terça-feira, 16 de novembro de 2010



16 de novembro de 2010 | N° 16521
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Raízes da alma

Quando eu frequentava o Clássico – que era um curso de três anos que tinha antes do vestibular – estudei as tragédias gregas. Aprendi então que elas costumavam terminar mal, que o destino jogava um papel importante na trama e que o papel dos heróis tinha características fatídicas. Me ensinaram ainda que o gênero foi imitado através dos séculos, sem maior êxito, em especial pelo teatro francês.

Alguém poderá perguntar por que assunto tão complexo era parte do cardápio da escola média. A resposta é simples. Édipo, Jocasta, Antígona e companhia integravam o currículo porque o curso se atrevia a mergulhar nas raízes da alma humana.

Leio agora na Veja que tramitam hoje no Congresso Nacional 76 projetos de lei que visam a incluir novas matérias na grade letiva. Se forem aprovados, os estudantes terão aulas sobre cooperativismo, para orientá-los a refutar o capitalismo.

Ora, uma cooperativa é uma sociedade que objetiva desenvolver a economia de seus membros através do apoio mútuo. Não se destina a rebater o capitalismo, hoje presente até na China.

Os alunos absorverão também algo chamado de educação para as mídias, uma espécie de olhar crítico sobre o noticiário. Será esforço perdido. A melhor educação para as mídias é proporcionada todos os dias pelos jornais, rádios e emissoras de TV. Baseia-se num pressuposto elementar: a veracidade, a exatidão, a isenção e a honestidade de cada linha difundida.

E sobrou ainda lugar para o esperanto. A língua auxiliar internacional criada por Zamenhof promoveria a comunicação entre sociedades distantes, quando não antípodas. Esse papel é hoje do inglês, como já foi do francês e do latim.

Não tenho absolutamente nada contra o cooperativismo, a leitura crítica das mídias ou o esperanto. Bem ao contrário. O que me preocupa é a real prioridade de todas essas propostas para os adolescentes brasileiros.

No Clássico, estudei filosofia, latim, francês, sociologia, espanhol, sem esquecer matemática, química e física. Uma reforma do ensino mal aplicada e pior digerida baniu todas essas disciplinas dos currículos de formação humanística. Toda a educação se empobreceu com isso.

A hora é de resgatá-las, com a importância a elas devida, já que vem aí um novo governo.

Ótima terça-feira e uma gostosa semana pra vc

sábado, 13 de novembro de 2010



14 de novembro de 2010 | N° 16519
MARTHA MEDEIROS


Um universo chamado aeroporto

Talvez o fascínio seja este: quando viajamos, nunca parecemos muito conosco

Ainda não me decidi sobre o que sinto a respeito de aeroportos. Atualmente me provocam impaciência e cansaço, mas afora os momentos de estresse causados por atrasos, eles também exercem sobre mim um certo fascínio.

E eu não devo ser a única, caso contrário o escritor Alain de Botton não teria aceito a proposta que lhe fizeram de passar uma semana morando em Heathrow, principal aeroporto de Londres, para escrever um livro sobre o assunto.

O livro traz muitas fotos e alguns comentários sobre esse microcosmo que serve de cenário para despedidas, reencontros, esperas, angústias e êxtases. Não é leitura obrigatória, longe disso. Há uma certa encheção de linguiça, como todo livro encomendado, mas ele desperta em nós um olhar mais atento sobre o que se passa nos terminais aéreos.

Todo mundo tem uma história de aeroporto pra contar. Eu tenho algumas que até já transformei em crônicas, como da vez em que um cidadão quase sentou em cima do meu colo na sala de embarque, me revelando um poder que eu desconhecia que tinha, o da invisibilidade.

Ou da minha surpresa ao ver que alguns executivos costumam ter dificuldade de se separar de seus travesseiros, levando-os embaixo do braço quando partem para suas reuniões em São Paulo.

Já vi um adolescente tentar abrir a porta da aeronave em pleno voo – eu sei que não há como ter sucesso na empreitada, mas não queira assistir à cena. Já passei pela desolação de ver todas as bagagens serem retiradas da esteira e a minha não chegar, me obrigando a ir para um hotel em Barcelona só com a roupa do corpo.

E nunca esqueci de quando eu estava aguardando a chamada de um voo justamente em Heathrow, quando um cavalheiro vagamente familiar sentou ao meu lado. Harrison Ford, apenas. Por que não foi ele que tentou sentar no meu colo é algo que a Justiça divina ainda tem que me explicar.

Bom, esses casos estariam no meu livro sobre aeroportos, caso eu tivesse escrito um. No de Alain de Botton, o que mais curti foi a parte em que ele fala sobre como nos sentimos ao ser revistados. Abrir a bagagem, descalçar os sapatos, tirar o cinto, passar pelo detector de metais, tudo isso gera em nós uma inexplicável sensação de culpa, por mais inocentes que sejamos.

Comigo, ao menos, se confirma. Se a averiguação é lenta, começo a suar frio e fico aguardando o momento em que encontrarão armas ou drogas nos meus pertences, e quando o meu passaporte é aberto na folha onde está minha foto, adoto minha melhor cara de terrorista e torço para que o policial não perceba que o documento é falso.

Porém, desprezando toda minha ansiedade, ele carimba e me deixa passar, sem reparar que aquela da foto não parece comigo. No fundo, o fascínio talvez seja este: quando viajamos, nunca parecemos muito conosco. Aeroportos nada mais são que embaixadas do nosso estrangeirismo latente.

Um lindo domingo pra vc. Uma gostosa semana


13 de novembro de 2010 | N° 16518
NILSON SOUZA


Parêntese

Acabou. E, se não acabou ainda, vai acabar logo, logo.

Depois de ler uma entrevista com o professor dinamarquês Thomas Pettitt, publicada pelo Globo, me convenci de que não devemos nos iludir em relação à sobrevivência da palavra impressa nos moldes em que a conhecemos atualmente.

Resumindo a tese do homem dos quatro tês: livros e jornais estão prestes a se tornar peças de museu. De acordo com sua teoria, estamos chegando ao fim do que ele batizou de Parêntese de Gutenberg – o período de cerca de 400 anos em que prevaleceu a imprensa (não apenas no sentido de jornalismo) como forma de comunicação, de divulgação de ideias e de preservação da história.

Antes de Gutenberg, ele lembra, a cultura era transmitida oralmente, por meio de canções, contação de histórias e encenações. Valia o som e o imediatismo. Com a invenção do tipo móvel, a verdade deslocou-se para o papel.

Tudo o que era impresso passou a ter valor – e assim permanecemos até hoje. Porém, o rádio, a TV e o cinema já passaram a privilegiar a oralidade. E agora, com as novas mídias, passamos a falar com os dedos. Tudo é tão imediato, que a escrita ficou muito mais próxima da fala. Logo, adverte o professor, todos os livros e jornais estarão digitalizados – e ingressaremos numa nova era, muito semelhante à que existia antes da invenção da imprensa. Daí o Parêntese de Gutenberg, o intervalo de tempo em que a palavra impressa teve o seu valor, talvez apenas um breve hiato na história da humanidade.

