sábado, 13 de maio de 2023


13 DE MAIO DE 2023
SAÚDE PÚBLICA

DAS MÃOS LAVADAS À ANTISSEPSIA CIRÚRGICA

15 DE MAIO É O DIA NACIONAL DO CONTROLE DAS INFECÇÕES HOSPITALARES

Nos hospitais do século 19, mulheres morriam aos montes após o parto em decorrência de infecções. Quem dava à luz em casa ou mesmo nas ruas tinha chances de sobrevivência melhores do que em uma internação hospitalar. Na época, os pacientes eram aglomerados doentes em camas coletivas e sem distanciamento, além de serem atendidos por médicos que não limpavam suas ferramentas ou lavavam suas mãos.

Isso mudou em 1847, quando ainda se defendia a teoria da geração espontânea (que dizia que pequenos animais como insetos e larvas surgiam por geração espontânea), um legado dos antigos gregos. Na época, o médico obstetra húngaro Ignaz Semmelweis decidiu incorporar uma atitude simples - a lavagem das mãos - no dia a dia do hospital em que trabalhava em Viena, na Áustria, antes mesmo da teoria microbiana dos germes se tornar consenso entre cientistas.

- Esse médico viu que, onde as puérperas estavam sendo cuidadas por parteiras que higienizavam as mãos e usavam água quente, havia menos infecção do que as cuidadas pelos médicos porque eles às vezes saíam de salas de necropsia, manipulavam corpos e iam direto fazer os partos - explica a médica infectologista Caroline Deutschendorf, coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

Com isso, a mortalidade nos partos decaiu drasticamente, e a data da medida implementada por Semmelweis foi instituída como o Dia Nacional do Controle das Infecções Hospitalares. Hoje, mais de 175 anos depois, lavar as mãos continua a ser uma das principais medidas de prevenção para todos os que passam por unidades de saúde - médicos, enfermeiros, pacientes ou visitantes.

u Foco especial em pacientes com cateteres, sondas e pós-operatórios

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), só a higiene das mãos e dos ambientes em unidades médicas está associada à redução de complicações de saúde em cerca de 40%, além de reduzir o risco de morte pela metade. Segundo o órgão, a medida é uma das intervenções com o melhor custo-benefício na saúde, por ser barata e eficaz.

Caroline explica que toda pessoa que interna em um hospital está sob risco de contrair uma infecção, sobretudo aqueles que recebem cateteres, sondas ou fazem cirurgias. Ou seja: incisões e cortes que deixam o interior do corpo, de algum modo, exposto. Por isso, os ambientes hospitalares - dos quartos e corredores às unidades de terapia intensiva e salas de cirurgia - passam por higienizações constantes.

- Focamos muito nesses pacientes em especial porque sabemos que eles têm mais risco e nossa principal medida, carro-chefe, até hoje, é a higiene das mãos - explica Caroline.

Fora a medida já consagrada, em quartos hospitalares, por exemplos, há outras como o distanciamento entre leitos para deixar a convivência segura e o isolamento dos pacientes que estiverem infectados com micro-organismos ou bactérias resistentes, explica a enfermeira Ariane Monteiro, coordenadora de Enfermagem do Serviço de Controle de Infecção do Hospital São Lucas (HSL).

Já em unidades de tratamento intensivo (UTI), para onde vão muitos dos pacientes em situação mais delicada, a adesão à higiene das mãos é monitorada junto com o uso de dispositivos, como respiradores e acessos endovenosos.

- Temos três linhas de prevenção muito fortes: à infecção de corrente sanguínea, de trato urinário e de pneumonia associada à ventilação mecânica. Cada uma delas tem itens de rotina que o controle de infecção avalia, como uma espécie de auditoria - diz a enfermeira.

u Salas de cirurgia requerem ainda mais rigor nos cuidados

Em locais como salas de cirurgia, os cuidados são ainda mais rigorosos. Há controle até no fluxo do ar condicionado para evitar que partículas caiam no paciente, afirma Caroline, do Hospital de Clínicas. À exceção de partos, os visitantes não são permitidos e, em muitos casos, os pacientes tomam antibióticos para prevenir infecções bacterianas.

- Todos usam barreiras máximas de proteção: avental, gorro, máscara e luva para evitar transmissão de infecção - explica a médica do HCPA, que diz que luva e avental são esterilizados e trocados em todo procedimento para garantir que não haja transmissão de bactérias, por exemplo.

Ariane também ressalta que, no pré-operatório, tanto pacientes como a equipe assistencial passam por antissepsias cirúrgicas, como banhos com uma solução de clorexidina, um antibactericida e antifúngico. Há todo um cuidado no preparo da pele do paciente na escovação das mãos dos profissionais de saúde, explica a enfermeira. A mesma estratégia de fluxos de ar especiais das salas cirúrgicas também é usada em outras alas sensíveis de hospitais, como as que atendem pacientes com imunidade suprimida ou nas UTIs.

Visitantes também devem contribuir na prevenção

Além de pacientes, hospitais também recebem o fluxo de visitantes e consultas ambulatoriais. De modo geral, no caso de visitas, o ideal é evitar que haja muita gente circulando, apesar do volume ficar mais intenso, sobretudo em caso de pacientes mais graves, com família e amigos preocupados.

- Reforçamos a importância da higiene de mãos e que, se o visitante veio visitar seu familiar, ele não pode aproveitar para visitar outros - diz a enfermeira Ariane.

Essa lavagem das mãos pode ser feita com álcool gel ou água e sabonete antes de se realizar quaisquer cuidados em relação ao paciente visitado. A médica Caroline alerta que, no inverno, há muita gente que se gripa ou resfria, não toma os cuidados e vai ao hospital, de modo que transmite doenças infectocontagiosas aos pacientes internados.

E os visitantes devem evitar oferecer lanches "de fora", já que os pacientes têm dietas específicas entregues pelos hospitais. Caroline lembra que os controles nas cozinhas dos hospitais são rigorosos, com uso de máscaras e gorros o tempo inteiro, além do apoio das equipes de higienização. Se o visitante for lanchar, o ideal é fazer isso fora dos quartos.

PEDRO NAKAMURA

13 DE MAIO DE 2023
J.J. CAMARGO

AS IMPREVISÍVEIS REAÇÕES À DOR

Toda cirurgia é, em princípio, dolorosa. O que não segue nenhuma cartilha é a resposta de cada operado, com queixas discrepantes, muitas vezes submetidos a procedimentos idênticos.

As primeiras descrições desse fenômeno de diversidade sensorial reportam a experiências com soldados em campos de batalha que chegavam aos hospitais americanos de retaguarda, com as vísceras de fora, mas pouco queixosos, por estarem vivos, e porque, como sobreviventes, em breve estariam voltando para casa, para serem festejados como heróis.

Perfeitamente compreensível que usassem menos da metade da morfina exigidas por pacientes das clínicas de luxo de Boston, submetidos a cirurgias eletivas, muito onerosas, e com ganhos menos ostensivos e ainda carentes de comprovação.

