sábado, 1 de fevereiro de 2020



01 DE FEVEREIRO DE 2020
CARPINEJAR

Não censure a sua mãe

Não queira controlar o que a mãe conta de você. Ela vai contar com ou sem o seu consentimento. Mãe quieta é uma aberração da natureza.

Ela guardará os seu segredos, pode ter certeza, nos ouvidos de alguma amiga. Ela ajudará e atrapalhará ao mesmo tempo, façanha que é só dela. Quando deseja ajudar, atrapalha. Quando deseja atrapalhar, ajuda.

Não há como censurar mesmo que seja brigando ou fazendo dengo. Os extremos não a sensibilizam.

Verá que você era feliz quando ela se restringia a detalhar cenas vergonhosas de sua infância. No momento em que ela entra na sua vida sentimental adulta é que os problemas começam a se avolumar.

A mãe pode prospectar entre a filharada de seus conhecidos um pretendente ideal para casar, pode bater na porta de um superescritório dos seus sonhos e apresentar o seu currículo a um gerente poderoso que ela nunca viu na vida, pode se infiltrar em conversas com os seus melhores amigos com uma espontaneidade invejável. Mãe pode tudo. Aceite que dói menos.

Dedicamos a maior parte da vida tentando reduzir os danos do que ela espalha. Trabalho inútil porque ela se sente mais inspirada a ser a nossa porta-voz diante da vergonha e da timidez. Na mínima hesitação, ela decidirá em nosso lugar.

Ela raciocina que deve se expressar pelo filho porque ele se mostra confuso e atualmente desprovido de condições para se defender.

Mãe é um espírito livre. Não tem naipe, são todos os naipes na forma de um curinga.

Não sofra com as redes de notícias que partem de sua boca. Sua indisposição aumentará a indiscrição dela. Ocupe um pouco o tempo da terapia com o pai, esse coadjuvante das fofocas.

Mãe é do contra sendo a nosso favor. E ela que virá com os provérbios populares nas horas mais inadequadas: "Quem muito se abaixa acaba mostrando o traseiro".

Ela diz tudo o que não gostaríamos de ouvir. Exatamente tudo o que não estamos com vontade de ouvir. Acerta perfeitamente na falta de timing.

Se a mãe fala bem dos filhos para os outros, ela fala mal dos filhos para os filhos, sempre criticando e censurando os seus atos. Se a mãe fala mal dos filhos para os outros, ela fala bem dos filhos para os filhos, passando a mão na cabeça e perdoando as suas falhas.

Qual mãe é a melhor?

Contente-se com a sua. Pelo menos, já está adaptado.

A verdade é que jamais encontrará uma criatura que se importe tanto com você. Mais do que você mesmo.

CARPINEJAR


01 DE FEVEREIRO DE 2020
CAPA

"O mundo está aprendendo a respeitar o amor do outro"

Na pele de sua terceira protagonista, como você vê esse começo de carreira?

É Deus, né? Acho que tudo acontece no momento que tem que acontecer, o sol brilha para todo mundo. Então, acredito que o que é meu vai ser meu e o que é seu, vai ser seu, tem chance e oportunidade para todo mundo. Acredito muito que você não precisa diminuir ninguém para conquistar alguma coisa, não precisa criticar alguém para se sentir melhor. O mundo é tão grande, tem espaço para todo mundo.

Depois de duas mocinhas com mais carga dramática, em produções de época, você agora encara uma personagem mais leve, com tons de comédia. Como está sendo a experiência?

Uma experiência única e muito boa. E um risco, por eu já ter feito personagens densas. É a primeira vez que estou fazendo comédia, é um lugar novo. E a Kyra é corporal, expansiva, é um aprendizado diário. Eu acredito na verdade da personagem, para fazer isso acontecer. Esses desafios dela estão me fazendo muito bem, aprendo coisas muito diferentes do que eu fiz com outros personagens.

O que você e a Kyra têm de semelhante?

Eu tenho esse lado romântico - ela acredita nas pessoas, ela acredita no amor verdadeiro. Hoje em dia, a gente tem tantas possibilidades. Se não está feliz, pode mudar, não está bem no relacionamento, pode escolher não estar mais nesse relacionamento, é um direito que adquirimos. Mas, ao mesmo tempo, eu acredito em ter uma pessoa que me faz bem, estar junto. E a Krya tem isso, passou por vários relacionamentos que não deram certo e encontrou o Rafael (Bruno Ferrari) e acredita que vai dar certo. Somos parecidas nessa coisa de acreditar no amor. Mas somos diferentes em em um aspecto: eu penso antes de falar, e ela, não. Se atrapalha e fala o que não deve. Mas não é falta de delicadeza, é que ela é sincera demais (risos).

Como você encarou as especulações e notícias até assumir seu relacionamento com a atriz Marcella Rica?

Faz parte, eu me sinto preparada para isso, acontece. E até acho engraçado que as pessoas contam uma história, de que elas se conheceram de tal jeito, a partir de tal jeito, a partir de tal pessoa, mas não foi assim que aconteceu. Mas não fico chateada, prefiro acreditar na bondade das pessoas. Infelizmente, a gente tem que aprender a ser menos ingênuo com a vida. E sou de uma geração que encara isso (relacionamentos homossexuais) com uma naturalidade muito grande, sei que gerações anteriores passaram por situações mais difíceis.

Como foi esse processo de compartilhar sua relação com a Marcella?

Eu não gosto de mentiras, não me sinto bem. Sou relativamente reservada com todos os meus relacionamentos, mas chega um momento em que mentir não é uma opção. Se é uma pergunta que está vindo de maneira recorrente e se eu não tenho problema em responder isso... Mas também não é interesse meu sair dando detalhes, por exemplo.

De que forma você lida com esse interesse sobre a sua vida pessoal?

Vim do Rio Grande do Sul, não cresci acostumada com uma vida pública. Tudo eu entendo como um passo a passo, vou me acostumando aos poucos. Tudo é novo: sair em algum lugar e ser reconhecida é novo. E, a partir do momento em que você está entrando na casa das pessoas, é normal despertar interesse. Com o Instagram e as redes sociais, é diferente de antigamente, quando você via o ator na TV e raramente o via em um shopping, por exemplo. Hoje, tem paparazzi, internet e muita gente gosta de compartilhar a vida e o que está fazendo no dia a a dia. Então, acredito que as pessoas têm um interesse maior, querem saber o que aquela pessoa veste, quais são seus amigos, quem ela beija, se usa batom. Somos seres humanos, acho normal o interesse.

Como você avalia o retorno das pessoas depois de você e Marcella terem falado publicamente sobre o relacionamento de vocês?

O que eu ouvi é que as pessoas ficaram admiradas com a nossa coragem. Mas também acho uma pena que a gente tenha que ver isso como coragem, amor e felicidade não deveriam ser vistos como atos de coragem, no sentido de que a gente não devesse compartilhar isso. Amor de mãe, filho, namorado, é amor, é a coisa mais linda do mundo. Mas o mundo está aprendendo a respeitar o amor do outro.

Por conta de sua personagem de Espelho da Vida, que vivia um amor que envolvia vidas passadas, você foi parar na lista da Forbes entre as jovens com menos de 30 anos que se destacam em sua área de atuação. Foi uma conquista, mas chegou a gerar algum peso? Sentiu alguma insegurança ou cobrança para os passos seguintes?

Quando um ator fica muito marcado por um personagem é porque ele fez muito bem, porque se entregou mesmo. Mas, ao mesmo tempo, procuro testar um pouquinho do personagem na minha vida também. No final do processo, cabe à gente ver o que a gente leva de bom, o que a gente quer deixar. Eu levei muitas coisas boas, mesmo sendo uma história muito sofrida, no final, com muito choro e descobertas triste e densas. Mas, para Salve-se Quem Puder, não pensei nisso. Agora, estou me divertindo contando as minhas histórias e esperando que o público goste também de me ver contando novas histórias.



01 DE FEVEREIRO DE 2020
LEANDRO KARNAL

COMO SE ESCREVE A HISTÓRIA?

