quarta-feira, 17 de outubro de 2007


JOSÉ SIMÃO

Dunga reclama da grama!

Tá sem sal! E não se diz que uma pessoa é feia, mas desabonitada: a Ideli tem um design desarrojado

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Novidades da Selecinha Brasileira, ops, Selexotan do Dunga. O Dunga tá zangado: reclamou da grama do Maracanã.

Vai ver achou sem sal. Ai, que grama ruim, não tem nem sal. É tudo desculpa antecipada. Como diz aquele ditado russo: quando o bailarino é ruim, até o saco atrapalha! Rarará!

E o Lula na África? O que o Lula foi fazer na África? Conhecer o Tarzan pessoalmente. E tomar uma bebida típica: gin das selvas. Lula vai à África, conhece o Tarzan pessoalmente e toma um gim das selvas!

E eu já falei que a Ideli Salvatti é tão feia, mas tão feia, que tem uma ONG chamada ONGRO. É verdade! Organização Não-Governamental de Apoio aos Ogros? Rarará. Organização Não-Governamental de Apoio ao Shrek!

E não se diz que uma pessoa é feia, mas desabonitada. A Ideli não é feia, tem apenas um design desarrojado. Rarará! E CPMF pro Renan quer dizer Com a Playboy Me Ferrei! A PERERECA ATÔMICA!

Olha a manchete do jornal de Nova Iguaçu: "Que vaginão, hein! Mulher é presa em presídio de Japeri com dois celulares, duas baterias, carregador, fone de ouvido e chip em sua genitália".

Isso não é uma perereca, é um porta-malas! Foi assim que nasceu o baby celular? O Baby Perereca.

E já imaginou a revista agora? "A senhora tem um celular na vagina?" "Não, é que a minha vagina é ventríloqua." "A senhora tem um celular na vagina?" "Não, a minha vagina é anal-lógica."

Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas é só provocar que ressuscita!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Natal, Rio Grande do Norte, tem um forró pra terceira idade chamado "O Forro da Pêia Mole". Rarará!

Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Soneca": companheiro Dunga em ação! Rarará!

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. Nóis capota, mas num breca!
simao@uol.com.br

RUY CASTRO

Ig Nobels e ignóbeis

RIO DE JANEIRO - Todo ano, na época da distribuição do Prêmio Nobel, fico atento às folhas à espera da matéria sobre os ganhadores do Prêmio Ig Nobel, uma criação da revista científica de humor "Anals of Improbable Research" destinada a premiar pesquisas de duvidosa necessidade para o progresso da ciência.

Os contemplados recebem os diplomas das mãos de vencedores do Nobel oficial, numa cerimônia na Universidade Harvard, e lêem seus trabalhos no auditório do Massachussetts Institute of Technology, sujeitando-se a uma chuva de aviõezinhos de papel.

Entre os campeões de 2007, meu favorito é o pessoal da Universidade de Barcelona, que levou o Ig Nobel de Lingüística ao demonstrar que "os ratos nem sempre diferenciam pessoas falando japonês ou holandês de trás para a frente".

Páreo duro com a equipe do Laboratório Wright, da Força Aérea americana, vencedora do Ig Nobel da Paz pelo desenvolvimento de uma espécie de "bomba gay" capaz de fazer com que "soldados inimigos [num front de guerra] se sintam sexualmente atraídos entre si".

Às vezes, o prêmio é dividido entre equipes que se envolveram na mesma pesquisa, uma sem saber da outra. Vide o grupo da Universidade de Santiago, no Chile, e o da própria Harvard, que venceram o Ig Nobel de Física ao determinar "por que os lençóis amassam".

O que me fascina é que esses pesquisadores acreditam sinceramente estar prestando um serviço à humanidade. Ao se verem ridicularizados, levam na esportiva e vão receber o prêmio e as gaivotas de papel.

Não é cinismo, mas humor ou humildade. Bem diferente das internas da política e da economia brasileiras, em que as medidas mais oportunistas geram crises e disputas como se de importância vital para a nação, e não apenas para o seu próprio círculo, este, sim, ignóbil.


17 de outubro de 2007
N° 15391 - Martha Medeiros


Mônica despe a todos

Peguemos um acontecimento trivial, que está praticamente perdendo a atualidade e que daqui a uma semana não será mais comentado nem em fila de banco, nem em mesa de churrascaria: as fotos da jornalista Mônica Veloso na Playboy.

O que sabemos de concreto sobre o fato: ela teve um caso com um senador da República, casado. Ninguém tem nada a ver com isso, são dois adultos e fazem o que bem entendem.

No entanto, ele acabou colocando a República na história porque pagava pensão pra moça com dinheiro que não era dele, e sim de aliados que ele favorecia com sua ascendência política, o que passa a ser assunto nosso, já que Renan Calheiros é funcionário meu, seu e de todo o povo brasileiro.

O caso deles termina, pormenores vêm a público e, depois de prolongadas e irrefutáveis denúncias, Sua Excelência renuncia usando o eufemismo "licença" para sair de cena com alguma pose, como se isso fosse possível depois do trucidamento moral e ético. Ela? Linda! Faturando com gosto.

Mas, em entrevistas, negando-se veementemente a falar sobre o pai da sua filha, que, segundo ela, nada tem a ver com a venda da revista ou com a futura biografia que pretende lançar sobre os bastidores da política em Brasília - projeto que é bom que saia logo antes que a esqueçam.

Gente, eu sonhei tudo isso ou é real?

Primeiro: a Playboy, revista respeitada em seu segmento, sempre alternou ensaios sensuais com mulheres famosas e mulheres contingentes, digamos assim. Atualmente, as contingentes estão mais requisitadas do que nunca e, se não forem deusas, o photoshop está aí pra isso mesmo.

Muitas artistas consagradas e respeitadas já fotografaram também por dinheiro, mas souberam dar à sua nudez algum conceito, alguma mística, algum mistério. Agora é essa liquidação, esse fim de feira.

Segundo: Mônica se recusa a falar em entrevistas sobre Renan Calheiros, como se o fato de ela ter sido pivô de um escândalo político nada tivesse a ver com sua projeção momentânea.

É um faz-de-conta constrangedor e hipócrita: ela se comporta como se tivesse sido convidada apenas por ser bonita, quando, na verdade, no Brasil, chuta-se uma árvore e caem 10 Mônicas Veloso, só que nenhuma com a história peculiar que ela tem pra contar - mas que, recatada, não conta.

Terceiro: que mediocridade é essa que estamos vivendo e consumindo? Uma sociedade sem vergonha de se expor, sem vergonha da própria farsa, sem vergonha de faturar em cima de situações vexatórias, sem vergonha de ganhar dinheiro a qualquer custo, uma sociedade absolutamente sem pudor.

Já tivemos glamour, já tivemos cultura, já tivemos um certo refinamento, uma certa discrição. Foi em outra vida. Que bando de chinelões nos tornamos.

Uma ótima quarta-feira, pelo menos com previsão de tempo bom lá fora. Que aqui dentro de cada um também esteja um ótimo tempo.

domingo, 14 de outubro de 2007


DANUZA LEÃO

Fazendo as pazes

Ele chega mais perto e abre os braços para um grande abraço. É a hora do perdão, do não se fala mais nisso

SUPONDO QUE ele te traiu; difícil, perdoar a traição. No início são aquelas intermináveis conversas pela madrugada; depois, os silêncios.

Ele, que traiu, não sabe o que dizer; você sofre, tem vontade de matar, não tem coragem de se separar porque ainda ama, tenta conservar a cabeça fria, mas não dá para ser a mesma de sempre.

Até tenta; fala das coisas que foram manchete no jornal, evitando de todas as maneiras citar o caso Renan Calheiros e Monica Veloso, mas tudo é forçado, sem alegria, sem espontaneidade, pois quem foi traído fica imaginando seu grande amor nos braços da outra.

E na hora de irem dormir, viram um de costas para o outro e apagam logo a luz do abajur para não ter que falar, ou repetir tudo que já foi dito, até porque sabem que não adianta.

