sábado, 15 de julho de 2023


15 DE JULHO DE 2023
SOB INVESTIGAÇÃO

Advogado é suspeito de lesar clientes

Profissional omitiria informações sobre quantias ganhas na Justiça com intenção de supostamente se apropriar de dinheiro

Um advogado de Porto Alegre e uma empresa que compra créditos trabalhistas (ganhos em processos dos clientes deste profissional) são investigados por supostamente ludibriar pessoas que ingressam com ações na Justiça do Trabalho. O caso passou a ser observado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que informou sete casos suspeitos à Polícia Civil. Há outros processos sob análise.

Na sexta-feira, a Polícia Federal (PF) cumpriu nove mandados de busca e apreensão e instalou tornozeleira eletrônica no advogado Alessandro Batista Rau, que também está impedido de atuar (leia mais ao lado). Nos últimos dois meses, o Grupo de Investigação (GDI) analisou processos trabalhistas, cíveis e certidões públicas que envolviam o nome de Batista Rau.

Uma das condutas sob suspeita envolve crédito de R$ 400 mil. O valor total da indenização do autor contra sua antiga empregadora reivindicava R$ 1,8 milhão, mas os R$ 400 mil já foram liberados pela Justiça em relação a fatos que o juiz entendeu estarem comprovados. O dinheiro foi depositado pela empresa em juízo, mas o advogado do autor da ação não o avisou sobre o crédito disponível para saque.

Convencimento

Em passo seguinte, uma empresa chamada Pertto Perícias Contábeis Ltda, que, segundo as investigações, pertenceria ao pai do advogado, teria oferecido R$ 75 mil para comprar esses créditos e mais o restante que possa a ser definido pela Justiça como direito do autor da ação. O valor é inferior ao que já estava à disposição.

Para convencer os clientes a fazerem a negociação, o advogado alegaria que o fim do processo poderia demorar anos e que ainda havia o risco de os direitos alegados pela parte não serem reconhecidos pela Justiça. Desta forma, seriam firmados acordos chamados de cessão de créditos trabalhistas para a empresa Pertto.

- Liguei mais de uma vez, fiquei o ano todo ligando, falaram que levaria mais três ou quatro anos para sair o dinheiro. Depois me ligaram oferecendo esse valor, eu tava numa situação bem apertada, eu aceitei - disse o trabalhador, que pediu para não ser identificado.

Em outro caso, um cliente com reclamatória de R$ 350 mil negociou os créditos por R$ 15 mil, sem saber que valor muito maior havia sido liberado.

A venda de créditos trabalhistas é permitida, mas há regras a serem seguidas (leia mais no quadro). Uma delas é a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê o pagamento de pelo menos 40% do total a ser recebido, percentual citado em uma das decisões.

Além dos valores inferiores, o suposto esquema fere o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo a OAB, um escritório de advocacia não pode ter também a função de perícia judicial. No caso, Batista Rau seria sócio da Pertto, que compraria os créditos trabalhistas, mas depois teria passado tudo para o nome do pai dele, Carlos Roberto Rau.

O GDI apurou que pelo menos sete inquéritos que investigam estelionato, apropriação indébita e patrocínio infiel contra os clientes estão sob análise do delegado Vinícius Nahan, da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre.

O advogado Diogo Teixeira, representante de uma das vítimas, fez levantamento e descobriu que há, atualmente, 198 processos trabalhistas em que Batista Rau e a Pertto atuam em parceria, mas nem todos estão sob suspeita: são 171 na Justiça Trabalhista em Porto Alegre e outros 27 no Interior.

CID MARTINS LUCAS ABATI TIAGO BOFF

sábado, 8 de julho de 2023


MARCELO RECH

Corrida maluca

Seul - Você talvez não tenha se dado conta, mas estamos por viver a maior disrupção de nossa geração. Faz pouco mais de seis meses que este espaço apresentou o ChatGPT como um "robô esperto" que mudará a forma como trabalhamos, fazemos consultas na internet e nos informamos. O que era promessa começa a se materializar em centenas de apps que prometem facilitar nossas vidas e acelerar a produtividade. Em comum, eles buscam um lugar ao sol nesta corrida maluca em que se meteu o planeta - ou pelo menos a parte que já acordou para a revolução da inteligência artificial generativa.

