sábado, 20 de junho de 2009



21 de junho de 2009
N° 16007 - MARTHA MEDEIROS


Brrrrrr, o inverno de novo

HOuve uma época em que eu perdi totalmente o juízo: acreditava que o inverno era a melhor estação do ano. Repetia à exaustão: ah, nada como lindos dias ensolarados e a temperatura nunca acima dos 13 graus. Todo mundo tem o direito de surtar de vez em quando.

Hoje afirmo categoricamente: por mim, o inverno poderia durar uma semana. Ok, duas semanas. O suficiente para tomar uma bela sopa, acender a lareira, dar um pulo em Gramado, tomar chá, quentão, vinho tinto e usar todos os cachecóis e botas que nos deixam tão elegantes.

O melhor do inverno está nas páginas do caderno DonnaZH de hoje: a moda. Fora isso, não tenho visto grande vantagem em ele durar intermináveis três meses – aliás, mal consigo imaginar como seria viver num país onde ele dura quase o ano inteiro.

No inverno, os dias são mais cinza. Há nevoeiros. Os voos não decolam de manhã cedo. É uma praga levantar antes das sete para trabalhar ou para levar os filhos à escola, ou ambos. Ainda está escuro lá fora. Tem coisa mais deprimente do que abrir a janela do quarto de manhã e ainda ser noite?

A maldita da rinite não nos larga. A umidade penetra nos ossos. Fresta na janela é espirro na certa. Dá preguiça de tirar a roupa para tomar banho. E quando a gente tira e se olha no espelho, surpresa: engordamos. Sem falar na pele desbotada. Foi-se a marca do biquíni. O nome disso é inverno.

Que saudade de acordar bem cedo com a cidade já acordada, de não passar frio, de colocar qualquer vestidinho com uma sandália rasteira e estar preparada para o dia. Comer mais salada, mais frutas, tomar mais líquidos, caminhar mais pelas ruas, ir ao clube, aos parques, passar alguns finais de semana na praia, praticar mais esporte, ganhar um bronzeado saudável.

Não conheço melhor regulador do humor. Do bom humor. A vida fica mais colorida, mais leve, e os dias mais longos: quem é que está a fim de que o tempo passe ligeiro? Concordo, mormaço é chato também, ficar suando não é nada agradável, mas como sou friorenta de nascença, nada disso me incomoda.

O inverno mal começou e eu já quero vê-lo pelas costas. Sei que é a estação mais sofisticada, mais civilizada, a preferida das cabeças pensantes, dos intelectuais. É muito mais chique gostar do inverno. O verão é vulgar, dizem.

Concordo. Mas estou disposta a devolver minha carteirinha de “mulher chique, civilizada, pensante”. Podem me expulsar dessa turma. Quero jogar frescobol na beira da praia, quero estar perto do mar, quero usar menos roupa, quero pegar sol, quero tomar caipirinha, quero todos os pecados tropicais.

Minha estação preferida? Sendo absolutamente sincera, são as de transição: outono e primavera, sem extremismos, um pouquinho de frio e calor na medida certa. Mas se é pra radicalizar, verão toda vida. E torçamos para que eu não esteja em surto de novo.

Um ótimo domingo, este que marca a entrada de mais um inverno e o fim de um outono nem tão alegre eu diria.


21 de junho de 2009
N° 16007 - MOACYR SCLIAR


O senhor inverno

Se as estações do ano correspondessem a figuras humanas, poderíamos imaginar o verão como um garoto alegre, travesso, sempre de pés descalços, pronto a mergulhar num rio ou a jogar futebol; a primavera como uma adolescente bela e meiga, de olhos sonhadores, entoando suaves canções. O outono?

Um homem de meia-idade, um poeta talvez, sempre a caminhar por bosques e sempre meditando sobre a vida. E o inverno? Bem, aí depende. O inverno divide opiniões; porque há quem não suporte o frio assim como existem aqueles que abominam o calor.

Aliás, é certo que a Batalha Final será travada não entre aqueles que atacam ou defendem o terceiro mandato para Lula, nem entre as forças do Bem e seus adversários do Mal; a Batalha Final será travada entre aqueles que detestam o inverno e aqueles que o amam.

Nessa linha de raciocínio, Henry David Thoreau, o pensador americano que venerava a natureza e a celebrou em várias obras, dizia que, para algumas pessoas, o inverno seria um rude e prepotente tirano, mas que ele preferia vê-lo como um monarca benévolo e gentil.

Rei talvez seja um pouco de exagero, mas podemos, sim, falar de um Senhor Inverno, um cavalheiro de idade que nos visita todos os anos. Veste-se bem, ele, com elegância discreta: sobretudo, manta, boné ou chapéu. Usa barba, obviamente, uma barba bem cuidada. Sua voz é grave, voz de barítono.

É um homem culto: nas longas noites da estação fria, sua diversão principal é ler (Shakespeare, Machado de Assis) e ouvir música (erudita: Bach, Mozart), enquanto saboreia um cálice de vinho. Ah, sim, o Senhor Inverno é gourmet; gosta de comer bem e frequenta bons restaurantes. Mas prefere ficar em casa, sentado diante da lareira, muitas vezes olhando as chamas que dançam alegremente.

É triste, o Senhor Inverno? Talvez o seja: a falta de luz solar exerce esse efeito sobre a química do nosso organismo, causando aquilo que os americanos chamam de winter blues, a tristeza do inverno. Isso, para o Senhor Inverno, não chega a ser problema, ao contrário: essa tristeza superior, espiritual, é para ele o ponto de partida para uma meditação sobre a existência, para uma busca de respostas às tradicionais questões com as quais muitas vezes somos confrontados: por que estamos aqui?

Qual o sentido da vida?

Se esse debate interior fica muito inquietante, o Senhor Inverno tem alternativas: um bom DVD, por exemplo. Ou um chá acompanhado de torradas.

Finalmente, é bom dizer que o Senhor Inverno é muito hospitaleiro: na casa dele, sempre seremos bem recebidos. E lá encontraremos abrigo para o cortante vento que, aqui no Sul, muitas vezes arranca lágrimas de nossos olhos.

A propósito da comemoração do Bloomsday, que no dia 16 de junho de cada ano homenageia a obra Ulysses, de James Joyce, em vários lugares do mundo, escreve-me a Moina F. Rech, de Santa Cruz, para dizer que na Livraria e Cafeteria Iluminura, daquela cidade, a tradição é mantida, inclusive com uma torta especial dedicada aos dois personagens principais do livro: a parte que lembra Bloom (o homem) é recheada com abacaxi, a que evoca Molly (a mulher), com geléia de amora.

Alguma insinuação nisso, Moina? Parabéns a você e a Santa Cruz pela realização. Também agradeço as mensagens de Mauro Duarte, do prof. José Fernando Piva Lobato, de Alaíse S. da Silveira, de Renon Vieira, de Adriano Lamego, de Camilla Casa Nova, de Jorge Ritter, de Alexandre Cohen, de Valdo Barcellos, e de Carlos Stein, homônimo do escritor (sou um cara afortunado: tenho dois amigos chamados Carlos Stein).

O Carlos André Moreira, que brilha no jornalismo cultural aqui de ZH, estreia na ficção com o recém-lançado Tudo o que Fizemos, mais uma amostra de seu talento – e mais uma voz na ascendente ficção gaúcha.

A dra. Helena Ibañez e o dr. Cesar de Almeida Martins Costa convidam para a palestra sobre o Fausto de Goethe, que será proferida pelo poeta e acadêmico Carlos Nejar, com debates pela psiquiatra e psicanalista dra. Marlene Araujo e pelo Doutor em Direito, Gerson Branco. Dia 2 de julho, às 20h, na Travessa Acylino de Carvalho 21, 4º andar.

Isabela Boscov

Entre irmãs

É difícil decidir quem está melhor em Há Tanto Tempo que Te Amo, se Kristin Scott Thomas ou se Elsa Zylberstein



O ELEMENTO ESTRANHO
Kristin: a coragem de repudiar toda simpatia

Em Há Tanto Tempo que Te Amo (Il y a Longtemps que Je T’Aime, França, 2008), que estreia nesta sexta-feira, duas irmãs se reencontram com o embaraço evidente dos há muito separados. Léa (Elsa Zylberstein) leva a mais velha, Juliette (Kristin Scott Thomas), para a casa em que mora com o marido, o sogro e as duas filhas pequenas. Recebe-a calorosamente, mas Juliette, cortante e com o aspecto de quem foi maltratada pela vida, não é um alvo fácil para a afeição.

À noite, depois de um jantar cheio de silêncios, o marido de Léa diz que não quer ter Juliette em casa – um desplante, já que Léa é tão atenciosa para com o sogro. Ocorre que Juliette não esteve em viagem, como mentiu-se às crianças: esteve presa por quinze anos, em razão de um crime impronunciável. Quando ela conta a um possível empregador – que sabe que ela é ex-presidiária – que crime foi esse, ele a enxota, chocado e repugnado.