Quando as crianças estão por perto, pior ainda; elas não devem saber do que está acontecendo, e só Deus sabe o que é fingir que está tudo bem.

Os dias vão passando, você não pensa em outra coisa e ele, que traiu -nem foi por paixão, apenas uma dessas coisas que acontecem-, quer se matar, dizer mil vezes que aquilo não significou nada, mas não há clima para isso nem para nada.
Tentar um contato físico, nem pensar.

Cada tentativa é um fracasso, e por aí é que não é. Chegar levando flores jamais, se chamar para jantar num restaurante, vai ter como resposta um não, e se sair à noite para escapar do clima pesado da casa, é perigoso: pode dar a impressão de que vai encontrar com a outra.

Ah, essa história de trair é complicada, e pode render meses, isso quando não há uma separação imediata. Se ele pudesse voltar atrás teria resistido, mas quem pensa nisso quando bate a vontade?

Agora já foi, e é agüentar as consequências, a cara amarrada, o mau humor e às vezes um toque seu que é pior do que uma facada pelas costas. Ah, se arrependimento matasse.

Mas existe o tempo, e só ele, para curar certas feridas. Um dia chegam uns amigos e a conversa flui quase como antes; quando vão embora vocês trocam algumas palavras sobre como fulana estava bonita, sicrano mais gordo, e vislumbra-se uma trégua, até porque não há ninguém que consiga ficar sofrendo por uma traição para o resto da vida.

As coisas vão melhorando, vocês passam a viver numa certa harmonia, já conversam normalmente, mas o contato físico continua zero. E ele lá tem coragem de tentar, levar um não e voltar tudo ao que era antes?

Mas um sábado qualquer, um sábado comum, com um sol lindo, vocês resolvem sair e dar uma caminhada num parque da cidade.

A caminhada acaba virando uma corrida, e quando chegam em casa, suados, comentam como foi bom terem conseguido correr, que devem fazer isso mais freqüentemente, pois faz bem ao corpo e à alma.

Nesse momento ele sente que é a hora -e é mesmo; chega mais perto e abre os braços para um grande abraço. É a hora do perdão, do -sobretudo- não se fala mais nisso; um abraço bem generoso, bem demorado, bem apaixonado, e a paz volta a reinar no universo.

Porque, pensando bem, não há nada melhor na vida do que um abraço bem sincero, bem apertado, bem encaixado, melhor do que todos os beijos na boca do final dos filmes.

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! Alexandre Frota de Elite!

Site produz uma versão pornô com o ator; senadores também têm a sua: "Trepa de Elite"

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Aí levaram o Rolex do Luciano Huck e ele quer todos os bandidos na cadeia.

Como é o nome do programa dele? CADEIÃO DO HUCK! E o Rolex foi presente da Angélica. Então, por que ele não anda de táxi? Vai de táxi! Vai de táaaxi!

Isso parece prova de gincana: atravessar São Paulo de carro sem ar-condicionado, vidro aberto e Rolex no pulso. Dou três semáforos de lambuja! Farol em Sampa parece luta de boxe: três assaltos por minuto.

E aí o Huck escreveu um artigo pra Folha, e o escritor Ferréz do Capão respondeu. Como é o nome da polêmica? Troca de Elite! Bota o Luciano no Capão e o Ferréz no Caldeirão!

E o site Euhein acaba de lançar uma versão pornô de "Tropa de Elite" com o Alexandre Frota: "Frota de Elite!".

E o Senado, depois do Renan, acaba de lançar o mais novo filme: "TREPA DE ELITE"! Aliás, um leitor amigo meu mandou uma campanha pra "Playboi" da Mônica Veloso: "Já pagamos e não comemos! "Playboy" de graça". Rarará!

E adorei a charge do Neocorreia sobre a "Playboy": "Somente uma construtora pra manter esse monumento". Rarará! Mendes Junior conserva essa área.

A Mônica é um monumento, e o Renan é um monstromento! Rarará! E as mulheres dos senadores, as chifrudas chapas-brancas, lançaram o "Tropa de Celulite". E os senadores que adoram uma pizza lançaram o "Tropa de Aliche"! Rarará!

E o dono do Bahamas se filiou ao PT do B. Partido das Trabalhadoras de Bordéis ou Partido Trabalhista das Bundudas! E olha o e-mail que recebi: "Simão, acabo de comprar a "Playboy" da Mônica. Fico contente em saber que estão gastando muito bem o nosso dinheiro.

Champanhe e Mônica, esse negócio de Marisa e pinga não tá cum nada". Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz o outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Nassau, Bahamas (o país, não o bordel), tem um restaurante japonês chamado Tengoku! Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Rolex": companheiro que faz rolo com relógio. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

sábado, 13 de outubro de 2007



14 de outubro de 2007
N° 15392 - Martha Medeiros


E l a

Todos tem uma, grande, média, pequena. Todos querem perdê-la, caminhando, correndo, nadando, suando. Raros estão felizes com a sua

Se você não tem problemas com a sua, levante as mãos para o céu e pare agora mesmo de reclamar da vida. O que são algumas dívidas para pagar, um celular sempre sem bateria, um final de semana chuvoso?

Chatices, mas dá-se um jeito. Nela não. Nela não dá-se um jeito. Para eliminá-la, prometemos cortar bebidas alcoólicas, prometemos fazer mil abdominais por dia, mas ela não acusa o golpe, segue com sua saliência irritante.

A gente caminha, corre, sobe escada, desce escada, vibra quando nosso intestino está bem regulado, cumprindo suas funções à perfeição, mas ela não se faz de rogada, mantém-se firme onde está. "Mantém-se firme" é força de expressão. Ela é tudo, menos firme. Você sabe de quem estou falando.

Ela é uma praga masculina e feminina. Os homens também sofrem, mas aprendem a conviver com ela: entregam os pontos e vão em frente, encarando a situação como uma contingência do destino.

As mulheres, não. Mulheres são guerreiras, lutam com todas as armas que têm. Algumas ficam sem respirar para encolhê-la, chegam a ficar azuis.

Outras vão para a mesa de cirurgia e ordenam que o médico sugue a desgraçada com umbigo e tudo. Mas passa-se um tempo e ela volta, a desaforada sempre volta.

Quem não tem a sua? Eu conto quem: umas poucas sortudas com menos de 15 anos. Umas poucas malucas que acordam, almoçam e jantam na academia.

Algumas mais malucas ainda que não almoçam nem jantam. As que nasceram com crédito pré-aprovado com Deus. E aquelas que nunca engravidaram, lógico.

As que ignoram totalmente sobre o que estou falando são poucas, não lotariam o Gigantinho. Já as que sabem muito bem quem é a protagonista desta crônica, pois alojam a infeliz no próprio corpo, povoam o resto da cidade, estão por toda parte. Batas disfarçam, vestidinhos disfarçam, biquínis colocam tudo a perder.

Nem todas a possuem enorme. Cruzes, não. Às vezes é apenas uma protuberância, uma coisinha de nada, na horizontal nem se repara.

Aliás, mulheres acordam mais bem-humoradas do que os homens porque de manhã cedo somos todas magras. Todas tábuas. Todas retas. Passam-se as primeiras horas, no entanto, e a lei da gravidade surge para dar bom-dia. Lá se vai nosso humor.

Falam muito de celulite. Falam de seios, de traseiros, de rugas, de pés grandes, de falta de cintura, de caspa, de tornozelos grossos, de orelhas de abano, de narizes desproporcionais, de ombros caídos, de muita coisa caída. Temos uma possibilidade infinita de defeitos. Mas ela é que nos tira do prumo.

Ela é que compromete nossa silhueta. Ela é que arrasa com a nossa elegância. Ela. Nem ouso pronunciar seu nome. Você sabe bem quem. Se não sabe, sorte sua: é porque não tem.

Tenhamos todos um ótimo domingo e uma excelente semana. E no dia 15 os nossos parabéns para os nossos Professores, os de agora e aos de antigamente.