Vai mais longe a tese do dinamarquês. A era do livro também teria gerado uma visão de mundo que separa as coisas em categorias rígidas, segundo ele menos definidas antes de serem prensadas no papel. Pois agora, por conta da revolução digital, estaríamos voltando a um período de tolerância maior, de mais misturas e menos classificações.

Tudo porque a escrita era considerada mais verdadeira do que a fala, assim como uma encadernação de couro impõe mais respeito do que um manuscrito. Pois os e-mails fecharam este parêntese.

– E a verdade, onde fica? – perguntou o entrevistador. Fica exatamente como na Idade Média, quando as notícias chegavam aos lugares remotos por mensageiros e viajantes estrangeiros. As pessoas tinham que decidir em quem acreditar. E davam crédito a quem conquistava a fama de falar sempre a verdade. Ou seja: valia (e vai continuar valendo, se me permitem um último parêntese) a reputação do mensageiro.

Digite-se e publique-se.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010



10 de novembro de 2010 | N° 16515
MARTHA MEDEIROS


Agilidade não é a nossa praia

A morte do surfista Thiago Rufatto, que ficou preso numa rede de pesca em Capão da Canoa na semana passada, representa, além de uma tragédia pessoal para sua família e amigos, mais um exemplo da morosidade do Rio Grande do Sul. Ele não foi o primeiro, nem o segundo surfista a ser vítima da falta de sinalização: foi o 49º.

E, ainda assim, esses esportistas seguem contando apenas com placas fincadas na areia alertando sobre áreas reservadas para pesca, como se lá no meio do mar fosse possível visualizá-las e como se não houvesse correntes que nos deslocam dentro d’água sem a gente perceber.

Por que não há sinalização dentro do mar, através de boias? Provavelmente porque antes seria preciso fazer 400 reuniões, plebiscitos, pesquisas de opinião pública, orçamentos, consultas à Marinha, estudos sobre impacto ambiental e ainda ouvir o que dizem os astrólogos a respeito. Agilidade não é a nossa praia.

O novo Teatro da Ospa não ter sido construído até hoje, a ponto de desestimular o maestro Isaac Karabtchevsky a seguir dirigindo sua orquestra, é de envergonhar. O projeto de revitalização do cais do porto já deveria ter sido concluído há no mínimo 10 anos, mas parece que temos um fascínio patológico por maquetes e plantas baixas.

Basta que haja um projeto no papel para que pareça que está tudo andando. Somos os reis dos projetos: aeromóvel, ciclovias, revitalização da orla. Que beleza de metrópole poderíamos ser, e de “poderíamos ser” vamos vivendo.

Óbvio que a Redenção já deveria ter sido cercada para preservação de seus jardins e maior segurança da população, mas oh, que disparate, e nossa liberdade de ir e vir? Ninguém pensa um segundo antes de colocar grade na basculante do banheiro, mas quando se trata do patrimônio público, todo mundo vira bicho-grilo.

O Central Park, de Nova York, o Hyde Park, de Londres, e o Jardim de Luxemburgo, de Paris, só para citar três cartões-postais universais, são cercados e nem por isso perdem seu impacto de beleza e a integração com a população. Mas aqui tudo tem que ser debatido por pelo menos 20 anos até se chegar a um consenso. Eu também adoraria que para tudo existisse um consenso, não fosse isso um contrassenso. Não é possível agradar a todos, quem não sabe?

Totalitarismo é algo que ninguém deseja, mas firmeza é outra coisa. Pense nas decisões que são tomadas na sua casa, entre quatro paredes: quando cada um tem uma opinião diferente e a conversa se estende além do razoável, alguém precisa interromper o blá-blá-blá e agir, em vez de ficar esperando que os astros se alinhem no céu e provoquem um entendimento transcendental.

É uma atitude antipática? Que seja. Sempre haverá os do contra, e, se eles ficarem desgostosos com a situação, paciência. O que não se pode é passar a vida aguardando uma aprovação absoluta. Um pouco de audácia e rapidez incrementaria bastante o nosso tão alardeado orgulho gaúcho.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010



03 de novembro de 2010 | N° 16508
MARTHA MEDEIROS


Memória musical

Sem que ninguém tenha me pedido nada, quero endossar publicamente uma iniciativa de Zero Hora que merece atenção, não por ser promovida pelo jornal para o qual escrevo, mas pela sua utilidade na formação do ser humano. Ok, soa pretensioso, mas é disso que se trata mesmo, formação.

Falo da “Discoteca Básica”, composta por 25 CDs do que de melhor já foi produzido pela música popular brasileira nas últimas décadas. Quando vi a seleção de discos, me belisquei. Quase tudo tive em vinil, e por uma bobeira indesculpável, passei adiante. É a chance que tenho de resgatar momentos preciosos da minha cultura musical.

Quando as pessoas perguntam os livros que me inspiraram na adolescência, cito alguns autores, mas nunca deixo de salientar que a música me foi igualmente inspiradora. Não sei que espécie de infância eu teria se não fosse embalada pelo som dos quatro baianos geniais, mais Jorge Ben, Rita Lee, Chico Buarque, Elis Regina e tantos outros. Pois agora tenho a chance de trazê-los de volta pra casa.

Alguns discos dessa seleção foram como pai e mãe pra mim. Fruto Proibido, de Rita Lee, me fez identificar a ovelha negra que somos todos, em alguma etapa da vida. Acabou Chorare foi a trilha sonora de um namoro da época da faculdade com um fotógrafo que me deixou de herança o amor pelos Novos Baianos.

Secos & Molhados é o disco que fez eu descobrir que meus pais não eram tão conservadores assim, pois não se assustaram com os trejeitos do invertebrado Ney Matogrosso e me levaram pela mão até o Gigantinho, quando eu tinha 12 anos, para ver toda aquela transgressão de perto. Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, foi uma espécie de iniciação à ópera. Somos todos Iguais nesta Noite, de Ivan Lins, me educou para a celebração da vida.

O disco da Blitz me estimulou a ver o mundo com olhos mais divertidos. E o disco do Zé Ramalho me ensinou outro tipo de oração. Eles me fizeram ir além da cartilha dos bancos escolares.

Se eu pudesse completar a coleção, ainda haveria lugar para o disco Alucinação do Belchior, o primeiro disco da Gal, com Não Identificado, o disco do Toquinho e Vinicius de 1971, o primeiro da Angela Rô Rô com a imortal Amor, meu Grande Amor, o Fullgás da Marina, o Face a Face da Simone, o antológico disco de estreia das Frenéticas, o disco de 1970 do Tim Maia (Primavera e Azul da Cor do Mar), algum disco de Sá, Rodrix e Guarabira, os nossos Almôndegas, algum do início do Legião Urbana e, pomba, cadê o rei?