Não é difícil entender sua reação; a partir daí, aliás, o espectador é que terá de lutar com esse dado acerca da personagem, que dará um novo significado a cada gesto seu e, principalmente, uma nova dimensão à lealdade de Léa: o que se tem aqui, afinal, é menos uma trama de suspense ou um drama sobre a volta ao convívio de alguém que é um corpo estranho, e muito mais a história do amor quase miraculoso de uma irmã.

Não porque seja cego, mas porque, como o diretor Philippe Claudel entende tão bem, é um sentimento forjado em outro tempo e preservado intacto, que a caçula Léa irá então racionalizar, dia após dia, na tentativa de recuperá-lo para o instante que ela e a irmã atravessam.

Claudel, que é professor de literatura e ele próprio escritor, domina com facilidade as convenções clássicas do romance – o segredo como o nascedouro do drama, o trajeto da distância à convergência (ou vice-versa) que os personagens têm de descrever.

Com tanta facilidade, aliás, que nem a explicação novelesca para o crime de Juliette subtrai de seu impacto. Mas o que de fato distingue seu filme é o trabalho extraordinário das duas atrizes. Kristin faz o que poucos intérpretes têm coragem de fazer, que é não apenas resistir a cortejar a solidariedade do espectador, como francamente repudiá-la.

Elsa se propõe uma tarefa ainda mais difícil: expressar maneiras de ser doce e maternal que advêm não apenas da índole, mas do pavor de se descobrir semelhante à irmã no íntimo – e, ainda assim, não ser menos genuinamente doce e maternal. A oportunidade de apreciá-las em um momento tão notável é o que de melhor o filme tem a oferecer

Suzana Villaverde

Na dúvida, pergunte ao Alec

Aos 10 anos, Alec Greven faz sucesso com livro em que ensina aos coleguinhas como se aproximar das meninas sem fazer papel de bobo

Quem pensaria em pedir conselhos amorosos ao loirinho da foto ao lado, de sorriso simpático mas sem jeito de ter milhagem no assunto? Resposta: um bocado de gente.

"Se ela não gostar de você, não se preocupe; acontece", prescreve Alec Greven, repetindo uma regra inúmeras vezes escrita em milhares de livros de autoajuda e raramente seguida. Do alto de seus 10 anos, Alec já acumula alguma experiência: tinha 8 quando escreveu o best-seller Como Falar com Meninas, que a editora Record acaba de lançar no Brasil. O livro surgiu de um trabalho de escola.

"A professora pediu para a gente escrever um livro sobre qualquer assunto. Eu não tinha nenhuma boa ideia para uma história, então resolvi ajudar os meninos que tentam conversar com as garotas no recreio", contou ele a VEJA.

Como problemas amorosos existem em qualquer lugar e em todas as faixas etárias, o trabalho, de encantadora espontaneidade, chamou a atenção dos professores, foi impresso e começou a ser vendido na própria escola de Castle Rock, no estado do Colorado, a 3 dólares o exemplar.

Alec foi ficando conhecido, começou a ser convidado para programas de TV e, um dia, viu-se sentado no sofá da influente apresentadora Ellen DeGeneres, que gostou da sua conversa e o pôs em contato com uma editora.

Como Falar com Meninas vendeu mais de 150.000 exemplares nos Estados Unidos, foi traduzido para dezoito idiomas e teve os direitos comprados pela Fox, que o transformará em filme, ainda sem previsão de estreia. "Alec é o tipo de autor que aparece uma vez na vida de um editor.

Ele tem talento, boas ideias e uma simplicidade inata que contagia a todos", elogia Toni Markiet, editora executiva de literatura infantil da HarperCollins, que já lançou outros dois livrinhos na mesma linha, nos quais o menino ensina como falar com mães e pais. Um terceiro está a caminho (Como Falar com Papai Noel) e, para o ano que vem, o quarto, dessa vez um relato pessoal das experiências de Alec na escola.

A naturalidade é o grande trunfo de Alec, que fala do que conhece, leva jeito para escrever e é engraçadinho. Desde que não se espere de seus livros nada além do que um menino muito esperto de 10 anos é capaz de produzir – quem esperar mais pode ir direto ao melhor livro de autoajuda sobre comportamento amoroso jamais escrito,

As Relações Perigosas. Como no romance epistolar do fim do século XVIII, de Choderlos de Laclos, o principal conselho de Alec é não demonstrar interesse excessivo pelo alvo em potencial da conquista para não tirar o sabor de emoção e de incerteza do processo todo.

Considerações recheadas de bom senso se misturam a estatísticas que, modesto, avisa, "se baseiam nas minhas observações na escola; não têm alcance global". Entre elas: "Cerca de 73% das meninas normais dispensam os meninos; 98% das meninas bonitas dispensam os meninos".

A imagem de bom menino do interiorzão americano é outra vantagem de Alec, que doa parte do que ganha com os livros a uma fundação de pesquisa sobre câncer, em memória da avó, vítima da doença.

O restante é administrado pelos pais – um empresário do ramo de guarda-volumes e uma dona de casa que, além do mais velho, Alec, têm mais dois filhos (o do meio, evidentemente, já pensa em escrever um livro).

Em Castle Rock, Alec leva vida normalíssima para a idade: é bom aluno, vai passar as férias de verão na Flórida, gosta de jogar beisebol, sonha em conhecer a Casa Branca – nenhum convite até agora –, não liga para videogame, pouco vê TV e é fã de Harry Potter. "Eu fiquei mais conhecido aqui, mas não sou nenhum Justin Timberlake. Nem adulto eu sou ainda", releva.

O sucesso literário não impressiona os coleguinhas: "Não fiquei muito mais popular na escola. Perguntam como é aparecer na televisão e conversar com pessoas do mundo inteiro, mas não ganhei mais amigos por isso". E como é aparecer na TV? "Minha mãe me ajuda a escolher a roupa e eu treino com ela possíveis perguntas e respostas.

Fico meio nervoso, mas todo mundo é muito legal comigo", responde. Sobre relacionamentos, fora as observações da hora do recreio, ainda se mantém no ramo teórico. "Nunca tive namorada. Acho que é porque sou muito novo. Meus pais ainda não me deixam sair para encontros", diz.

"Mas, quando eu tiver 16 anos, vou encontrar alguém." De preferência, uma menina de cabelo liso, a única exigência que confessa, embora avise: "Se ela for muito legal, até pode ter cabelo cacheado". Surpreendentemente, não pretende ser escritor quando crescer. Quer ser arqueólogo – com bastante tempo para namorar e escrever livros, claro.


*Cristiane Segatto

Eles traem sem camisinha

Foram realizadas 8 mil entrevistas com homens e mulheres de 15 a 64 anos de todas as regiões do país.

No quesito fidelidade, confirmou o que todos nós imaginávamos: 21% dos homens casados ou que vivem com companheiras têm parceiras eventuais. Entre as mulheres, apenas 11% têm relações fora do casamento.

A diferença não surpreende. Nossa cultura tolera - e até enaltece - as escapadelas masculinas. Não faz o mesmo com as femininas. Mulheres que traem são punidas com a execração familiar e social. É comum encontrar matronas que protegem os filhos que pulam a cerca. Às filhas que fazem o mesmo reservam a mais dura censura.

Os números do governo apontam algo mais grave: os homens traem sem camisinha. A maioria dos casados que buscaram outras parceiras não usou preservativo em todas as relações. No grupo dos traidores, 57% dispensaram a camisinha.

Isso é criminoso. De uma ignorância atroz. De uma irresponsabilidade sem tamanho. Muitos desses homens são os mesmos que também não aceitam usar camisinha com as mulheres que vivem com eles.

Ou seja: pegam aids ou outras doenças sexualmente transmissíveis nas relações eventuais e levam para casa. Infectam a parceira de tantos anos, a mulher com quem dividem os melhores e os piores momentos da vida a dois, a mãe dos filhos.

Acho impossível exigir fidelidade de alguém. Embora seja fiel (que fique bem claro), tenho minhas dúvidas sobre se ela de fato garante a felicidade dos casais. Respeito, no entanto, é o mínimo que se pode exigir e esperar de um casamento. E respeito, entre outras coisas, é usar camisinha em todas as escapadelas.

Sempre que converso com alguma mulher que pegou aids do marido - o que é muito comum -- penso na crueldade que reside nessas histórias. A mulher não trai, resiste a todas as oportunidades de fazer sexo casual e é infectada dentro de casa porque foi tonta o suficiente a ponto de confiar no marido.