Na coluna anterior sobre o tema História, tentei esboçar a ideia de que ela nos ajuda, assim como outras disciplinas das humanidades (e avanços extraordinários de outros campos, claro), a pôr as coisas em perspectiva e a desnaturalizar nosso cotidiano. Terminei o texto com uma provocação sobre a ideia de que, embora o passado não seja estável, nem tudo pode ser dito sobre ele. Nem pode nem deve.

Como se escreve a História? Durante muito tempo, a História foi escrita por homens brancos europeus de elite sobre como grandes homens brancos da Europa teriam dominado o mundo e produzido o planeta em que habitamos. Essa história de vitórias escrita pelos vencedores, temo, ainda pode ser o senso comum, o pouco que se sabe sobre o passado. Meu receio pode ser até otimismo de minha parte, afinal pesquisas recentes dão conta de que o esquecimento, que a ignorância sobre o passado é maior do que qualquer conhecimento, ainda que maniqueísta, sobre ele. 

Um exemplo: levantamento recente mostra como cerca de dois terços de nós brasileiros nunca ouvimos falar em AI-5. Seria um luxo supor que tivéssemos alguma memória sobre eventos pretéritos. Para pessoas sem memória histórica tudo é um eterno contínuo: sempre foi assim e sempre será. Ou, gêmeo xifópago da mesma amnésia, os problemas e as soluções de ontem são os únicos que conheço. O imediatismo dá um ar de ineditismo a qualquer narrativa. A repetição vira nova e boa ideia.

No século 20, houve muitas revoluções na maneira de escrever História. Uma história dos de baixo, daqueles sem história, dos vencidos emergiu diante dos novos tempos. São fartos os exemplos. Nos EUA, um best-seller gigantesco foi A People?s History of the United States (1980), de Howard Zinn, que buscou dar mais vozes do que as ouvidas em livros tradicionais. Na Europa, operários e mulheres vieram à tona, a iniciativa da história do cotidiano vendeu como água e gerou filhotes nos quatro cantos do mundo. 

No Brasil e no restante da América, indígenas e negros tornaram-se protagonistas junto de outras vozes antes subalternas. Há, no mínimo, justiça matemática no enfoque em questão. Voltaire reclamava, em pleno Iluminismo, que a França medieval parecia habitada só por reis e bispos. Brecht indagava quem construiu os arcos de triunfo de Roma ou se César tinha, ao menos, um cozinheiro na célebre guerra contra os gauleses que ele descreveu como obra inteiramente do seu gênio militar.

Hoje, raramente se faz um bom livro de História sem coadunar múltiplos enfoques e diversas vozes. Não há século 19 no Brasil sem o império e seus Pedros, claro, no entanto, tampouco, sem os negros que construíram as riquezas de nosso país na perversa e longeva instituição da escravidão.

Mudar a perspectiva e o enfoque, indo do macro ao micro, das grandes personagens às ruas, foi o maior ganho que a escrita da História teve num passado recente. Ao mudar o foco, mudamos a trama narrada. O exemplo não é meu, não obstante é sempre válido. Se olho a água desde o espaço, vejo correntes marítimas poderosas, cardumes imensos, lixo se acumulando em ilhas artificiais no oceano. Porém, se vejo a água no microscópio, uma gota por vez, não observo o mesmo cenário anterior miniaturizado, mas sim uma nova e igualmente complexa trama: microrganismos lutando pela sobrevivência, moléculas se formando e se degenerando. A água é tanto o que se vê pelo telescópio a bordo de uma nave espacial quanto aquilo que se enxerga a olho nu, ou aquilo que o microscópio revela.

Outro fator a se considerar ao se escrever História são os documentos que usamos para isso. A história dos vencedores conta uma história. Os registros produzidos pelos vencidos contam outra. Nem tudo é resgatável, pas de documents, pas d?histoire (sem documentos não há história). Às vezes, quando encontramos nova documentação, questionamos até mesmo quem venceu e o que venceu. Se olharmos a conquista do México, que iniciou o marco de 500 anos no ano passado, pelos escritos do capitão espanhol Hernán Cortés, veremos um gênio militar que, com mão imperiosa e frieza calculada, domou um império de indígenas maior do que qualquer coisa vista pelos europeus até então. 

Novos documentos (ou, por vezes, novos olhares aos mesmos documentos) mudam a História. Há registros abundantes produzidos por outros espanhóis que não centralizam tudo no capitão. Na verdade, documentos feitos por aliados, como o conhecido Lienzo de Tlaxcala, um enorme tecido pintado por tlaxcaltecas (principais aliados dos espanhóis na conquista) mostra uma guerra civil entre índios, na qual os espanhóis tiveram papel influente, mas não decisivo. Logo, a vitória foge do protagonismo espanhol para cair no colo dos indígenas, se lemos apenas tais documentos. Uma tentativa de contar essas novas visões sobre a Conquista do México foi filmada para a série dramática Hernán, disponível na Amazon Prime.

Por fim, vale lembrar que os historiadores não detêm o monopólio sobre o passado. A História é escrita por qualquer pessoa. O maior exemplo disso é a Wikipédia. Literalmente, todos podem escrever um verbete ali. Tal verbete passará pelo crivo de outros leitores que poderão editar o que foi escrito. A ideia é que o conhecimento de muitos ajuda a construir um artigo melhor, mais "verdadeiro". Arriscando-me um pouco, diria que as pessoas mais consultam essa enciclopédia para pensar temas históricos do que livros de historiadores ou de bons divulgadores. Outro exemplo são canais, como o YouTube, em que um cidadão com uma câmera pode se tornar um especialista em algo e ganhar muitos seguidores. É preciso ter paciência, cidadania sempre e alguma esperança.

Historiador, professor da Unicamp, autor de, entre outros, ?Todos Contra Todos: o Ódio Nosso de Cada Dia?.

LEANDRO KARNAL



01 DE FEVEREIRO DE 2020
FRANCISCO MARSHALL

IDEOLOGIA

Este neologismo, que une as palavras gregas idea (ideia) e logia (lógica ou ciência), surgiu após a Revolução Francesa e evoluiu para designar o conjunto de crenças e concepções sobre a sociedade e o mundo, próprias para orientar opções e ações políticas. Em sociedades complexas, a palavra passou a designar também as metas específicas de grupos e classes e, logo, também dos movimentos sociais e dos partidos políticos. Assim empregada, a palavra tem a virtude de dar identidade aos diferentes interesses em disputa, permitindo a cada cidadão reconhecer o que mais lhe convém e ao conjunto da sociedade. O termo "ideologia", portanto, não nasce condenado a representar cacoetes, mas, pelo contrário, a identificar e a organizar as relações sociais e políticas.

Não é concebível sociedade contemporânea destituída de ideologias, e é suspeitíssima a pretensão de qualquer grupo ou indivíduo de atuar na vida política isento destas. O argumento de isenção ideológica na política reflete ambições totalitárias ou teológicas, ou demagogia solerte, que acusa o outro de ser ideológico para aparentar que está a salvo e, assim, tentar enganar a sociedade para impor uma visão particular, repleta de interesses. É o que ocorre quando autoridades dizem combater ideologia e tratam de impor a sua própria. Para essa enganação, o discurso religioso serve perfeitamente, como fetiche de uma verdade que é antes ficção em favor dos sacerdotes e seus apaniguados.

As ideologias, todavia, podem abrigar erros, decorrentes de opiniões precárias ou do predomínio de interesses egoístas. Contra esses, contamos com a força de dois antídotos: a ciência e a política, quando visa ao bem comum. Sabe-se que a ciência pode ser manipulada por ideologias, e é por saber-se disso que a ética, o espírito crítico e a força do método nos permitem identificar e purgar erros e ideologias. Assim depurada, a ciência oferece à sociedade as referências seguras com que orientar decisões, superando a precariedade de opiniões e interesses particulares. Diante disso, atacar a ciência passa a ser outra face da estratégia de quem quer impor ideologias e só sabe proliferar enganos.