Diogo Mainardi

Tropa de Elite é fichinha

"A platéia torceu para o protagonista e, pelo que li, aplaudiu as torturas praticadas pelos meganhas do Bope. O fato gerou uma gritaria danada. Como se os espectadores não soubessem distinguir a tortura praticada nas telas da tortura praticada na realidade"

Wagner Moura reclamou de mim. Foi um tal de fascista para cá, fascista para lá. Tudo porque fiz um comentário despretensioso sobre suas poses nos cartazes promocionais de Tropa de Elite.

Ele está certo em reclamar. Ninguém pode julgar o trabalho de um ator baseado em meia dúzia de fotografias. E era só isso que eu conhecia de Wagner Moura: meia dúzia de fotografias estampadas nos jornais.

Na última segunda-feira, com grande esforço, consegui me arrastar até o cinema para assistir a Tropa de Elite. Como um carro-patrulha da PM carioca, o filme demora um bocado para carburar, mas acaba engrenando depois de uma hora.

Wagner Moura faz seu papel direitinho. Contrariamente ao que aparenta nas fotografias, ele é contido, sereno, economizando nas narinas arfantes e nos arqueios de sobrancelhas. Talvez fosse o caso até mesmo de me desculpar.

Um dia depois de assistir a Tropa de Elite, acompanhei as imagens bem mais assustadoras de Jean Charles de Menezes em Londres, momentos antes de ser assassinado pela polícia local com sete tiros à queima-roupa, como se o metrô de Stockwell fosse uma boca-de-fumo no Morro do Turano, no Rio de Janeiro.

Jean Charles passou pela roleta, caminhou por um corredor cheio de gente e desceu pela escada rolante, sempre seguido de perto por dois policiais identificados como Ken e Ivor.

Em seu depoimento no tribunal, Ivor declarou que o comportamento de Jean Charles lhe pareceu suspeito. O que ele teria a dizer a respeito do comportamento do deputado tucano Paulo Renato Souza, que foi flagrado pela Folha de S.Paulo submetendo um artigo sobre o sistema bancário ao presidente do Bradesco?

A platéia que assistiu à pré-estréia de Tropa de Elite torceu para o protagonista e, pelo que li, aplaudiu as torturas praticadas pelos meganhas do Bope. O fato gerou uma gritaria danada.

Como se os espectadores não soubessem distinguir a tortura praticada nas telas da tortura praticada na realidade. É desse jeito que o bom-mocismo instaura sua censura: tratando os espectadores como imbecis, incapazes de interpretar corretamente as idéias e as obras de imaginação.

Bem pior do que aplaudir as torturas praticadas por Wagner Moura em Tropa de Elite é aplaudir as torturas praticadas em nome de Renan Calheiros no Senado. É o que está acontecendo comigo.

Eu sei que é errado, mas aplaudo toda vez que, em sua desavergonhada defesa de Renan Calheiros, Ideli Salvatti aparece na TV como se estivesse com um saco plástico enfiado na cabeça, sem ar, com a jugular inflada.

E aplaudo toda vez que Aloizio Mercadante esperneia como se estivesse sendo ameaçado com um cabo de vassoura.

Wagner Moura disse que o maior mérito de Tropa de Elite é ter suscitado um debate. O maior – quem sabe o único – mérito do filme é justamente o contrário: ele acaba com o debate. O país é retratado como aquilo que de fato é: uma guerra de bandido contra bandido.

Ótimo sábado e um excelente fim de semana.


Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

Falsos estágios?

"A legislação brasileira já conseguiu varrer do mapa o milenar sistema de aprendizagem. É perfeitamente esperado que agora se
dedique a destruir os estágios"

Muito se fala e se escreve sobre os estágios. Alguns decantam incansavelmente suas virtudes. Mas, também, denunciam-se os estágios como forma disfarçada de contratação de mão-de-obra barata.

Por isso, tramitam novas regulamentações, visando a coibir tais abusos, estabelecendo limites às tarefas pertinentes aos estagiários, bem como reduzindo sua jornada de trabalho e proibindo o trabalho produtivo.

Aqueles que acusam o estágio de ser uma forma disfarçada de emprego a baixo custo estão cobertos de razão. Do milhão de estágios, boa parte é exatamente isso.

Contudo, esse é um de seus méritos. Grande número de jovens tira xerox, leva papéis, executa os trabalhos mais simples e desinteressantes dos escritórios. No fundo, não são estágios legítimos. São empregos simplórios reservados para estudantes.

Mas é assim que os jovens financiam os estudos. Sem esses falsos estágios, muitos deles estariam impedidos de estudar, pois não disporiam de recursos para pagar a mensalidade da escola.

Em outras palavras: diante de uma legislação trabalhista que desencoraja o emprego, o estágio é uma saída, ainda que seja pela porta dos fundos.

É bom para a empresa, pois é mão-de-obra mais barata. Pesquisas mostram que os (falsos) estagiários também gostam, o trabalho permite-lhes muito aprendizado útil. É infinitamente melhor do que o desemprego.

As companhias têm diferentes razões para acolher estagiários. Essa pode ser a principal estratégia para selecionar seus futuros funcionários de primeira linha. Nessa lógica, atraem os melhores candidatos e investem neles.

Seu número não depende de leis protegendo os estagiários, mas das políticas de contratação vigentes na empresa e do dinamismo da economia. Bem sabemos que há pouca criatividade e inadequado aproveitamento dos estagiários. Contudo, as leis são impotentes para mudar isso.

Ilustração Atomica Studio

Outra razão para receber estagiários é o fato de obter trabalho temporário ou serviços adicionais a baixo custo. Não são reais estágios, mas empregos simples para estudantes, garantidos por uma reserva de mercado. Enquanto for mais barato, contrata-se um estagiário para tirar xerox.

Se a lei não deixa o estagiário produzir "de verdade", limita as horas de presença no trabalho e cria outros constrangimentos, a empresa preferirá contratar office-boys. As restrições em discussão poderão ter um efeito devastador sobre os falsos estágios, por uma questão elementar de racionalidade econômica.

Muitos dirão, ora vivas, taparemos um buraco na lei. Para as empresas, a perda será limitada. Mas acontece que são ínfimas as chances que têm esses alunos modestos de arranjar verdadeiros estágios, competindo com colegas academicamente mais fortes.

Mas o prejuízo atinge também os reais estágios, oferecidos pelas grandes empresas. Os autores da proposta de lei, pelo que se depreende, nunca entraram em uma empresa e jamais entenderam a lógica do "aprender fazendo", mais velha e tão respeitável quanto a escola.

Pelas novas regras, um aluno de marcenaria deve aprender a serrar em tábuas que serão jogadas fora. Contudo, há muitos conhecimentos que só podem ser adquiridos pelo exercício da ocupação. Um aprendiz nas tarefas gerenciais ou administrativas não pode decidir e jogar fora a decisão.

Aprende-se executando, "de verdade", tarefas mais simples ou ajudando colegas mais experientes. Se os estagiários não podem produzir, não podem aprender. Portanto, é tudo "de fingidinho", empobrecendo o processo de aprendizado dos reais estagiários.

Os clássicos beneficiários da atual flexibilidade da lei são os mais pobres. Como tentar consertar a CLT é encrenca certa, deixar como está seria o mal menor. De fato, os estágios financiam a educação de 28% dos universitários (em SP).

São mais alunos do que no ProUni e no Fies. Quantos estágios desaparecerão com a nova lei? Mas há lógica nessa burrice. A legislação brasileira já conseguiu varrer do mapa o milenar sistema de aprendizagem. É perfeitamente esperado que agora se dedique a destruir os estágios, outra forma de aprender fazendo.