Segundo a pesquisa, 80% dos entrevistados (homens e mulheres) acham que ter parceiro fiel e não infectado reduz o risco de trasmissão do HIV. Esse nosso povo brasileiro, tão desconfiado de tantas coisas, está acreditando em fidelidade.

Eu, que já passei da idade de acreditar em histórias da carochinha, não acredito em marido fiel. Fiz um pacto com ele. Não transamos sem camisinha. Se ele for fiel como eu, estamos empatados. Se não for, estou protegida.

É esse pacto que as mulheres precisam começar a construir: camisinha em todas as relações - eventuais ou não. Entre as mulheres que traem, 75% não usaram preservativo em todas as relações eventuais. Ou seja: elas não exigem camisinha em casa nem na rua. Todos perdem.

Homens e mulheres maduros precisam ouvir as lições sobre sexo seguro que seus filhos e sobrinhos conhecem e aplicam. A pesquisa confirmou que os jovens usam mais camisinha.

Na faixa dos 15 aos 24 anos, 49% dos entrevistados disseram ter usado camisinha no último ano em todas as relações com parceiros casuais. O índice poderia ser mais elevado, mas não é exatamente ruim. Dos 25 aos 49 anos, caiu para 44%. Dos 50 aos 64 anos, despencou para 32%.

Não é fácil fazer esse tipo de pesquisa. Quando se trata de sexo, as pessoas costumam mentir descaradamente. Ainda assim, essa tentativa de flagrar o comportamento sexual do brasileiro convida a várias reflexões. Qual é a sua? O que você pensa sobre fidelidade e camisinha? Queremos ouvir a sua opinião.

*Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismoHomens casados traem.

Mais do que as mulheres. Até aqui nenhuma novidade. O Ministério da Saúde divulgou o resultado da mais ampla pesquisa sobre o comportamento sexual do brasileiro.


20 de junho de 2009
N° 16006 - MOACYR SCLIAR


A arte da fuga

As situações de estresse são extremamente comuns em nossa época, como mostra a pesquisa de Ana Maria Rossi.

E a pergunta se impõe: o que fazer a respeito? Para respondê-la, é preciso notar, em primeiro lugar, que o estresse não afeta só a espécie humana. Os animais também passam por isso na luta diária pela sobrevivência.

E reagem às ameaças de um forma muito simples, com uma resposta binária: a luta ou fuga (fight-or-flight, na expressão em inglês, que envolve um engenhoso trocadilho – expressão esta proposta pelo fisiólogo Walter Cannon em 1915). A zebra que, numa savana africana, avista um leão, não hesita em dar no pé, sob pena de transformar-se em refeição para os carnívoros. Ou seja: luta ou fuga para os animais é uma escolha simples.

Não para os sere humanos. Fuga, para nós, é sinônimo de covardia. Somos ensinados, desde a infância, a, diante de uma ameaça, cerrar os dentes e os punhos e prepararmo-nos para o combate. Que, muitas vezes, se acompanha de uma derrota.

Fugir nada tem de vergonhoso. O leão não foge da zebra, nem do tigre, mas diante de uma tempestade ameaçadora o rei dos animais vai se abrigar numa caverna qualquer. Os bichos fazem isso instintivamente, mas no caso dos seres humanos a decisão envolve uma arte: a arte da fuga, diríamos, parodiando o título da famosa peça musical de Bach. Para começar, é melhor falar em retirada estratégica, em tirar o time de campo, do que usar a palavra fuga.

Em segundo lugar, é preciso saber como fazê-lo. O senador gaúcho Pinheiro Machado (antepassado do grande Ivan, da Editora L&PM), deu a receita. Diante de uma multidão enfurecida que, no centro do Rio de Janeiro, bloqueava a passagem de seu tílburi, disse ao cocheiro: “Siga, mas não tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

Às vezes a fuga se traduz no apelo ao álcool, às drogas, coisas que levam ao isolamento, um agravante do estresse. É por isso que atualmente reforça-se o papel do convívio social como antídoto para o estresse. Está estressado? Não fique só. Procure a família, os amigos.

Use as modernas redes de comunicação, criadas (ou reforçadas) pelo celular, pela internet. Pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que este simples e acessível recurso diminui em muito os agravos do estresse. À arte da fuga podemos acrescentar a arte do convívio – e assim minimizar os problemas causados pelo estresse.

Faleceu em Londres o médico, antropólogo e escritor Cecil Helman, autor do magistral Cultura, Saúde e Doença, aqui lançado pela Editora Artes Médicas. O dr. Helman tinha muitos amigos no Rio Grande do Sul, e aqui esteve várias vezes para palestras e cursos. Um original pensador da medicina, e um belo ser humano.

quarta-feira, 17 de junho de 2009



17 de junho de 2009
N° 16003 - MARTHA MEDEIROS


Minhas filhas com Madonna

Deixei minhas duas filhas na porta do hotel para passarem a tarde com a Madonna, como se Madonna fosse uma espécie de ex-marido que tivesse o direito à guarda compartilhada. No final da tarde, quando fui buscá-las, veio a notícia: Madonna não as devolveria nem naquele horário, nem no dia seguinte, nem nunca. Adotaria as crianças. Adotaria as minhas crianças.

Meu coração veio até a boca, eu sentia meu rosto pegando fogo. O que aquela loira mequetrefe estava pensando que era? Que bastava chegar aqui no Brasil, fazer uni-duni-tê e levar pra casa uns brinquedinhos?

Ela já tinha seu menino Jesus, sua Lola, seu Rocco, seu filhinho africano, que ideia era essa agora de capturar duas adolescentes gaúchas com endereço fixo e família constituída?

Armei um escândalo. Chamei os colegas aqui do jornal, exigi a presença de um juiz, de um promotor, de um delegado, de um psiquiatra e de um atirador de elite. Me avisaram que o William Bonner já estava a caminho e que faria entradas ao vivo no Jornal Nacional. O hotel estava cercado.

Eu passava torpedos alucinados pro celular da minha filha maior, pedindo que ela tivesse calma e que cuidasse de sua irmã mais nova, que a situação era absurda mas que eu duvidava que Madonna fizesse algum mal a elas. Aliás, estranhava a cantora não ter confiscado o aparelho.

Será que minhas duas meninas haviam sido trancafiadas num cubículo, sozinhas, apavoradas? Será que estavam sendo obrigadas a ouvir Give it 2 Me sem parar? Chamei também um representante dos Direitos Humanos: tortura, não.

Eu bufava. Maldita hora em que aquele juiz não permitiu que a cantora adotasse a pequena órfã de Malaui, a essa hora estaríamos todos em casa, tomando uma sopa quente e se preparando para ir pra cama, mas não, o juiz achou que a menina estava sendo bem tratada no orfanato e não permitiu que ela partisse com qualquer uma para Nova York, e agora eu é que tenho que arcar com os caprichos dessa desvairada.

A madrugada avançava e eu perdi o contato com minhas filhas. Todos me diziam: pode desistir, ela levará as gurias com ela. Foi então que tive uma violenta arritmia cardíaca e acordei.

Eu não arrisco afirmar qual é a coisa mais chata do mundo, porque a lista é grande, mas ouvir o sonho de alguém está certamente entre os top-ten. A pessoa pode ter sonhado algo muito engraçado, doido ou significativo, mas para o ouvinte será sempre um suplício.

Freud não devia estar batendo bem quando inventou de estimular a interpretação dos sonhos, só podia estar de provocação com os colegas. Não condeno aquela cochiladinha que todo psicanalista dá durante as consultas.

Sonho é uma ficção fajuta, é uma história em cima do muro, não aconteceu e ao mesmo tempo tem um componente de realidade: aconteceu, sim, só que dentro de uma cabeça, esse território obscuro.

É um roteiro sem começo nem fim, mal dirigido e sem nenhum interesse para o interlocutor que está ali, coitado, ouvindo tudo há 15 minutos. Se você faz questão de divulgar as criações absurdas do seu inconsciente, conte apenas o trailer.

Esta semana soube que Madonna finalmente teve autorização para adotar a pequena Mercy James, também de Malaui. Acho que agora posso dormir sossegada.

Tenhamos todos uma ótima quarta-feira - Aproveite o dia minha amiga.

terça-feira, 16 de junho de 2009



16 de junho de 2009
N° 16002 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


A mulher mais bela

Era um esplendor. Uso esta palavra por não conhecer outra para melhor descrevê-la.

Já descobriram que falo de uma mulher. O que não sabem ainda é que caminhava em minha direção pela Rua Duque e que se deteve diante de mim.

Será que eu podia fazer o favor de indicar-lhe onde ficava a sede do Tribunal de Justiça? Eu sabia, mas por cinco ou dez segundos a contemplei.