Um importante atenuante da dor é a existência, no processo, de alguma barganha. É muitíssimo menor a queixa de dor de quem é operado para resolver, por exemplo, uma hemorragia, com sua assustadora ameaça de morte, na comparação com quem tem indicação de remover um tumor assintomático, descoberto por acaso. Apesar do diagnóstico precoce ser festejado pelo médico, essa contingência será sempre vista pelo paciente como uma agressão despropositada.

De todas as situações em que o fator emocional interfere, certamente a mais comovente é a da mãe que se submete a uma cirurgia torácica extremamente dolorosa para doar uma parte de seu pulmão ao filho amado, e que no pós-operatório dispensa sedativos porque, inacreditavelmente, não sente dor. Como se essa queixa, vista como menor no contexto, pudesse diminuir o tamanho de um dos maiores gestos de amor.

Uma das mais conhecidas lendas da solidariedade humana envolve dois soldados americanos, num dos momentos mais críticos da Segunda Guerra, quando os aliados foram emboscados pelos nazistas em Dunquerque. Um deles, gravemente ferido, foi carregado pelo outro por mais de 16 quilômetros em um campo nevado, durante a noite.

Quando finalmente, ao amanhecer, chegou ao hospital com sua preciosa carga, o soldado foi saudado como herói. E quando lhe perguntaram como conseguira carregá-lo durante tanto tempo e em condições tão adversas, ele simplesmente respondeu: "Mas ele não pesa nada. Ele é meu irmão!".

Aparentemente, o amor incondicional é um poderoso analgésico! Que brota espontâneo no coração dos amados, e como tudo o que é incontestável na origem, dispensa definições, e certamente não precisa de receituário com tarja preta.

J.J. CAMARGO

13 DE MAIO DE 2023
CONSUMO

O avanço do atacarejo no RS

Novo perfil inclui ampliação de serviços. Unidades somam quase 40% do varejo alimentar e se aproximam de centros urbanos

Modelo emergente de mercado que combina atacado e varejo, o chamado atacarejo se expande em ritmo acelerado no Rio Grande do Sul impulsionado por um novo perfil de atuação. Além de ampliar a quantidade de lojas, marcadas por espaços amplos, variedade de produtos e oferta de descontos, o setor vem adquirindo novas características como uma maior proximidade dos centros urbanos e a incorporação de serviços de açougue e padaria.

Em apenas dois anos, a participação desse tipo de autosserviço nas vendas do varejo alimentar, que inclui ainda mercados de menor porte, súper e hipermercados, subiu de 32% para 38% no Estado, de acordo com um levantamento da consultoria NielsenIQ.

O presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, diz ser difícil mensurar com exatidão o número de atacarejos - denominação derivada do fato de atenderem tanto comerciantes intermediários quanto o consumidor final - porque ainda não contam com uma classificação de atividade econômica própria. Mas um monitoramento nacional feito pela NielsenIQ revela que a Região Sul se consolidou como principal foco de crescimento desse tipo de negócio em todo o Brasil no último biênio, com uma disparada de 53%, à frente de outros polos de expansão localizados no Sudeste, onde houve uma média de 47% de avanço.

Os dados da consultoria indicam que a quantidade de empreendimentos localizados no Sul saltou de 131, no começo de 2021, para 200, agora. A pesquisa não detalha os dados específicos do Estado, mas informações sobre a abertura de novas unidades confirmam que o Rio Grande do Sul é um dos pontos mais cobiçados pelas marcas atualmente: na semana passada, o grupo catarinense Pereira - o quinto maior do país, com faturamento de R$ 11,2 bilhões no ano passado, conforme ranking da Associação Brasileira dos Atacarejos (Abaas) - inaugurou sua primeira loja em Canoas e tem planos de abrir pelo menos outras cinco até o ano que vem sob a bandeira Fort Atacadista. Viamão e Caxias devem ser contempladas ainda em 2023, e Novo Hamburgo, Gravataí e Porto Alegre nos meses seguintes.

- Um centro de distribuição em São Leopoldo vai atender o Estado, onde também vai funcionar nosso centro administrativo e comercial. Só não viemos antes porque seguimos uma estratégia de nos estabelecermos bem nas praças onde já atuamos antes de chegar a outra - revela o gerente nacional de marketing do Fort Atacadista, Gustavo Petry Custódio, referindo- se à presença anterior em Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal.

Força

Maior rede nacional do ramo, com uma receita de R$ 74 bilhões no ano passado, o Carrefour já conta com 28 unidades de autosserviço sob o nome Atacadão no Rio Grande do Sul. Destas, 13 foram abertas desde o começo do ano por meio da integração com o Grupo Big. A marca não confirma oficialmente os planos de crescimento para os próximos anos por Estado, mas informa que prevê passar de 341 lojas em todo o país, no ano passado, para 470 até 2026.

A onda do setor também conhecido por cash & carry (ou "pague e leve") chegou com tanta força que moveu até uma das marcas mais tradicionais do ramo supermercadista. O Grupo Zaffari lançou a marca Cestto especificamente para ingressar no universo dos atacarejos e inaugurou seu primeiro estabelecimento do tipo no final do mês passado, em Gravataí. Uma nova unidade deverá ser entregue no ano que vem na Zona Sul de Porto Alegre, na Avenida Wenceslau Escobar, e pelo menos outras quatro já estão no horizonte: mais uma na Capital, em Novo Hamburgo, Canoas e, expandindo-se para fora do Estado, em São Paulo.

Ainda entre os comerciantes gaúchos, o grupo Imec, com sede em Lajeado e responsável pela bandeira Desco, lançou duas unidades no ano passado e tem outras duas novas unidades previstas para este ano (Campo Bom e Sapiranga).

- É mais um formato que chega, caracterizado por uma compra mais demorada, um tíquete (compra média) superior, com mais cara de hipermercado, e que passa a dividir espaço com as lojas de proximidade (que atendem a um público mais local), em que se consegue fazer compras em 10 minutos - avalia Longo.

MARCELO GONZATTO


13 DE MAIO DE 2023
CHAMOU ATENÇÃO

CARTA DA EDITORA Homenagem às mães

Para marcar uma das datas mais queridas e comoventes do nosso calendário, os 29 colunistas desta edição publicam o nome e o sobrenome de suas mães como forma de homenagear todas as mães neste domingo. A singela ação foi abraçada pelos profissionais com um misto de orgulho e respeito. Pelas páginas de Zero Hora, o leitor vai encontrar a Universinda, a Ilse, a Olívia, a Mirian, a Zely, a Isabel, a Elisabeth...

Na quinta-feira passada, as comunicadoras e colunistas de ZH Giane Guerra, mãe da Atena e do Gael, e Rosane de Oliveira, mãe do Eduardo e da Luiza, foram surpreendidas em meio ao programa Gaúcha Atualidade com uma homenagem. Duas jornalistas que diariamente são desafiadas a conciliar o trabalho com a maternidade. À Carta da Editora, e aos leitores, ambas contam o significado de ser mãe.