Roberto Carlos merecia entrar na lista com a trilha sonora do filme Em Ritmo de Aventura. Atenção, Zero Hora: há material suficiente para uma Discoteca Básica parte 2.

Hoje, os filhos já não ouvem música com os pais. Cada um fica no isolamento do seu quarto, baixando seus hits no computador, hipnóticos em seus fones de ouvidos. Não faltam bons nomes atuais, como Adriana Calcanhoto, Lenine e Zeca Baleiro, mas nada se compara ao assombro que caracterizou a MPB dos anos 70. Quem viveu lembra. Se não lembra, tem a chance agora.

Aproveite o dia. Uma linda quarta-feira pra vc

terça-feira, 2 de novembro de 2010



02 de novembro de 2010 | N° 16507
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Tão longe, tão perto

Eram um amigo e uma amiga, tão próximos quanto distantes. Haviam trabalhado uma vez num projeto que tinha certo parentesco com softwares, e como é impossível falar eternamente sobre softwares repartiram um verniz de segredos mútuos, e foi tudo.

Aí ambos tomaram seus rumos. Uma noite, na saída do teatro, trocaram palavras corteses. Ela estava belíssima e só. O papo foi-se alongando, pois chovia e os táxis eram raros. Havia perto um café e, num impulso, ele a convidou para um vinho. Discutiram a peça, dividiram capítulos recentes de suas biografias, recordaram conhecidos comuns. Na saída o homem disse:

“Sabe do que eu gostaria? Topar contigo mais seguido.”No dia seguinte recebeu um telefonema. Era ela:

“Me elogiaram muito esse filme do Guion. E se a gente fosse conferir?”

Não se limitaram a conferir. Escalaram num bar do shopping. Ele percebeu que os olhos dela estavam vermelhos.

“A história te comoveu tanto assim?”, perguntou. “Não, ando vivendo um período complicado.”

O homem a escutou atencioso, serviu-lhe uns palpites, que ela agradeceu observando:

“Sou mesmo uma boba sentimental.” Um mês depois, foi ele quem ligou:

“Ouvi comentarem que esse novo restaurante da Padre Chagas serve um risoto imperdível.”

“A balança vai brigar comigo”, riu ela.

O almoço se estendeu até três da tarde, mas a única briga de que trataram foi uma batalha que ele vinha travando com o seu chefe.

“Que fiz eu até hoje? Quem sou de verdade? Um executivo de certa competência. Onde foram parar meus sonhos?”

Ela tomou-lhe a mão, compreensiva e ternamente, deu-lhe uns conselhos que ele ouviu agradecido e volveram a separar-se.

Provavelmente teriam continuado amigos, próximos e distantes, um convocando o outro sempre que precisava de um ombro. Ora, ocorreu que o homem sofreu um acidente. Os médicos o consertaram, mas foi obrigado a amargar um mês sem poder abandonar o gesso.

Ela lhe surgiu com armas e bagagens e autonomeou-se sua enfermeira. Foram 30 dias em que se romperam as eclusas de confidências até então represadas. Já não eram crianças, e quando o declararam salvo ele falou:

“Por que você não fica?” Ela ficou. E já não mais distantes, senão que docemente próximos, perceberam que não há idade para o amor.

Reverencie aos que se foram. Lindo dia pra você.

sábado, 30 de outubro de 2010



31 de outubro de 2010 | N° 16505
MARTHA MEDEIROS


A última que morre

Sem querer ofender ninguém: a esperança ficou obsoleta

Atualmente, há tanta informação para digerir que não sobra espaço na cabeça para questionar ditados já consagrados. Então, seguimos repetindo, dia após dia, frases que nos parecem definitivas, como A esperança é a última que morre, sem nos darmos conta de que elas não são definitivas coisa nenhuma. Por que manter um estado de ilusão eterno? Em certas circunstâncias, é muito bom perder a esperança.

Esperança não transforma o mundo. Não muda a sua vida. Apenas oferece um breve conforto, faz de conta que as coisas se arranjarão sozinhas através do pensamento positivo. Mas uma coisa é confiar em bons prognósticos, mentalizar situações agradáveis, e outra bem diferente é ficar esperando milagres. Sem querer ofender ninguém: a esperança se tornou obsoleta.

Você tem esperança de quê? De um mundo melhor, de um país mais justo? Ainda? Ok, gostaríamos que as coisas fossem diferentes, mas a diferença só se efetiva por meio de ações e reações. Quando você tem esperança, tudo o que precisa fazer é ficar sentado aguardando. Já quando ela morre, acaba a morosidade. Você vira a página, troca de capítulo, vai batalhar por outra coisa. Alguém que cansou de esperar é sempre mais produtivo.

Dificilmente analisamos as desistências por um foco salutar. Elas podem ser o combustível para o início de outro projeto, de um desejo novo. Nem tudo nasceu para dar certo.

Algumas coisas são tortas por natureza, são boas uns 25%, e os outros 75% não tem pai-nosso que dê jeito. Ficar paralisado diante de algo que nunca vai mudar é estratégia de preguiçoso. Diante do que não muda, só há uma coisa a fazer: mudar a si mesmo, sacrificando as suas antigas e boas intenções.

Ter esperança de um mundo melhor é um sentimento megalômano. Desista de pensar no mundo, não seja tão ambicioso. Ele nunca vai ser muito melhor do que é, mas seu prédio pode ser, o seu local de trabalho pode ser, já que microcosmos não funcionam à base de esperança, e sim de realizações.

Não que eu proponha radicalizar. A gente pode ter um pouquinho de esperança, claro, desde que ela tenha um prazo de validade, não se transforme numa acomodação vitalícia. Tenha esperança até a página 15. Se a história não avança, não é preciso morrer decrépito segurando o mesmo livro na mão. Ele vai continuar chato, vai continuar engessando você.

O desejo é que deve ser o último a morrer. Ele, sim, merece o prestígio que a esperança, essa velha senhora, ainda pensa que tem.

Gostoso domingo de eleição pra você. Vote consciente. Feliz Dia das Bruxas né.


30 de outubro de 2010 | N° 16504
NILSON SOUZA


Catadores de milho

Minha professora de datilografia perdeu tempo comigo. Sim, venho de um tempo em que datilografar (pretérito pré-histórico do verbo digitar) era um diferencial competitivo no mercado de trabalho. Aprendi a escrever com os 10 dedos, sem olhar para o teclado, e achava que essa habilidade me faria um profissional diferenciado. Mesmo quando os computadores substituíram as máquinas de escrever, com o acréscimo de duas dezenas de teclas ao tradicional teclado alfanumérico, mantive a capacidade de transformar toques digitais em texto sem tirar os olhos da tela.