Era alta, tinha os cabelos dispostos num corte Chanel, seus traços não poderiam ser mais perfeitos e ela trajava roupas deliciosamente outonais. Tinha uma simplicidade elegantemente sensual de gestos. A voz era levissimamente rouca, como mandava o ar frio da manhã. E de todo o seu corpo exalava um perfume como só na França sabem decantar.

– A sede do Tribunal de Justiça? – perguntei, porque aquilo me dava uns instantes a mais para observá-la.

Gostaria que tivesse me pedido o segredo da origem do universo, o mistério do pulsar das estrelas, a explicação do enigma da vida, pois assim eu poderia distraí-la com minhas palavras e desfrutar por mais tempo de sua brevíssima companhia.

Não havia nesta cidade de Porto Alegre mulher mais bela e no entanto eu não podia retê-la.

Esclareci com palavras banais a exata direção do Tribunal de Justiça, ela me agradeceu com uma rápida inclinação de sua cabeça magnífica e retomou seu caminho.

Eu a vi afastar-se no rumo indicado como quem se separa de um milagre de encantamento e desejo. Eu a perdi como quem se distancia de um prodígio de lindeza para o nunca mais.

Essa mulher não é para mim – argumentei comigo mesmo. Essa mulher é um sonho que se move pelas ruas de minha cidade – tentei convencer-me.

Essa mulher é feita para um potentado, um filme de que só haja uma cópia, uma peça de teatro que seja a sua própria apoteose.

Jamais tornei a vê-la. Mas por vezes, nas noites quietas, suspeito que aqui vive a mulher mais formosa do mundo.

Uma ótima terça-feira, aproveite o seu dia de folga minha amiga.

sábado, 13 de junho de 2009



14 de junho de 2009
| N° 16000 - MARTHA MEDEIROS


Um lugar para se viver

A Maria Rezende é uma poeta carioca que recentemente lançou um livro encantador chamado Bendita Palavra, onde, entre tantos versos, fui surpreendida por este: dentro de mim não é mais um bom lugar para se viver.

Semana passada eu decretei que o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. Mas o abraço é um refúgio externo. O que fazer quando dentro de nós, esse lugar privativo, deixa de ser um bom lugar para se estar?

O verso da Maria Rezende reflete uma necessidade de se exorcizar, o pânico de não detectar dentro de si um abrigo, uma quentura, um espaço aprazível onde caibam todos os nossos fantasmas. A voz que fala através da poeta tem vontade de expulsar-se de si própria, já não reconhece um sol interno – isso sou eu que estou interpretando, Maria fala mais bonito: “teve um tempo em que esse dentro parecia com o fora/ era um ótimo lugar pra uma moça como eu era”.

Aí a personagem do poema virou uma moça diferente, hospedou em si uma criatura arrebentada, ferida, e danou-se, agora ela não é mais um bom lugar para se viver.

Explica tanta coisa, esse sentimento.

Explica a gente não conseguir se relacionar bem com os outros, explica autoflagelo, explica engordar ou emagrecer além do razoável, explica suicídio, explica a sensação de ser um estrangeiro até para si próprio. Como lidar com esse despatriamento, para onde levar nossa mochila, nossa bagagem, nosso “eu mesmo” pra se instalar em outro corpo? Nascer de novo não dá.

Ou até dá. Até dá.

De vez em quando é necessário se perguntar se dentro de nós é um bom lugar para se viver. Depois de ler a poeta carioca, eu tenho me perguntado. E a resposta, sem nenhum ranço pseudointelectual, sem nenhuma espécie de autoaversão, ou seja, da forma mais simplória, é que sim, eu sou um bom lugar para se viver.

Dentro de mim há pensamentos demais, o que torna tudo meio caótico, mas tenho tentado dar uma arrumada nessas ideias e manter cada uma em sua gaveta. Há também sentimentos variados, mas de forma alguma vou expulsá-los, deixo que circulem à vontade por esse meu corpo que lhes serve de ringue, já que eles às vezes brigam uns com os outros.

Dentro de mim é sempre verão e toca música o tempo inteiro, e mantenho uma satisfação secreta que precisa se manter secreta para não passar por boba.

Há crianças e adultos dentro de mim, todos da mesma idade. Aqui dentro existe uma praia e uma montanha coladas uma na outra, parece até Rio de Janeiro, só que os tiroteios são feitos com bala de festim.

Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas para fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei. Dentro de mim são produzidas algumas cenas sofisticadas e também roteiros de filme B. Um universo movimentado e contraditório: como não gostar de viver aqui dentro?

E você, tem sido um bom hospedeiro de si mesmo?

Um ótimo domingo, aproveite-o e, especialmente, para você minha amiga.


CRISE, SIM. MAS MENOS AMARGA

Depois de seis anos de crescimento, o país sente o contágio externo e entra em recessão. Desta vez, no entanto, a contração econômica não assusta

Benedito Sverberi - Jorge Araújo/Folha Imagem


CONSUMO PRESERVADO

Loja de eletrodomésticos em dia de promoção: agora a retração não solapou o poder de compra das famílias

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou na semana passada que o total de mercadorias e serviços produzidos pela economia brasileira, o produto interno bruto (PIB), sofreu uma queda de 0,8% no primeiro trimestre. Essa retração se deu na sequência de uma redução mais profunda, de 3,6%, que havia sido registrada nos três últimos meses do ano passado, durante o período mais acerbo da crise internacional.

Os economistas, por convenção, dizem que um país entra em recessão quando sua economia registra dois trimestres consecutivos de contração. Foi isso que aconteceu com o Brasil. Mas, ao contrário das recessões anteriores, que sempre deixaram um gosto amargo, a atual teve um sabor mais suave.

No passado, as crises invariavelmente vinham acompanhadas de inflação fora do controle e juros nas alturas. Em alguns episódios, os brasileiros foram sujeitados a privações similares às de países em guerra, com racionamentos, confiscos e prateleiras vazias nos supermercados. Não se viu nada disso agora. O país suportou, com avarias moderadas, a procela devastadora da crise internacional já apelidada de A Grande Recessão.

Há diversas evidências de que, desta vez, a recessão não vai assustar tanto. Em primeiro lugar, historicamente as crises financeiras obrigavam o Banco Central a lançar a taxa básica de juros, a Selic, na estratosfera, e assim conter uma fuga maciça de dólares e impedir o aumento de preços. Nos últimos meses, no entanto, o BC tem reduzido os juros.

Na semana passada, a Selic caiu a 9,25% ao ano, um patamar inédito (veja o quadro). Essa queda no custo do dinheiro, vital para estimular o crédito, só foi possível porque o Brasil não apresenta hoje as vulnerabilidades que o tornavam presa fácil diante da menor ameaça.

"Quando a dívida pública era excessiva e havia um grande déficit nas transações externas, era fácil apostar contra o Brasil, e toda a economia do país se desarranjava", diz o economista Cristiano Souza, do Santander.

Tais desequilíbrios forçavam os brasileiros a engolir dropes extremamente amargos. Diz Paulo Leme, diretor de pesquisas de mercados emergentes do Goldman Sachs: "As profundas recessões dos anos 80 faziam o trabalho de extrair recursos da economia doméstica, penalizando a população, para que fosse possível fazer frente às obrigações das dívidas externas".

Alguns números ajudam a entender a dimensão do que era uma crise no Brasil duas décadas atrás. Entre fevereiro de 1989 e fevereiro de 1990, a inflação acumulada superou 2 700%.

Ao fim daquele ano, o PIB encolheu 4,35%. Tal descalabro castigava sobretudo os mais pobres e aprofundava a concentração de renda. Agora, com a inflação sob controle, os mais pobres têm sido justamente os menos atingidos.

A retração ficou concentrada na atividade industrial, principalmente naquela voltada para a exportação, e foi bem mais tênue no consumo interno. "Além disso, a queda nos preços de produtos agrícolas deixou a cesta básica mais barata e ajudou a preservar o poder de compra das famílias", explica Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Por isso não surpreende que, em meio à recessão, o presidente Lula tenha visto sua popularidade voltar a crescer.

A chave para entender a resistência brasileira reside no tripé que, há dez anos, sustenta a política macroeconômica: responsabilidade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Outro ponto fundamental é o fato de o Brasil ter liquidado sua dívida externa. Para completar, o país dispõe de um colchão de 205 bilhões de dólares em reservas internacionais. Tudo isso tornou o contágio internacional mais ameno. Existe inclusive a percepção de que a recessão já tenha ficado para trás.

Em maio, o fluxo de caminhões nas estradas cresceu 2,7%, quarto mês consecutivo de alta, sugerindo uma retomada das encomendas à indústria. O consumo de energia industrial também vem subindo gradativamente desde fevereiro, após dois meses de queda acentuada.

Comenta Paulo Leme, do Goldman Sachs: "Os dados recentes são auspiciosos. É como fazer uma avaliação estrutural após um furacão e perceber que quase tudo ficou de pé. A crise foi uma prova crucial para o arcabouço institucional e macroeconômico. O Brasil passou no teste".