Claudio de Moura Castro é economista
Claudio&Moura&Castro@attglobal.net



















JONAS FURTADO

Promotores que desafiam as leis

Atropelamento e morte de três pessoas é o terceiro caso de horror que envolve promotores de São Paulo

"O QUE EU FIZ?" Wagner Grossi pediu licença médica

No momento em que setores do Ministério Público (MP) questionam o foro privilegiado a que têm direito autoridades dos poderes Executivo e Legislativo, o MP paulista tem se deparado com uma sucessão de fatos envolvendo seus membros em atos ilegais.

A eles também cabem privilégios que transmitem à sociedade uma leitura de impunidade.

O último deles ocorreu às 20h40 do domingo 7. O promotor de Justiça Wagner Juarez Grossi, 42 anos, segundo testemunhas, dirigia em alta velocidade uma picape Ranger pela Rodovia Elyeser Montenegro Magalhães (SP-463), em Araçatuba, a 530 km de São Paulo.

Ele entrou na contramão e atingiu uma moto na qual trafegavam o metalúrgico Alessandro Silva dos Santos, 27 anos, sua companheira, a faxineira Alessandra Alves, 26, e o filho dela, Adrian Riel Alves, de apenas sete anos. A moto foi arrastada por pelo menos 15 metros. Os três morreram na hora.



THALES SCHOEDL Em 2004, matou a tiros o estudante Diego Modanez.
O promotor está afastado das funções




IGOR DA SILVA Matou a esposa, Patrícia Longo, em 1998.
Foi condenado a 16 anos. Está foragido há seis


"O que foi que eu fiz?", teria perguntado Grossi a uma das testemunhas do acidente, o vigilante Nestor Feliciano, que prestou depoimento à Procuradoria Geral de Justiça na terça-feira 9. Segundo ele, o promotor estava bêbado, desceu do carro desorientado, segurando uma lata de cerveja.

Grossi recusou-se a realizar teste de dosagem alcoólica (o que é permitido por lei), mas o exame clínico feito por um legista constatou que ele estava em estado de "embriaguez moderada". Ele só não ficou na cadeia, ainda que por algumas horas, porque é promotor.

A lei lhe assegura o privilégio de não ser preso, mesmo em flagrante, nos casos de crimes afiançáveis. Os familiares das vítimas se revoltaram com o tratamento dado ao promotor. "Se fosse um pobre igual a mim, já estaria preso", diz Alberto dos Santos, pai de Alessandro.

Após o acidente, Grossi pediu licença médica de 15 dias. Se as acusações forem confirmadas, a pena prevista para o crime é de até quatro anos de reclusão, com agravamento de 1/3 em virtude do estado de embriaguez.

Grossi responderá ao processo em liberdade, como aconteceu com o promotor Thales Ferri Schoedl, que em 30 de dezembro de 2004 matou a tiros o estudante Diego Modanez e feriu Felipe Cunha de Souza.

O crime ocorreu na saída de um luau, em Bertioga (SP). Schoedl, que disparou 12 vezes contra Modanez e Souza, alegou legítima defesa. Segundo ele, as vítimas fariam parte de um grupo que teria mexido com sua namorada e depois o acuado.



TRAGÉDIA A moto, o casal e o filho de Alessandra foram atingidos em rodovia

Denunciado por homicídio qualificado (motivo fútil), o promotor trava sucessivas batalhas judiciais para ter direito a cargo vitalício. Ele quer ser julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em vez de ir a júri popular. Em setembro, Schoedl foi afastado de suas funções em decisão unânime do Conselho Nacional do Ministério Público.

Outro caso que desafia a lei é o do expromotor Igor Ferreira da Silva. Na madrugada de 4 de julho de 1998, ele matou com dois tiros na cabeça a esposa, Patrícia Aggio Longo, que estava grávida de sete meses.

Silva atribuiu o crime a um ladrão, que teria executado Patrícia durante assalto em Atibaia (SP). Não colou. Condenado a 16 anos e quatro meses de prisão por homicídio qualificado e aborto, Silva está foragido desde 2001.

Para o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, o Ministério Público faz parte da sociedade e não está isento de encontrar em seu meio os mesmos problemas que afetam a comunidade. "Mas a instituição tem atuado com o rigor necessário, em todos os casos", diz Pinho.

Ele lembra que nos três casos citados partiram do MP as medidas necessárias para responsabilizar criminalmente os envolvidos. O que é preciso deixar claro é que ser promotor de Justiça confere à pessoa o dever de zelar pelas leis, e não de estar acima delas.


13 de outubro de 2007
N° 15386 - Paulo Sant'ana


Duplo prejuízo

Eis como terminou a história daquele leitor de Passo Fundo que me contou os detalhes do assalto que sofreu, no qual foi levado pelos ladrões o seu carro.

Como se soube, ele não foi molestado além do susto que levou ao ver apontado para seu rosto um revólver, depois que deixou o volante do seu carro.

Decorreram dois dias de remorso por ter perdido um carro que não tinha seguro.

Mas a seguir estabeleceram-se negociações entre a vítima e os ladrões, no sentido de que, mediante pagamento, lhe fosse devolvido o carro.

Depois de diversos telefonemas entre a vítima e os ladrões, segundo me contou o leitor três dias atrás, ficou acertado que ele levaria até um determinado local da cidade um pacote contendo R$ 7 mil, que seria entregue aos ladrões, em troca da devolução do seu carro.

Mas deixemos que o próprio leitor, Rodolfo Accadrolli Neto (rodolfoan@annex.com.br), conte o desfecho:

"Por incrível que pareça, estou mais calmo. Mas o acordo com os ladrões não surtiu o efeito esperado. Chegando à rua escura para onde foi combinado o encontro, comigo sozinho, conforme exigência deles, num carro emprestado,

andei por alguns minutos bem devagar, com os vidros abertos para não dar margem a alguma possível interpretação diferente, no sentido de acharem que eu pudesse estar com alguma arma ou com um policial dentro do carro.

Em alguns minutos, avistei uma moto pelo retrovisor, talvez a mesma moto com que tenham me assaltado. Eram eles, parei o carro. Novamente na posse de uma arma, o rapaz me pediu o dinheiro. Antes, olhei para os olhos dele e perguntei onde estava o carro.

Ele me disse onde era o local. E eu repliquei: Tem certeza?. Naquele instante vi que o acordo não acabaria como o ansiado. Mas eu era o súdito e um ato de desrespeito poderia valer a minha vida.

Entreguei-lhe o dinheiro, depois fui até o local distante onde ele disse que estaria meu carro e lá não estava. Continuo sem meu carro e agora com um rombo de R$ 7 mil na minha conta bancária. Não sei ao certo o que devo fazer. Preciso dormir." Estava assinado, com o fone (54) 3313-6882.

Esse relato contém uma lição: entrega de dinheiro para reaver um bem roubado ou até mesmo como resgate de seqüestro tem de ser feita com o monitoramento da polícia. A polícia é que vai dizer se a vítima tem de ir sozinha ou não.

Assim, sozinho nas negociações com os ladrões, o leitor ficou inteiramente à mercê da esperteza deles.

Acho até que o leitor arriscou-se demais em ir sozinho e deve se dar por consolado, se a rua do local do encontro era assim escura como relata, de não terem lhe roubado o segundo carro, o emprestado. Ter sido roubado em seu carro, como se viu, era um prejuízo tolerável ainda pelo leitor.

Mas ter pago R$ 7 mil por nada, se tivesse me avisado que seria do jeito que foi, teria aconselhado a não fazê-lo para não restar com este duplo remorso. Mas, enfim...

sexta-feira, 12 de outubro de 2007



A criança que eu não fui
Fátima Irene Pinto

A criança que eu não fui aflora agora, após quase meio século de vida.

Eu acreditei que pudesse abafá-la para todo o sempre e nunca levei a sério todos os seus veementes apelos para ressurgir e manifestar-se.

Ocorre que ultimamente ando esbarrando nela a todo instante, do jeitinho que a deixei há quarenta e tantos anos atrás: extremamente tímida, sobressaltada, sem defesas para um mundo que lhe parecia por demais hostil e complicado.