- Ser mãe é o meu melhor papel na vida. Sou apaixonada por meus filhos e tenho orgulho imenso dos adultos que se tornaram. A vida pra mim se divide entre antes e depois do nascimento do Eduardo e da Luiza, que têm quatro anos de diferença. Com eles amadureci, tornei-me uma pessoa mais cuidadosa e mais tolerante. Mesmo quando estamos distantes, nossa conexão é permanente. Por isso, digo que o Dia das Mães é o mais importante do calendário - diz Rosane.

Giane acrescenta:

- Se eu pudesse, seria mãe de novo para reviver as sensações mais incríveis que já tive. De sentir o primeiro movimento na barriga, amamentar, me ver nos desenhos da escola e tudo o que eu ainda vou viver com Atena e Gael. Tiro a energia dos meus dias do beijo que ganho ao sair do carro para trabalhar e do toque das nossas mãos na despedida, nosso ritual.

Para Rosane, Giane, Maria, Odila, Neli, Yvonne, Lia e a todas as mães do mundo, um domingo especial!

DIONE KUHN

13 DE MAIO DE 2023
MARCELO RECH

Liberdade e responsabilidade

Mesmo que o Projeto de Lei 2630, o das Fake News, não venha a ser aprovado, ele já deu sua contribuição ao elevar para o topo da agenda nacional o debate sobre a liberdade de expressão. Antes restrito a jornalistas, intelectuais e juristas, o tema se entranhou nas redes sociais e, previsivelmente, tem servido como mola propulsora de mais polarização e desinformação.

Muita gente que se posiciona sobre o PL 2630 embarca em interpretações distorcidas que, impulsionadas por interesses econômicos e partidários, se espalham como fogo em mato seco. Bombardeado, é possível que o projeto naufrague sem que tenha sequer sido lido e compreendido. Em contrapartida, é irônico e surpreendente que alguns saudosistas do regime militar, que institucionalizou a censura à imprensa, a livros, músicas, filmes e novelas, tenham se transformado em paladinos da liberdade sem responsabilidades ou limites morais.

A liberdade de expressão, como toda liberdade, porém, não é absoluta. No Brasil, pode-se opinar pela legalização da maconha ou pelo direito a comprar qualquer tipo de arma. Mas é ilegal incentivar o consumo de drogas ou o uso de armas contra outras pessoas e grupos sociais. Parece uma diferença tênue, mas é o que separa a livre manifestação da incitação ao crime. Outro exemplo: qualquer um pode criticar à vontade a democracia. Mas estimular a ruptura violenta do Estado de direito democrático ou promover a animosidade das Forças Armadas contra outros poderes são violações ao Código Penal. Simples, mas nem todo mundo compreende a distinção.

Os mais sinceros defensores da liberdade de expressão não deveriam se focar na defesa da sua livre manifestação, e sim na daqueles dos quais discordam frontalmente. O princípio iluminista atribuído a Voltaire resume bem o espírito: "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las". Na prática, significa lutar pelo direito de outros contestarem a sua opinião. Nem todo mundo chega lá, pelo que se vê na agressividade a ideias antagônicas.

Recorde-se, também, o inciso IV do artigo 5 da Constituição, que baliza a liberdade de expressão: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Ou seja, qualquer cidadão pode dizer o que pensa, mas também pode vir a ser responsabilizado por eventuais abusos, como calúnia, injúria ou difamação. Por meio de contas falsas ou robôs, as redes sociais ganham fortunas com essa clara ilegalidade.

A licença moral para qualquer atividade empresarial pressupõe antes de tudo uma ética responsável. Não pode uma rede de supermercados vender um produto ilegal, clandestino ou estragado, lavar as mãos e dizer que é só uma intermediária, por exemplo. Goste-se ou não, liberdade vem sempre acompanhada de responsabilidade.

MARCELO RECH

sábado, 6 de maio de 2023


06 DE MAIO DE 2023
CARPINEJAR

Os inesquecíveis bobes nos cabelos

Você se lembra da Dona Florinda do programa do Chaves? Hoje ela não existiria mais. Também perderia metade do encanto a matriarca do sincericídio, Dona Hermínia, de Minha Mãe É uma Peça, criação do saudoso Paulo Gustavo.

Ambas as figuras eram caracterizadas pelos bobes nos cabelos. Com a consolidação da chapinha e do babyliss, eles desapareceram da prática cotidiana do embelezamento. Bobes colocados na horizontal davam volume e criavam ondas. Bobes na vertical alisavam. Eu passei a infância acompanhando a minha mãe e a minha irmã com bobes nos cabelos, recurso primitivo da época para ajeitar os penteados na véspera das festas.

Demorava para os fios ganharem curvas. Tratava-se de uma imersão que começava no final da manhã, atravessava o almoço e terminava no Jornal Nacional. Elas não poderiam atender nenhuma visita. Gritavam a cada silvo da campainha: "não estou para ninguém".

Armadas de vassouras, viviam correndo os três guris de perto, para não incomodarmos, para não entrarmos no quarto, território sagrado da preparação estética. O secador representava uma função à parte. Chuveiro estava proibido para não cair a energia de repente.

As mulheres pareciam astronautas da beleza pisando na Lua. Quando ficavam prontas, eu não mais reconhecia a minha irmã e a minha mãe. Evaporavam em nossa frente. Elas se tornavam iguais às Panteras, sósias de Farrah Fawcett, com a moldura arredondada e volumosa brilhante adornando os rostos.

Lá vinham elas com o gelo seco abrindo o espetáculo de nossos olhos. O cheiro de cera do piso do ambiente cedia espaço para a neblina do spray fixador. O mais impactante para a minha sensibilidade é que eu testemunhava a lenta transformação da aparência, o antes e o depois, o camarim e o palco, o que aumentava o maravilhamento, o pasmo e a surpresa.

Sem o amparo de um salão e daqueles capacetes metálicos, havia todo um trabalho artesanal. Era necessário preparar um por um dos rolinhos com um número incomensurável de grampos.

Atualmente, não se vê mais o mesmo martírio. Em compensação, foram extintos os bastidores divertidos da arrumação. As pessoas se trancam no banheiro e saem de lá em minutos, como num passe de mágica.

Não acompanhamos mais as etapas de transmudação, o esforço cinematográfico de produção de nossas celebridades caseiras. Não desfrutei dessa experiência com a minha esposa. Já começamos a namorar com as benesses práticas da modernidade.

No máximo da informalidade, eu a observo com a touca transparente para o banho. Nada que dure muito tempo para sacrificar o mistério da relação. Beatriz é que pega no meu pé na nossa intimidade. Não entende o motivo de eu usar pijama com bolso. Ela me pergunta se, por acaso, vou levar a minha identidade para a cama.