Mas agora o golpe tecnológico parece ser fatal, com a introdução em nossas vidas de aparelhos sensíveis ao toque na tela – todos esses que têm um “i” minúsculo na frente do nome. O iPad, que é o brinquedo da hora, permite chamar um teclado em sua tela plana, mas sem espaço para que as mãos pensem por conta própria. Vamos virar todos, novamente, catadores de milho. Outro dia fiquei observando uma colega escrever no seu novíssimo equipamento e percebi que ela usava apenas os indicadores, sem desviar o olhar da tela.

Percebi, então, que estamos todos nivelados. Claro que alguns jovens, que já nasceram no ambiente digital, terão mais facilidade e rapidez para encontrar o caminho certo, mas duvido que alguém volte a redigir um texto sem olhar para as próprias mãos.

Tem gente que resolve o cubo mágico com os olhos vendados, mas, para isso, a sensibilidade nos dedos é tão fundamental quanto guardar os movimentos corretos na memória. Mas temos dedos demais para digitar o teclado virtual projetado na tela plana.

O polegar e o indicador são suficientes, tanto para abrir e fechar ícones quanto para dedografar caracteres.

Dona Nilda, a professora de datilografia, me obrigava a escrever com as mãos cobertas. Foram tantas repetições do asdfg çlkjh, que acabei gravando esta referência para digitar qualquer texto com os olhos fechados. Lembro-me, ainda, de uma poesia que escrevi dezenas de vezes para exibir minha capacidade de produzir um texto sem acompanhar os dedos com os olhos.

O autor era um tal Osmar ou Vilmar, só sei que terminava em mar: “Maria, flor da açucena/ era uma companheirinha/ de escola que outrora eu tinha/ eu pequeno, ela pequena./ Quando com a mão pequenina,/ ela o seu nome escrevia,/ eu lhe falava, Maria/ em mar meu nome termina,/ em mar o teu principia./ Eis porém que veio um dia,/ que o mar afastar-nos veio,/ e eu parti por mundo alheio,/ sem nunca mais ver Maria”.

Pobre Osmar!

E hoje eu acrescentaria: eis porém que veio um dia/ a tal de tecnologia/ e acabou com a poesia/ do tempo da datilografia.

Um fim de semana gostoso e um lindo feriado para você. Aproveite esse finzinho de outubro. Novembro vem ai a largos passos

quarta-feira, 27 de outubro de 2010



27 de outubro de 2010 | N° 16501
MARTHA MEDEIROS


Máquina do tempo

Comecei a ler um livro que me conquistou em seus primeiros capítulos, até que desandou e eu o abandonei. A história se passa em 1908. É a história de um jovem nobre inglês que se apaixona por uma prostituta. Fica tão doido por ela, que resolve desafiar a família e abrir mão da sua herança para viver com a schifosa, mas, quando chega de mala, cuia e carruagem para morar no muquifo que ela habita, encontra seu corpo selvagemente esquartejado em cima da cama. O autor do crime: Jack, o Estripador. Um início de livro palpitante.

O rapaz volta para sua rotina aristocrática, mas nada o consola. Passam-se oito anos e ele não encontra graça na vida, até que resolve se suicidar. Já com a arma na mão, despedindo-se em pensamento de tudo o que deixará para trás, é surpreendido pela chegada de seu melhor amigo, que veio contar uma novidade bombástica: havia conhecido um cientista que inventara uma máquina do tempo. Inclusive ele, o amigo, já havia testado a geringonça, fazendo uma breve viagem de duas horas ao ano 2000.

Se ele havia conseguido passar um par de horas quase um século à frente, por que não tentar voltar meros oito anos para trás a fim de salvar a marafona da navalha de Jack?

Nesse ponto, larguei o livro. Mas você pode ir adiante, desde que volte para me contar o final. Chama-se O Mapa do Tempo, do espanhol Felix J. Palma.

Agora é conosco, caro leitor. Existisse uma máquina do tempo, para que ano você saltaria? Ou regrediria? Me fiz essas perguntas, e fiquei desolada com minha falta de curiosidade, pois acho que trocaria essa máquina por um iPad.

Se eu pulasse 20 anos no tempo, saberia o futuro das minhas filhas, o que tiraria toda a graça do trajeto, além de que contemplaria minha própria decadência: no, gracias. Se eu pulasse 200 anos, saberia se realmente faltará água no planeta e se o Brasil conseguirá virar uma potência mundial. Ok, na volta, renderia uma crônica que daria chamada de capa, mas quem confiaria na minha fonte?

Do futuro, quero distância.

Já uma viagem ao passado tem o mérito da correção. É interessante imaginar que podemos evitar acidentes que aconteceram, deixar de pronunciar o que deveria ter sido calado, mudar de atitude para evitar uma derrocada. Mas isso me soa mais como enredo de filme de ficção do que vida real, e sou viciada em vida real, incluindo os desacertos e todo o sofrimento que, não existindo máquina do tempo, tornam-se inevitáveis.

Concluí que não gostaria de ir nem um único dia para trás e nem um único dia para frente. Inventem uma máquina que faça o tempo parar, e aí sim, gracias.

Ainda que com chuva, que haja muito sol ai dentro desse coraçãozinho

terça-feira, 26 de outubro de 2010



26 de outubro de 2010 | N° 16500
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Depois do amor

Acordo em meio à madrugada e há um som que me chega do coração das trevas. Não tardo a descobrir que é um angustiado, ansioso canto de sabiá.

Tento dormir outra vez, mas sua litania me impede. Sua opressão é tão audível, que se comunica à solidão da noite, aos astros, ao universo.

Sei que agora é primavera e que os pássaros repovoam o mundo. Sei também que vivo entre grandes jardins, o dos Chaves Barcellos, o do Solar dos Câmara, o da Praça da Matriz. Sei que, mesmo entre as árvores que pontuam a Rua Duque e a Rua João Manoel, há moradas de aves habitadas.

O que não entendo é a ânsia e a angústia do solo deste sabiá. Sempre pensei que a alada espécie despertasse cedo para saudar o dia. Sempre pensei que sua melodia fosse uma exaltação à luz.

Agora sei que não. Se nossa terra tem palmeiras onde canta o sabiá, aqui por perto não há nenhuma. Há jacarandás, por estes dias vestidos de lilás, há flamboyants ainda à espera de sua rubra floração, há outras espécies menos votadas, aguardando o seu pontual esplendor.

E há esse sabiá solitário, que não saúda o dia que virá, que não exalta a luz em que imergiremos todos, mas que se limita a participar a seu ninho que está atento e vigilante.

É essa a sua missão: a de transmitir à jovem fêmea e aos filhotes a mensagem de que nenhum perigo lhes sobrevirá.

É por isso que entoa esse cantar aflito, agoniado, em direção ao ninho. É por essa razão que compõe uma sinfonia marcada por uma cadência atormentada.