De família numerosa, meus assoberbados pais não tinham tempo para entender a minha interna tragédia, tampouco para resgatarem-me dos dramas que a minha criança resolveu sozinha e resolveu completamente errado.

Incorporei todos os rótulos que me deram nas minhas primeiras tentativas de convivência entre os humanos: desajeitada, limitada, mela-festa, esquisita.

Então a minha criança entendeu que para merecer fazer parte da vida e receber um mínimo de carinho e aceitação, era preciso fazer coisas heróicas e grandiosas. Em cima desta idéia pautei toda a minha existência.

Tenho que dar um salto aqui - não interessa narrar os meus grandiosos e heróicos feitos - mas é preciso ressaltar sim, os desumanos sacrifícios despendidos nesta empreitada e para onde eles me levaram: depressões profundas e síndrome do pânico cujas sequelas ainda hoje se fazem sentir.

As vezes me pergunto porque o 'Supremo' não intercedeu por mim naquela época, mandando-me uma angélica criatura para lembrar-me que nada daquilo era preciso e que a despeito das minhas esquisitices, eu era merecedora de amor respeito e aceitação?

Esta narrativa fica pela metade, pois só agora começo a dar-me conta do tamanho e da gravidade do equívoco. Só agora estou disposta a romper a muralha de aço entre o meu eu adulto (e mal resolvido) e aquela criança que não me permiti ser e que agora explode à minha revelia, não aceitando mais o porão escuro onde a trancafiei por tantos anos.

Espero que haja tempo para resgatá-la e deixá-la ser feliz pela primeira vez na vida, sem que nada ela tenha que fazer de sobre-humano, de heróico ou grandioso, de notório ou relevante.

Perdoa-me, minha criança! Eu joguei duro demais com você por ignorância. Liberto-a agora! Esteja feliz! Esteja em paz!

quinta-feira, 11 de outubro de 2007



Dano moral: o governo como sócio na dor
Artigo - José Lucio Munhoz
Valor Econômico - 11/10/2007


Nas últimas décadas, desenvolveu-se a compreensão de que um dos maiores patrimônios do ser humano é a sua integridade moral, devendo prevalecer o respeito à honra, à imagem e à paz espiritual.

Ao governo cabe coordenar a vida em sociedade, evitando e punindo o ilícito. Para tanto, deve coibir ações que causem prejuízos ao cidadão, autorizando o exercício de atividades, controlando produtos, fornecendo condições de segurança e educação, prestando serviços.

Ocorrendo uma ação ilícita geradora de dano, surge para o agente a responsabilidade de reparar o prejuízo, ainda que exclusivamente moral. Não sendo possível a recomposição original do patrimônio moral da vítima, aplica-se a obrigação de indenizar.

A reparação do dano moral pode ser feita de diversas formas, sendo mais comum a indenização monetária, de modo que o dinheiro possa permitir à vítima instrumentos que lhe proporcionem parte da felicidade perdida, diminuindo as dores e constrangimentos.

É o que mais próximo se chega à pretendida recomposição da integridade do patrimônio moral antes existente.

No entanto, tal indenização pelo dano moral não é renda ou mero acréscimo patrimonial suscetível de incidência de Imposto de Renda (IR).

O próprio termo indenização normalmente define uma parcela como isenta de tributação em razão de sua natureza jurídica.

Não é esta, todavia, a orientação da Receita Federal sobre o tema, que determina a incidência de IR sobre os valores recebidos em ação judicial - fundamentada no artigo 718 do Decreto nº 3.000, de 1999.

Incidir IR sobre a indenização transforma o governo em sócio na dor da vítima, impedindo que se atinja a finalidade do instituto, que é a de proporcionar a reparação integral do patrimônio moral violado mediante valores arbitrados pelo Estado-juiz.

Ao permitir que o governo aproprie-se de quase 30%, a indenização deixará de atingir a sua finalidade - de recompor o patrimônio - para se transformar num mero acréscimo de caixa ao Estado.

Constata-se que tal tributo não decorre de atividade produtiva ou econômica. É mera indenização, decorrente de um dano, não sendo admissível a apropriação parcial pelo fisco.

Na maioria das ocorrências ilícitas que geram o dano, ainda que em pequena medida, há certo grau de responsabilidade do Estado, eis que ele deve impedir a ocorrência de lesão aos cidadãos, provendo os meios adequados a prevenir o ilícito.

No entanto, não raro, danos ocorrem justamente em razão da omissão estatal em fiscalizar atividades e produtos colocados no mercado, ao tolerar transporte público em condições precárias, ao permitir ou propiciar o estímulo à criminalidade, e até mesmo em razão da má prestação de seus próprios serviços.

Podemos referir, por exemplo, as duas mais recentes tragédias aéreas. Está claro, pelo quanto noticiado, que os órgãos estatais falharam e isso contribuiu para a causa ou ampliação dos danos relacionados aos acidentes (pista sem condições adequadas de segurança, ausência de necessária área de escape, falha no controle do espaço aéreo etc).

Seria mais uma violência às tantas famílias já vitimadas pela tragédia que o governo ainda ficasse com cerca de 30% da indenização que eventualmente venham a receber a título de danos morais.

A indenização por dano moral não é renda ou mero acréscimo patrimonial suscetível de incidência de IR

Portanto, não há sentido para que o Estado, que tem como finalidade impedir que seus cidadãos sejam vítimas de lesões, acabe justamente por lucrar com elas.

Além disso, ao dar uma utilidade ao valor recebido, a vítima gera novas incidências tributárias em favor do governo. Se adquirir um veículo com a indenização, por exemplo, a vítima pagará cerca de 40% só em tributos.

Ao se permitir a incidência, ainda de 27,5%, de IR, estaríamos diante do confisco, o que é vedado pelo nosso sistema jurídico, conforme dispõe o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal.

A natureza indenizatória da reparação, a sua finalidade de recompor o patrimônio espiritual da vítima e a razoabilidade já impediriam a incidência do tributo.

A indenização não constitui renda ou provento de qualquer natureza, nem acréscimo patrimonial, já que visa justamente - tal qual decidido judicialmente - reparar o patrimônio moral da vítima.

Além disso, não há lei tipificando expressamente a situação, o que permite que a interpretação mais razoável seja feita em favor do contribuinte (vítima).

Um mesmo instituto jurídico não pode ser analisado de modo distinto. A reparação do dano moral pode ser feita, por exemplo, mediante a concessão de uma viagem de luxo ao exterior com tudo pago para a vítima e sua família, ou mediante um anúncio em televisão.

Nestas hipóteses não haveria incidência tributária. Portanto, não seria lógico que o mesmo valor econômico, a ser utilizado à escolha e conveniência da própria vítima, pudesse ser objeto de tributação.

A indenização por acidente de trabalho é isenta do IR, conforme o artigo 6º, inciso IV da Lei nº 7.713, de 1988. A norma é genérica e, assim, a isenção é para qualquer indenização, material ou moral.

A Lei nº 8.213, de 1991, estabelece que se equipare ao acidente do trabalho, entre outros, o evento ocorrido em viagem para a empresa, ou no trajeto para o trabalho, e a ofensa física ou o ato de agressão sofrido no trabalho, ainda que de terceiros, segundo seu artigo 21.

Nesses casos não haverá incidência de IR sobre a indenização, eis que esta será decorrente de acidente de trabalho.

A Constituição Federal estabelece o princípio da igualdade em seu artigo 5º, sendo vedado o tratamento desigual entre contribuintes (artigo 150, inciso II).

Assim, não há razão para que a vítima de um acidente (enquanto vai ao trabalho) tenha isenção, ao passo que outra de similar desastre em transporte público (cuja responsabilidade é do Estado) tenha de pagar a um dos obrigados por impedir o fato.

Se um empregado tem isenção quando vítima de uma agressão praticada por um colega (acidente do trabalho), não há razão para que outra seja tributada quando, por exemplo, ocorrer violência policial (praticada pelo agente do Estado). Viola-se o princípio da igualdade.