Nem a identidade cabe naquele bolsinho. Serve só como suporte para os comprimidos, coisa de velho cheio de deliciosas reminiscências familiares, que precisa se esforçar para se lembrar do presente e tomar os remédios de madrugada.

CARPINEJAR

06 DE MAIO DE 2023
MEMÓRIA

O LIVRO

Há shows que marcam cidades para sempre. Ou deixam muitas histórias para serem contadas ao longo das décadas. Teve aquela vez que os escoceses do Nazareth se apresentaram em Vacaria, em 2010. Ou quando foram até Nova Prata, entre outras localidades, três anos depois. A turnê da Shakira pelo interior gaúcho, em 1997, mexeu com municípios como Uruguaiana, Rio Grande, Bagé, entre outros. O metal alternativo Helmet esteve em Capão da Canoa em 1994. O desbravador Paul DiAnno, em Frederico Westphalen, em 2009. Dois dias antes de seu acidente fatal, em 1996, os Mamonas Assassinas tocaram na Festa da Uva, em Caxias do Sul.

Sobram exemplos. No livro Rita Lee & Tutti Frutti - Santa Maria, Maio de 1978, o músico, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e escritor Gérson Werlang conta a história da apresentação da Rainha do Rock Brasileiro no coração do Rio Grande. A publicação está sendo lançada nesta sexta-feira, pela Editora Memorabília.

Werlang reconstitui tanto a segunda passagem de Rita por Santa Maria, que é o mote da obra, quanto a primeira. Antes, a cantora passou pela cidade em 1972, enquanto integrava Os Mutantes. Logo em seguida, ela deixaria a banda. Essa apresentação de seis anos antes tem sua história recuperada no livro, com o autor trazendo bastidores e contexto da época.

Aliás, a obra trabalha não só o relato das apresentações. A trajetória de Rita nos anos 1970, com seus discos e a relação com a banda Tutti Frutti, é entrelaçada com narrativas sobre personagens, eventos e locais afetivos de Santa Maria na mesma década. Werlang define o livro como uma crônica de memórias. Sua intenção era promover um diálogo entre um show de expressão nacional com o cotidiano santa-mariense, fazendo com que os moradores da cidade se vissem no livro.

- Queria mexer um pouquinho com uma memória bem afetiva. Que as pessoas daquela geração se reencontrassem consigo mesmas e vissem como talvez elas fossem diferentes, como eram mais liberais, tinha pensamento aberto ao mundo, algo que muitas vezes isso já não acontece - explica. - Para as novas gerações, o livro traz um lugar que você talvez nem desconfie, mas que aconteceram tantas coisas bonitas e interessantes. E sempre é um caminho que pode ser refeito.

Natural de Santa Rosa, Werlang se mudou para Santa Maria em 1980. Cresceu ouvindo rock, o que incluía Rita Lee esporadicamente. Quando descobriu a fase setentista da cantora, acompanhada pelo grupo Tutti Frutti, seu interesse pela obra da artista aumentou exponencialmente. O músico, então, soube que Rita havia visitado a cidade nos anos 1970. Não só uma, mas duas vezes, em vias de encerrar dois projetos, tanto com Mutantes quanto com Tutti Frutti - o que despertou a atenção de Werlang.

Eventualmente, ele perguntava para as pessoas que tinham ido ao show sobre como foi a experiência, o que ela tinha tocado, só que poucos lembravam. Aquela curiosidade sobre a apresentação não vista acompanhou Werlang durante um bom tempo. Aos poucos, ele amadureceu a ideia de que escreveria sobre essas passagens. O músico começou a pesquisar a respeito, até que certa altura isso virou um projeto de não ficção.

Em 1978, Rita visitou Santa Maria com a turnê do disco Babilônia, de faixas como Disco Voador, Agora É Moda e Jardins da Babilônia. Foi o último álbum da cantora acompanhada do Tutti Frutti. Havia muitas tensões entre Rita e o grupo, principalmente pela entrada de Roberto de Carvalho, que se estabeleceria como companheiro de vida da artista. No ano anterior, ela havia dado à luz ao seu primeiro filho, Beto Lee. Werlang observa também que era um período de transição daquela Rita do rock para a Rita mais pop dos anos 1980.

Então, quando subiu ao palco do Ginásio do Corintians (mesmo local onde se apresentou com Os Mutantes), no dia 16 de maio de 1978, Rita e seus comparsas viviam uma fase conturbada. Porém, apesar das tretas internas, Werlang descreve no livro que a apresentação foi arrebatadora. Para o autor, um show desses em uma cidade que não é tão grande, não é uma capital, tem uma durabilidade muito maior:

- As pessoas que vão convivem mais tempo com o show. Influencia na forma de vestir, de ouvir música e de se comportar. Essa apresentação é um símbolo de várias outras que cruzaram a cidade e impactaram a cultura da região, junto com o que se produzia por aqui.

O show em Santa Maria foi um dos últimos de um ciclo inesquecível para a cantora: ao lado do guitarrista Luiz Carlini, ela uniu o glam com o rock clássico, em faixas requintadas e divertidas, muitas vezes trabalhadas na ironia. A obra-prima dessa fase é o disco Fruto Proibido, de 1975, de hits como Ovelha Negra e Agora Só Falta Você.

- Não existe na América uma Rita Lee. Não existe uma Rita Lee na Argentina. Uma mulher do rock com uma produção autoral, que tenha tido uma influência tão forte em seu país. Ela é realmente singular - conclui Werlang.

Rita Lee & Tutti Frutti - Santa Maria, Maio de 1978

Ed. Memorabilia, 120 páginas + libreto de fotos de 16 páginas, R$ 50 em memorabilia­store.com.br

WILLIAM MANSQUE


06 DE MAIO DE 2023
LEANDRO KARNAL

Completei 60 e reflito sobre sinais de que estou, de fato, entre as pessoas chamadas de mais velhas. Descreverei tais sinais como índices de maturidade, uma espécie de termômetro de mudança. Não me refiro aos óbvios como no meu tempo era assim; à ênfase em tópicos como remédios e doenças; a achar que toda música está muito alta. Buscarei traços menos evidentes. Veja se você se enquadra em, no mínimo, três dos indicadores seguintes.

Cresce na sua preferência o gosto por sopas à noite. Lembra-se de que chegou a gostar de churrascadas até de madrugada? "Isso não lhe pertence mais", você ama caldos leves. Sopas noturnas trazem o selo Inmetro de maturidade.

O conforto derrotou a elegância. Sapato apertado, blusa colada, calça justa? Saiam! Que venham as roupas que abraçam, os tecidos com os quais o bem-estar derive menos do "caimento", da "aparência" e mais do "eu gosto desta camiseta".

O mesmo princípio anterior vale para a sociabilidade. Festas obrigatórias? Eventos longos e de pouco acréscimo à felicidade? Saem da agenda para encontros intimistas. Poucas coisas ficam tão sedutoras como a casa do indivíduo maduro. Quase sempre 22h passa a ser um bom horário para dormir, quando não antes.

