa repensar suas políticas e currículos, diz ela.

UFPel

Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), para estudantes de baixa renda também há acesso gratuito ao restaurante universitário (RU) e benefícios como auxílio-transporte, auxílio-deslocamento aos alunos que residem em cidade próximas, auxílio para alunos com filhos em idade pré-escolar, auxílio inclusão digital e auxílio moradia.

Uma iniciativa pioneira foi o Vou Mas Eu Volto, auxílio para alunos que vieram de outros Estados visitarem suas famílias. - O esforço desse auxílio foi completamente relacionado à questão da permanência, para entender que os estudantes que passam, às vezes, três anos sem ver suas famílias - relata Angélica Leitzke, coordenadora de Permanência da UFPel.

Dentro da Coordenação de Permanência, vinculada à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UFPel, foi criada uma equipe multidisciplinar, para pensar em formas de reter os alunos.

UFSM

Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Gisele Guimarães, pró-reitora de Assuntos Estudantis, destaca o compromisso da universidade com a permanência estudantil diante da crescente diversidade e vulnerabilidade socioeconômica de seu corpo discente.

Entre as iniciativas está o RU subsidiado e a moradia estudantil - a maior da América Latina, com 2,2 mil vagas. A instituição foi pioneira em moradia indígena e aceita crianças nas residências.

Há auxílios financeiros para transporte, formação e para pais de crianças, além de bolsas de apoio.

Na área de saúde mental, há serviços psicossociais e o Comitê de Saúde Mental (Cosame).

O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) e a Casa Verônica oferecem acolhimentos para grupos específicos. Segundo a pró-reitora, a universidade busca fomentar a cultura de acolhimento e pertencimento.


29 de Março de 2025
informe especial - Rodrigo Lopes

O Brasil ficou "maior"

Não é exagero dizer que o Brasil ficou maior. Depois de sete anos, a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), das Nações Unidas, aprovou o pedido brasileiro para ter ampliada sua plataforma continental - a área de mar sobre a qual o Brasil dispõe de soberania nacional.

A ampliação vai além das 200 milhas náuticas (370 quilômetros) da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), faixa de mar sobre a qual o país já tem direito de explorar. Trata-se de uma faixa de mar entre a foz do Rio Oiapoque (no Pará) e o litoral norte do Rio Grande do Norte.

Com a decisão da ONU, o Brasil passa, agora, a ter soberania sobre a Margem Equatorial, uma porção de água de 360 quilômetros quadrados, equivalente ao território da Alemanha.

A nova área não é a mesma que é alvo da insistência da Petrobras para conseguir licença para buscar petróleo. Apesar de também se tratar da Margem Equatorial, a região de interesse da petroleira está dentro do limite da ZEE brasileira.

Essa é, sem dúvidas, uma vitória da Marinha brasileira e do Itamaraty, que desde 2017 reivindicavam esse reconhecimento junto à ONU. É também uma conquista geopolítica e estratégica para o país. No entanto, como se sabe, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Que o Brasil saiba que, assim como outros bens globais, como a Floresta Amazônica, não é detentor do mar ou de seu subsolo. É guardião, zelador. 

Em meio a tensão, vice dos EUA chega na Groenlândia

Em meio à tensão entre os Estados Unidos e a Groenlândia - marcada pela ameaça de anexação ou compra da ilha pelo presidente americano Donald Trump -, o vice J.D. Vance desembarcou no território na sexta-feira.

O plano original da viagem incluía acompanhar uma corrida de trenós puxados por cães e realizar reuniões com o governo groenlandês. No entanto, após retaliações das autoridades locais, a agenda foi reduzida, limitando-se a uma visita à base militar dos EUA em Pituffik, no norte do Ártico.

O novo primeiro-ministro da Dinamarca - país responsável pela política externa e segurança da Groenlândia - classificou a visita como um ato de "falta de respeito" e pediu unidade diante da pressão externa.

A comitiva americana também incluiu a esposa de Vance, Usha, o conselheiro de segurança nacional, Mike Waltz, e o secretário de Energia, Chris Wright. 