Por seu turno, a política orientada ao bem comum pode, em sociedades saudáveis, ser realizada por meio da dialética democrática ou por estratégias de quem detém o poder. Cabe ao vencedor a grandeza de estender sua sensibilidade ao que reivindicam os derrotados, ao invés de usar a força para tentar dizimá-los, de modo paranoico e tirânico. Aproveitar o que há de bom nas ideologias adversas é a chance de ampliar a harmonia e caminhar para a superação de impasses. Para isso, é necessário inteligência e grandeza, dons ora muito escassos. Do mesmo modo, as ideologias de classe, caso não evoluam para o bem comum, podem produzir violência, como hoje vemos, com a imposição da ideologia do capital sobre o mundo do trabalho.

Para sairmos da presente cacologia e dos embates de todas as ideologias, valham-nos a arte e a ciência das boas ideias, com que poderemos, um dia, escrever um novo capítulo da História.

Historiador, arqueólogo e professor da UFRGS | marshall@ufrgs.br - FRANCISCO MARSHALL



01 DE FEVEREIRO DE 2020
COM A PALAVRA

A DITADURA DA EFICIÊNCIA ELIMINA DIMENSÕES IMPORTANTES DA CONDIÇÃO HUMANA.

ENTREVISTA: Leonardo Abrahão, Psicólogo, 45 anos Criador da campanha Janeiro Branco, sobre conscientização quanto à saúde mental

Criada em Uberlândia (MG), em 2014, a campanha Janeiro Branco foi idealizada pelo professor e psicólogo mineiro Leonardo Abrahão. Desde então, inspirou ações em outros Estados. Em 2019, a ação ganhou força após tornar-se lei no Rio Grande do Sul. A cor e o mês foram escolhidos porque, no início do ano, estamos propensos a planejar o futuro, vendo a vida como uma página em branco. Hoje, Abrahão, também formado em Direito e ex-professor de história e sociologia, é presidente do Instituto Janeiro Branco. 

A esposa, a também psicóloga Valéria Ribeiro, 38 anos, é a vice. O casal esteve na capital gaúcha no sábado passado para um debate sobre saúde mental após a peça de teatro TOC - Uma Comédia Obsessivo Compulsiva, encenada no Porto Verão Alegre. Nesta entrevista, concedida em um café da Cidade Baixa antes do evento, Abrahão salienta que vivemos em uma cultura que burocratiza a vida e nos coloca como escravos de processos inventados pelo homem. Quando fugimos ao padrão, ele diz, a mente adoece.

COMO OCORREU A CRIAÇÃO DA CAMPANHA JANEIRO BRANCO?

Eu era professor de história e sociologia na rede particular de ensino e pensava se manteria ou não meu emprego, uma dúvida normal para professores em dezembro. Percebi que estava angustiado com a possibilidade de desemprego e que a gente não para de falar de ansiedade. Me dei conta de que novembro era azul para o câncer de próstata e percebi que não havia mês para saúde mental. Janeiro foi escolhido porque é um mês em que as pessoas pensam muito sobre a própria vida por conta do Ano-Novo, que é visto como fechamento de um ciclo. O branco é um somatório de todas as cores, e a folha em branco nos desafia a criar. 

Criei um grupo de WhatsApp com psicólogos de Uberlândia (MG), fizemos reuniões e propus para irmos a lotéricas, restaurantes, rodoviária, aeroporto, hospitais, igrejas e praças para abordar as pessoas nas ruas. A partir daí, a campanha se espalhou para outras cidades, virou lei municipal e estadual e, com a internet, chegou a outros países - primeiro em Angola, depois Japão, Holanda, Irlanda, Colômbia, Portugal, Estados Unidos e México. Espalhou-se como água no deserto. Criamos o Instituto Janeiro Branco para manter parcerias e buscar recursos. A campanha é descentralizada, ainda que tenhamos princípios, como mantê-la laica, plural, progressista e humanista.

O FILÓSOFO COREANO HAN BYUNG-CHUL DIZ QUE VIVEMOS A SOCIEDADE DO CANSAÇO: NOSSAS DOENÇAS MENTAIS DECORREM DO EXCESSO DE POSITIVIDADE E DA EXIGÊNCIA DE DESEMPENHO. O QUE FAZER DIANTE DISSO?

Para entender, podemos citar dois clássicos da sociologia: Max Weber e seu conceito de burocratização da vida, e Karl Marx, com o conceito de mercantilização e alienação da vida. Quando se entra no processo de burocratização, seres humanos se tornam reféns da jaula da razão, que é a obsessão por racionalidade, produtividade, eficiência e previsibilidade do mundo. Há um apego a normas e métodos - por isso, "burocratização". Por consequência, eliminamos de nossas vidas a espontaneidade, a originalidade, a leveza e o imprevisível. Fantasiamos que podemos ter controle sobre tudo, e essa fantasia machuca as pessoas. 

A ditadura da previsibilidade e da eficiência elimina dimensões importantes da condição humana, como subjetividade e criatividade. Se tudo é controlado pelo relógio, pela calculadora e por métodos que visam à eficiência, onde entram ócio, descanso e demandas da subjetividade? Se passo por um processo emocional, mas sou submetido a processos racionais e burocráticos, há uma incompatibilidade. Como amar no moedor de carne? Há eliminação da subjetividade, uma negação de si mesmo. Fico carregado de sentimentos, mas não posso levá-los ao trabalho, porque preciso render. Se você estiver apaixonado e sofrendo de amores, precisa ficar concentrado porque deve produzir. Aí você nega as profundas dimensões da subjetividade.

O QUANTO A URGÊNCIA QUE COSTUMA SE IMPOR NO DIA A DIA CONDICIONA A FORMA COMO NÓS VEMOS O MUNDO?

É uma das raízes da ansiedade, porque você vive sob a pressão do relógio. Essa é a burocratização de que Max Weber fala: calculamos tudo. Quanto tempo tenho? Criamos um sistema existencial de eficiência e produtividade e eliminamos as dimensões de espontaneidade e da liberdade criativa. Isso nos adoece. Ser humano é, essencialmente, ter potencial criativo.

COMO O SENHOR ENCARA RESPOSTAS QUE VÊM SENDO DADAS A ESSA SITUAÇÃO, ENTRE AS QUAIS ESTÃO A POPULARIZAÇÃO DO MINDFULNESS E DO VEGETARIANISMO, A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E A PREOCUPAÇÃO COM O AMBIENTE?

São reações. Existe um sistema social opressor, então o ser humano reage - de forma individual e também coletiva. Procuramos alternativas para usar nossa criatividade, senão a gente enlouquece. São válvulas de escape: férias, meditação, busca de sentido.

UMA FORMA DE ENCONTRAR SAÚDE MENTAL É, ENTÃO, APLICAR A CRIATIVIDADE QUE NÃO SEJA REGIDA PELA LÓGICA DO SISTEMA?

Uma das possibilidades de defesa da saúde mental é lembrar que o ser humano é potência criativa. Se damos vazão, estamos em um movimento que gera resistência contra opressões que querem nos enjaular e nos transformar em mercadoria.

O QUE O SENHOR RECOMENDA ÀS PESSOAS NO DIA A DIA?

Oficinas de arte, de artesanato, teatro, meditação, caminhada, tai chi chuan, ioga... São exercícios em que a pessoa olha para si e exerce trabalhos de criatividade em um processo em que ela mesma imprime ritmo, cor e forma. Ela tem o controle, não sofre controle de fora. A pessoa pode se inserir no mercado em vista de se sustentar, mas há saúde mental onde ela vê sentido e é proprietária de si mesmo. O importante é buscar o reencontro.

E QUEM SOFRE COM UM DIA A DIA ESTRESSANTE, MAS NÃO CONSEGUE SE DESVINCULAR DELE NÃO PODE, POR EXEMPLO, LARGAR O EMPREGO QUE O OPRIME?

Enquanto psicólogo clínico, uma vez atendi a uma procuradora de Justiça com a reclamação de que não via mais sentido na profissão. Eram prazos, demandas externas e ambiente de trabalho esterilizado. Durante o processo terapêutico, ela redescobriu que amava a profissão, mas a maneira como o trabalho era exercido tinha roubado esse desejo. Ela pediu demissão? Não. Imprimiu ao ambiente de trabalho o eu dela: decorou a sala com artesanato, mandalas e varais de poesia, colocou música ambiente e criou um espaço até para trazer o animal de estimação. Buscou reconexão consigo. E aí podemos citar Nietzsche: "Quem tem um porquê suporta qualquer como".