A sinceridade cresce. As coisas incomodam menos, sim, mas, quando emitimos opinião, temos um compromisso conosco maior do que com a diplomacia. Crianças e velhos possuem essa aliança com o real imediato. Aos 10, dizemos "eu quero". Aos 30, temos o "eu devo". Aos 60, é frequente o "tô nem aí".

Você gosta de relógio de pulso? Sente falta do rádio relógio? Prefere livros em papel? De quando em vez, acha importante falar ao vivo, não apenas por mensagens no Zap? As figurinhas não são essenciais na construção dos seus discursos comunicativos? São sintomas inegáveis de outro patamar tecnológico e de comunicação. Existe uma retórica da velhice.

O controle remoto ficou mais complicado com uma quantidade impressionante de funções obscuras? Façamos uma distinção curiosa: alguns maduros só gostam do on-off.

Mais um sinal de avanço etário: a figura dos pais cresce e aproxima-se da perfeição. Geralmente, na terceira idade, já se foram os progenitores... A memória melhora as lembranças. Citamos frases e procedimentos: "Como dizia meu pai", "Como fazia minha mãe". Chegamos a recomendar métodos pedagógicos para os que lidam com adolescentes rebeldes ou crianças mimadas: "Em uma semana com minha mãe, ele voltaria outro!". Quando vivíamos limites educacionais estritos, dados pela geração anterior, achávamos tudo terrível; agora, exaltamos as práticas e ideais que antes nos fizeram sofrer. A mudança chama-se idade. A memória é sempre uma invenção.

O silêncio o seduz de forma crescente. Mais - é capaz de fazer sem voz coisas de longos períodos, como pescar, ver um filme, escutar uma música. Não precisa mais emitir opinião a toda hora? Pode ser que você seja uma pessoa experiente. A capacidade de esvaziar a cabeça e mirar o vazio infinito não é apenas budista, ela é da idade...

Para muitas pessoas, a maturidade é acompanhada do aumento do medo. Estou ficando obsoleto? Conseguirei continuar produzindo dinheiro? Meu corpo será acometido de quais males? A violência física do mundo vai me atingir? Serei assaltado? Conseguirei defender minha casa, meus filhos, meus bens? Talvez o aumento do medo seja o mais complexo e mais firme indicativo da idade.

Por fim, creio, existem maneiras de saber que estamos mais velhos. Um primeiro grupo adota a estratégia de nunca falar nisso. Fica incomodado com temas da senectude e silencia-se. Foge das palavras e das rodas onde o tema seja idade; evita símbolos, como o cartão de estacionamento de idoso.

Um segundo grupo nega de forma veemente a ação do tempo e proclama, sem cessar, que não se sente com tal idade, que sua cabeça é jovem, que possui mais energia do que "muitos adolescentes por aí". Compara-se com pessoas mais novas, mostra como tem boa iniciativa e bons hábitos.

O terceiro grupo, por fim, exorciza seus medos, falando a todo instante sobre ter tal idade (e até, como eu, escrevendo textos sobre isso). Diante de uma situação de medo, há quem emudeça, há quem negue e há quem fale muito. As reações são variadas, a ansiedade é a mesma.

Há muitas formas de lidar com o terço final da existência. Nenhuma afeta o tempo que passa. Envelhecemos todos os dias, sempre! As amarguras existem e podem ser atenuadas pelo fruir mais consciente dos pequenos prazeres, da leitura e do encanto com o mundo. Devemos tentar ver a ave de Minerva que alça voo ao entardecer. Por fim, poética a constatação de que as melhores fotos são feitas no fim do dia. A luz deixa sua dureza, os contornos ficam mais suaves. É minha hora favorita do dia. A esperança de sabedoria pode tornar a fase melhor. Que voe a coruja da deusa!

LEANDRO KARNAL

06 DE MAIO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

O JURO ESTACIONADO E O ARCABOUÇO FISCAL

Apesar das críticas reiteradas do presidente Lula e das queixas cada vez mais contundentes dos setores produtivos, o Banco Central manteve inalterada a taxa básica de juro pela sexta vez consecutiva na reunião do Conselho de Política Monetária da última quarta-feira, deixando claro em seu comunicado que não hesitará em retomar o ciclo de ajustes caso o processo de desinflação não transcorra como esperado. A taxa Selic (sigla de Sistema Especial de Liquidação e Custódia, programa virtual de negociação de títulos do Tesouro Nacional) é o principal instrumento do BC para manter sob controle a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Ao contrário do que alega o primeiro mandatário do país na sua pregação contra o presidente do Banco Central, a fixação do percentual elevado, que deixa o Brasil na segunda posição do ranking das maiores taxas de juros nominais do mundo (atrás, apenas, da Argentina), não é decisão de um homem só. Todos os sete integrantes do Copom - presidente e executivos do Banco Central - votaram pela manutenção do índice, com o argumento de que o ambiente externo da economia se mantém adverso e de que, no cenário doméstico, a inflação ao consumidor segue acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta estabelecida. O comitê também destacou em seu informe que persiste uma incerteza sobre o desenho final do arcabouço fiscal encaminhado pelo governo para aprovação pelo Congresso Nacional.

Embora a decisão do Copom seja coletiva e reconhecidamente técnica, suas consequências são sociais, políticas e econômicas - e estão contribuindo para paralisar a economia do país. Como gostam de dizer os economistas, o remédio necessário, ministrado em doses tão elevadas, já está se transformando em veneno: juro alto paralisa a atividade produtiva, inibe investimentos e geração de empregos e penaliza especialmente a parcela mais pobre da população, acentuando as desigualdades sociais.

Se é verdade que todos os brasileiros desejam uma posição mais flexível do Copom para que os juros baixem e a roda da economia volte a girar, também se espera que o governo e o Congresso se esforcem mais no sentido de remover do caminho um dos maiores obstáculos, representado pelos sempre excessivos gastos públicos. Nesse contexto, o arcabouço fiscal pode ser a peça-chave da engrenagem. Se os parlamentares conseguirem incluir no projeto um mecanismo compatível com o antigo teto de gastos, que efetivamente condicione o crescimento das despesas federais à receita e à inflação passada, superando as resistências do Executivo a tais limitações, é bem provável que o Banco Central receba o estímulo que espera para revisar sua visão até agora inflexível em relação à taxa Selic.

Evidentemente, outros fatores precisam ser considerados. O arcabouço fiscal - ou regime fiscal sustentável, como foi rebatizado pelo relator - não é o único condicionante para o destravamento dos juros. Mas é uma possibilidade concreta, viável e que só depende da habilidade e da boa vontade dos governantes e representantes políticos do país. 



06 DE MAIO DE 2023
+ ECONOMIA

Braskem dispara com possível venda

foi a alta da bolsa na sexta-feira, parte em reação a entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com otimismo sobre a aprovação do marco fiscal, mesmo com a defesa de mudança na meta de inflação.