Essa parece ser a visão dos investidores estrangeiros, que começaram a trazer de volta os dólares que haviam retirado do país. Impulsionada por esse ingresso de capital, a Bovespa registra uma alta superior a 40% desde o início do ano, enquanto a cotação do dólar recuou 16%.

Em um novo mundo, no qual os países desenvolvidos ingressarão com a credibilidade maculada e levarão anos para contornar plenamente a crise, a economia brasileira aparece como uma das mais capacitadas para atrair investimentos para o setor produtivo.

Se o país souber aproveitar essa oportunidade, o sabor deixado pela recessão será ainda menos amargo.

Com reportagem de Luís Guilherme Barrucho

Lya Luft

Os vivos e os mortos

"Morrer não é ser deletado: aquele que aparentemente nos deixou está preservado no casulo de seu novo mistério, sem mais risco, doença ou tormentos"

Por mais que as notícias falem de crianças assassinadas com um tiro na cara e de mulheres grávidas estupradas; por mais que ao nosso lado, de todas as formas, se banalize a morte, sempre que ela nos atinge sentimos um grande abalo e fundo estranhamento.

Ela nos ronda, e mesmo assim não aceitamos a Senhora Morte, cujo aceno vai nos levar também, inevitável. Ninguém sabe quando virá essa surpresa que não quereríamos ter. Chegará, súbita ou sorrateira, dedo dobrado que sinaliza: "Venha comigo, chega de brincar de vida, agora a coisa é real".

Meu primeiro encontro com ela foi a pomba morta de frio que, menininha ainda, encontrei no pátio de casa: pensei que ela estivesse dormindo e a aconcheguei debaixo do casaco.

Quando me fizeram ver que estava morta, chorei inconformada. Muita insônia também sofri naquele tempo, quando morreu o menininho de 2 ou 3 anos, filho de um vizinho nosso. Os gritos de agonia daquele pai vararam a noite e chegaram até meu quarto, trazendo susto e terror só de lembrar, por longo tempo ainda.

Mais tarde, eu conheceria intimamente a Velha Dama sobre a qual tanto já escrevi: ela abriu-me as portas do mistério e, embora eu nunca passasse da soleira, me fez valorizar mais a vida, os afetos, o que há de belo e bom na natureza, na arte e no ser humano, e me fez acreditar nos laços de amor que ela, a morte, não desfaz.

No recente desastre de avião, que levou num golpe mais de 200 pessoas, está uma prova dramática do quanto vivemos alienados em relação à morte, e quanto ela pode ser cruel.

Sabemos de apenas alguns dramas desse acidente: o casal em lua de mel, pais perdendo filhos, dez funcionários de uma indústria francesa premiados com quatro dias no Rio com acompanhante. A lista é longa e triste. Nem precisamos de um cataclismo de grandes dimensões: basta a vida cotidiana, olhar um pouco para o lado, e lá está a morte, trazendo angústias sem medida.

No começo tudo é horrível: só desespero e dor. No choque inicial, palavras e gestos de conforto, embora essenciais, podem até parecer ofensivos a quem sofre tanto. Paciência com a pessoa enlutada faz parte dos cuidados em relação a ela: a dor é natural e necessária. Mas nossa frivolidade abomina silêncio, recolhimento e tristeza; queremos que o outro não nos perturbe nem ameace com suas lágrimas.

Então dizemos: "Reaja! Não chore! Controle-se!", embora seja até perverso exigir isso de alguém que está de luto. Uma jovem reclamou que sua mãe, viúva, não parava de chorar. Desconfiei daquela vagamente irritada preocupação e perguntei: "Quanto tempo faz que seu pai morreu?". A resposta veio imediata: "Quinze dias". Sugeri que ela deixasse a mãe com seu sofrimento, para que um dia ela pudesse se recuperar.

Porque, mesmo que não haja verdadeiro consolo, existe a possibilidade de, a seu tempo, cada um se recompor. Ainda que a gente nunca mais seja a mesma, mudar não é tornar-se pior.

Faz parte desse processo, entender que a melhor homenagem a quem se foi é viver como ele gostaria que a gente vivesse. Esse é um dos segredos de não sobreviver como vítima que se arrasta indefinidamente, mas como quem reencontrou em si, de uma outra forma, o que parecia perdido.

Quando seus amigos choravam porque ele fora sentenciado, por uma sociedade preconceituosa, a tomar veneno, o grego Sócrates os censurou: "Por que se lamentam assim? Se a morte for um sono sem sonhos, que bom será. Mas, se for um reencontro com pessoas queridas, que bom será também!". O tempo vai preservar e iluminar os melhores momentos havidos.

Talvez passemos a valorizar menos o dinheiro, o sucesso, a beleza e o poder. Seremos mais abertos à vida, mais gentis com os outros, mais bondosos conosco mesmos. Morrer não é ser deletado: aquele que aparentemente nos deixou está preservado no casulo de seu novo mistério, sem mais risco, doença ou tormentos.

Não vai envelhecer nem sofrer nem se apartar de nós, os vivos. E não o perderemos nunca mais.

Lya Luft é escritora

Ivan Martins

Viver sem mulheres

É possível, mas com enorme perda de alegria

Um mundo sem mulheres seria um lugar inóspito. Percebo isso toda vez que assisto a um documentário sobre países muçulmanos. Aquelas multidões de homens, apenas homens -- nas ruas, nos cafés, nos estádios-- me dão sensação de asfixia.

Como os sujeitos aguentam a aridez desse convívio exclusivamente masculino? Como prescindem no dia-a-dia do entusiasmo, da percepção e do charme das mulheres? Como conseguem viver nesse apartheid?

A nossa própria sociedade tem um sentimento secreto desse tipo. É o do clube de homens. Ele aparece nos lugares comuns que opõem a alegria do bando de machos à vigilância de mulheres mal humoradas. É a turma do futebol, a turma do bar, a turma da escola e do trabalho. Contra ela se opõe a rabugice da mãe, da namorada, da mulher. A rádio patroa, enfim. Tem aí certa nostalgia da adolescência, quando todos os garotos andavam grudados e não pegavam ninguém.

Alguém pode ter a impressão, ouvindo essas bravatas, que os homens seriam felizes se pudessem estar entre eles o tempo todo, sem que as mulheres torrassem a paciência. Nada mais enganoso. Tire de cena a mulher e o sujeito perde a vontade de ir ao bar e jogar bola. É gostoso falar mal do que se tem.

Outro dia vi em casa um filme francês - Em Paris, de Cristophe Honoré - que fala do mundo dos homens de um jeito mais interessante. O filme mostra uma casa com três homens, dois irmãos adultos e o pai, vivendo um momento de crise: um dos rapazes rompeu o casamento e está mergulhado em depressão. O irmão e o pai tentam ajudá-lo, cada um a sua maneira.

Além de bom - do jeito lendo e falado da escola de cinema francesa - o filme me causou um estranhamento que eu só consegui entender depois: nele não há mulheres, ao menos nos papéis tradicionais. Em Paris é um filme misógino, que apresenta as mulheres como criaturas desnecessárias ou nocivas.

O irmão em depressão tinha uma mulher atormentada. Ela o acusa de desamor, depois recusa o amor dele, brigam e se embriagam até que o sujeito se vai, despedaçado. É a mulher nociva.

O outro irmão é um Don Juan. Seduz todas as mulheres, transa com várias delas por dia e retorna ao aconchego da casa do pai. Ele apresenta as mulheres descartáveis, desnecessárias.

A figura mais assombrosa do filme é a mãe. Uma mulher bonita que passa pelo apartamento como cometa. Faz uma rápida visita ao filho abatido, briga com o ex-marido e se vai, cuidar da própria vida. É a mulher ausente, egoísta, oposto da mãe amorosa e dedicada.

Quem alimenta, protege, cura e tolera é o pai. Um homem rude e melancólico, sempre de cigarro na boca, ele parece carregar o mundo nas costas, da forma como as mulheres costumam fazer. É comovente ver na tela esse pai duro sendo moído pela dor do filho que ele não consegue consolar. A mesma dor de abandono que ele mesmo já sofrera.

Há uma beleza estranha nesse ninho sem fêmea, nessa solidariedade de sangue, masculina e viril. Honoré parece nos dizer que os homens podem viver sem as mulheres, mas que uma casa sem elas é um lugar escuro e invernal, como o apartamento do filme.

Em Paris reforçou minha percepção de que as mulheres são uma forma de luz na nossa sociedade. Delas emana alegria e generosidade essenciais. Essa é a luz que falta nas ruas do mundo muçulmano dos documentários. A luz que vem de metade da humanidade.