Entrevista Salus Loch - Jornalista, escritor e coordenador da Casa da Memória Unimed Federação/RS

"O silêncio permitiu que Auschwitz acontecesse"

Poucos brasileiros conhecem tão bem a história dos campos de concentração nazistas quanto o jornalista e escritor Salus Loch, coordenador da Casa da Memória Unimed Federação/RS. No próximo dia 9, ele fará palestra e lançará o e-book Liberação: Holocausto, 80 anos, obra que aborda os 80 anos da liberação de vários campos de concentração.

Como nasceu o interesse por estudar o Holocausto?

Visitei pela primeira vez Auschwitz em 2015, quando, pela revista Superinteressante, tinha a atribuição de fazer uma matéria e encontrar uma sobrevivente. A partir dali, não larguei mais. Fui pesquisando, estudando e me interessando cada vez mais. Em 2015, a neta de uma sobrevivente que mora aqui no Brasil leu a reportagem na Super e me procurou, sugerindo entrevista com sua avó, sobrevivente de Auschwitz. Nasceu o livro A Tenda Branca. Criei uma identidade muito grande com Guitta Wein, que, infelizmente, faleceu há dois anos. 

Não sou judeu, mas entendi que precisava contar essa história. Fui três vezes a Auschwitz, a segunda em 2020, quando fui o único jornalista brasileiro credenciado para cobrir o evento de 75 anos da liberação. E voltei agora, em 2025, também como o único jornalista brasileiro credenciado para cobrir os 80 anos. Nesse meio tempo, já conversei com mais de 20 sobreviventes do local apenas para ouvir suas histórias.

E a ideia dessa nova obra?

Estão sendo completados 80 anos da liberação da maioria dos campos. Aproveitando a data, em parceria com o Museu do Holocausto e a Casa da Memória, e a ISPO Pesquisa e Comunicação, nasceu o projeto Liberação, narrando como foi a libertação dos campos, de Auschwitz-Birkenau, Plaszow, Mauthausen, Terezin e Dachau. Ia lá, gravava, filmava, tudo. E o Museu do Holocausto editava dois minutinhos de vídeo e rodava nas redes sociais. Passava a mensagem, para que não se repita. Esse é o escopo do projeto. Nasceu das reportagens geradas a partir das visitas.

Depois de tantas visitas a campos de concentração, o que ainda te marca?

O primeiro ponto, que une todos, é a perspectiva da supremacia racial. A ideia dos nazistas de que eles eram poderosos, e aqueles que não eram alemães puros seriam considerados sub-humanos, e, por isso, não mereceriam sequer viver. Os campos de extermínio foram feitos para matar gente, campos de concentração eram para segregar aqueles que eram oposição, seja política ou racial. 

Essa lembrança do Holocausto é mais do que uma homenagem às vítimas. É um aviso sobre os horrores que nascem do ódio, da intolerância, da discriminação em um contexto no qual, hoje, se vê um mundo polarizado e alguns governantes entendendo que o país é só para os seus, tentando extirpar outros que não coadunam com suas ideias. Vemos o antissemitismo crescendo, especialmente a partir do ataque do Hamas e da resposta de Israel. Então, temos um contexto global para o qual esse passado tem muito a ensinar. Mas temo que não estejamos entendendo o que aconteceu, porque, daqui a pouco, pode acontecer de novo.

Estamos perdendo essa memória?

Alguns grupos fazem questão de deletá-la, inclusive. É um negacionismo pensado. Mas, quanto mais distante do fato, mais difícil de que ele esteja presente, porque os sobreviventes, daqui a 10 anos, não estarão mais vivos. Então, essa tarefa compete a nós, inclusive jornalistas, educadores, de que manter a memória viva.

Como foi a recordação dos 80 anos de libertação de Auschwitz?

Estava o Emmanuel Macron (presidente da França), o Volodimir Zelensky (da Ucrânia). Mas só falaram sobreviventes, o presidente do Congresso Judaico Mundial e o diretor do museu. Todos eles concordam com uma linha: o silêncio permitiu que Auschwitz acontecesse. Vamos continuar quietos diante do que está acontecendo hoje? É isso que move que a gente a continuar: alertar, observar, tentar educar. _

INFORME ESPECIAL

sábado, 22 de março de 2025

21/03/2025 - 13h05min
Martha Medeiros 

Seria pedir demais que voltássemos a ter uma vida amena, ponderada, sem tanta ansiedade? 