Aparentemente, a suposta ameaça da importação de resinas pela Zona Franca de Manaus não arrefeceu o interesse de candidatos à compra da Braskem, dona de quase todo o polo de Triunfo.

As ações preferenciais da petroquímica dispararam 23,6% na sexta-feira. O motivo foi a informação do jornal Valor Econômico de que a Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (Adnoc) se uniu à gestora de investimentos americana Apollo para propor a compra de 100% da Braskem, incluindo a fatia da Petrobras.

Essa novela se estende desde 2019, quando a venda estava encaminhada com a LyondellBasel, mas foi interrompida por falta de informação sobre um passivo importante da Braskem, relacionado a danos provocados pela mineração de sal-gema em Maceió (AL).

Com a alta nas ações, o valor de mercado (número de ações multiplicado pela quantidade) de 100% da empresa subiu para cerca de R$ 19 bilhões. A Novonor tem 50,1% das ações ordinárias e 38,3% do capital total da petroquímica, enquanto a Petrobras tem 47% das ações ordinárias e 36,1% do total.

Conforme as informações, Adnoc e Apollo fizeram apresentação dos planos aos bancos credores da Novonor (ex-Odebrecht), controladora da petroquímica. A Novonor precisa concluir a venda para sair da recuperação judicial. Depois do fechamento, a empresa emitiu nota afirmando que "não recebeu proposta vinculante".

Fim da emergência com covid impõe novas tarefas

Depois de tantas perdas de vidas e de sonhos, é difícil falar em custo financeiro da covid-19. É difícil, mas necessário. Ainda em 2020, surgiu a expressão"vírus de US$ 16 trilhões". Era a estimativa das despesas para enfrentar a doença e suas consequências, do desenvolvimento acelerado de vacinas às medidas governamentais de incentivo. É difícil estimar, mas é necessário.

O vírus afetou a saúde e a economia. Desarrumou cadeias globais, criou novos sistemas de trabalho, mudou a concepção sobre a globalização - algo que grupos contrários tentaram sem sucesso por décadas - e cristalizou a guerra fria entre Estados Unidos e China.

A estimativa de US$ 16 trilhões significa que a pandemia excluiu da economia global o equivalente a um ano da produção do país mais rico do planeta. Ninguém sai incólume de um terremoto dessa magnitude, na saúde e na economia, mas é preciso lembrar que muitos segmentos "ganharam" nesse período de absoluta exceção. É difícil constatar, mas é necessário.

No Brasil, a pandemia encontrou uma muralha. Não contra a disseminação da doença, mas de ignorância, má-fé e falta de espírito público. Mais importante era se defender das consequências obviamente desfavoráveis da covid-19 em qualquer latitude. O país ainda tem pela frente a tarefa de dimensionar esse custo. Será difícil, mas necessário.

MARTA SFREDO


06 DE MAIO DE 2023
INFORME ESPECIAL

A aventura virou livro

Maria passou por exames e foi descartada qualquer limitação intelectual. Ela é só fruto de uma cultura com uma percepção de mundo diversa. Não compreendia, por exemplo, os conceitos de ontem e amanhã. Tudo era o já. Mas os obstáculos, claro, não cessaram. Um deles foi a alfabetização. Não foi aceita em escolas particulares, conta a mãe. Hoje cursa a 5ª série na rede estadual, onde também enfrentou dificuldades de adaptação e dissabores, não exatamente com os colegas. Com o auxílio da Secretaria de Educação e do Ministério Público, as situações foram contornadas.

Essa incrível aventura virou livro. É a sua história, mas contada de forma lúdica. Maria foi lançado dia 28 abril, em uma livraria da Capital, com a presença basicamente dos colegas dela. É um e-book (disponível na Amazon), mas pode ser impresso por encomenda. Sanfrid e Maria fizeram as ilustrações. A imagem da capa (foto) é de uma pintura da artista plástica Stina Birgitta Beckman, avó de Mirele, feita em 1989, como parte de um estudo da Funai sobre os yanomamis. A foto foi encontrada por Maria em um baú da bisavó de Mirele, que também veio da Finlândia para o Brasil.

Sobre o futuro, a família pensa em mudar para um lugar com mais natureza. A menina sente falta. Projetam em se dedicar a algo relacionado à arte, também unindo o ofício de Sanfrid com a vocação de Maria para trabalhos manuais.

É uma história e tanto.

A incrível história de Mirele, Maria e Sanfrid

A advogada Mirele, 47 anos, é porto-alegrense. Maria, 15, é uma adolescente indígena da etnia ticuna. Nasceu em uma aldeia, no Amazonas. Sanfrid, 52, é um artista plástico e professor finlandês. Os três formam, na Capital, uma improvável família (foto) construída à base de muito desprendimento, coragem, amor e surpresas do destino.

Mirele queria ser mãe. Viveu sete anos uma relação estável, mas o companheiro não resistiu a dois anos de luta contra um câncer e morreu em 2015. Mas o instinto materno não se apagou. Meses depois, entrou com um pedido de habilitação no Judiciário para adoção. Não fazia restrições ao perfil da criança. O tempo passava e a espera parecia em vão. Achava que ser sozinha a colocava no fim da fila. Uma assistente social chegou a questioná-la se, de fato, tinha vocação para ser mãe, o que a deprimiu.

Chegou 2020 e a pandemia. Mirele decidiu em março entrar em um aplicativo internacional de relacionamento. Começou a conversar com Sanfrid. Optaram por não fazer videochamadas ou trocar fotos. A referência física que um tinha do outro eram as poucas imagens do aplicativo. Falariam apenas por mensagens escritas, para irem descobrindo afinidades.

Mas em maio ela recebeu a ligação de uma comunidade ribeirinha do Amazonas. Era sobre Maria, que vivia em um abrigo. Os pais dela - e de outros três irmãos - tiveram o poder pátrio destituído pela Justiça por violência contra os filhos. Foi o resultado de um contato trágico da família com a civilização. A menina ainda carregava as marcas das agressões no corpo e na alma.

- Mostraram um vídeo meu para Maria e um dela para mim, também para saber se queríamos nos conhecer. Quando recebi o dela, comecei a chorar na hora - recorda.

Mas e Sanfrid? Ao saber da história, não recuou da intenção de conhecer Mirele. Ele não pode ser pai biológico.

- Então disse para ele: "Vem para o Brasil e vamos casar."

Assim foi. Mas, antes, Mirele e Maria deveriam se conhecer. O caminho seria longo. Mirele precisava ir ao Amazonas, no auge da pandemia. Tinha dificuldades financeiras à época porque seus processos não andavam. A solução foi fazer uma vaquinha junto a amigos. Comprou passagens, conseguiu hospedagem, mas era uma época de incertezas. O voo foi cancelado na véspera. Perdeu tudo. Outra vez recebeu ajuda. Enquanto tentava remarcar a viagem, que ocorreria em setembro, Sanfrid Hasselqvist conseguiu chegar a Porto Alegre. Para identificá-lo no aeroporto, combinaram que ele usaria um chapéu de viking.