O Poder Judiciário pode demorar mais de uma década para reconhecer o direito e, assim, fere o bom senso. Ao fim, o governo ainda pretende ficar com parte da parcela, impedindo que o patrimônio moral seja integralmente reconstituído.

Decisões judiciais estão reconhecendo a não-incidência do IR sobre indenização por dano moral - como a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Agravo Regimental em Recurso Especial nº 869.287. Por tudo isso, é lamentável que a Receita ainda mantenha a orientação de tributar tal parcela.

José Lucio Munhoz é juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Cotia, mestre em direito pela Universidade de Lisboa e ex-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra) de São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


11 de outubro de 2007
N° 15390 - Nilson Souza


As pedras de Salvador

Passei uma semana em Salvador, cidade cheia (mas cheia mesmo) de gente e de história. São mais de 3 milhões de habitantes, um verdadeiro formigueiro humano. Fiquei verdadeiramente perplexo com a quantidade de pessoas que habitam e circulam pela terceira capital mais populosa do país.

E o espantoso é que aquela multidão se espreme, mas passa sem estresse pelas ruelas estreitas, pelas ladeiras seculares e pelas portas de todas as igrejas. O que não falta é religiosidade. A melhor definição do tipo local saiu da letra de uma canção e caiu no gosto do povo:

- O baiano tem Deus no coração e o diabo nos quadris.

Nada mais preciso. São centenas de templos, capelas e centros religiosos. Todos os santos e todos os orixás convivem em total harmonia. Tive a oportunidade de acompanhar um espetáculo fascinante no Pelourinho. Foi uma apresentação do Balé Folclórico da Bahia - cantigas de candomblé, dança afro e acrobacias de tirar o fôlego.

Jovens bailarinos revezam-se num balé sensual e alucinante, que inclui homenagens aos principais orixás, um número impressionante de dança do fogo e saltos mortais de dar inveja a Daiane dos Santos.

Tudo isso tendo como fundo musical o batuque dos tambores e as vozes melodiosas de duas cantoras negras, que intercalam gritos ancestrais saídos do coração da África e belas canções de Caymmi.

Conheci a praia de Itapuã, a lagoa de Abaeté, Amaralina, o Mercado Modelo, a Baixa do Sapateiro e outros lugares que a inspirada música baiana levou ao conhecimento do Brasil.

O que mais me impressionou nesse Estado onde o Brasil começou foi exatamente o espírito pacífico e divertido de sua gente. O baiano, ao contrário do estereótipo, trabalha muito, mas não se estressa. Claro que não se pode rotular uma população inteira.

Outra coisa interessante é a divisão da população local, não apenas entre Bahia e Vitória (o Já ia e o Vicetória, na provocação do torcedor), que andam pela terceira e segunda divisão do futebol brasileiro, mas também entre os Carlistas e os anti-ACM.

Para uns, o falecido senador era tão amado que já deveria ter ingressado no panteão dos orixás. Para outros, o apelido de Malvadeza era até elogioso demais.

Mas a política e o futebol ficam em segundo plano quando os baianos falam de sua história, que é uma parte importante da história do país.

Eu mesmo tratei de tirar uma foto ao lado do monumento ao meu ancestral, Tomé de Souza, fundador da cidade. Fiz o mesmo com uma estátua de Irmã Dulce, que deixou uma obra social maravilhosa.

As pedras de Salvador são registros indeléveis de uma história absolutamente fantástica, escrita pelas armas e pela fé, por conquistadores e santos.

Well, ainda que com chuva, muita chuva... segundo a meteorologia, que tenhamos todos uma ótima quinta-feira e um excelente feriado.


11 de outubro de 2007
N° 15390 - Paulo Sant'ana


Pressa, a sempre culpada

Esse acidente rodoviário ocorrido no oeste catarinense é uma das mais inacreditáveis tragédias já acontecidas no Brasil.

Em primeiro lugar, pelo número de vítimas: 27 mortos e 88 feridos é uma cifra que se adapta mais a um acidente aéreo do que a choque de veículos em uma BR.

E em segundo lugar pela estranha rota percorrida pelo caminhão que originou o segundo acidente, aquele que esmagou para a morte mais 16 pessoas, além das 11 que já haviam morrido uma hora e meia antes, no primeiro acidente.

Não se compreende como pode esse motorista de caminhão que provocou as 16 mortes restantes ter querido se adiantar a mais de um milhar de veículos que estavam parados em fila indiana, aguardando que fossem socorridas as vítimas do primeiro acidente e removidos os veículos envolvidos no choque.

Esta é a primeira incredulidade. A segunda é como pode terem deixado a pista da contramão livre e desimpedida por cerca de dois quilômetros, sem nenhum óbice, oferecida ao apetite de pressa do motorista que causou o segundo acidente.

O segundo e mais grave acidente é inexplicável. Não há como entender-se que um motorista de caminhão, vendo que a faixa geminada da direita era inteiramente ocupada pelos veículos estacionados à espera do deslinde do primeiro acidente, possa ter tido o desplante e a agressividade de desenvolver velocidade em torno de 100 km/h, quando toda a aparência do local, durante 1,5 mil metros, era de emergência, expectativa e tensão pelo acidente ocorrido lá adiante.

O que vemos à distância, com os dados de que dispomos, é que um motorista de caminhão considerou a si próprio como um ser privilegiado, capaz de passar à frente de centenas de outros motoristas que estavam obedientemente na fila de espera na rodovia.

Em outras palavras, um espertinho. Uma pessoa que se julgou mais diligente que os outros todos que esperavam, para ele uma multidão que desconhecia ser possível furar aquele bloqueio todo.

E foi em frente. Para o que desse e viesse. O impressionante é que ninguém o atacou, certamente porque todos os agentes de autoridade estavam empenhados em remover os escombros materiais e pessoais do primeiro acidente.

É muito inverossímil que o motorista do caminhão indigitado tenha perdido os freios. E até não interessa se os freios do caminhão deixaram de obedecer, diante do fato principal de que o motorista trafegava na contramão, em alta velocidade e tinha finalidade de passar à frente da enorme fila pela esperteza.

Sou autor de uma teoria de que as maiores aflições do trânsito, portanto as mais graves infrações, se dão por pressa dos motoristas.

A pressa é fator concorrente com o álcool, sempre presente na maioria dos acidentes. E pressa quer dizer tentativa de passar os outros para trás. A pressa leva à morte, leva aos choques, leva ao desatino.

E finalmente: a alegação da mulher do caminhoneiro de que ele lhe disse que faltaram freios cai por terra, quando se sabe que ele podia ter desviado o caminhão para a direção do acostamento, quando pressentiu que ia atingir a pequena multidão que socorria o primeiro acidente.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007



A CPMF e o burro falante

Artigo - Paulo Rabello de Castro
Folha de S. Paulo - 10/10/2007


No Brasil atual, é apenas uma questão de tempo que o povo se levante contra o poder tributário de Brasília

CERTA VEZ, um rei ofereceu uma grande recompensa para quem ensinasse seu burro a falar. Mas, para quem fracassasse na tentativa a punição seria a morte. Candidatou-se apenas um homem, em todo o reino, já condenado por outro crime.

O desafiante começou a tarefa com grande empenho. Mas, por certo, o burro não aprendia nada. Quando questionado por curiosos sobre o porquê de haver aceito tarefa impossível, respondeu com simplicidade: "É que antes morre o burro, ou morre o rei, ou então, morro eu".

O desafio do presidente Lula, ao buscar prorrogar a CPMF como "imposto justo", é em tudo semelhante ao do condenado que tenta fazer o burro falar.

A tentativa é desmoralizadora, pois empurra o governante a expor uma "lógica" ainda mais desconcertante, como afirmou o próprio Lula, ainda na semana passada, "ser obrigação do presidente, do governador, do prefeito, arrecadar o máximo que puder" para poder, depois redistribuir a quem não tem.