Na Coreia do Sul, onde nasce boa parte das novidades eletrônicas e se produzem muitos dos chips mais avançados, o esforço é para levar o país ao terceiro lugar nesta corrida, atrás de EUA e China. Não será pelas armas que as duas superpotências remanescentes disputarão a primazia de controlar a economia e o comportamento do planeta. Essa nova guerra já começou com boicotes na venda de tecnologias e matérias-primas fundamentais para a IA. Vencerá o confronto aquele que tiver as empresas que dominem as soluções e conquistem a adesão dos usuários.

Não é de pouca coisa que está se falando por aqui. Trata-se, entre tantas outras transformações, da substituição de serviços de busca, como o Google, pela interação direta com a inteligência artificial, como o ChatGPT. Difícil de entender ou imaginar para quem não usa a já famosa sigla em inglês (GAI) para resumir os novos modelos de inteligência artificial? 

Não se preocupe, muito em breve você estará usando sem se dar conta - ou sendo usado, porque o ChatGPT se vale de um manancial de dezenas de milhões de sites (a grosso modo, divididos entre corporativos, acadêmicos e jornalísticos) para fornecer respostas a consultas e prever dúvidas seguintes. Ou seja, neste momento, já está sugando conteúdo alheio - de organizações, cientistas, professores e jornalistas - para criar o maior negócio das próximas décadas. É por isso, e porque a coisa toda ameaça sair de controle, que o mundo discute a regulamentação da GAI.

O Brasil está onde? Ainda bem atrás na corrida, mas nem tudo é motivo de embaraço. Há setores tecnológicos no Brasil, como o de pagamentos eletrônicos, que fariam corar banqueiros e comerciantes coreanos e taiwaneses, que lideram a produção de chips mas desconhecem as alegrias e facilidades de um Pix. Em memoráveis crônicas sobre a Coreia do Sul na Copa de 2002, David Coimbra nos apresentou a um novo mundo de tecnologias e incríveis façanhas coreanas, como banheiros públicos sempre cheirosos. Se estivesse aqui, ele poderia se orgulhar de suas argutas predições de duas décadas atrás, mas fique tranquilo: em seu avanço, a inteligência artificial não produzirá banheiros imaculados e muito menos talentos como o de David.

MARCELO RECH


OPINIÃO DA RBS

AMADURECIMENTO

Os benefícios da reforma tributária aprovada por ampla maioria na noite de quinta-feira na Câmara dos Deputados foram exaustivamente apresentados à medida que a votação se aproximava e o tema era mais debatido pela sociedade. Ganha o Brasil pela simplificação do emaranhado de impostos, pelo fim das incidências em cascata, pela redução de custos para as empresas, pela segurança jurídica, pela maior competitividade e pelo potencial de o PIB crescer mais nos próximos anos. Foram décadas de tentativas frustradas até a chancela dos deputados federais. Agora, o texto será analisado pelo Senado, onde pode ser aprimorado.

Mas há outro aspecto que merece ser louvado, por indicar um amadurecimento do país. Diferentes correntes políticas foram capazes de deixar suas diferenças de lado, negociar e buscar consensos, até se chegar à aprovação histórica. Os méritos são divididos entre atores dos mais diversos campos. O texto teve bases técnicas, assentadas por nomes como o do secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, um dos maiores conhecedores do tema. 

Teve o apoio político do titular da pasta, Fernando Haddad, o engajamento pessoal do presidente da Câmara, Arthur Lira, a disposição incansável para dialogar do relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e uma adesão decisiva do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, dando fim aos antecedentes de resistência do Executivo paulista à reformulação do sistema de impostos. Tem grande simbolismo a imagem de Haddad e Tarcísio, adversários eleitorais há poucos meses, lado a lado defendendo a reforma.