Uma semana depois, Mirele embarcou. De Manaus, onde ficou baseada, até o local onde Maria estava abrigada, eram três horas e meia de estrada. Outro desafio. Motoristas receavam o trajeto pela passagem obrigatória por uma favela dominada pelo crime organizado. Ao chegar na instituição, outro baque. Disseram a ela que Maria tinha um retardo mental grave. Aflita, ligou para Sanfrid. A resposta reconfortante foi que filho não se escolhe.

Após o estágio de convivência, Maria ao fim veio com Mirele para a Capital em outubro. Mirele e Sanfrid casaram em novembro. A menina foi a aia. A advogada passou a se chamar Mirele Alves Hasselqvist. Depois, veio a maratona burocrática para regularizar a situação de Sanfrid no Brasil. O processo de adoção foi finalizado no final do ano passado. A jovem, agora Maria Victoria Alves Hasselqvist, tem certidão de nascimento e carteira de identidade novas. Victoria foi escolha própria, após Mirele contar a lenda amazônica da vitória-régia para ela. Mês passado Sanfrid também começou os trâmites para oficializar a adoção.

- Minha filha me tornou uma pessoa muito melhor. Não tem caridade nenhuma - diz Mirele.

Esse cenário só poderá ser revertido com o trabalho de governo e sociedade.

NÍSIA TRINDADE

Ministra da Saúde, em passagem pela Capital, sobre os esforços para elevar a cobertura vacinal no país.

A pressão foi horrível, desumana e mentirosa.

ARTHUR LIRA

Presidente da Câmara, acusando as grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, de pressionar deputados para que se posicionassem contra o PL das Fake News.

Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final.

JAIR BOLSONARO

Ex-presidente da República, negando irregularidades sobre o caso de registro de doses de imunizantes contra a covid-19 em seu cartão de vacinação.

É com grande esperança que eu declaro o fim da emergência global de saúde de covid-19.

TEDROS ADHANOM

Diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), sobre o fim simbólico da pandemia que matou mais de 7 milhões de pessoas no mundo.

Depositaram em nossas mãos a confiança para que amanhã possa estar melhor, e vamos estar melhor.

SANTIAGO PEÑA

Presidente eleito do Paraguai, o economista filiado ao Partido Colorado venceu pleito realizado no domingo.

Valorizo os esforços que o Brasil faz e comemoro a posição explícita que o governo brasileiro tomou para ajudar a Argentina.

ALBERTO FERNÁNDEZ

Presidente da Argentina, que veio ao Brasil para pedir a ajuda do governo Lula para amenizar a crise em seu país.

CAIO CIGANA INTERIN

sábado, 29 de abril de 2023


08/04/2023 - 09h00min

Claudia Tajes

Um pequeno passo para a humanidade, uma eternidade para duas pessoas que dormem e acordam juntas todos os dias

Faltaria espaço aqui para citar todos, o que mostra que um casamento duradouro não é tão raro assim. Felizes são os gatos, que têm sete vidas para se apaixonar.

Estive em uma comemoração de 40 anos de casamento. Quarenta anos. Sei que tem gente casada há mais tempo que isso, alguns há muito mais tempo, mas ainda assim não consigo deixar de olhar com um espanto respeitoso para essas quatro décadas. Um pequeno passo para a humanidade, uma eternidade para duas pessoas que dormem e acordam juntas todos os dias. 

Quanta coisa aconteceu em 40 anos? Países se separaram ou foram anexados na marra. Algumas moedas foram criadas e outras submergiram nos desmandos da economia. Estrelas foram descobertas, Plutão deixou de ser considerado um planeta, coitado. Novas espécies de bichos e de plantas foram encontradas, outras sumiram para sempre. 

As ombreiras saíram da moda, voltaram e, graças à deusa, caíram no esquecimento outra vez. Ainda que sempre se corra o risco de algum estilista resgatá-las do cemitério das tendências passadas. Crianças cresceram, adultos envelheceram, nasceu gente que não acaba mais no mundo. Livros maravilhosos foram escritos, e uma tonelada de livros ruins, também. Amores começaram e terminaram.

E a Cíntia e o Luiz Paulo seguiram casados. Sou amiga dos dois há uns bons 20 anos, categoria dente de leite perto de outros presentes à cerimônia – alguns que, desconfio, têm com os noivos reincidentes relações que vêm de vidas passadas. Ainda que um longo casamento por vezes me pareça, digamos, exótico, eu que tenho uma ficha corrida amorosa regular, casais longevos não faltam e muitos estavam na festa. A Tânia e o Felicinho. A Chris e o Ricardo. A Nora e o Jorge. A Porto e a Maldo. A Diana e o Mário. A Paula e o Eduardo. A Lucia e o Luis Fernando. A Luciana e o Carlos. A Josa e o Zé. O Nestor e a Lúcia. Faltaria espaço aqui para citar todos, o que mostra que um casamento duradouro não é tão raro assim.

Raros são os encontros. Como é de praxe nos recasamentos, a Cíntia e o Luiz Paulo trocaram novas alianças e renovaram seus votos para mais algumas décadas. Os dois prometeram continuar cuidando um do outro, inventando reformas na casa, viajando sempre que o dólar permitir e lendo e escrevendo vida afora. Pausa para os nossos comerciais. A Cíntia está começando mais uma edição da sua clássica Oficina do Subtexto, que já revelou muitos autores e que publica um livro ao final do curso. As aulas são online e as informações você consegue aqui: cintiamoscovich@gmail.com

Entre lágrimas e risos, só sei que a festa foi até as seis da manhã e o Luiz Paulo ainda bebeu a última cerveja antes de dormir e entrar oficialmente no quadragésimo-primeiro ano do casamento. Encerro com os votos da Cíntia para ele: “No mais, prometo continuar fazendo o que sempre fiz, porque foi isso o que me trouxe até aqui. Sem prestar atenção a promessas, prometo te dar o restante da minha vida. Porque a maior parte dela já tiveste – e foi bem bom”. Adoro continuações felizes.


29 DE ABRIL DE 2023
CAPA

CINTILANTES

Com estilo assinado por Xico Gonçalvez, o Miss Universo Rio Grande do Sul terá como narrativa principal a Era do Ouro. Do figurino à evolução das classificações, o espetáculo prometido por Bebeto Azevedo culminará na referência ao valioso ouro branco. A coroa da grande vencedora será entregue, assim como a faixa, por sua atual detentora, Alina Furtado.

No próximo sábado, o Estado conhecerá a nova representante de seu mais relevante concurso de beleza, o Miss Universo Rio Grande do Sul. Em 6 de maio, além de saber quem será a grande vencedora, os gaúchos serão apresentados a uma nova dinâmica, com mulheres casadas e com filhos, além de uma participante transgênero, entre as candidatas. E a transformação vem no mesmo ano em que se celebram seis décadas da primeira vez em que a beleza brasileira foi destaque na etapa mundial. Foi em julho de 1963 que o país entrou para a elite do Miss Universo e a conquista veio pela graça e desenvoltura da gaúcha Ieda Maria Vargas Athanásio que, na época, tinha 18 anos e nem tanta fé assim na própria vitória.