Resta saber se o outono, tão admirado por suas temperaturas que não fritam neurônios nem congelam corações, resistirá. Não tem jeito, morrerei torcendo pelo equilíbrio e a elegância.

Gilmar Fraga / Agencia RBS

O outono acaba de estrear e não desapontou na largada. Neste instante, os termômetros marcam 22 graus. O céu está nublado, um dia perfeito para flanar, em vez de buscar sombra atrás de um poste. Que saudade de uma temperatura que não faz o suor escorrer, nem a pele arrepiar. Ninguém se desintegra ou espirra. Civilidade climática já quase não existe, convém aproveitar a oferta por 24 horas.

No outono passado, as águas do Guaíba invadiram a cidade em que moro e foi trágico. No último verão, as pessoas por pouco não desabavam na rua pelo calor asfixiante. No mundo inteiro, ou se está congelando, ou derretendo, ou fugindo de tornados, enchentes e deslizamentos. Quando temos um dia coerente com a estação, a gente até estranha. O extremo é o novo normal.

Venero as estações de transição. O dia começa com uma leve friagem matinal, seguida de uma tarde aquecida, mas não cruel, e à noite, pode-se buscar uma jaqueta – ou um abraço.

Pois é, até daria vontade de namorar, caso o amor não tivesse virado outra catástrofe extrema. Se não rolar beijo no primeiro encontro, esquece. Você tem que ir para os dates disposta a beijar, transar, amar, odiar e romper, tudo antes da meia-noite – Cinderela volta para casa com o serviço concluído, viveu em poucas horas o que costuma levar uns três anos. Uma aula de otimização do tempo.

No extremo oposto, tem gente ainda querendo se casar e ser feliz pra sempre. Tão anos 50. Alguém avisa? Sobre política, só vou lembrar que enquanto parte das Excelências tentam acabar com o mundo em prazo recorde, a outra mantém-se apática. Ninguém vai alcançar uma camisa de força para os patrocinadores da guerra? Continuaremos assistindo ao show de horrores pelo Instagram?

Ah, as redes. De um lado, os haters e sua violência verbal direcionada a estranhos, e na outra ponta, os bajuladores de plantão. Ora, ninguém ama ou odeia desconhecidos, essas exibições virtuais não passam de tentativas de validação. É muita carência. De tudo. Quanto maior a overdose de informações dúbias e conexões múltiplas, mais o vazio se expande. Procura-se um tutorial que nos ensine a bailar na beira do precipício.

Seria pedir demais que voltássemos a ter uma vida amena, ponderada, sem tanta ansiedade? O que a adoração pelo dinheiro e o consumismo fizeram com a gente? A natureza, sim, tem motivo para surtar: árvores estão sendo substituídas por concreto, o mar está impregnado de plástico e o oxigênio está perdendo para o dióxido de carbono. 

Resta saber se o outono, tão admirado por suas temperaturas que não fritam neurônios nem congelam corações, resistirá. Não tem jeito, morrerei torcendo pelo equilíbrio e a elegância. 

21/03/2025 - 16h00min
Sara Bodowsky

Minha vida mudou depois que apliquei técnicas de Feng shui em casa e os resultados começaram a fluir

Outro destaque da coluna: a festa Baila Comigo comemora o primeiro aniversário no Ocidente no sábado, dia 29 de março

As emoções podem "invadir" nossos ambientes em períodos de Mercúrio retrógado.

Hikmet / stock.adobe.com

Minha vida mudou muito nos últimos anos. Foi quando passei a buscar pequenos movimentos para manter a energia e a mente em equilíbrio. Taurina nata, meu lar sempre foi ninho para recuperar o fôlego e aninhar a alma. Aplico várias técnicas do Feng Shui em casa e curto os resultados.

No período de Mercúrio retrógrado (de 28/02 a 15/03) que estamos vivendo, pedi para minha amiga e consultora no tema, Marilda Romero, me explicar um pouco sobre as emoções que parecem “invadir” nossos ambientes nessa época.