A lógica da arrecadação máxima vem de longe. Povos inteiros, desde a remota Antiguidade, têm sido escorchados por seus dominadores. Contudo, desde sempre, os conquistadores mais espertos sabiam moderar e equilibrar o que sacavam do povo por eles dominado, para não matar a galinha com seus ovos de ouro.

No século 18, aqui no Brasil, a Inconfidência Mineira foi sufocada por reagir à "derrama" dos 25% cobrados pelos lusitanos ao ouro brasileiro. Em 1776, George Washington levantou os americanos contra o excesso de taxação de impostos pelos ingleses sobre suas 13 colônias.

No Brasil atual, é apenas questão de tempo que o povo se levante contra o poder tributário de Brasília. Esta, sim, é a grande injustiça contra a qual deveria se insurgir o presidente, que tem a representação direta do seu povo.

Brasília engana o povo quando não estampa, no rótulo das mercadorias, a carga dos tributos incidentes no preço final. A camada da população que o presidente busca defender e preferenciar recolhe impostos e contribuições num montante dez vezes superior à suposta redistribuição fiscal promovida pelos "auxílios do Estado" como Bolsa Família e outros.

O Estado, que dá com uma mão, tira com outras dez.

O efeito global, macroeconômico, da carga tributária exagerada do Brasil é ainda pior. Calculamos o efeito da carga haver pulado de 30% para 35% do PIB nos últimos anos. O governo hoje arrecada quase 40% de tudo o que se produz no país.

O efeito disso é devastador para o próprio crescimento, pois o PIB perdeu 1,5 ponto do seu potencial de expansão anual. Exemplo: neste ano vamos crescer 4,5%; poderíamos crescer mais 1,5 ponto, ou seja, 6% anuais.

A conta de empregos perdidos, renda não circulada e, também, de tributos não recolhidos, em decorrência do excesso de carga tributária, é maior do que toda a CPMF arrecadada por Brasília!

Tentar provar que a arrecadação truculenta de tributos corresponde a uma política de redistribuição social é querer convencer a todos que o burro vai aprender a falar.

Tão certo quanto burro não fala é a certeza da rebelião popular contra a avalanche dos tributos e contra o poder que os impõe. Lula, que cresceu como legitimo líder dos interesses populares, posaria melhor na foto se ao lado dos que hoje padecem com a carga tributária mais burra do planeta.

PAULO RABELLO DE CASTRO , 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos.

Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

CLÓVIS ROSSI

De flores e Rolex

MONTREUX - Beatrice Gakuba, 51 anos, deveria estar roubando Rolex em Ruanda, se é que alguém usa Rolex em Ruanda. Ela é tutsi, etnia que foi massacrada pelos hutus no genocídio de 1994, um dos grandes horrores da história.

Calcula-se que, em pouco mais de três meses, morreram cerca de 800 mil pessoas, entre elas uma boa parte da família de Beatrice.

Ela escapou porque testemunhava outras violências, em Angola por exemplo, como funcionária do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Passou 20 anos nesse braço da ONU, trabalhando em programas contra a pobreza, até voltar para sua terra, quando a violência foi posta sob controle, um conceito sempre relativo em áreas de rivalidades tribais.

Largou uma bem-sucedida carreira de 20 anos como funcionária internacional, qualificada pela formação em humanidades e por falar inglês, francês, italiano e até português, apreendido em Angola.

Até hoje, Beatrice não consegue explicar por que voltou. Seus antigos chefes em organismos internacionais lhe perguntaram várias vezes os motivos.

Um deles chegou a lhe dizer que não iria embora de Ruanda enquanto ela não lhe explicasse as razões. "Não sei. Veio daqui, ó" (e aponta para o ventre).

Voltou para vingar-se? Nem pensar. Comprou uma pequena firma de flores (a Rwanda Flora), virtualmente falida, e transformou-a em uma usina de exportar rosas para a Holanda, que absorve 90% da produção.

Dá emprego para 200 mulheres e lançou um programa de treinamento sobre plantios para exportação para 40 jovens sobreviventes do genocídio e/ou órfãos de portadores do vírus da Aids, uma epidemia na África.

Pergunto se houve pelo menos um minuto de arrependimento pela troca feita. "Não, nunca. Sei que lá eu posso fazer a diferença".

crossi@uol.com.br


10 de outubro de 2007
N° 15383 - Martha Medeiros


Futebol feminino

Não há quem não vibre com a eleição de "Magic" Marta como a nova fera do esporte nacional. Salve minha xará, a Marta boa de drible, a Marta que se consagrou como a melhor jogadora de futebol feminino do mundo.

No entanto, mesmo entre os brasileiros fanáticos por bola, ainda há dificuldade em se considerar o futebol feminino um belo espetáculo. Não é uma questão de preconceito e falta de visão, como uma análise apressada poderia julgar.

Talvez o futebol feminino venha a ser um esporte popular e difundido mundialmente, gerando ídolos, patrocínios milionários e altas audiências. Mas quem realmente aposta nisso?

Obviamente que o nosso futebol feminino pode se profissionalizar, bastando que as empresas invistam, que sejam organizados mais torneios e que se transmitam os jogos pela tevê. Craques já temos.

Porém, quase ninguém discute um aspecto importante da questão, justamente aquele que resvala para o politicamente incorreto: esporte, mais do que nunca, é espetáculo e depende da imagem. E futebol é um esporte viril. Tanto ou mais que o halterofilismo ou o boxe.

É sabido que as mulheres podem ser iguais ou melhores que os homens em talento, conhecimento, desempenho, inteligência, determinação.

Não temos diferenças no que concerne à nossa mente e capacidade. Mas nossos corpos são distintos. E quando um esporte "viriliza" o jogo de corpo feminino, cria-se um impasse.

É bacana ver uma mulher ser combativa na vida, lutando pelos seus ideais, conquistando seus direitos. Mas quando o combate conduz à masculinização do físico e dos gestos (em campo, saliento), perde-se o poder da sedução, no sentido mais amplo do termo.

As mulheres já estão dentro do futebol, como torcedoras, como comentaristas ou como jogadoras. As escolas e clubes oferecem a modalidade desde cedo e as meninas se divertem e se exercitam, não há nada de errado nisso.

O problema é como sair do amadorismo e partir para a profissionalização sem violar as regras de outro jogo: o da natureza humana. Os investimentos no esporte só são compensados quando existe uma torcida entusiasmada. O futebol feminino entusiasmará um dia como o vôlei e o basquete feminino?

Não se trata de vestir as atletas com um uniforme mais decotado, o assunto é sério. Falo sobre a exigência de uma energia máscula e dos aspectos culturais que envolvem essa discussão no Brasil, um país que não é a Alemanha.

Ao meu ver, é este o grande desafio que nossas jogadoras terão que enfrentar - e espero que vençam - para escapar do cruel destino de talentosas halterofilistas e boxeadoras: a invisibilidade.

Ótima quarta-feira esta que marca sempre o Dia Internacional do Sofá. Que bom que ela existe e que a gente pode se encontrar, imaginem não fossem as quartas, o sábado e domingos ficariam tão distantes...

sábado, 6 de outubro de 2007



07 de outubro de 2007
N° 15388 - Martha Medeiros


O futuro lá eu aqui

Acredito nas voltas do mundo, nas surpresas, na velocidade das mudanças. Isso me impede de agendar compromissos com muita antecedência

Eu admiro muito este circo mais moderno que existe hoje, que não expõe animais amestrados e privilegia o equilíbrio, o ilusionismo, a movimentação, a fantasia, a música, a acrobacia e a arte, tais como o nosso Tholl e, naturalmente, o Cirque du Soleil.

Quando eu soube que haveria uma apresentação do Cirque em Porto Alegre, vibrei. Quando? Na segunda quinzena de maio de 2008. Contando desde agora, faltam sete meses e meio.

Temos que passar antes pela primavera, pelo verão, pelo Natal, pelo Ano-Novo, pelo Carnaval, pela Páscoa e ainda entrar em um novo outono. Não comprei os ingressos.