AS PESSOAS ESTÃO MAIS INSATISFEITAS COM SUAS CARREIRAS E MAIS INTOLERANTES COM OS PERCALÇOS DO QUE NO PASSADO OU ISSO É EFEITO GERACIONAL?

As duas coisas. Mas é preciso fazer um preâmbulo: por causa da pressa da vida, estamos nos transformando em seres que tentam simplificar a realidade. Ou oito, ou 80. E a realidade é complexa. Simplificá-la é um erro. Há um profundo e doentio processo de burocratização da vida. E aí as pessoas fazem o que não querem. É emprego sem sentido, relacionamento sem sentido, comer sem sentido, vestir-se sem sentido, transar sem sentido. Por outro lado, as pessoas estão percebendo esse adoecimento e buscam alternativas. Fazem igual à procuradora e, frente à perda de sentido, tentam colocar o seu eu no ambiente de trabalho. Já outras resolvem de forma inadequada, com dependência química, ansiedade e medicamento. Não é à toa que há mais farmácia sendo aberta do que escola.

O QUE A BANALIZAÇÃO DOS REMÉDIOS DIZ SOBRE NOSSO MOMENTO?

Inversão de valores sobre onde está o sentido de viver. Lidamos com remédios como o fazemos com mercadorias. Cria-se uma cultura de que todo comportamento desviante é ruim. A derrota é tida como uma doença dentro de uma sociedade de competitividade - portanto, os derrotados precisam tomar remédio. Quem não atinge metas precisa se medicar, como se isso fosse uma patologia. Se a norma é ser heterossexual, "quem é gay precisa de remédio", como vemos com a discussão sobre a "cura gay".

NOSSA SOCIEDADE É REGIDA PELO PRINCÍPIO DA MERITOCRACIA E DO AMERICAN DREAM BRASILEIRO, SEGUNDO O QUAL BASTA O ESFORÇO INDIVIDUAL PARA DAR CERTO. COMO ISSO AFETA A SAÚDE MENTAL DE QUEM NÃO CORRESPONDE ÀS EXPECTATIVAS?

Isso gera ansiedade generalizada, depressão, fobias, transtornos alimentares e de autoimagem, além da perda de sentido. É justamente esse o tema da peça TOC. Por isso é importante termos arte, que escancara aquilo que a gente não vê nas entrelinhas. A arte, e a comédia também, têm um papel terapêutico. Na sociedade da eficiência, a arte mostra que nem tudo é burocrático. A arte nos vira do avesso.

O ATUAL MOMENTO POLÍTICO DO BRASIL É MOTIVO DE ADOECIMENTO PARA MUITOS. QUAL A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E SAÚDE MENTAL?

Política é o exercício de poder e o meio pelo qual os homens criaram estratégias para solucionar convergências e divergências. Se não respeitamos as divergências, criamos espaços para adoecimento mental. O espaço político é o espaço da diferença. Se não respeitarmos as diferenças e os espaços para suas manifestações, o humano não pode exercitar aquele potencial criativo. Precisamos de espaços saudáveis na política. Hoje, há muitas violências - simbólicas e reais.

AS REDES SOCIAIS SÃO APONTADAS COMO NOCIVAS, NESSE SENTIDO: HÁ RADICALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DE BOLHAS. COMO AS REDES AFETAM NOSSA SAÚDE MENTAL?

Redes sociais têm potencial de adoecimento. Elas monopolizam nossa atenção. Você pode ter, mas desative as notificações. Há, também, a fantasia da vida plena, com postagens sobre sucesso e alegria. A vida não é só plenitude. E há a fugacidade: elas funcionam em ritmo de tela corrida. Você posta algo agora e, em 30 segundos, outra pessoa postou algo novo. Tudo é muito efêmero. Vivemos de maneira superficial e nos alimentamos da ilusão do controle total da vida e da plenitude. Redes sociais diluem o presente porque tudo vira passado rapidamente. Ao não estarmos presentes, perdemos o sentido. Se estou preocupado com o meu Instagram, não estou presente aqui contigo. 

Eis outra questão que observo: hoje, crianças trocaram desenhos animados por assistir, no YouTube, a outros jovens jogando e narrando. Só que, aqui, não há uma direção do conteúdo. Xuxa e Eliana tinham um diretor de conteúdo, que filtravam o que apareceria. Quanto aos youtubers, no entanto, não sabemos o que eles pensam, tudo o que falam, o que venderão em seu discurso. Além disso, acaba um vídeo e, cinco segundos depois, começa outro, dando a impressão de que nada nunca vai acabar. É a ilusão da disponibilidade integral, de que tudo o que quero eu terei.

O QUANTO OS SOFRIMENTOS POR SAÚDE MENTAL SÃO VIVIDOS DE FORMA DIFERENTE CONFORME A CLASSE SOCIAL?

Há sofrimento em qualquer dimensão social. Depressão afeta desde os mais vulneráveis até os mais ricos. A saúde mental é cheia de tabus, porque nunca falamos sobre isso. O grande slogan do Janeiro Branco era "quem cuida da mente, cuida da vida". Hoje, falo muito mais "por uma cultura da saúde mental". Precisamos ter mais discussões. Onde há ser humano, há demanda. Carências, frustrações e medo são democráticos, estão em todos os espaços. Discordo do senso comum de que depressão é coisa de rico. Na verdade, o rico tem condições de lidar com a depressão, talvez em busca de tratamento, e o desfavorecido não tem por falta de políticas públicas.

UM GRANDE PROBLEMA NO SUS É A BAIXA QUANTIDADE DE CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL, OS CAPS (POSTO DE SAÚDE FOCADO EM QUESTÕES MENTAIS). POUCOS PSICÓLOGOS, POUCOS PSIQUIATRAS. QUAL É O EFEITO DISSO?

Isso deteriora a vida do brasileiro. É papel do Estado garantir saúde da população. Estamos falando da precariedade do serviço público em relação à saúde mental. Mas é preciso contextualizar a importância da Carta de Bauru, um documento de 30 anos atrás a partir do qual psicólogos brasileiros se posicionaram contra a cultura manicomial (de internar pessoas em hospitais psiquiátricos). Até então, saúde mental era tratada como assunto para manicômio na sociedade brasileira.

COMO O SENHOR VÊ A NOVA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL IMPLEMENTADA NO GOVERNO MICHEL TEMER, DE VOLTAR A ABRIR VAGAS EM MANICÔMIOS ?

Privilegiar a visão de internação, com verba liberada para instituições que encarceram, é um retrocesso. A partir da Carta de Bauru, começou um processo de reforma psiquiátrica que abriu, dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), uma visão de que saúde mental se trata em liberdade. Saúde mental não é prender e cercear a pessoa, e sim ser tratado no contexto das relações sociais da família. É um grande avanço. De 30 anos para cá, a psicologia brasileira luta para consolidar isso, o que pressupõe ver a saúde mental em uma perspectiva aberta, baseada nos centros de atenção psicossocial. Caps não são para aprisionar nem prender, mas para lidar com a subjetividade das pessoas em um contexto de socializá-las. Tudo o que vá contra essa perspectiva progressista e humanista significa um retrocesso. Desde o governo Temer, percebemos uma dilapidação dessas conquistas. À medida que se retiram recursos financeiros, isso problematiza o funcionamento dos Caps. Sem dinheiro, como se estrutura a rede? 

É um ataque ao humanismo da reforma manicomial. Para políticas conservadoras, é mais fácil aprisionar o indivíduo do que empoderá-lo. A campanha Janeiro Branco coaduna com a luta antimanicominal. Ideologias de internação compulsória atentam contra as liberdades individuais. Mas isso não significa que não existam recortes: não podemos, em nome dessas liberdades, excluir a possibilidade de quem precisa da internação para se proteger e proteger a família. Não podemos generalizar. Há situações em que sujeitos precisam da internação, como para quem está em crise de abstinência de drogas (a lei da reforma psiquiátrica prevê internações em casos de crise aguda por limite de tempo determinado). Mas não é uma ideologia do manicômio. São casos pontuais, em que, às vezes, é preferível internar o sujeito. O que não é possível é levantar bandeiras de liberação ou aprisionamento geral. O ser humano é complexo.