13 de junho de 2009
N° 15999 - NILSON SOUZA


Abrindo a alma

Ninguém é o remédio da felicidade do outro, alerta o psicoterapeuta Flávio Gikovate no seu divã eletrônico, apresentado nas noites de domingo pela Rádio CBN. Ele fala prioritariamente de relacionamentos afetivos. Responde a perguntas dos ouvintes, especialmente das ouvintes, porque as mulheres abrem muito mais o coração e a intimidade.

Fico estarrecido de ouvir o que as pessoas revelam publicamente sobre suas venturas e desventuras amorosas. Mas o nosso consultor não se espanta com nada. Tem respostas prontas e rápidas para todas as situações, por mais escabrosas que pareçam.

E, pelo que li a respeito dele, tem também autoridade para isso: é médico psiquiatra, com formação no Exterior, autor de livros sobre o tema e palestrante reconhecido.

Sempre que o ouço, fico pensando como uma pessoa assim – com solução para as dúvidas de todos os que o consultam – resolve os seus próprios dilemas. Sei que os analistas se analisam com colegas, parece que isso é até precondição para o exercício profissional.

Mas é curioso imaginar que alguém capaz de apontar caminhos para os mais intrincados dramas da alma humana se veja de vez em quando preso no labirinto de seus próprios impasses, sem o fio de Ariadne para encontrar a saída.

Não estou me referindo especificamente ao doutor Gikovate, nada sei da sua vida. Espero que ele seja muito feliz e que não tenha conflitos como os que atormentam seus consulentes. Se os tiver, porém, duvido que tente resolvê-los com um telefonema ou um e-mail.

Mas vivemos na era da exposição extrema. Outro dia li sobre uma escritora que saiu pelas ruas de uma grande cidade brasileira com um gravador nas mãos, solicitando a pessoas desconhecidas que relatassem alguma história de suas vidas.

Em pouco tempo, recolheu conteúdo suficiente para escrever um livro repleto de detalhados e inusitados dramas pessoais e familiares. Os entrevistados não pediam sigilo sobre os nomes citados, nem sequer perguntavam qual era a finalidade do trabalho.

Ficou para ela – e para mim também – a impressão de que as pessoas andam carentes de alguém que as ouça e ficam ainda mais motivadas a falar quando sabem que o relato será registrado para posterior divulgação.

Aí, talvez, esteja a explicação para o sucesso da psicanálise, que oferece respostas sensatas e científicas para os dilemas da alma. Mas também é nesse vácuo afetivo que agem os oportunistas e algumas seitas escancaradamente capciosas.

É fácil penetrar em corações vulneráveis. Talvez não haja um remédio efetivo para as dores emocionais – como alerta o doutor Gikovate. Mas, pelo jeito, falar alivia.

quarta-feira, 10 de junho de 2009



10 de junho de 2009
N° 15996 - MARTHA MEDEIROS


O segundo lugar

Não sei se você já reparou. Quando alguém vai entrevistar uma modelo famosa e pergunta como ela iniciou a carreira, é quase certo que ela vai dizer que estava acompanhando uma amiga num teste e que acabou sendo a escolhida, mesmo não querendo nada com aquilo.

E, quando entrevistam um ator famoso, é comum ele contar que passou anos fazendo papéis figurativos até que foi chamado para substituir às pressas um galã que ficou doente, e só então sua carreira decolou.

Tem também o caso clássico da vencedora de concurso de beleza que acaba sendo ofuscada pela candidata derrotada. Em 1994, Gisele Bündchen ficou em segundo lugar no concurso da Elite, perdendo para Claudia Menezes, sabe a Claudia? Ninguém sabe. E tem a nossa vice Miss Universo, Nathalia Guimarães, até hoje em evidência como se fosse dela a faixa, o cetro e a coroa.

Não sei como se explica isso, mas o fato é que acontece: em concursos das mais diversas naturezas, os que ficam em segundo ou terceiro lugar despontam, enquanto que os ganhadores, por vezes, desapontam.

Logo, a ideia de que sucesso significa entrar pela porta da frente nem sempre é exata. As pessoas mais bem-sucedidas que eu conheço entraram discretamente pela porta dos fundos, e o talento, o esforço e o destino as conduziu, com o tempo, para o palco de onde nunca mais saíram.

Dá para acreditar que Luis Fernando Verissimo começou sua carreira jornalística escrevendo horóscopo? Pois é. E ele só aprendeu a tocar sax porque na cidade onde morava nos Estados Unidos, durante sua adolescência, não havia aula de trompete, que era o seu verdadeiro sonho.

Lembrei de tudo isso por causa do fenômeno Susan Boyle, assunto que já torrou a paciência de todos, mas que serve como reflexão sobre ganhar e perder.

Ela passou pelas duas coisas: primeiro ganhou uma projeção absurda com sua performance num concurso de calouros e ficou meio lelé com a mudança repentina da sua vida. Agora, creio que a melhor coisa que aconteceu para essa jovem (meros 48) foi ter perdido para o grupo de dança na finalíssima do programa Britain’s Got Talent.

Ela já assinou contratos para shows e, se conseguir superar seus abalos psicológicos, incrementar o repertório e levar a sério o seu dom, poderá ter uma carreira muito mais promissora do que os dançarinos que levaram o primeiro lugar... qual é mesmo o nome deles?

Numa era em que todos querem vencer e se destacar com o maior imediatismo possível, de preferência encurtando os caminhos, vale lembrar que as portas laterais, aquelas mais modestas e sem campainha, também dão acesso ao mundo em que se pretende entrar.

Permanecer nele é outro assunto.

Aproveite o dia. Uma ótima quarta-feira para você.

sábado, 6 de junho de 2009



07 de junho de 2009
N° 15993 - MARTHA MEDEIROS


Dentro de um abraço

A Onde é que você gostaria de estar agora, neste exato momento?

Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, na beira de diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema vendo a estreia de um filme muito esperado, e principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar a intimidade da gente é irreproduzível.

Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.

E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo? Dentro de um abraço.

Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço, se dissolve.

Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.

O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.

Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde de frente para o mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?

Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele.

Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

Interessante a recomendação da Martha. É tudo o que um ser humano apaixonado gostaria se a recíproca fosse verdadeira.

Claudio de Moura Castro

Educar é contar histórias

"Bons professores eletrizam seus alunos com narrativas interessantes ou curiosas, carregando nas costas as lições que querem ensinar"

De que servem todos os conhecimentos do mundo, se não somos capazes de transmiti-los aos nossos alunos? A ciência e a arte de ensinar são ingredientes críticos no ensino, constituindo-se em processos chamados de pedagogia ou didática. Mas esses nomes ficaram poluídos por ideologias e ruídos semânticos.

Perguntemos quem foram os grandes educadores da história. A maioria dos nomes decantados pelos nossos gurus faz apenas "pedagogia de astronauta". Do espaço sideral, apontam seus telescópios para a sala de aula. Pouco enxergam, pouco ensinam que sirva aqui na terra.

Tenho meus candidatos. Chamam-se Jesus Cristo e Walt Disney. Eles pareciam saber que educar é contar histórias. Esse é o verdadeiro ensino contextualizado, que galvaniza o imaginário dos discípulos fazendo-os viver o enredo e prestar atenção às palavras da narrativa.

Dentro da história, suavemente, enleiam-se as mensagens. Jesus e seus discípulos mudaram as crenças de meio mundo. Narraram parábolas que culminavam com uma mensagem moral ou de fé. Walt Disney foi o maior contador de histórias do século XX.

Inovou em todos os azimutes. Inventou o desenho animado, deu vida às histórias em quadrinhos, fez filmes de aventura e criou os parques temáticos, com seus autômatos e simulações digitais. Em tudo enfiava uma mensagem. Não precisamos concordar com elas (e, aliás, tendemos a não concordar). Mas precisamos aprender as suas técnicas de narrativa.

Há alguns anos, professores americanos de inglês se reuniram para carpir as suas mágoas: apesar dos esplêndidos livros disponíveis, os alunos se recusavam a ler. Poucas semanas depois, foi lançado um dos volumes de Harry Potter, vendendo 9 milhões de exemplares, 24 horas após o lançamento!

Se os alunos leem J.K. Rowling e não gostam de outros, é porque estes são chatos. Em um gesto de realismo, muitos professores passaram a usar Harry Potter para ensinar até física.

De fato, educar é contar histórias. Bons professores estão sempre eletrizando seus alunos com narrativas interessantes ou curiosas, carregando nas costas as lições que querem ensinar. É preciso ignorar as teorias intergalácticas dos "pedagogos astronautas" e aprender com Jesus, Esopo, Disney, Monteiro Lobato e J.K. Row-ling. Eles é que sabem.