O texto aprovado na Câmara não é o dos sonhos. Foi o possível diante da complexidade das negociações e múltiplas preocupações regionais e setoriais que precisou acomodar. Mas deve ser celebrado, porque ao cabo prevaleceu o interesse do país. Segmentos da economia, governadores como o gaúcho Eduardo Leite e o mineiro Romeu Zema, prefeitos e especialistas levaram as suas inquietações e sugestões. Ao fim, chegou-se a um desfecho que alinha o Brasil às práticas das nações mais desenvolvidas.

É o resultado da boa política e da democracia, regime em que homens e mulheres de diferentes visões aceitam conversar em busca do melhor para a coletividade. Houve, especialmente nas últimas semanas, significativo esforço para demonstrar que a pauta da reforma tributária não era de governo, mas de Estado. Não se subestima que a liberação de emendas colaborou. O fisiologismo, infelizmente, é método corriqueiro no país. Mas o desenlace mostra sobretudo que é possível debater e costurar convergências em temas nacionais, a despeito da disputa eleitoral saudável. A pacificação que o Brasil clama depende, especialmente, desse desprendimento de saber que, em momentos decisivos, é preciso transigir e ter postura de estadista.

Os votos contrários à reforma vieram especialmente dos deputados ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em certa medida, é um comportamento equivalente a erros históricos do PT, como ter votado contra a Constituição de 1988 e ter sido oposição ao Plano Real. O caminho para um país próspero ainda é longo. Passa pela disposição ao diálogo em torno de matérias estruturantes e que beneficiem a ampla maioria da sociedade. Haverá esperanças mais palpáveis se o consenso formado para votar a reforma tributária for o sinal de que o Brasil avança rumo ao amadurecimento político.


FLÁVIO TAVARES

OS NEM-NEM

O título talvez dê impressão que escrevo sobre os recém-nascidos, aqueles nenês pelos quais nos apaixonamos, sejam de onde forem ou a que setor social pertençam. Escrevo, porém, sobre os 11,5 milhões de jovens de 15 a 29 anos de idade (os nem-nem) que, no Brasil, nem estudam nem trabalham.

O número corresponde a quase três vezes a população do Uruguai. Entre nós, a maioria são mulheres, alcançando um total de 29,2%, enquanto os homens chegam a 16,95% do total.

Os nem-nem são consequência de situações e fatores diversos, mas - em qualquer caso - predomina o descuido. A pauperização cultural da classe média é o fator principal. Hoje, no Brasil, apenas sete em cada 10 jovens até os 19 anos concluem a educação básica. Estamos abaixo de países latino-americanos como Argentina, Costa Rica, Colômbia e Chile.

A vulgaridade das redes sociais agrava tudo. Mas há outra situação também grave. As deficiências no atual sistema educacional, em especial no ensino profissionalizante, entre nós visto com desprezo.

Alguns especialistas chegam a chamar a educação no Brasil de "fidalga", por ainda ensinar análise sintática e empanturrar os alunos obrigando-os a ler literatura portuguesa de séculos atrás como "trabalho de aula".

Um relatório de 2022 da Education at a Glance da Organização de Desenvolvimento Econômico (OCDE) da ONU apresenta o Brasil como o segundo país a ter o maior número percentual de nem-nem em todo o mundo. Só a África do Sul nos supera.

Hoje, em todo o Brasil, existem 47 milhões no Ensino Fundamental e somente 8,6 milhões no Ensino Médio, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas.

Em 2022, um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e do Sesi revelou que mais de 500 mil jovens com mais de 16 anos abandonam as aulas a cada ano naquele Estado.

Esta calamidade nos leva a ter saudade de Leonel Brizola e de seu empenho pela educação.

Com o título Malvina, a escritora Laura Peixoto descreve a vida de Júlia Malvina Hailliot Tavares, minha avó e professora, que, em sua escola, aboliu a palmatória com que os alunos eram castigados até os anos 1930. Foi precursora do movimento feminista e libertário no RS.

O livro será lançado às 18h, no dia 11 de julho, na Livraria Paralelo 30, à Rua Vieira de Castro, 48, em Porto Alegre.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

DRAUZIO VARELLA

GORDURA NO FÍGADO

Durante décadas, o acúmulo de gordura no fígado foi considerado apenas uma das complicações do alcoolismo.