Sou uma mulher planejada, mas não consigo me antecipar tanto assim aos fatos. É bastante provável que eu esteja viva em maio de 2008, mas não posso garantir que não estarei envolvida com um problema de família, ou com uma viagem marcada para o Exterior, ou com uma dor-de-cotovelo gigantesca, daquelas que nos jogam na cama e nos fazem esbravejar diante da palavra Alegria.

Ok, tudo desculpa esfarrapada, mas a verdade é que não quero deixar nada agendado para maio de 2008, nem para mês algum de 2008. Deve ser coisa da idade, claro. Quero parar o tempo, e não ser empurrada lá pra frente.

Fico imaginando que casais de namorados que compraram as entradas três meses atrás (quando um cartão de crédito fez uma tentadora promoção) talvez não estejam mais juntos ano que vem.

Mas sentarão lado a lado, rosnando educadamente um para o outro. Mulheres que também compraram o ingresso em julho passado talvez tenham engravidado logo depois e estejam saindo da maternidade no dia do espetáculo.

Algumas pessoas terão, neste meio tempo, recebido uma proposta de emprego, só que em outro Estado. Alguns poderão estar passando por dificuldades financeiras e acabarão vendendo seus ingressos na entrada, feito cambistas. Vá saber como estará sua vida em maio do ano que vem.

Acredito nas voltas do mundo, nas surpresas que nos aguardam, na velocidade das mudanças. Isso me impede de agendar compromissos com tanta antecedência, pois daria a entender que tenho controle sobre meu destino, e não tenho, ninguém tem.

Não me comprometo com eventos profissionais muito longe do meu hoje, não reservo mesa em restaurantes da moda que possuem uma fila de espera de semanas, não compro bilhetes de viagem para datas que não possam ser anotadas na agenda que estou usando agora.

Vou perder o Cirque du Soleil em Porto Alegre? Talvez não. Espero que não. Sou otimista o suficiente para acreditar que, chegando mais perto, conspirações cósmicas me ajudarão a adquirir um lugar na platéia, alguma venda extra há de ter.

Mas se não conseguir, paciência. Não vou trazer o futuro para tão perto, prefiro chegar lá com mais calma. Já me basta a tortura de ter que começar a planejar o próximo Réveillon.

Um ótimo domingo, excelente iníco de semana para todos nós.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007



04 de outubro de 2007
N° 15376 - Nilson Souza


Entre o santo e o dragão


Aprendi na minha última aula de inglês que a ordem de nascimento de uma criança na família pode ser determinante para a formação de sua personalidade futura. Minha teacher me fez trabalhar um texto baseado em estudos psicanalíticos que revelam as diferentes características das pessoas, de acordo com sua posição familiar.

É bem interessante: o mais velho tende a ser mandão, mas também responsável; o do meio costuma ser sociável, mas também pode ser ciumento; o mais novo tem mais chance de usar a sedução para conseguir o que quer, mas também pode se tornar um preguiçoso porque recebe tudo de mão beijada.

E o filho único, cada vez mais freqüente nos tempos atuais, transita entre o egoísmo e a organização.

Diz ainda o texto que o filho mais velho tende a se tornar autoconfiante e a ser um bom líder, mas pode também ficar autoritário e até agressivo quando não fazem o que ele quer.

A pesquisa mostra que normalmente o primogênito é bom para se comunicar, porque aprendeu a falar com os pais e não com irmãos e irmãs, portadores de vocabulário mais pobre. O primeiro a nascer costuma ser mais responsável, também pode ser uma pessoa que se preocupa demais.

O filho do meio, ou um dos filhos do meio como este cronista, tem tendência a se tornar independente e competitivo, pois precisa disputar com os irmãos aquilo que deseja.

Mas, bem orientado, pode virar também cooperativo, bom negociador e sociável, já que tem sempre com quem interagir. Corre o risco, porém, de ser ciumento e temperamental, se desconfia que os pais preferem os irmãos mais velhos.

Já o caçula da família costuma usar o charme para conseguir o que quer. Desenvolve de tal maneira a capacidade de encantar, que pode até se transformar num manipulador.

Como tem sempre alguém para ajudá-lo, e ele sabe conquistar simpatias, também tende à preguiça. Costuma ser afetivo, mas não é muito independente.

E chega-se ao filho único, que não precisa dividir as atenções dos pais com ninguém. Normalmente é organizado, responsável e imaginativo, mas tem dificuldade para se comunicar, torna-se excessivamente sensível a críticas e transita no limite do egoísmo.

Claro que nada disso é regra imutável. Sempre lembro de uma história contada por Luis Fernando Verissimo sobre a mãe que criou os três filhos da mesma maneira, fazendo-os rezar todos os dias no mesmo horário, a mesma oração e para o mesmo santo.

Segundo o escritor, um ficou devoto de São Jorge, outro do cavalo e outro do dragão.

Somos assim, imprevisíveis. Como diz a propaganda da novela, somos ao mesmo tempo iguais e diferentes.

Chove nesta Porto e por isso não está lá muito alegre. Mesmo assim, uma ótima quinta-feira a todos nós.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007



03 de outubro de 2007
N° 15385 - Martha Medeiros


Tudo que eu queria te dizer

A recente greve dos Correios me fez lembrar da nossa ansiedade quando, num tempo nem tão remoto assim, víamos o carteiro entrar na nossa rua. Vibrávamos com a iminente chegada das cartas de amigos, parentes e namorados, principalmente de namorados.

Hoje, as greves atrasam a entrega de coisas consideradas mais importantes, como documentos, contas e encomendas materiais, ou seja, correspondência anti-sentimental, já que cartas pessoais, escritas a caneta ou lápis, viraram peça de museu.

Passou a ser um recurso utilizado apenas por homens e mulheres que não dispõem de um computador e que nem cogitam entrar num cybercafé.

Ainda recebo, uma vez na vida e outra na morte, cartas escritas à mão pelos leitores, e fico sem ação: como faço para responder?

Ora, bastaria pegar um papel, escrever, envelopar, selar, ir até uma agência dos Correios e remeter - lembro como se faz. No entanto, pra quem se acostumou com a instantaneidade do e-mail, enviar uma carta se transformou numa via-crúcis.

Mesmo rendida à correspondência virtual, que dinamiza e facilita de forma estupenda a vida da gente, sigo cultivando uma certa nostalgia pela carta, aquele calhamaço em que depositávamos nossas ridículas palavras de amor, chegando a cometer poemas e decorá-los com ingênuos corações no lugar dos pingos nos is. Esquece, acho que nunca fiz isso.

Cartas em que contávamos detalhes sobre nossa viagem ao Exterior, quando o Exterior parecia bem mais longe que agora. Cartas contando da nossa vida em outra cidade, um relato minucioso dos novos hábitos e das surpresas da troca de rotina.

Cartas com fotografias em meio às páginas, cartas com pétalas arrancadas afoitamente de um jardim estrangeiro, cartas com notas de dinheiro - pais sempre ajudam financeiramente os filhos, imaginando que eles estão comendo mal fora de casa.

A carta era um abraço. Era uma comunhão. Uma prova inquestionável da importância que o destinatário tinha para o remetente. O e-mail até permite isso tudo, mas é tão instantâneo que o afeto fica sem pompa, a sinceridade parece gratuita, a ligeireza extingue a dedicação que o ato de escrever merece. Carta, ao contrário, é um esforço. E o esforço dignifica.

Pois escrevi um livro de cartas. Inventei personagens e situações, e reuni seus dramas em relatos fictícios, onde misturo afeto e solidão, humor e dor.

Cartas longas, cartas de pessoas vivendo uma situação-limite, valendo-se da urgência do desabafo. Emoções que perderiam o impacto e o foco se escritas num e-mail veloz.

O livro chama-se Tudo que eu Queria te Dizer. Autografo hoje, às 19h, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping. Convido você a violar essa correspondência.

Uma excelente quarta-feira, Dia Internacional do sofá e que já terá uma temperatura de verão por aqui.