- Quando ouvi meu nome, "Maria Vargas from Brazil", nem acreditei. Não esperava. Passou um filme na cabeça enquanto caminhava para o centro do palco - relembra ela, aos 78. E arremata: - Concorri a representante do (clube) Cantegrill, simplesmente, porque um amigo da famíla me inscreveu sem ninguém saber. Nem eu! Seis meses depois, estava ganhando o Miss Universo.

Nos últimos 60 anos, muita coisa mudou, não apenas na trajetória de Ieda, que deixou a maratona internacional dos concursos em 1968 para se dedicar à vida que construiu em Porto Alegre. Para a pioneira no reinado, se trata de um reflexo natural da evolução, da modernidade:

- Confesso que não acompanho mais tanto os concursos, mas não vejo problema. Desde que sejam aceitos e não impostos.

Mesmo tendo em suas raízes uma outra visão sobre a imagem feminina, para quem conhece um pouco da história da eterna Miss Universo, não é novidade a sua postura descolada. Reconhecida entre as personalidades gaúchas mais relevantes do século 20, manteve a elegância em meio às adversidades. Nos últimos anos, anotou em sua conta de potenciais traumas pelo menos um acidente vascular cerebral (AVC) e a morte do marido, José Carlos Athanásio, que carinhosamente chama de Zé, vítima de câncer, em 2009.

E foi com a perda do companheiro de toda a vida que veio a grande mudança. Cerca de um ano depois, rumou para Gramado, determinada a realizar o que sonharam juntos e levando na bagagem lembranças felizes embaladas com muito aprendizado. Parte das memórias, é verdade, acabou se perdendo aos poucos pelo impacto dos problemas de saúde. Porém, para Ieda, viver plenamente o hoje é reconfortante.

Ao lado da filha, Fernanda, 48, e dos netos, Enzo, 21, e Carmela, 15, curte o ar sempre renovado da Serra em um dia a dia que inclui exercícios ao ar livre, uma programação cultural diversa e momentos com amigos. Na agenda cabem ainda idas regulares ao salão para fazer as unhas com a Lídia e maquiagem na medida de seu olhar crítico com o Laudo. Foram eles, a propósito, que assinaram sua beleza para as fotos de Jefferson Botega, que tu conferes aqui e em nossa capa. Nomes entre os que cita com carinho em nosso bate-papo. Veja, a seguir, os melhores momentos.

Na tua opinião, qual a função de uma miss na sociedade hoje?

Não mudou muito desde a minha época. A miss exerce o papel de exemplo para outras mulheres. Não só na beleza, mas para conseguir conquistar seus objetivos - sejam eles profissionais ou pessoais.

Ela tem que apoiar causas sociais e, principalemnte, representar o seu país. E mostrar sua cultura, pois ela se torna a representante de toda uma nação.

E o que pensas sobre o Miss Universo ter passado a aceitar novos perfis de candidatas?

O nome "Miss", em inglês, significa mulher solteira. Assim, teriam que mudar o nome do concurso, não é verdade?

Mas, ampliando o conceito para mulher, em vez de solteira, como a palavra miss significa, não vejo problema nenhum. Como já disse, desde que isso seja aceito de boa vontade, e não imposto.

Como resumirias os últimos 10 anos em tua vida?

Já moro em Gramado há uns 15 anos, desde que o Zé morreu. Nesses últimos anos, só aumentei a quantidade de remédios diários (risos). Tem sido ótimo morar em Gramado. Não poderia ter escolhido melhor.

Mas, com a idade, vêm as doenças e limitações inerentes. Estou esquecendo palavras, memórias. Inclusive, tenho um projeto de um livro para publicar, pois quero deixar minhas memórias para quem tiver interesse em saber sobre minha vida.

Inevitavelmente, todos morreremos... Quando esse dia chegar, só espero não ter muitos arrependimentos. Espero que, realmente, tenha feito tudo para ser o mais correta possível com todas as pessoas que passaram pela minha vida.

Tenho certeza de que criei meus filhos da melhor maneira possível. Tanto eu quanto o Zé fizemos tudo o que poderíamos. Erramos e acertamos. Afinal, não existe um manual para criar os filhos, mas acho que fizemos bem.

Os ares de Gramado fazem diferença para tua saúde física e mental, de alguma forma?

Adoro Gramado. Era meu sonho e do Zé nos aposentarmos e morarmos em Gramado.

Ele, infelizmente, não conseguiu, por causa do câncer. Então, vivo aqui por nós dois.

A qualidade de vida é fantástica. As ruas são limpas e seguras, os automóveis param nas faixas de segurança e tem muito verde. Não consigo imaginar uma outra cidade para morar.

Como tem sido a tua rotina desde a aposentadoria?

Acordo, normalmente, cedo. Tomo um café bem gostoso, depois faço uma caminhada. Mesmo estando aposentada, sempre tem o que se fazer.

Segues fazendo exercícios físicos regularmente? Confesso que deveria fazer mais, mas qualquer academia custa uma fortuna, hoje em dia. Então, faço o básico, uma boa caminhada. Como lidas com a vaidade?

Sem frescura. A idade chega para todas nós e temos que conviver com ela. Perdemos em beleza, mas ganhamos em maturidade e experiência. Mudou muita coisa, neste sentido, desde quando participavas de concursos de beleza?

Na minha época, a beleza era natural. Hoje em dia, se faz todo o tipo de cirurgia plástica.

Colocam peitos, bumbum, preenchimento labial. Nada contra isso, acho que faz parte, inclusive, da evolução da ciência, não é mesmo?

Quais os principais benefícios da maturidade para a mulher? Não se cobrar tanto. Conforme envelhecemos, convivemos com nossas rugas, com nosso corpo e com doenças da idade. E, claro, usar a experiência para tentar deixar mais leve a vida.

Como és como avó?

Boa pergunta. Acho que sou uma avó como tantas outras. Acabo estragando os netos (risos). Tens algum ritual de autocuidado de que não abres mão? Principalmente, beber bastante água. Comer vegetais e dar uma boa caminhada.

Quais são as tuas atividades favoritas para o lazer?

Gramado sempre tem diversas programações. Principalmente, no inverno. No último sábado (22), mesmo, fui ao festival Caminhos de Outono, teve jazz. Além disso, fiz diversas amizades aqui. Sempre nos encontramos para botar a fofoca em dia.

O que te faz feliz hoje?

Ver meus netos crescerem. Isso me faz muito feliz. É o que me faz mais feliz hoje em dia. Algum sonho ainda por realizar? Voltar a Miami e conhecer a Espanha. São meus dois sonhos que ainda faltam para realizar. E espero conseguir. 

MARY SILVA