Mas isso durará pouco.

Isso se estenderá pelo espaço de uma primavera.

Logo virá dezembro e as noites repousarão em lenta calmaria.

Logo virá o verão, e terá cessado o cantar angustiado e ansioso do sabiá, e todas as noites serão calmas e silentes, como o corpo de uma mulher depois do amor.

sábado, 23 de outubro de 2010



24 de outubro de 2010 | N° 16498
MARTHA MEDEIROS


Contigo e sentigo

Sabemos como foi uma paixão pelo modo como ela termina. Essa frase está no livro O Passado, do argentino Alan Pauls, mas não precisaria estar em livro nenhum para que a avalizássemos. A maneira como se coloca o ponto final nas relações deixa evidente o verdadeiro espírito que norteou o que foi vivido.

Que tipo de final desejamos? De preferência, nenhum. Todo mundo quer um amor para sempre, desde que ele se mantenha estimulante, surpreendente, alegre, à prova de tédio. Ou seja, um amor miraculoso. Como milagre é do departamento das coisas impossíveis, é natural que as relações durem alguns anos ou muitos anos, e depois acabem.

Lei da vida. Sofre-se o diabo, mas raros são aqueles homens e mulheres que nunca passaram por isso. O que fazer para amenizar a dor? Talvez ajude se analisarmos o final para entender como foi o durante.

Há os finais chamados civilizados. Ambos os envolvidos percebem o desgaste do relacionamento, conversam sobre isso, tentam mais um pouco, conversam novamente, arrastam a história mais uns meses, veem que nada está melhorando, aguardam passar o Natal e o Ano-Novo, fazem uma última tentativa e então decidem: fim.

Lógico que é dilacerante. Não é nada fácil fazer uma mala, dividir os pertences e estipular visitas aos filhos, quando há filhos. A solidão espreita e assusta, e um restinho de dúvida sempre surge na hora do abraço de despedida. Mas foi um “the end” sem derramamento de sangue. Como conseguiram a façanha?

Provavelmente porque sempre escutaram um ao outro, porque não fizeram da relação um campo minado, porque as brigas eram exceções e não regra. É possível também que a relação fosse mais racional do que animal: ternura é bem diferente de paixão. Mas, enfim, mesmo sofrendo com a ruptura, deram a ela um fim digno, condizente com o que de bacana viveram juntos.

Agora vamos ao outro tipo de separação. Tire as crianças da sala.

A relação acaba geralmente depois de um ataque de ofensas, de uns “não aguento mais”, de muita choradeira, de cortes na alma, de desconstrução total, de confissões gritadas: “Quer saber? Eu fiquei com ela sim!”. Garanto que se amam mais do que aquele casal que se separou assepticamente, mas perderam toda a paciência um com o outro, e também todo o respeito, e atingiram um limite difícil de transpor. Por que, depois desse quebra-quebra, não tentam um papo conciliador? Ora, porque não fazem a mínima ideia do que seja isso.

Sempre foram atormentados pelo ciúme, pelas implicâncias diárias, pelas oscilações de humor, pela alternância de “te amo” e “te odeio”. Terminam falando mal um do outro para quem quiser ouvir, e não raro aprontam umas vingançazinhas. Tudo muito, muito longe do sublime.

Tive um vizinho de porta que gritava com a namorada ao telefone, sem se importar que o prédio inteiro ouvisse: “Não sei o que fazer! Fico mal contigo e fico mal sentigo!”. Sempre achei essa situação desoladora, e nem estou falando do português do sujeito. É duro ter apenas duas alternativas (ficar ou ir embora), e ambas serem terríveis.

Quando acaba docemente, é sinal de que você foi feliz e nada há para se lamentar. Se acaba de forma azeda, é porque a relação era mesmo uma neura e tampouco se deve lamentar. Nos dois casos, a performance final ao menos ajuda a compreender o que foi vivido e a se preparar para um novo amor que não acabe nunca. Em tese.

Na próxima terça, dia 26, participarei do Conversa no Praia, onde serei entrevistada por Tulio Milman sobre esse e muitos outros assuntos que envolvem as relações humanas, e em seguida autografarei meu novo livro de ficção, Fora de mim, na Livraria Saraiva. Tudo começa às 19h e é aberto ao público.

terça-feira, 19 de outubro de 2010



19 de outubro de 2010 | N° 16493
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Uma pessoa suspeita

Num dia gris da cinzenta década de 60, um parente me convidou para um lanche. E enquanto chegavam à mesa dois baurus e duas coca-colas, me serviu uma notícia: eu estava sendo investigado pelas forças de segurança, por adesão a uma das muitas formações que então se opunham à nascente ditadura.

Não cheguei a tremer nas bases, nem a perder o apetite. Disse somente a esse meu tio que não pertencia a organização alguma, salvo o glorioso Sport Club Internacional, mas, se defender a liberdade e a democracia equivalia a ser subversivo, eu me declarava inteiramente culpado. Pois era tudo o que eu fazia na Faculdade de Direito, onde cursava o segundo ano, sem me filiar a nenhuma entidade dita subversiva.

Acho que fui convincente o bastante, pois, salvo uma ou duas incomodações com as chamadas forças de segurança, uma delas tão absurda que algum dia lhe dedicarei uma crônica inteira, ninguém mais duvidou de que eu era um cidadão de paz.

Mas aí se passaram 15 anos. Um dia, estando em Brasília, em plena época da apelidada abertura política, procurei um amigo que ocupava um alto posto. Recebeu-me com abraços, já era a hora da pré-anistia, e eu lhe expus meu desejo de me candidatar a determinado cargo técnico, em um ministério também técnico, algo ligado à comunicação social.

Meu amigo prometeu que empenharia o melhor de seus esforços para que o posto fosse meu, mas é claro que eu teria de esperar que investigassem minha ficha – me lembro perfeitamente que foi essa a expressão que usou –, o que tomaria algum tempo. Disse a ele que não tinha problema, mas aí o chamado tempo foi passando. Primeiro um mês, logo três, em seguida, sete.

Nem cheguei a ligar de novo a meu amigo. Era evidente que não me queriam no tal cargo técnico. Era óbvio que, para os padrões do regime, eu era uma pessoa suspeita.

Não fui infeliz com a negativa. Tomei outros rumos. Mas até hoje tenho o direito de supor que vivi uma época em que uma simples desconfiança mudava destinos inteiros.

sábado, 16 de outubro de 2010



17 de outubro de 2010 | N° 16491
MARTHA MEDEIROS


A cidade que não dorme

Estando com os dois pés cravados em Manhattan, me senti distante de tudo que prezo

Estive em Nova York pela primeira vez em 1992. Gostei, mas não me apaixonei pela cidade, então retornei agora, 18 anos depois, para dar uma segunda chance a nós duas. De novo, não houve química.