Os que negavam o uso abusivo de álcool eram tidos como mentirosos, preconceito só abalado quando os americanos descreveram casos semelhantes em crianças obesas.

Em 1980, o patologista Jurgen Ludwig, da Mayo Clinic, criou a sigla "nash", abreviatura de non-alcoholic steatohepatitis. Nash é o preço que nossos fígados pagam pelo excesso de calorias ingeridas na vida sedentária que levamos.

A esteatose hepática não alcoólica se tornou uma epidemia entre os norte-americanos, campeões mundiais de obesidade, e invadiu América Latina, Europa, Oriente Médio e Ásia.

Chegou até as populações rurais da Índia. Apesar de incertas, as estatísticas estimam que de 20% a 30% dos americanos adultos armazenem gordura em excesso no fígado.

Embora tais depósitos sejam geralmente benignos, um em cada três de seus portadores desenvolverá esteatohepatite, condição que os levará à cirrose, à insuficiência hepática e ao câncer de fígado.Nash já é a segunda causa de transplantes hepáticos. Graças aos tratamentos de alta eficácia para a hepatite C existentes hoje, em breve chegará ao primeiro lugar.

Os ácidos graxos ingeridos na dieta caem na corrente sanguínea e chegam ao fígado de onde são encaminhados para outros órgãos, função comparável à dos guardas de trânsito. Só uma pequena parte dessa gordura ficará armazenada nas células hepáticas (hepatócitos).

Dos 14 quilos de gordura existentes no corpo de um homem de 70 quilos, apenas 125 gramas estão alojados no fígado.

Em algumas pessoas, entretanto, a quantidade excessiva de calorias ingeridas provoca aumento tão expressivo dos triglicérides que o órgão fica sobrecarregado e não consegue se livrar deles. Como consequência, há acúmulo de gordura no interior dos hepatócitos.

Além desse mecanismo, ocorrem dois outros.Primeiro: as células do tecido gorduroso ( adipócitos) liberam continuamente seu conteúdo aumentando a sobrecarga. Segundo: paradoxalmente, o próprio fígado aumenta a síntese de gorduras; nas esteato- hepatites, o órgão produz três vezes mais gordura do que o normal.

Entre as diversas modificações metabólicas resultantes, a mais relevante é a de resistência à insulina, o hormônio produzido pelo pâncreas, que bloqueia a liberação de ácidos graxos dos adipócitos, entre outras funções. Essas alterações dão origem a um processo inflamatório crônico, no decorrer do qual os hepatócitos incham - chegam a dobrar de tamanho.

Nos espaços existentes entre eles, surge um tecido cicatricial rico em colágeno, que ao progredir destrói gradativamente os hepatócitos e enrijece o órgão (fibrose), levando- o ao estágio de cirrose e suas complicações: câncer hepático, falência e morte.

Texto publicado originalmente em 30/1/2021

DRAUZIO VARELLA

BRUNA LOMBARDI

SÍNDROME DE FOMO

Adotei uma gatinha superdoce que se chama Luz. Muito pequena, só queria colo, comia e dormia na paz de quem se sente segura. Agora na puberdade, ela não para quieta um segundo e sempre quer saber o que está rolando com meus outros gatos. Até na hora da comida quer ver o que todos estão comendo, agitada e ansiosa como qualquer adolescente. Tanto que o apelido dela é Where Is the Action?.

Essa vontade de experienciar a vida em todas as oportunidades, essa sensação de querer saber o que tá rolando a todo instante, ir a todos os eventos, sentir que está perdendo alguma coisa, é comum. Mas hoje com as redes sociais e a rapidez dos acontecimentos ganha proporções gigantes.

Será que você sofre da Síndrome de Fomo?

Talvez você não saiba exatamente o que é isso, mesmo tendo os sintomas. Fomo é a sigla que vem do inglês "fear of missing out", que seria "medo de ficar de fora", por fora do lance, não saber, não fazer parte, não estar incluído, não estar participando dos acontecimentos.