Marilda conta que podem ocorrer vazamentos de água aparentemente inexplicáveis (no meu prédio simplesmente o cano principal da caixa d’água quebrou), panes elétricas nos aparelhos da casa ou até infestação de insetos. 

No Feng Shui, cada tipo de manifestação está ligada a uma emoção humana – especialmente em períodos retrógrados essas emoções, quando mal resolvidas, se manifestam nos ambientes para nos oferecer uma oportunidade para ressignificar, resolver e reestruturar. Como diz a Marilda: “a casa se expressa e acolhe o seu cuidado. A vida flui”.

Por isso, esse é um momento de aprendizado, mais do que qualquer outra coisa. Aproveite para reelaborar as mágoas e ressentimentos, as explosões de raiva e a dor da ausência de limites nos relacionamentos amorosos, familiares ou profissionais. Porque há boas notícias: no período de 6 a 26 de abril, você ganhará um novo impulso e uma nova oportunidade para recompor os afetos, reescrever sua história e aplicar as mudanças que deseja.

Para acompanhar mais o trabalho dela, acesse o perfil no Instagram @marildaromero.fengshui.

A festa Baila Comigo comemora o primeiro aniversário no sábado, dia 29, no Ocidente (João Telles 960 – Bom Fim). O evento foi pensado para o público 50+, mas agrada também muita gente que curte um espaço com lugar para sentar, música boa e horário mais cedo. 

São duas pistas comandadas por Katia Suman e o filho, Bruno Suman, nas quais rola muita música dos anos 1970, 1980 e 1990. Na edição de aniversário, o DJ convidado é Eduardo Peninha Bueno. A Baila Comigo vai das 19h às 23h. Ingressos à venda no Sympla.


22 de Março de 2025
CARPINEJAR

Três gerações

Meu pai estava assistindo à primeira partida da final do Gauchão - o Gre-Nal na Arena -, a imagem tremeu, a transmissão saiu do ar por alguns minutos. Ele não parava de bater no controle remoto. Foi um ato falho insano do seu passado.

Já testemunhei essa cena algumas vezes. Ele mantém essa mania esquisita. No lugar de trocar as pilhas, inventa de chacoalhar o comando e golpeá-lo contra o braço do sofá. Acredita que a instabilidade será resolvida com um tapa.

Meu pai faz parte de uma época em que os eletrodomésticos ressuscitavam na base do tapinha.

Radinho chiava, tapinha.

Televisão perdia foco, tapinha.

Liquidificador enguiçava, tapinha.

Máquina de lavar não se mexia, tapinha.

Aspirador de pó desacelerava, tapinha.

Os produtos chegavam espancados à assistência técnica. Inclusive, na hora de me abraçar, meu pai me dá tapinhas nas costas. Vá que eu não esteja funcionando. Seus compadres vêm ficando cada vez mais nervosos diante da tecnologia, porque os objetos não duram. Compra-se celular de dois em dois anos, por exemplo.

Sentem-se ameaçados pela natureza descartável e volátil do consumo. Construíram uma existência alicerçada na estabilidade - do único emprego para se aposentar, da casa própria, do casamento para sempre - e de repente nada mais é seguro e definitivo, nem em termos de relacionamento, muito menos de carreira, sequer de patrimônio e bens dentro do lar.

Antes, máquina de lavar era para toda a vida, fogão era para toda a vida, geladeira era para toda a vida. Enferrujando, descascando, pifando, eles continuavam sendo repintados e arrumados.

Hoje você não manda nenhum utensílio para o conserto. Procura outro. Sua substituição é previsível e imediata. A aquisição é mais barata do que qualquer orçamento. As garantias são pouco executadas.

Eu, diferentemente, sou da geração que, se acontece algum problema, liga e desliga o aparelho. Isso pode ter também suas consequências no meu comportamento. Parto do princípio de que, tirando da tomada ou reiniciando o sistema, restabelecerei a normalidade. O que explica o quanto eu e meus xarás dos anos 1980 sofremos dos vaivéns amorosos. Trata-se de um condicionamento mental. Não deu certo, desliga o laço, e liga de novo. A tendência é terminar e voltar para os mesmos romances, jurando que a reconciliação será capaz de corrigir os erros e antecedentes.