Não sou maluca de desprezar a capital do mundo: é um lugar magnético. Mas como toda pessoa exuberante e segura de si, ela custa a permitir um envolvimento, o que de certa forma confirma um dos aspectos da sua modernidade: quem quer se envolver hoje em dia?

Pois pertenço ao reduzido grupo de nostálgicos que ainda gostaria. Estando com os dois pés cravados em Manhattan, me senti distante de tudo o que prezo: contemplação, prazer, intimidade. E fiquei com a incômoda sensação de que o planeta inteiro está avançando para um estilo de vida muito parecido com o do nova-iorquino, ainda que eu não concorde que o verbo “avançar” aqui se aplique.

Entre outras coisas, me incomodou o impulso de consumir. Não é obrigatório, claro. Pode-se passar os dias meditando sobre a grama verde do Central Park, caso se tenha vocação para hare krishna.

Mas, quando viajamos, é praxe trazer alguma lembrança, comprar algo que não existe em nosso país (ainda que tudo exista no nosso país desde que inventaram os sites de venda), bisbilhotar livrarias, descobrir algum lançamento em cosméticos, enfim, cada um escolhe o suvenir que fixará a viagem na memória.

Consumir por consumir não é pecado mortal, mas o discernimento é jogado no lixo assim que se aterrissa no aeroporto John Kennedy. Você tem que comprar um lençol de 500 fios na Century 21, tem que comprar cashmere barato na Uniqlo, tem que comprar algum eletrônico na megaloja da Apple, tem que reservar uma mesa no Spice Market, tem que ver a última mostra do MoMA, tem que assistir ao musical que todo mundo está comentando. Qual o problema, sua provinciana? Isso não é animador? É animador e um pouco aflitivo.

Até o lazer, em Manhattan, parece business. A integração com a cidade se dá através do máximo que se puder fazer/comer/assistir em um dia. Parece que estão todos sendo regidos por uma agenda imaginária que precisa ser cumprida para que se alcance um índice de produtividade decente.

Se você está surpreso com essa minha visão da cidade, toque aqui: também estou. Nunca tive essa reação em outros lugares do mundo, mas em NY eu senti desse jeito. Deve ser algo que colocaram na minha água.

A Big Apple tem espetáculos sublimes, museus espetaculares, lojas charmosas e preços encantadores. E também milhões de solitários se relacionando intimamente com seus iPods, iPhones e iPads, ruas escuras e cinzentas porque a altura dos prédios impede a entrada do sol, excesso de gente, pouca classe e nenhum relax. A cidade nunca dorme e se orgulha disso: como é que caímos nessa conversa de que desenvolvimento se mede pela urgência, pela pressa, pelo ritmo insone da vida?

Já tive mais compatibilidade com tudo isso. Mudou o mundo ou mudei eu. Voltei tinindo por uma praia.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010



Escola é ...

... o lugar que se faz amigos.

Não se trata só de prédios, salas, quadros,

Programas, horários, conceitos...

Escola é sobretudo, gente

Gente que trabalha, que estuda

Que alegra, se conhece, se estima.

O Diretor é gente,

O coordenador é gente,

O professor é gente,

O aluno é gente,

Cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor

Na medida em que cada um se comporte

Como colega, amigo, irmão.

Nada de "ilha cercada de gente por todos os lados"

Nada de conviver com as pessoas e depois,

Descobrir que não tem amizade a ninguém.

Nada de ser como tijolo que forma a parede,

Indiferente, frio, só.

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,

É também criar laços de amizade,

É criar ambiente de camaradagem,

É conviver, é se "amarrar nela"!

Ora é lógico...

Numa escola assim vai ser fácil!

Estudar, trabalhar, crescer,

Fazer amigos, educar-se, ser feliz.

É por aqui que podemos começar a melhorar o mundo.

Paulo Freire

quarta-feira, 13 de outubro de 2010



13 de outubro de 2010 | N° 16487
MARTHA MEDEIROS


A Big Apple

Estive por uma semana em Nova York a fim de oxigenar as ideias e ver o que há de novo, mas não vi nada de novo. A arquitetura segue sendo a grande atração da cidade. Os prédios estão cada dia mais exuberantes, ainda que nenhum me pareça tão arrebatador quanto o Chrysler Building, construído em 1930.

A vida cultural nova-iorquina é febril, mas a emoção causada pela mostra de Matisse, no MoMA, não foi superior à emoção que tive ao ver a exposição sobre Portinari no Margs mês passado. E onde mesmo que estão se apresentando por estes dias Baryshnikov, Paul McCartney, Gotam Project, Fito Paez, Green Day e Norah Jones? Sem falar que o Prêmio Nobel de Literatura estará palestrando amanhã ali na reitoria da UFRGS.

Não cheguei à demência de comparar Porto Alegre com Nova York, mas buscar novidade em Manhattan já não se justifica como justificava décadas atrás. A globalização encurtou distâncias e, guardadas as proporções, o que tem lá, tem aqui, só que fora é mais barato, o que passou a gerar um turismo já não tão interessado em cultura, história e informação. Hoje, a maioria dos turistas viaja para os Estados Unidos para fazer compras.

Reconheço que eu ainda tinha uma ideia mitificada da metrópole que me parecia sempre à frente, uma promessa de novas tendências e interesses, e que na verdade passou a ser tão mundana como qualquer outra – o que não é demérito, apenas consequência do nosso avanço, não do deles.

O Meatpacking District, o bairro do momento, reúne lojas e restaurantes que não diferem em nada dos de São Paulo. O Brooklyn é o novo Soho, e caminhar por suas ruas me fez sentir em Palermo, na nossa vizinha Buenos Aires. O mundo está cabendo na palma da nossa mão.

Nem na Quinta Avenida, nem na Madison, nem em Times Square consegui algum impacto. A experiência mais moderna que vivenciei em Nova York foi quando entrei na Barnes and Noble, famosa rede de livrarias.

Estava à procura de um livro infanto-juvenil e de jogos de computador que haviam me encomendado. Não conseguindo encontrá-los sozinha, pedi ajuda a um dos atendentes, que na mesma hora localizou o livro (inclusive ele já o tinha lido) e rapidinho me entregou os jogos de computador com a eficiência de um profundo conhecedor das novidades do cyberspace. Não perguntei a idade do guri por uma questão de decoro, mas ele aparentava ter entre 75 e 80 anos.

Emprego de mão de obra qualificada sem restrição de idade. Está aí uma visão de mundo futurista. Não existe mais a velhice computada pela data de nascimento, e sim a velhice de espírito. Outro dia, li um comentário de uma leitora de ZH sugerindo que parássemos de chamar de idoso o pessoal de 60 anos. Está certa.