Poucos estudantes absorvem as abstrações, quando apresentadas a sangue-frio: "Seja X a largura de um retângulo...". De fato, não se aprende matemática sem contextualização em exemplos concretos. Mas o professor pode entrar na sala de aula e propor a seus alunos: "Vamos construir um novo quadro-negro. De quantos metros quadrados de compensado precisaremos?

E de quantos metros lineares de moldura?". Aí está a narrativa para ensinar áreas e perímetros. Abundante pesquisa mostra que a maioria dos alunos só aprende quando o assunto é contextualizado. Quando falamos em analogias e metáforas, estamos explorando o mesmo filão. Histórias e casos reais ou imaginários podem ser usados na aula.

Para quem vê uma equação pela primeira vez, compará-la a uma gangorra pode ser a melhor porta de entrada. Encontrando pela primeira vez a eletricidade, podemos falar de um cano com água. A pressão da coluna de água é a voltagem. O diâmetro do cano ilustra a amperagem, pois em um cano "grosso" flui mais água. Aprendidos esses conceitos básicos, tais analogias podem ser abandonadas.

É preciso garimpar as boas narrativas que permitam empacotar habilmente a mensagem. Um dos maiores absurdos da doutrina pedagógica vigente é mandar o professor "construir sua própria aula", em vez de selecionar as ideias que deram certo alhures.

É irrealista e injusto querer que o professor seja um autor como Monteiro Lobato ou J.K. Rowling. É preciso oferecer a ele as melhores ferramentas – até que apareçam outras mais eficazes. Melhor ainda é fornecer isso tudo já articulado e sequenciado. Plágio? Lembremo-nos do que disse Picasso: "O bom artista copia, o grande artista rouba ideias".

Se um dos maiores pintores do século XX achava isso, por que os professores não podem copiar? Preparar aulas é buscar as boas narrativas, exemplos e exercícios interessantes, reinterpretando e ajustando (é aí que entra a criatividade).

Se "colando" dos melhores materiais disponíveis ele conseguir fazer brilhar os olhinhos de seus alunos, já merecerá todos os aplausos.

Claudio de Moura Castro é economista

Fábio Portela



Ele existe, é bom que exista, mas a maior parte ainda está no papel

A análise dos números do Programa de Aceleração do Crescimento mostra uma realidade bem diferente da anunciada pelo governo

É muito provável que o cidadão que corre os olhos pelas páginas dos jornais tenha mais dúvidas do que certezas a respeito do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Afinal de contas, a algaravia em torno do assunto embaralha até mesmo quem se dispõe a ler com atenção redobrada o noticiário sobre ele.

Os políticos de oposição dizem que o maior projeto do PAC é lançar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, coordenadora do programa, à Presidência da República.

De acordo com esses críticos, o PAC não passa de uma sigla publicitária a englobar obras que, em sua esmagadora maioria, já vinham sendo executadas por empresas estatais ou tocadas pela iniciativa privada. O Planalto estaria, assim, se apropriando de esforço alheio.

Já os defensores do PAC afirmam que seu grande mérito é justamente organizar os investimentos em infraestrutura e permitir que sejam acompanhados com lupa. Eles acrescentam que, graças a tal monitoramento, as obras apresentam um altíssimo nível de realização, ecoando dados que aparecem nos balanços periódicos do governo.

VEJA foi a campo para ver de perto os canteiros espalhados pelo país. Além disso, analisou os números oficiais, para esclarecer de onde vem o dinheiro que sustenta o programa e quanto de seu planejamento foi cumprido até agora. Passados três meses de investigação jornalística, conseguiu-se obter um retrato bastante nítido.

A primeira conclusão é que a parcela do PAC efetivamente paga pelo governo é minúscula. O programa, lançado em 2007, contempla investimentos de 646 bilhões de reais, que deveriam ser realizados até o fim do ano que vem.

Em dois anos e meio, o governo desembolsou, por meio do Orçamento da União, apenas 22,5 bilhões de reais, ou 3,5% do total. Esse número pode surpreender, mas o governo nunca pretendeu entrar com a maior fatia do bolo.

Números obtidos junto à Casa Civil mostram que, do total de dinheiro anunciado para o programa, apenas 14% saem diretamente do Tesouro. Quem ficou responsável pela maioria das ações, de fato, foram as empresas estatais – em especial, a Petrobras –, os governos estaduais e municipais, que tomam financiamentos no BNDES e na Caixa Econômica Federal, e a iniciativa privada.

Pablo Valadares/AE


BANDEIRA POLÍTICA

A ministra Dilma aposta no PAC para fortalecer sua campanha à Presidência em 2010

O tamanho do PAC

VALOR TOTAL ANUNCIADO - PARA O PLANO, ATÉ 2010
646 bilhões de reais

QUANTO FOI PAGO ATÉ AGORA PELO GOVERNO FEDERAL, POR MEIO DO ORÇAMENTO
22,5 bilhões de reais, ou
3,5% do total

A segunda constatação é que as ações do PAC seguem em velocidade mais lenta que a propagandeada. Na semana passada, a ministra Dilma apresentou o sétimo balanço do programa. Afirmou que 77% das ações estão em "ritmo adequado".

A classificação é otimista demais e inclui projetos que nem sequer foram licitados. Um levantamento feito por VEJA, com 41 dos maiores projetos do PAC (veja quadros), exibe um quadro menos animador. Apenas 30% deles estão dentro do prazo.

Os demais se arrastam. Se não começarem a receber mais investimentos logo, extrapolarão em muitos anos seus prazos de conclusão. A impressão de que o governo edulcora números foi confirmada por visitas de nossos repórteres aos locais onde as obras estão sendo realizadas (veja reportagem).

Para facilitar seu monitoramento, o PAC foi dividido em três eixos: o de Energia, o Social e Urbano e o de Logística. Este último, que concentra as ações sob responsabilidade direta do governo, é o que mais custa a sair do papel. Estão lá as ferrovias, estradas, portos e aeroportos.

Quem lê os relatórios pode ficar animado. No capítulo de ferrovias, por exemplo, há projetos maravilhosos, como o do trem-bala que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro; o da Nova Transnordestina, que cortará a Região Nordeste; e até o de um "corredor ferroviário bioceânico", que ligaria Santos, no litoral paulista, a Antofagasta, no Chile, cruzando a Cordilheira dos Andes.

Mas a realidade é menos pujante: o trem-bala ainda não foi licitado, a Transnordestina não tem um metro de trilho colocado e o trem bioceâ-nico ainda tem a consistência de um sonho. A única obra que anda nos trilhos é a Ferrovia Norte-Sul, que começou a ser construída em 1987 pelo ex-presidente José Sarney e está prestes a chegar à metade de seu trajeto.

No eixo Social e Urbano, a joia é a transposição do Rio São Francisco, que levará água de forma perene ao sertão nordestino. Apesar de todo o barulho, a obra vem recebendo menos dinheiro do que deveria. Como apenas 12% dos recursos chegaram ao canteiro, a multiplicação das águas deve ficar para bem depois de 2010. A permanecer o ritmo atual, serão necessários quinze anos para finalizar o trabalho.

As obras de habitação e saneamento também patinam: segundo o Ministério das Cidades, o volume de aplicação de recursos está ao redor de 15% do total previsto. O dinheiro, manejado pelos governos estaduais, é usado em quase 5 000 obras esparramadas por regiões pobres.

Pelo fato de serem muito estratégicas para o governo, porque poderão render vistosas inaugurações em ano eleitoral, estima-se que elas receberão boa parte dos recursos que faltam nos próximos meses.

Perto de atingir a meta está o programa Luz para Todos. Em pouco tempo, 2 milhões de ligações elétricas em domicílios pobres terão sido completadas. A ressalva é que ele é tocado desde 2004, três anos antes de o PAC vir à luz.

Por fim, o segmento que progride mais solidamente é o eixo de Energia. Não por coincidência, esse grupo de ações não tem um centavo investido diretamente pelo governo.

O grosso do dinheiro vem da Petrobras, que desde 2007 já colocou na construção de plataformas de exploração de petróleo, refinarias e gasodutos algo em torno de 86 bilhões de reais.

A estatal, que responde sozinha por 28,5% do programa, é a verdadeira mãe do PAC. É saudável que a maior empresa do país invista fortemente em infraestrutura, mas é preciso destacar que esses projetos seriam completados mesmo que o PAC não existisse.

Apesar de a execução do PAC deixar a desejar, seu espírito, o de coordenar investimentos em infraestrutura, deveria constar dos programas de todas as administrações federais, não importa o partido político que as origine.

A situação brasileira nessa área é alarmante. A parcela da população com acesso a rede de esgoto é de somente 51%. Nossa malha rodoviária é uma das mais rarefeitas do planeta, e apenas 10% das estradas têm asfalto. Os trens se locomovem na velocidade de marias-fumaça, porque as (poucas) linhas estão sucateadas.