A geração de meus filhos é mais desencanada. Num bug, apenas se distanciam. Vão realizar novas atividades. Não esquentam a cabeça com uma pendência. Sabem que tudo está salvo na nuvem. Adaptam-se às soluções provisórias da atualidade. Acostumaram-se a mudar de trabalho, de casa, de envolvimento. Descobriram a paciência do acaso. Aprenderam a se despedir do mundo material. Não se martirizam com o apego. E, no amor, valorizam essencialmente a amizade. A liberdade é maior do que estar junto. _

CARPINEJAR


22 de Março de 2025
COM A PALAVRA

Pneumologista, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro titular da Academia Nacional de Medicina (ANM)

"O maior risco hoje é uma epidemia pelo vírus H5N1"

Ao longo dos três anos mais críticos da pandemia de covid-19, a pneumologista Margareth Dalcolmo foi uma das principais vozes da ciência e do enfrentamento ao coronavírus no Brasil. Nesta entrevista, ela analisa temas como o legado da crise sanitária para o sistema de saúde brasileiro, os motivos para a hesitação vacinal e os caminhos para reverter os baixos índices de imunização.

Jhully Costa

Qual seria o risco de uma nova pandemia da mesma dimensão que tivemos com a covid a curto e médio prazo? Existe alguma forma de visualizar isso?

Sim. Uma das conquistas que a pandemia da covid-19 trouxe, inclusive, foi melhorar os mecanismos de precisão com os quais, através da vigilância genômica e da vigilância epidemiológica, se possa prever a emergência de novos surtos, epidemias ou mesmo pandemias. Não há dúvida de que pandemias poderão ocorrer ainda. Nós estamos verificando que o maior risco hoje é uma nova epidemia de influenza, pelo vírus H5N1, nascido nos Estados Unidos e que já contamina um número muito grande de animais domésticos, como as vacas leiteiras nas fazendas naquele país. Não há dúvida de que já há transmissão desse vírus, que é eliminado pelo leite das vacas e já contaminou animais domésticos e pessoas. Também há aproximadamente 80 casos em humanos que já houve transmissão. O que não aconteceu até o momento foi uma transmissão de uma pessoa para outra. E o vírus tem potencial para que isso ocorra, é um vírus influenza.

O que a senhora tem a dizer sobre o novo coronavírus descoberto na China?

Por enquanto, só foi detectada a presença desse vírus nos morcegos, que são animais muito especiais, de temperatura muito alta, que albergam uma população viral enorme.

Já se sabe se esse novo coronavírus teria o mesmo potencial de contaminação do Sars-Cov-2?

É cedo para dizer porque não houve transmissão nem mesmo para outros animais. Esse vírus só foi, até o momento, descoberto em população de morcegos, que são grupos monitorados. Mas tem capacidade, sim, porque ele, inclusive, usa o mesmo mecanismo enzimático de se acoplar à célula humana que o Sars-Cov-2. Ele tem a chamada enzima inibidora da angiotensina (ECA-2), como nós chamamos, que é a mesma enzima, o mesmo mecanismo que seria usado para fixar o vírus na célula humana.

Qual o maior legado que a pandemia deixou para o sistema de saúde brasileiro? A senhora considera que saímos melhores dessa crise sanitária?

Os grupos de pesquisa criaram muitas redes de cooperação, o que foi uma coisa extremamente positiva, inclusive no Brasil. O Brasil, a despeito de todas as dificuldades que nós passamos, é o 10º país em publicações científicas sobre a covid-19, o que é bastante coisa. Entendemos também que era preciso que os médicos, os pesquisadores, os virologistas e todo mundo que trabalhava nessa área saísse dos seus casulos, digamos assim, e viesse a público para dar informação. E é preciso verificar que a comunidade científica brasileira resistiu a várias dificuldades, sendo a primeira delas uma retórica oficial e governamental, que sempre foi extremamente nociva, inclusive ao nosso trabalho.

Conseguimos superar essa retórica?