Não há idade-limite para se trabalhar numa locadora, num restaurante, num supermercado, num posto de gasolina: o que define o bom do mau empregado é sua disposição e capacidade. Um garoto de 20 anos poderia ter me atendido sem nunca ter ouvido falar do livro infanto-juvenil que eu procurava e ter tido má vontade para localizar os jogos. Velho mesmo é o sujeito preguiçoso, desatualizado, desanimado, tenha a idade que tiver.

Eu, como se vê, ando caquética pra quase tudo, mas ainda engatinho em busca de algo que realmente me surpreenda.

Aproveite a quarta-feira. Um excelente dia para você.

terça-feira, 12 de outubro de 2010



12 de outubro de 2010 | N° 16486
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Usos e virtudes

Leio que dois astrônomos americanos descobriram, no infinito que nos cerca, um planeta que é até hoje o mais parecido com a frágil nave que nos abriga. Seu volume, força de gravidade e variação de temperatura fazem do Gliese 581g um astro que pode ser primo da Terra. Ele orbita no que os físicos chamam de zona habitável de um sistema solar, o que, traduzido, significa que permite a existência de água em estado líquido em sua superfície.

Não chega a ser nosso vizinho. O Gliese 581g dá voltas ao redor de uma estrela a 20 anos-luz da Terra, o que, contabilizado, significa 190 trilhões de quilômetros, algo incomensurável para qualquer padrão de medida. Mas supondo que alguma mente brilhante estabeleça a forma de transitar no túnel do tempo até esse distante exoplaneta, eu gostaria de encontrar lá alguns tesouros.

Nada em moeda sonante.

Bens como a solidariedade, a fraternidade e a justiça.

Artigos como a igualdade de oportunidades, a liberdade e a democracia.

Apetrechos como a fé, a esperança e o amor.

Não me desagradaria de reconhecer em Gliese 581g a ausência de ódio, de preconceito, de egoísmo.

Ficaria satisfeito em ver a coerência, a compreensão e o entendimento.

Reconheceria com prazer a alegria de viver.

Me encantaria constatar a confiança, o espírito de doação, a fortaleza nas adversidades.

Não me desgostaria de ser apresentado à bondade, à caridade e à generosidade.

Mas talvez esteja sonhando.

Uma viagem a Gliese 581g nos tomaria 776 mil anos, quatro vezes mais, segundo aprendo, que o tempo que o homo sapiens habita a Terra – e isso se o veículo escolhido for um ônibus espacial da Nasa e a velocidade, a da luz.

Melhor nem tentar.

Melhor imaginar que nunca atingiremos uma região habitada de um sistema estelar.

Melhor imaginar que serão eles – os moradores do espaço – é que virão até nós, e com uma única missão.

Recordar-nos de usos e virtudes dos quais andamos um pouco esquecidos.

Aproveite o dia. Feliz Dia da Criança pra vc

sexta-feira, 8 de outubro de 2010


Jaime Cimenti

Quero me reinventar nesta vida

Gosto muito da doutrina espírita e fui assistir a Nosso Lar, um filme bem feito, bonito, com mensagens essenciais sobre vida, vida depois da vida, família, amor, relacionamentos e outros tópicos que realmente importam nestas nossas curtas passagens pela terra.

No início da narrativa é apresentado o umbral, uma espécie de purgatório e aí dá medo, claro, do que pode nos esperar depois de deixarmos de respirar por aqui, especialmente se a gente não se comportar direito nesta existência.

Fui batizado e crismado no Interior, na eterna Bento Gonçalves, nos anos 50 e 60 do século passado e, na Igreja Católica, me ensinaram que para ir para o céu tinha que ser bonzinho por aqui, não pecar demais e que, mesmo penando no planeta, a coisa melhorava do lado de lá, na tal vida eterna.

Sempre fui meio impaciente com essa tal eternidade, que é muito longe. Hoje penso em Deus mais como uma grande energia criadora, positiva, boa, misteriosa, superior, ilimitada, imortal, que está em algum ou em todos os lugares dando sentido para a gente, para o mundo e para a vida.

O sentido da vida é ela própria, a gente pensar que ela tem um sentido e, como disse Woody Allen, bem que gostaria de ser imortal por aqui mesmo. Religiões, filosofias e vidas à parte, acho que o melhor é tentar renascer, se reinventar e fazer o melhor enquanto a gente ainda estiver por aqui. Sempre dá tempo de se tornar um pouco ou muito melhor.

Não podemos jogar a toalha assim no mais. Não deixo de acreditar em vida após a vida, em outras dimensões e tenho a maior admiração pelas pessoas espiritualizadas.

Me comunico - ou ao menos, tento - com os que já se foram e tento dialogar com os que estão por aqui. Vou procurar - e convido a todos a fazerem o mesmo - fazer o melhor que puder por aqui. Vou me esforçar ou, quem sabe, se der, melhorar sem tanto esforço. Quem sabe aí não precisarei ficar muito tempo no umbral ou no purgatório.

A Madre Teresa de Calcutá disse que quando nos aproximamos de alguém é melhor sair do encontro melhor do que quando chegamos e o Vinicius de Moraes disse que a vida é a arte do encontro.

E Fernando Pessoa sintetizou: Se queres ousar, ousa. Navegar é preciso, viver não é preciso. Tudo vale a pena, se a alma não é pequena. É isso. Te inventa, te reinventa, tenta , faz! Boa sorte para nós!

terça-feira, 5 de outubro de 2010



05 de outubro de 2010 | N° 16479
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um novo lar

Porto Alegre já foi uma cidade de imigrantes – e não falo de tempos imemoriais, mas de minha própria infância e adolescência. No Colégio das Dores, onde cursei o primário, tive um colega chamado Dmitri, se não erro, romeno, um Daniel, uruguaio, e um Javier, madrilenho.

Já no ginásio e no clássico, no Anchieta, havia alguém que atendia, fleumaticamente, por David Hastings, um Gustav Toniatti, que era austríaco, um Giacomo Liberatore, creio que romano, um Pierre, alsaciano, mais uma variedade de embaixadores de distantes latitudes, aí incluídas faces nórdicas.

Essa pacífica invasão transcendia em muito as vizinhanças do giz e do quadro-negro. Uma de minhas primeiras namoradas era de família judaica. Quando me mudei para a Rua João Manoel, um casal de ingleses era meu vizinho de andar.

Na ladeira que leva à Rua da Praia, se instalara um sapateiro de Turim. A Padaria Lusitana, na Rua Bento Martins, era condomínio de um trio de portugueses. O barbeiro defronte era italiano. Havia vendedores de quadros holandeses.

E uma vez que precisamos em casa de um trabalho urgente de marcenaria, surgiu-nos um jovem tímido, que, após dar conta do recado, revelou-nos que fugira da Alemanha Oriental – uma história comovente e trágica que nunca apaguei da memória.

Relembro tudo isso, e mais poderia evocar, porque acabei de ler na Veja que 22,1 mil vistos de trabalho para estrangeiros foram concedidos no Brasil no primeiro semestre deste ano, o que é mais do que o dobro dos 10,8 mil deferidos em igual período de 2006.