ESTATISTICAMENTE, PESSOAS NEGRAS E LGBT+ TÊM MAIS ÍNDICES DE DEPRESSÃO, ANSIEDADE E TENTATIVA DE SUICÍDIO. QUAL A RELAÇÃO ENTRE RACISMO E LGBTFOBIA COM SAÚDE MENTAL?

Machismo, racismo, fundamentalismo religioso, homofobia e transfobia são violências simbólicas e concretas que retiram dos indivíduos o direito de serem quem são e de viverem de acordo com seus próprios sentidos. Isso aprisiona os indivíduos em sistemas de opressão e de privação de direitos. É óbvio que isso afeta seus sistemas emocionais, levando à ansiedade, à depressão e à ideação suicida. A relação entre violências e saúde mental é inversamente proporcional. Quanto mais violências os indivíduos sofrem, menos saúde mental expressam. E quanto menos violências fazem parte de suas vidas, mais espaço para saúde mental terão. É fácil entender porque minorias étnicas, sexuais, políticas e religiosas, dentro de sistemas opressores, sofrem muito, o que causa deterioração na saúde mental.

EM MUITOS CASOS, A SAÚDE MENTAL SÓ É ALVO DE ATENÇÃO QUANDO CHEGA A UMA SITUAÇÃO EXTREMA, COMO DEPRESSÃO, FOBIA OU TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO (TOC). QUE SINAIS NO DIA A DIA INDICAM QUE É PRECISO PARAR E REPENSAR A VIDA?

Justamente, o Janeiro Branco não é uma campanha para estimular psicoterapia, mas para gerar uma cultura da saúde mental no dia a dia. Há vários sinais: transtornos alimentares, insônia, falta de harmonia com meu próprio corpo, desesperança, agressividade com familiares, no trânsito e no trabalho, além de adoecimentos recorrentes, como dor de cabeça, gastrite, tensões musculares. São sinais de que não estou bem e preciso repensar. Será que minhas escolhas são saudáveis ou são adoecedoras? Se estou nervoso, ansioso, agressivo, desanimado, chorando ou rindo à toa, talvez haja problemas para olhar. E é preciso ver se sou útil à minha sociedade. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) entende saúde mental quando estamos em equilíbrio com as demandas internas e sociais. Será que o individualismo e o egocentrismo não são adoecimento emocional e sinal de desequilíbrio interno? 

MARCEL HARTMANN


01 DE FEVEREIRO DE 2020
DRAUZIO VARELLA

SONO E AVC

DORMIR POUCO É UM PROBLEMA, MAS O CONTRÁRIO TAMBÉM É VERDADEIRO, INDICAM PESQUISAS EM EUA E CHINA.

Vários estudos mostraram que dormir pouco causa problemas de saúde. As consequências da situação oposta, muitas horas diárias de sono, entretanto, têm recebido pouca atenção.

Na coorte americana Women?s Health Study, que acompanha mais de 160 mil mulheres de 50 a 79 anos, aquelas que, na menopausa, estavam habituadas a dormir nove ou mais horas por noite, tiveram maior probabilidade de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico. Na coorte chinesa Kailuan Prospective Study, mulheres que dormiam mais de oito horas por noite correram mais risco de AVC hemorrágico, relação que não se repetiu com os homens. Raros estudos avaliaram as implicações da duração de sono diurno nas doenças cardiovasculares. Um dos únicos que analisaram as consequências desse hábito foi conduzido entre 2 mil chineses de meia-idade. Naqueles que costumavam dormir durante o dia 60 minutos ou mais, o risco de AVC isquêmico quase duplicou.

Agora, um grupo liderado pelo professor Lue Zohe, da Universidade Huazhong, publicou na revista Neurology - uma das mais importantes da especialidade - a análise da relação existente entre a incidência de AVC e o número de horas dormidas nos períodos noturno e diurno pelos 31.750 inscritos da Dong-Feng cohort. O número de participantes dos sexos feminino e masculino foi bem próximo, e a média de idade, 61 anos. Os dados foram colhidos no decorrer de 6,2 anos, em média. Cerca de 8% deles relataram dormir mais de 90 minutos durante o dia, e 24%, mais de nove horas à noite. Durante os seis anos de acompanhamento, ocorreram 1.577 acidentes vasculares cerebrais.

Os participantes com mais de nove horas de sono noturno e mais de 90 minutos de sono diurno apresentaram risco de sofrer AVC 85% mais alto, quando comparados aos que dormiam sete a nove horas à noite, e menos de uma hora no decorrer do dia. Entre os que dormiam de sete a nove horas ao entrar no estudo, mas que passaram a dormir mais de nove horas durante o acompanhamento, o risco aumentou 44%. Foi o primeiro estudo a documentar essa relação.

A associação do número excessivo de horas de sono noturno ou diurno com o risco de AVC foi mais pronunciada depois dos 65 anos de idade e naqueles com hipertensão arterial, diabetes, excesso de peso ou colesterol elevado. Comparados aos que dormem menos de 30 minutos durante o dia, os que o fazem por mais de 90 minutos apresentam risco de AVC 25% mais alto. Não dormir durante o dia ou fazê-lo por 30 minutos a uma hora não aumentou o risco de AVC, na comparação com os que cochilavam apenas de um a 30 minutos.

Embora o estudo mostre uma associação clara entre durações mais prolongadas do sono noturno ou diurno e acidentes vasculares cerebrais, não prova que exista relação de causa e efeito entre esses eventos.

O número excessivo de horas na cama pode refletir estilo de vida mais sedentário e maior probabilidade de desenvolver hipertensão arterial, diabetes ou outros fatores de risco para doenças cardiovasculares.

DRAUZIO VARELLA


01 DE FEVEREIRO DE 2020
J.J.CAMARGO

MISERICÓRDIA: NÃO DESISTA DE MERECER

CADA VEZ MAIS, NECESSITAMOS DO ?CORAÇÃO COMPADECIDO? DAS OUTRAS PESSOAS

Nunca cometa a insanidade de subestimar a força moral dos misericordiosos. Eles são superiores e se alimentam da energia inesgotável de fazer o bem, este combustível que dispensa aditivos.

Em português, o termo "misericórdia" vem da junção de duas palavras latinas, no caso, miseratio, que deriva de miserere e significa "compaixão", e cordis, que significa "coração". Logo, misericórdia significa algo como "coração compadecido", no sentido de ter compaixão pelo sofrimento e a dor de alguém.

Preparando uma conferência na universidade e estimulado por uma crônica do Pondé, fui à cata dos comentários rabínicos da Criação, onde reza a lenda que, lá no início, quando Deus, pensando em criar o homem e a mulher, resolveu consultar seu parlamento sobre se devia ou não fazê-lo. Primeiro, ouviu a Justiça, que O desaconselhou: "Eles vão criar problemas, não vão te obedecer, isto aqui vai virar um inferno, desista da ideia".

A seguir, buscando um contraponto, chamou a Misericórdia, que argumentou: "Olha, é provável que eles tragam algum incômodo sim, mas tenho certeza de que algumas vezes eles serão tão maravilhosos que vai valer a pena". Então, Deus teria tomado a Misericórdia nas mãos e jogado ao chão com toda a força para que se estilhaçasse em mil pedaços, e sentenciou: "Eu vou criar o homem e a mulher, mas eles vão passar a vida catando cada pedaço de misericórdia espalhado sobre a terra".

A sentença era explícita: como somos seres imperfeitos e pretensiosos, arrogantes e egoístas, incapazes de almejar o bem absoluto, estamos fadados ao erro, a enfiar os pés pelas mãos, a fazer coisas que desagradam aos outros, a sentir inveja e ódio, ou seja, estaremos sempre dependendo da generosidade alheia para sermos perdoados. E ninguém discute que só merece perdão quem for capaz de perdoar.

A agressividade crescente e a intolerância latente em cada gesto do outro sugerem que, ou estamos imunes ao sentimento de culpa, ou não estamos nem aí para sermos ou não perdoados.