Está associada ao sentimento de ansiedade, impacta de forma significativa na rotina e no trabalho.Essa síndrome já se manifesta em muita gente, é mais comum do que se imagina e é a raiz de uma forte ansiedade.

A intensidade nos espreme a cada minuto, especialmente dentro do mundo corporativo, onde a síndrome do FOMO se alastra e todos se sentem deixados pra trás, numa esteira de velocidade inconcebível. A ideia de ficar à margem, de não se sentir updated com o que acontece abala nossa segurança.

A cada segundo, mudanças fantásticas surgem no mundo e precisamos nos atualizar. Nenhum de nós pode se atualizar em tudo o tempo todo, na extraordinária rapidez contemporânea, na dinâmica impossível de se acompanhar das redes sociais, do excesso de notícias, dos eventos do mundo

A ideia da competição gera ainda mais medo, seu colega pode ser mais informado, preparado, produtivo enquanto você é consumido por essa síndrome paralisante. E esse impacto ganha proporções assustadoras, é tóxico, nocivo e terrível pra nossa saúde mental e emocional. Esse desgaste constante mina a nossa estrutura.

Os sinais precisam ser detectados antes dessa condição nos dominar. Existem ciladas claras que precisam ser identificadas. Não podemos estar súper hiper mega giga conectados nas redes e não ter nenhuma conexão verdadeira com alguém e com nós mesmos. Não podemos interagir muito mais com o celular do que com a natureza ou criamos um desajuste.

Precisamos diferenciar o fake do real em qualquer circunstância. Precisamos dizer não para convites e ofertas que não nos interessam. Temos que ter critério e fazer uma triagem no que queremos consumir. Não podemos deixar o excesso nos abarrotar, entrar num looping e nos deixar arrastar pela correnteza.

Não devemos julgar ou nos comparar aos outros. Temos que ter foco no que é significativo pra nós. O melhor não é o os outros fazem, mas aquilo que queremos fazer.

Quando a gente aprender a olhar pra dentro de nós, vamos perder o medo de ficar por fora.

BRUNA LOMBARDI

J.J. CAMARGO

A DEPURAÇÃO DAS NOSSAS VIRTUDES

Se considerarmos que tendemos à sinceridade quando estamos ameaçados por uma coisa tão assustadora quanto à possibilidade de morrer, vamos admitir que a saúde plena nos dá a chance de escolher o que gostaríamos de ser naquele dia, enquanto a doença é uma implacável delatora do que somos o tempo todo.

Fragilizados emocionalmente, tornando-nos mais transparentes e portanto vulneráveis, o que permite que o médico experiente, tendo sido muitas vezes o interlocutor central desse momento dramático, tenha ao seu dispor a oportunidade ímpar de se transformar em um especialista em gente, desde que esteja disposto a ouvir e disponível para compartilhar sentimentos. Nesse universo intangível, com alguma sensibilidade, existe até a chance de aprendermos a classificar as pessoas e, a partir daí, considerando que elas reagirão obrigatoriamente de acordo com o caráter de cada um, cheguemos a um nível de sofisticação de prever a reação em cada circunstância.

Admito que não levei muita fé quando, pela primeira vez, ouvi meu avô dizer que quando nos decepcionamos com alguém é por culpa nossa, por tê-lo classificado mal e, a partir de premissas equivocadas, alimentado falsas expectativas.

Exageros à parte, a vida em sociedade oferece múltiplas chances para testarmos a acuidade dos nossos julgamentos. Como, por exemplo, quando entrevistamos alguém, candidato a algum cargo ou função, e há com frequência a consciência de que a tal conquista depende de nossa aprovação.

Não conheço melhor situação para identificar a maturidade de algum candidato do que ter que falar de si mesmo. Claro que não se espera que alguém, candidato a uma vaga, tenha uma crise de sinceridade extrema e anuncie uma relação de defeitos que o deprime. Mas no extremo oposto parece incontrolável a tendência de autoexaltação das melhores virtudes. É evidente que esse candidato está convencido de que convencerá, mas um pouco de senso crítico aconselha a moderar a autopromoção, porque de alguma maneira ela incomoda o entrevistador.