Tapar os buracos da infraestrutura aumentaria a qualidade de vida da população, além de ser determinante para incrementar a produção econômica. É pena que haja mais empenho em defender o PAC como bandeira eleitoral do que em fazer com que suas obras avancem de forma consistente.


Matheus Leitão

O capixaba que amava o mar

Leonardo Dardengo, 31 anos, estava no voo 447, rumo à França, por causa de seu doutorado em oceonografia

O oceanógrafo Leonardo Dardengo ao lado do sobrinho. No voo 447, voltava para França, onde fazia seu doutoradoMuitos motivos trouxeram ao Rio o doutorando Leonardo Veloso Dardengo, 31 anos. Um motivo o levava de volta à França: o oceano. Leonardo era oceanógrafo e para concluir seu doutorado, iniciado na UFRJ, fora morar em Toulouse, interior da França.

Desde dezembro de 2008, com mais da metade do curso realizado, desenvolvia uma pesquisa em um "doutorado sanduíche", por ser dividido em dois paises diferentes. Chegou ao Brasil há 20 dias com várias missões.

Participar de um congresso internacional em Paraty, fazer uma prova no Rio, conhecer o sobrinho recém nascido no Espírito Santo e oficializar o noivado com a publicitária Mariane Maciel em São Paulo.

A vida de Leonardo estava num daqueles momentos decisivos. No ano que vem, iria defender a tese de doutorado, mas estava tranquilo. Dois dias antes de viajar, sua proposta de tese havia sido muito elogiada pelos professores. Ele pesquisava a pluma do Rio Amazonas – quantidade de água do rio que é jogada no mar, suas implicações, qualidade primária dos nutrientes e impacto da pesca sobre a região.

A atual etapa do trabalho era basicamente feita por imagens de satélite. "Ele era muito querido aqui na UFRJ e em Toulouse. Um aluno animado, positivo, sempre com ideias. Um verdadeiro entusiasta sobre o Oceano. Estava muito bem profissionalmente e emocionalmente", afirma a co-orientadora da tese, Susana Vinzon.

Ironicamente, o curso, que amava, fazia dele o passageiro que mais entendia de mar, local onde o avião caiu com 228 pessoas a bordo. Leonardo estava radiante com um convite que havia recebido para dar uma palestra no Instituto Jacques Cousteau. Capixaba, nascido em Vitória, ele foi criado no bairro de Bento Ferreira. "Ele era uma pessoa linda, extremamente inteligente.

Não posso acreditar", disse Christina Dardengo, tia dele, sem segurar o choro. Sua página no orkut tinha quase mil mensagens de apoio até o final da semana. Suas fotos, com amigos, parentes e com a prancha de surfe, esporte que adorava, tinham sido vistas por muitas pessoas.


06 de junho de 2009
N° 15992 - NILSON SOUZA


Biblioteca falada

Tem muita desgraça neste mundo, mas também tem gente fazendo coisas maravilhosas que nem sempre ganham o destaque que merecem. Tomei conhecimento esta semana de um projeto comovente, que está em andamento no interior de São Paulo, na cidade de Bauru.

Logo que li a respeito, fiquei com coceira nos dedos – e no cérebro – para escrever sobre ele, na esperança de contribuir de alguma maneira para multiplicá-lo.

Chama-se Biblioteca Falada e consiste na gravação de audiolivros destinados à Escola para Cegos do Lar Santa Luzia, uma instituição que abriga deficientes visuais no interior paulista. Traduzindo: estudantes gravam textos de livros, revistas e jornais para serem ouvidos por pessoas que não podem ler.

A ideia é de um professor da Universidade Estadual Paulista. Ele – João Chamadoria é o seu nome – coordena os alunos do curso de Jornalismo que trabalham como voluntários na gravação de CDs, revezando-se na leitura das obras. Ao mesmo tempo em que treinam locução, os jovens emprestam suas vozes para o relato que possibilitará aos deficientes uma inesquecível aventura literária.

Graças a esse trabalho, as deliciosas crônicas do gaúcho Luis Fernando Verissimo são conhecidas pelos ceguinhos de Bauru, assim como o humor popular e as expressões nordestinas do escritor Gustavo Arruda, de Pernambuco.

Os livros falados são escolhidos principalmente pelo seu potencial de despertar interesse nos ouvintes, mas também pela linguagem de fácil compreensão, uma vez que a maioria dos deficientes possui pouca bagagem cultural.

O interessante desta experiência é que ela pode ser replicada até mesmo por alunos do Ensino Médio. Com a facilidade que os jovens têm hoje para acessar equipamentos eletrônicos e para manuseá-los, a produção de um CD é quase uma brincadeira.

Um pouco mais difícil, talvez, seja convencê-los a ler um livro. Mas, por uma causa dessas, tenho certeza de que se mobilizariam. Alguns, inclusive, já fazem trabalhos voluntários em entidades carentes, lendo histórias para idosos.

A leitura em voz alta é sempre um aprendizado de duplo sentido, que enriquece quem ouve e quem lê. Quando este trabalho é feito em grupo, com o acompanhamento de um professor, transforma-se numa atividade ainda mais produtiva.

Daí a transformá-lo num livro falado é apenas um passo – um pequeno passo para quem tem todos os sentidos perfeitos e um grande salto para quem recebe a oportunidade de sair da escuridão para a luz da literatura.

quarta-feira, 3 de junho de 2009



03 de junho de 2009
N° 15989 - MARTHA MEDEIROS


O avião

Desde 1906, quando Santos Dumont pilotou o primeiro avião, o 14-Bis, fazendo-o levantar voo com total autonomia, sem a ajuda de uma catapulta (como fizeram três anos antes os irmãos Wright), o mundo se curvou diante dessa invenção.

O avião tem mais de cem anos e segue mantendo uma aura de mistério e classe. Voar sempre foi o maior desejo do homem, e mesmo que hoje cruzem pelo céu milhares de aeronaves que partem e chegam dos mais diversos pontos, ainda assim é um meio de transporte que não se trivializou, e creio que manterá para sempre sua imponência.

Diariamente, vidas se perdem em acidentes de ônibus, de carro, de moto, de barco, e tudo é sempre muito comovedor, pois é o destino interrompendo a vida de alguém. Uma vez escutei que a morte de uma única pessoa é sempre uma tragédia, enquanto que a morte de centenas é apenas uma estatística.

Uma visão fatalista da realidade, mas que não se aplica aos acidentes aéreos. Recentemente, uma família inteira faleceu durante a explosão de uma aeronave que aterrissava em Trancoso, na Bahia, e ficamos compungidos. Agora são 228 homens e mulheres desaparecidos, e ficamos muito mais.

Nenhum desses corpos faz parte de uma estatística, e sim de um mito: a morte coletiva no veículo que é considerado o mais seguro do mundo e, ao mesmo tempo, a morte individual do sonho de cada um dos passageiros e tripulantes. Porque um avião está sempre carregado de sonhos.

A garota que finalmente conseguiu uma bolsa para estudar na Europa. O casal que contava os minutos para sua lua de mel. O grupo de amigos que economizou anos para fazer uma longa viagem depois da formatura. O empresário que se preparou para fechar um acordo internacional.

O artista que iria lançar seu trabalho em solo estrangeiro. O jogador de futebol se transferindo de time. A mãe que visitaria a filha pela primeira vez do outro lado do oceano. Um avião transporta todas essas histórias que, para a grande maioria da população, são contos de fada.

Mesmo nos voos domésticos, muitos deles precedidos de atrasos e bagunças em aeroportos, a fleuma se mantém. Ninguém esquece a primeira vez em que apertou o cinto e prestou a maior atenção nas informações que a comissária transmitia, com seus braços parecendo asas sinalizando as saídas de emergência. Nervosismo e êxtase: o risco levado a sério.

Então aquele bicho enorme e pesado ganha velocidade e começa a subir. A cidade vai ficando minúscula lá embaixo, as nuvens vão passando ao lado da sua janela, e o dia nublado e chuvoso deixado pra trás transformase num céu límpido, descortinado. Poucas horas depois, Rio de Janeiro, Salvador. Outras horas adiante, Londres, Nova York. Isso nunca vai ser considerado banal, por mais milhas que um viajante acumule.

Todas as pessoas têm sonhos, não importa de que tamanho. Todas merecem ser pranteadas, não importa de que modo falecem. Mas há coisas na vida que pertencem a um deslumbramento que não obedece à lógica.

Um avião que cumpre a sua trajetória do início ao fim está realizando um passe de mágica com o qual ainda não nos acostumamos, prova disso é o número de gente que, em terra firme, assiste a decolagens e aterrissagens como se fosse um espetáculo – e é.

Quando a mágica não funciona, voltamos todos a um estado de descrença e dor: a ilusão não se cumpriu.

Uma ótima quarta-feira - Aproveite o dia.