Tenho a sensação de que a grande qualificação da medicina, determinando a progressiva protelação da morte, tem estimulado um conceito equivocado: a longevidade não é sinônimo de eternidade, ainda que haja um número crescente de interessados em confundi-la.

O certo é que estamos cada vez menos preparados para a despedida. Refugiados nas redes sociais, associamo-nos à maior usina de ilusões, e na disputa por ver quem fantasia melhor falando bem de si mesmo, estaremos sempre a um passo de acreditar que "essas coisas referidas aí acima nunca acontecerão comigo"!

E, nesse processo de negação protetora, vamos construindo o pior binômio emocional para o adeus: a aliança da tristeza da doença com a tragédia da solidão.

J.J.CAMARGO


01 DE FEVEREIRO DE 2020
PAULO GLEICH

Laços estivais

Nos meses de verão, boa parte dos gaúchos muda de endereço temporariamente, atrás de clima mais ameno, dias de ócio e mudança de cenário. Embora não seja tão bela como a de nossos vizinhos mais ao Norte, nossa extensa costa ainda tem espaço para albergar esses milhares de migrantes sazonais que deixam para trás cidades sonâmbulas, à espera do despertar na Quarta-Feira de Cinzas.

Todos os finais de semana é possível acompanhar as notícias desse êxodo rumo ao Litoral e de volta às casas, com cada vez mais crescentes quantidades de veículos, tempos de congestionamento, filas em supermercados e restaurantes. Nada disso parece impedir os devotos do sol e da areia, muitos dos quais inclusive lamentam a queda de movimento na praia durante a semana. Não há férias para nossa condição de animais sociais, que impele a formar aglomerações.

Nesses rearranjos geográficos sazonais se (re)criam também, a cada ano, outras redes de relações - como pode testemunhar quem já passou alguma temporada no Litoral. As histórias são inúmeras: vizinhos de praia que terminam se tornando melhores amigos, romances intensos e eternos (muitos dos quais acabam durando apenas tanto quanto o bronzeado), encontros casuais que acabam revelando conexões desconhecidas, de interesses e até de parentesco.

Entre os maiores beneficiados desse deslocamento estão os púberes e adolescentes urbanos, para quem é uma ocasião de escapar do cotidiano vigiado pelos pais e pelas câmeras do condomínio. É inestimável o valor de poder ir ao "centrinho" ou perambular pelas ruas apenas com os pares, permitindo-se experimentar a incipiente adultez que com tanto esforço e sofrimento tentam cultivar e dar a ver aos outros. E os do Interior também: embora sejam costumeiramente menos restringidos em sua mobilidade, é vital poder deparar com novas caras e, sobretudo, novos olhares.

Aqueles que permanecem em casa nesses meses cálidos, seja por opção ou por obrigação, têm também a oportunidade de refrescar seus laços afetivos. Pode ser a ocasião de rever aquele amigo próximo que não foi possível encontrar ao longo do ano e que também ficou cuidando da cidade. Não raro, nessas épocas, acabam se formando por contingência grupos inusitados de "remanescentes", onde novos encontros podem acabar surgindo. Mas é também a possibilidade de estabelecer outra relação com a cidade, que a pressa do cotidiano acaba tantas vezes dificultando: ir a um lugar desconhecido, tomar tempo para passear.

Comentam-se com frequência o bronzeado e o descanso trazidos das férias para casa, mas também os afetos podem ser beneficiados pelo estado de suspensão indolente dos meses estivais. O veraneio pode ser um ótimo refresco para a alma: tanto para deixar de molho os laços cotidianos, a fim de reanimar o desejo de proximidade, quanto para descobrir e criar outros laços para lembrar que, se estamos dispostos e disponíveis, a vida comporta novas conexões - o que sempre a torna mais rica.

*O colunista David Coimbra está em férias e retorna no dia 18/2

PAULO GLEICH - INTERINO


01 DE FEVEREIRO DE 2020
MÁRIO CORSO

Abstinência de sexo na adolescência

Passei os últimos anos estudando adolescência. Meu último livro, junto com Diana Corso, é sobre o tema. É desta intimidade recente com o assunto que digo que a campanha pela abstinência sexual dos adolescentes, que será lançada neste mês, tem tudo para ser inócua.

O mote não é errado, que se diga para não ter pressa para iniciar a vida sexual, qualquer um poderia assinar embaixo. Afinal, vivemos uma sociedade que espera muito do sexo e da identidade sexual. Essa expectativa é uma promessa que não se cumpre. Não pelo exercício da sexualidade em si, mas pela propaganda exagerada.

Minha questão é que campanhas devem ser feitas para o adolescente real, não o que nós gostaríamos que ele fosse. Essa campanha pela abstinência só vai atingir quem já pensa nessa direção, quem tem conduta sexual entre fóbica e cautelosa - não tome como crítica, é uma estratégia válida para alguns. Porém deixa desamparada a ampla maioria, que já faz sexo e se iniciou quando, com quem e como desejou. Estes precisam de informações para saber como cuidar-se para não engravidar, para não pegar doenças sexualmente transmissíveis, e não conversa que negue essa realidade.

Uma coisa é o que se diz, outra o que se escuta. Para a maioria dos adolescentes, sugestão sobre postergar a vida sexual vai soar como: "Seja criança por mais tempo". Vai parecer o conselho de um medroso para outro. O adolescente busca signos da vida adulta, quer partir da infância, por isso se lança em aventuras arriscadas. Uma delas é com a vida sexual, que pode ser um falso passaporte para a maturidade, mas é daquelas coisas que só se aprende vivendo.

Não necessariamente o sexo na adolescência é um problema. Sexo só traumatiza quando é abusivo. Se dois adolescentes, com idades e experiências parecidas, iniciam uma vida sexual, onde também existe uma troca afetiva, essa vivência não deixa sequelas. Saem mais maduros da experiência.

Se não dermos informações claras aos adolescentes sobre a sexualidade, eles vão procurar saber por seus pares, tão perdidos quanto eles mesmos. Ou vão recorrer à pornografia, que está ao alcance de três cliques na internet.

Somos uma civilização curiosa, temos o sexo em alta conta, mas não educamos para tal e não dispomos de uma cultura erótica artística. Ensinamos o tabu, o medo e o silêncio. Por isso buscamos nas sombras imagens e saberes que traduzam nossa sexualidade.

Quem teve uma adolescência com experiências sexuais vai vida em frente. Quem não teve fica com uma pendência, como se a vida lhe devesse isso. Alguns, na meia-idade, voltam a ser adolescentes. Mas então como seres anacrônicos, tristes figuras em busca do paraíso quimérico do sexo que não tiveram na juventude. Aqui o trauma é pela falta de uma vivência genuína e satisfatória de sexualidade.

MÁRIO CORSO


01 DE FEVEREIRO DE 2020
PASSARINHADA

Olhar para a natureza de Imbé

Para não afugentar os animais, caminhada é feita em silêncio, que é interrompido apenas para as observações do professor.

Os pescoços inclinam-se para cima enquanto os olhos minuciosos fazem uma varredura do amplo terreno ao redor. Entre árvores e galhos, os olhares procuram indícios de algumas aves. Os ouvidos mais treinados conseguem identificar certos cantos. Com a ajuda de binóculos ou de câmeras fotográficas, é possível sentir-se ainda mais próximo dos animais que vivem pelo local.

Tudo isso aconteceu durante a Passarinhada, encontro realizado em janeiro que faz parte da programação de verão 2020 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Litoral. Ao longo da temporada, oficinas e eventos são oferecidos gratuitamente pelo Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), em Imbé.

Antes de se dividirem em grupos, os participantes ouvem explicações sobre geografia, caraterísticas do ambiente onde o Centro está encravado e animais que poderiam ser avistados durante o passeio.

- Tem espécies que só vemos no mato. Outras apenas nas margens da lagoa e outras só no roçado. Vamos ver uma dezena delas nesta caminhada - anuncia Guilherme Tavares Nunes, professor de ornitologia do Campus Litoral Norte da UFRGS.