Nós passamos a desenvolver o que eu chamaria de uma certa expertise de trabalhar sem nos deixarmos contaminar por aquela retórica tão nociva, inclusive oficial, e fazer as nossas recomendações. O Brasil teve esse paradoxo e foi um celeiro de desenvolvimento de grandes estudos de vacina: desenvolveu estudos de fase 3 das vacinas da Pfizer, da Janssen e da Coronavac. Ou seja, foi um local onde, apesar das dificuldades, se desenvolveram grandes trabalhos. Com isso, estou reconhecendo que os grupos brasileiros aprenderam muita coisa, sem dúvida.

A senhora acredita que o Brasil demorou para ter uma resposta adequada à pandemia?

A retórica oficial governamental, que era contra tudo, dizia que não precisava de lockdown, que o importante era manter a economia. Nós sabíamos que precisávamos proteger as pessoas, e a melhor maneira de proteger as pessoas era confiná-las em casa. Mas esse tipo de medida já desde o início foi muito contestado. E nós temos o maior exemplo pedagógico no Brasil, que foi o que aconteceu em Manaus. Manaus foi o primeiro polo epidêmico da covid-19 no Brasil. Morriam 30 pessoas por dia, passaram a morrer 180, e nada foi feito. 

E o que aconteceu? Sete meses depois, a nova cepa foi descoberta em Manaus, com uma disseminação enorme e foi aquela tragédia que nós vimos, com falta de oxigênio e pessoas recebendo de maneira totalmente equivocada cloroquina. Houve exemplos que mostram que as medidas foram disseminadas de forma confusa e havia já, desde esse momento, gente dizendo que não precisava fazer isolamento social, que tinha que ter uma vida normal e usando conceitos totalmente errados de que nós teríamos que adquirir imunidade de rebanho. Nós sabemos que esse termo inclusive é equívoco. Imunidade de rebanho se adquire com vacina e não com transmissão de doença.

Na sua visão, o que motivou a hesitação vacinal no Brasil, apesar da vacinação ter sido fundamental para a redução das internações e mortes pela doença?

A primeira observação que cabe é que os fenômenos de anti-vax são completamente novos no Brasil. Foi uma contaminação nova que entrou na cultura brasileira, porque tínhamos uma adesão ao processo de vacinação muito grande desde o nascimento do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

E quais seriam os caminhos para reverter essa situação e os baixos índices de vacinação?

Como isso seria um resgate de algo que já era muito incorporado na nossa população, acho que está ligado a uma qualidade da comunicação. É preciso que nós, em primeiro lugar, digamos a verdade: mostrar os casos, a diferença que faz, os resultados positivos, como a nova eliminação do sarampo, a mudança que houve recentemente na questão da vacinação contra a poliomielite, onde o Brasil adota a mesma conduta dos países desenvolvidos, deixando de usar as gotinhas e passando a usar agora a vacina injetável, o controle de doença, e como nós conseguimos praticamente erradicar a poliomielite. 

Além disso, há um outro fator que eu acho importante e que o Ministério da Saúde tem feito, que é a descentralização das modalidades de vacinação. São usadas modalidades específicas para microrregiões. Essa microrregionalização que tem sido usada pelo Programa Nacional de Imunizações me parece bastante correta e acho que isso será capaz de modificar esse cenário.

Como a senhora apontou, a ciência foi muito questionada durante a pandemia. A senhora acredita que isso modificou a relação entre a população e os pesquisadores?

Acho que houve e há ainda essa (atitude) deliberada, infelizmente, inclusive através de grupos de médicos. E eu considero um fenômeno muito triste que médicos se disponham a dizer ou a disseminar um temor para as pessoas, porque é muito deletério. Mas acho que aumentou a confiança. Eu somei durante três anos quase 700 entrevistas na imprensa. 

Foram muitas vezes em que eu me manifestei, e cada vez que eu estou em um lugar alguém vem falar comigo e me agradecer. Acho que, de modo geral, nós tivemos um aumento de confiança na ciência, apesar desse esforço pelo outro lado de colocar em xeque de maneira muito maliciosa tudo aquilo que nós temos sido capazes de fazer.