É claro que não se pode comparar esse número com os 4,7 milhões entrados até 1948, o que nos coloca atrás apenas dos EUA, Canadá e Argentina, e à frente da Austrália. Também não se pode cotejar com os 40,5 mil ingressados em 1960.

Mas os chegados agora têm uma característica especial: diversamente dos artesãos e camponeses, aportados em especial na virada do século 19 para o 20, mais de 1,7 milhão, os novos brasileiros de agora ou possuem formação universitária ou o ciclo médio completo. Para usar um termo de economês, detêm alto valor agregado. É claro que isso melhora tremendamente o cenário tecnológico brasileiro.

O mais importante, contudo, não é isso. O fundamental é que os recém-chegados encontrem aqui, mais do que uma nova pátria, um país que, apesar de seus dramas sociais, os acolha como o novo lar sempre buscado.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010


Editorial Zero Hora

RIO GRANDE APOSTA NA ALTERNÂNCIA

A eleição do candidato Tarso Genro (PT) em primeiro turno para comandar o Estado nos próximos quatro anos – fato inédito na história política nas últimas décadas – traduz a opção da maioria dos eleitores gaúchos por um projeto inspirado na administração federal, cuja importância se amplia agora, quando precisará ser colocado em prática.

O resultado das urnas reafirma uma histórica tradição do eleitorado gaúcho de optar pela alternância no poder, permitindo a diferentes partidos a oportunidade de colocar em prática suas alternativas de governo. É importante que o Estado possa aproveitar essa tendência para diversificar as visões de gestão pública, sem descontinuar projetos bem-sucedidos e com o cuidado de não fomentar conflitos que só tendem a levar à estagnação e mesmo ao retrocesso.

Ao optar majoritariamente por um candidato já na primeira votação, sem que tenha havido portanto maior chance para debate, até mesmo pelo excessivo número de candidatos, o eleitor ampliou ainda mais o desafio do eleito, que precisa agora explicitar melhor suas pretensões. Uma das características mais marcantes da última campanha eleitoral foi justamente a ausência de discussão sobre um tema recorrente nos últimos anos: o desequilíbrio das contas públicas.

O fenômeno ocorreu devido à prioridade da atual administração de perseguir o equilíbrio orçamentário, permitindo que, nos últimos dois exercícios fiscais, o Estado voltasse a operar fundamentalmente com receitas e despesas ajustadas.

O acerto nas contas contrasta com as dificuldades em áreas como educação, saúde e segurança pública, com ênfase para o caos prisional – situação que precisará ser examinada com atenção pelo sucessor. Em compensação, favoreceu investimentos de maneira geral que o Estado, sob novo comando a partir de janeiro, precisará consolidar e ampliar.

O Rio Grande do Sul, com uma economia historicamente associada à agricultura e à pecuária, está hoje diante de uma fase de transição para abrigar projetos de alta tecnologia, baseada sobretudo na inovação. Isso significa privilegiar tanto áreas tradicionais, como o próprio agronegócio, quanto calçados e metalmecânica, por exemplo, além de novas frentes que se abrem, como bioenergia, florestamento, microeletrônica e a indústria naval.

A expansão e a consolidação dessas novas áreas será bem-sucedida se ocorrer simultaneamente a investimentos em níveis adequados em educação e em infraestrutura, capazes de contemplar, além do sistema de transporte, também áreas essenciais, como telecomunicações e energia.

Com um currículo extenso na área administrativa, pois já foi prefeito, além de parlamentar e ministro de pastas importantes, o futuro governador do Estado tem pela frente o desafio de aproveitar a melhoria nas contas governamentais para impulsionar ainda mais os investimentos públicos e privados.

Espera-se que ele mantenha no governo a mesma visão conciliadora da campanha, inequivocamente aprovada pelos eleitores, para unir o parlamento rio-grandense e a bancada federal gaúcha em torno das verdadeiras causas do Estado.

sábado, 2 de outubro de 2010



02 de outubro de 2010 | N° 16476
NILSON SOUZA


Abro meus votos

Véspera da eleição e tem gente que ainda não sabe em quem votar. Infelizmente, as urnas eletrônicas não incluem a tecla rejeição, que permitiria ao eleitor indicar os candidatos que não servem para representá-lo de jeito nenhum. Melhor, então, é pensar positivo e selecionar as pessoas que merecem ser votadas – senão para cargos públicos, pelo menos para as vagas afetivas existentes em nossos cérebros e em nossos corações.

O primeiro dos seis votos a que tenho direito vai para minha dentista Margarete, que não é candidata a nada, a não ser ao posto que já ocupa há muito tempo, de profissional competente, sensível e solidária. Voto nela por conta de seu dom de atenuar as dores – e os pavores – de seus pacientes contando histórias curiosas, enquanto trabalha com habilidade entre incisos e molares.

Como a da adolescente que recém havia colado um dente e aceitou a oferta do colega de aula para beber um gole de refrigerante no bico da garrafa. O dente caiu dentro, e ela se viu obrigada a beber todo o líquido para recuperá-lo, diante da estupefação do menino que esperava a devolução.

Dedico o segundo voto a Chico Maratona, meu sósia, com quem cruzo seguidamente nas calçadas de Ipanema. Determinado, ele encara o tempo e as distâncias com sua passada curta e seu exemplo de vencedor. Mal troquei com ele duas ou três palavras, por conta de nossa suposta semelhança física, mas já firmei convicção de que se trata de um sujeito simpático, quase bonito.

Cravo meu próximo voto numa pessoa que não conheço, mas que dedica as horas de seus dias a uma causa meritória e desinteressada: a defesa dos animais. Teresinha Winter é uma guerreira implacável quando se trata de proteger bichos desamparados e de atacar seus agressores humanos. Agora mesmo ela está empenhada em evitar que novas girafas venham da África e tenham aqui o mesmo destino da infeliz Doroteia, que morreu há poucos dias no zoológico, solitária e infeliz.

Já que estou votando em não candidatos, digito aqui um número102 , da norte-americana Ida Wasserman. Ela tem 102 anos e faz musculação diariamente numa academia da Flórida. Começou a se exercitar para acompanhar a filha, que já passou dos 70 anos. E tem jovem que não se mexe.

O quinto voto, dedico-o a um colega de profissão, o diretor de Redação do jornal Extra, do Rio, que, com sua equipe, produziu a capa mais genial da atual cobertura eleitoral. Não vou descrevê-la, pois é fundamental vê-la. Está na internet e as palavras-chaves para googlear são: Extra, Lula, rei, bonito.

Sobrou um voto e ele é o mais importante do meu repertório. Vai para você, leitor/leitora, que me acompanhou pacientemente até aqui. Afinal, também tenho que cuidar do meu eleitorado.