Abrigando essa diversidade de ambientes - lagoa, mata e gramados abertos -, o Ceclimar já registrou 90 espécies de aves. Para se ter uma ideia, em todo o Rio Grande do Sul, há registro de 704 espécies desses animais.

- Isso quer dizer que aqui temos um pouco mais de 10% das espécies do Estado. Se a gente pensar dessa forma, é uma área interessante para observação de aves - reforça Nunes.

Liberdade

Peculiar, o passeio é dominado pelo silêncio a fim de não afugentar os pássaros. Em tom de voz bem baixo, o professor fala o nome do animal ou mostra uma imagem dele no celular. Os participantes unem-se para ver ou fotografar o bicho. Nesse momento, é possível ouvir somente o canto das aves e os cliques das câmeras. Com o binóculo pendurado no pescoço, o docente sai à frente de um grupo com cerca de 10 pessoas.

Logo na primeira parada, percebe-se a riqueza que o Centro guarda. Atrás de um prédio, dois pavões - embora não sejam da nossa avifauna, estão ali porque faziam parte do minizoo do Centro - caminham livres e tranquilos. Um pouco mais afastado, um lagarto parece não se importar com a presença humana: boceja, estica a língua para fora e sai rastejando pela mata.

No primeiro ponto de observação, o grupo presta atenção na movimentação das árvores. Nunes tira o celular do bolso e reproduz o som de um pássaro. É uma questão de segundos para os visitantes serem agraciados pela companhia dos balança-rabo-de-máscara, pequena ave azul que, como o nome diz, parece estar usando uma máscara preta sobre os olhos e mexe o rabo sem parar.

Sem precisar muito esforço, apenas muita paciência e atenção, é possível visualizar transitando pelos galhos uma porção de beija-flores inquietos. De frente para a lagoa, mais um cenário imperdível para amantes de aves: um "estacionamento de Biguás", brinca Nunes. Paradas sobre paus que ficam dentro d?água, as aves parecem que fazem pose para as lentes.

Presente em diversas regiões, o biguá não é uma ave marinha, diz o professor. Ela pode ser vista no interior, em rios ou açudes, locais onde ela atua como um "submarino" atrás de peixes.

- Os biguás têm várias adaptações. Eles têm patas fortes para fazer a propulsão debaixo da água e cauda grande e rígida para servir de leme - conta o especialista.

CAMILA KOSACHENCO

01 DE FEVEREIRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

REALISMO NO RIO GRANDE DO SUL


As reformas na previdência e nas carreiras do serviço público aprovadas durante a última semana na Assembleia merecem ser reconhecidas como históricas, mas seus efeitos são de médio e longo prazos e, sozinhas, não terão o condão de contornar o quadro de extrema privação das finanças gaúchas. Basta mais uma vez lembrar que a economia projetada é de R$ 19 bilhões no horizonte de uma década, enquanto o rombo das aposentadorias do Estado é de R$ 12 bilhões a cada ano. 

A firme opção do governo e do parlamento pelo caminho da austeridade e da responsabilidade, pelo que prenuncia, é o que mais deve ser saudado pela sociedade como a grande notícia. A sinalização emitida pelo Piratini e pelos deputados, e compreendida pela opinião pública, é de que, enfim, o Estado começa a encarar a dura realidade de suas contas flageladas, sem a busca por saídas simplistas, demagógicas ou fictícias, como a eterna espera por receitas extraordinárias que quase nunca se confirmam.

Chegou o fim da era do faz de conta fiscal. Por décadas, esteve incrustada nos representantes dos poderes do Estado a ideia de que sempre haveria um jeitinho e seria possível empurrar o derradeiro acerto de contas com a barriga. Agora, parece não haver dúvida de que gestores e parlamentares entenderam que os recursos públicos têm dono - os próprios cidadãos - e são finitos. 

A máquina estatal, que hoje vive para si, traga todos os recursos, principalmente no pagamento de ativos e inativos, que deixam de ser investidos em infraestrutura, saúde, educação, segurança, cultura e ciência. Isso, aparentemente, não era compreendido pelos deputados gaúchos. Ao contrário. Gerações de políticos, amparados pelo sindicalismo e pressionados pelas vozes poderosas das corporações dos três poderes, revezavam-se no discurso populista de que faltava apenas "vontade política" para atender aos pleitos dos servidores.

Governos de todas as tendências, de vieses socialistas a liberais, ocuparam o Piratini e encontraram a mesma realidade, só agravada a cada exercício. A brutal recessão brasileira, que fez a arrecadação despencar, apenas escancarou de vez o fim da linha. O encerramento de uma era significa o alvorecer de outra. Agora, fica evidente que, para ser eleito e governar, não se pode mais iludir os contribuintes gaúchos com discurso fácil e falácias como a de que bastariam cortes milimétricos, em diárias e em cargos em comissão, para corrigir a quilométrica defasagem orçamentária do Rio Grande do Sul.

O governador Eduardo Leite, que divide com o parlamento o mérito pelos projetos aprovados, promete agora uma reforma tributária que permita a diminuição de alíquotas e a revisão de incentivos fiscais, em busca de uma estrutura mais justa de impostos. Será uma nova oportunidade para a maioria dos deputados ratificar o compromisso com um percurso assentado sobre o realismo, essencial para que se possa construir um Estado que consiga distribuir de maneira mais racional os seus recursos e atenda de forma mais igualitária seus cidadãos.

OPINIÃO DA RBS

01 DE FEVEREIRO DE 2020
CINCO PRAÇAS


Novos pedágios nas BRs 386 e 101 operam em modo de teste


Desde a meia-noite de quinta- feira (30), os motoristas que trafegam por trechos da BR-386 entre Montenegro e Victor Graeff e da BR-101 no município de Três Cachoeiras deparam com novas paradas obrigatórias. Desde a data, os cinco novos pedágios do trecho de concessão da CCR ViaSul estão funcionando de forma assistida, sem cobrança, nessa primeira etapa da operação.

Durante essa fase, funcionários da CCR ViaSul informam aos motoristas sobre o início da cobrança nas novas praças, programado para começar em 9 de fevereiro. Cada passagem custará R$ 4,40.

Gestor de atendimento da concessionária, Fausto Camilotti afirma que os primeiros dias dessa operação estão ocorrendo dentro da normalidade e sem registro de transtornos. Camilotti destaca que os dias que antecedem o início do pagamento serão destinados à ampla divulgação das cobranças:

- A operação vem sendo executada com sucesso. Já fizemos divulgação à imprensa, temos faixas nas rodovias, distribuição de folhetos, temos um banner no site informando a data do início da cobrança e o valor da tarifa. Também estamos com o serviço de 0800-000-0290, da ouvidoria, que está preparada para dar informações aos nossos usuários.

Treinamento

Segundo o gestor de atendimento, equipes da empresa também estão passando pelos últimos treinamentos práticos.

- Esse período serve para preparar o sistema e o nosso pessoal, que passou por treinamento. Eles foram mobilizados em dezembro, passaram por fase de ambientação, treinamento teórico e prático. Eles já estavam nas praças de pedágio há cerca de uma semana, olhando a parte de sistemas e o funcionamento de toda estrutura de arrecadação. Desde o dia 30, eles já ocupam cabines, fazendo toda a transação, classificando a passagem e fazendo a liberação - explica Camilotti.

Ainda em fase de obras, as alterações nas praças de pedágio de Gravataí, na Região Metropolitana, e de Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte, ambas na BR-290, devem ser concluídas até agosto, segundo o cronograma da CCR ViaSul. Em Gravataí, a estrutura sairá do km 77 e será instalada no km 60 da rodovia. Já em Santo Antônio da Patrulha, a praça começará a operar nos dois sentidos. Hoje, a cobrança ocorre só para quem se desloca em direção ao Litoral, ao custo de R$ 8,80.

ANDERSON AIRES

01 DE FEVEREIRO DE 2020
+ ECONOMIA

Chineses moram no RS para comprar

Soledade, polo da produção gaúcha de pedras preciosas, é muito visitada por chineses. Conforme Sadi Bagatini, sócio da Bagatini Pedras, uma das dezenas de empresas locais do segmento, a China responde por cerca de um terço das vendas. Já levaram metade das vendas, mas os Estados Unidos aumentaram as compras e diluíram a concentração. Segundo o empresário, nesta época do ano há "poucos chineses", pela combinação do Ano-Novo Lunar (25 de janeiro), da realização de uma feira mundial do setor em Tucson, no Arizona (EUA), e da redução de viagens provocada pelo temor do coronavírus.

De acordo com o empresário, grandes grupos de chineses costumam visitar Soledade depois de passar por Santa Cruz do Sul para compras de fumo. Esses costumam adquirir mais do varejo. No entanto, grandes clientes têm hábito de enviar representantes para permanecer por até dois ou três meses. Os visitantes se dividem em dois grupos: os focados em ametista, para uso decorativo, e os que vêm em busca de ágatas para aplicações industriais. Esses têm hábido de esticar a estada para estudar as propriedades da pedra.

- Em determinados períodos, temos entre 20 e 30 chineses morando por aqui - relata.

A volta dos chineses é esperada para depois do Carnaval, afirma o empresário.

CRISE? QUE CRISE?

A Panvel abriu na sexta-feira a primeira das 50 lojas que pretende inaugurar neste ano, 25% a mais do que em 2019. A unidade fica no Hospital Santa Clara da Santa Casa de Misericórdia.

A Família Previdência (antes Fundação CEEE) somou 2.242 novos participantes em 2019, 12% acima da meta. Fechou o ano com rentabilidade consolidada de 20,87%, a melhor dos últimos cinco anos.

O Restaurante Gambrinus, de Porto Alegre, vendeu 17 mil bolinhos de bacalhau em 2019. Para faê-los, usou 200 quilos do peixe por mês. Para este ano, a meta são 20 mil bolinhos.

<< A SEMANA QUE VI

ALTA FANTASMA

Quando o Banco Central (BC) divulgou os dados das operações com dólares no Brasil, não apareceu a alta de 26% no investimento externo apontada por um organismo da ONU e comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro. O BC explicou à coluna que o resultado festejado tinha estimativa não confirmada.

NO MARTELO

O governo do Estado prevê levar o braço de distribuição da CEEE a leilão até setembro. Ainda avalia como serão vendidos os outros dois, mas a tendência é de que sejam ofertados em separado. Piratini e BNDES ainda não sabem o que fazer com a Companhia Riograndense de Mineração (CRM).

COM MÁSCARA

Empresas com negócios na China começam a rever planos no país por conta da epidemia de coronavírus. Indústrias gaúchas com unidades e produtos no país asiático e cidades com mais tradição de receber comitivas de chineses adiam transações e adotam planos de prevenção.

SEM ESPUMA

A cervejaria Dado Bier, depois de 25 anos de atividades, investirá R$ 105 milhões até 2022 em uma fábrica em Três Cachoeiras, na BR-101. Com esse aporte, vai produzir 60 milhões de litros ao ano. Depois, está prevista nova fase, ainda sem orçamento definido, para levar a capacidade a 170 milhões.

MARTA SFREDO

01 DE FEVEREIRO DE 2020
RODRIGO CONSTANTINO

Comunavírus


O mundo está em estado de alerta por conta do vírus que se espalha desde a China, acumulando já centenas de casos fatais. Não há motivo para pânico, porém. O coronavírus preocupa, sem dúvida, em que pese a relativa baixa taxa de letalidade (metade da Sars) e o fato de que, em breve, provavelmente haverá algum antiviral eficaz. Não será, portanto, o Apocalipse. Ainda não.

Mas e o comunavírus? Sua taxa de letalidade é bem maior e alguns calculam em 100 milhões as vítimas fatais! Seu poder de adaptação é incrível. Ele sobrevive bem no imenso frio da Sibéria e também no clima tropical abaixo da linha do Equador. Muda de cor feito um camaleão. Já foi vermelho de sangue e hoje é encontrado mais no tom verde, confundindo-se, assim, com um "parasita do bem".

Quando infecta o hospedeiro, vemos sintomas um tanto desagradáveis. Meninas pirralhas, que deveriam estar estudando ou ajudando os pais em casa, saem berrando por aí feito loucas, achando que o mundo vai acabar em poucos anos. Jovens se transformam da noite para o dia, tornando-se seres bizarros e indefinidos. O doente fica irascível, baba de raiva à simples menção dos nomes Trump ou Bolsonaro, quer agredir todo aquele que não foi acometido pelo vírus ainda.

Narciso acha feio o que não é espelho. O comunavírus cria uma indústria narcisista, de gente que não lida bem com o contraditório, dá chilique, sobe nas tamancas diante de argumentos divergentes. Aí, depois, conclui que o mundo seria maravilhoso se ao menos aquele que não é espelho desaparecesse de vez do cenário, sem se dar conta de que o problema está nele mesmo.

O mais assustador é a dificuldade de cura. Uma vez infectado, dificilmente o sujeito se livra dos sintomas. Existem antivirais, é verdade. O mais eficaz se chama "trabalho" e já trouxe de volta à normalidade vários doentes. Mas não é trivial. Quem contraiu o comunavírus tende a se enxergar como uma "nobre alma", incapaz de identificar a febre como efeito da doença, achando que se trata de euforia saudável de quem deseja salvar a humanidade ou o planeta. Tadinhos...

RODRIGO CONSTANTINO

sábado, 25 de janeiro de 2020



25 DE JANEIRO DE 2020
LYA LUFT

Nós, os ferozes

Gosto das redes sociais, no que têm de útil, de bom, prazeroso e humano.

Fui talvez dos primeiros escritores a usarem computador, incrível facilitador do meu trabalho. Uso redes sociais, muito moderadamente, até por timidez quem sabe. Tenho Face, dois ou três pequenos grupos de amigas, uso Whats com moderação, sou de modo geral retraída.

Mas eu aprecio isso da comunicação. Converso com netos na Nova Zelândia ou Estados Unidos, acompanho um pouco sua vida e trabalho, conversava com filho na África, converso com amigos e amigas aqui perto, falo com pessoas com as quais raramente me encontraria. Aprendo muitíssimo no YouTube, vejo excelentes documentários, enfim também aí vou crescendo. 

Mas um aspecto me impressiona negativamente: a livre saraivada de insultos, em geral errados ou gratuitos, xingamentos de nível duvidoso, brigas ásperas por política ou qualquer opinião, com que tantos se digladiam. Expor a cara a qualquer objeto que nos joguem não é fácil. Os desastres de que se tem notícia nesse território, traições, engodos, armadilhas, negócios fraudulentos, difamações... a lista é grande. Como se, na tela, não importassem educação, gentileza, ninguém se constrangesse de magoar ou ofender outros.

Uma conhecida jornalista, minha amiga, com quem não necessariamente concordo sempre, tem sido insultada de maneiras degradantes, acusada de coisas hoje irrelevantes, mas graves se postas em público, difamada de graça por ódios ideológicos. Outra amiga, artista conhecidíssima, é xingada por ter usado legitimamente benefícios monetários criados para artistas poderem exercer seu ofício. Nada de ilegal, ou fraudado, nenhum roubo ou exagero. 

O príncipe Harry, nesse conflito certamente doloroso de se apartar da família real, tem sido chamado de "bundão", que valoriza a sua mulher mais do que a realeza, e "vai ver o que é bom". Por que o príncipe seria bundão, se na verdade sempre teve um lado rebelde, problemas emocionais que agora admite, relacionados com a morte brutal da mãe, se foi destacado duas vezes na guerra do Afeganistão onde serviu com distinção e valentia na Marinha e onde é muito respeitado? E por que de repente Regina Duarte é chamada de "Porcina"...?

Sei que é democrático usarmos de todos os meios e armas a nosso dispor. Sei que é democrático que figuras públicas sejam sujeitas a difamação, insulto, inverdades. Mas democracia deveria significar respeito: pela decência, pelos costumes, pela honra, pela verdade. E assim lembro esse ser predador que reside em todos nós, pronto a destruir, esmagar e sujar o outro, como se todos fossem adversários possíveis e iminentes.

E como se, embora humanos, tivéssemos licença de agir feito ferozes criaturas de uma selva primitiva e sombria.

LYA LUFT