Lembro sempre do veterano empresário que entrevistava um candidato a executivo e, depois de ouvi-lo em abnegado silêncio durante 15 minutos, lhe perguntou: "Ao que o senhor atribui a injustiça de, nesses 45 anos, ninguém ainda ter-lhe reconhecido essa sua tão notável de coleção de qualidades?".

Os famosos, quando maduros, admitem que nada é mais fácil do que o exercício da humildade no sucesso. Mas há claramente a noção equivocada de que devemos impressionar o entrevistador, dando a ele a noção aguda da maravilha que somos.

As atitudes que ilustram os modelos mais corriqueiros podem ser sintetizadas em: os impressionantes, os impressionáveis e os que supõem que podem impressionar.

Nos extremos da curva, estão os impressionantes, que sabem que nada vale mais que a autenticidade, e os impressionáveis, que assumem na atitude deslumbrada uma posição de inferioridade. Correndo por fora, os incautos que ainda não perceberam o quanto falar bem de si é contraproducente na medida em que transfere ao entrevistador a pecha de influenciável. Ou seja, um tolo.

E lembre-se que um pré-requisito para quem tenha que tomar decisões é não ser influenciável por aparências. Então contenha o seu exibicionismo, porque quando ele é parte da primeira impressão, até as virtudes reais ficam ofuscadas.

J.J. CAMARGO

CHAMOU ATENÇÃO

Domingo é dia de Mercado?

A prefeitura de Porto Alegre lançou uma nova ação para tentar ampliar a abertura do Mercado Público aos domingos. O pleito é antigo e costumeiramente cobrado pelo prefeito Sebastião Melo, sem surtir efeito nos donos de bancas.

Na quinta-feira, uma instrução normativa foi publicada pela Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap). Nela, são atualizadas uma série de regras, além de reformas e melhorias. O terceiro capítulo trata do horário de funcionamento. Chama a atenção o item E: das 10h às 16h, aos domingos, em caráter facultativo. Essa é mais uma tentativa de convencer os donos de bancas a aderirem à abertura do Mercado Público neste dia. Movimentos anteriores, em 2019 e 2021, não vingaram.

- Queremos atrair a população para o Centro Histórico nos finais de semana, fomentando o comércio, gastronomia, desenvolvimento de uma área que fica abandonada nestes dias - avalia o secretário André Barbosa.

Para convencer os mercadeiros, Barbosa informa que a Guarda Municipal terá uma base no Largo Glênio Peres. Além disso, o secretário informa que o contrato com a empresa de vigilância que presta serviço no Mercado será ajustado, com maior circulação aos domingos.

Atualmente, menos de cinco restaurantes e bares e funcionam no domingo. O Mercado Público tem 104 bancas ativas.

Reunião

A ideia da prefeitura é ampliar a quantidade de lojas abertas. Uma reunião com a Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc) deverá tratar dessa organização.

A grande dúvida dos mercadeiros é se haverá público aos domingos. Na tentativa anterior, em 2021, o alto custo da operação neste dia acabou inviabilizando a operação, segundo eles.

- Já existiu essa tentativa. Porém, infelizmente o movimento do domingo não compensava o custo da operação - destaca a presidente da associação, Adriana Kauer.

Outro problema é o acesso ao centro de compras. Durante a semana, as vagas da Área Azul da região são muito concorridas. Aos sábados, uma parte do Largo Glênio Peres é liberada para estacionamento. Com raras aparições da EPTC e da Guarda Municipal, os flanelinhas tomam conta quando a fiscalização deixa o local.


CARTA DA EDITORA

Histórias para contar

Aprendemos no jornalismo que é importante ancorar uma reportagem em dados e fatos, pois somente dessa forma é possível sustentar aquilo que se quer comprovar. Porém, o jornalismo também nos ensina que, por trás da frieza dos números, existem pessoas impactadas pelas estatísticas, para o bem ou para o mal. Dar voz e rosto a uma reportagem nos aproxima do público que nos lê, ouve ou assiste. Três conteúdos publicados nesta edição são a prova disso.

Reportagem chamada na capa, do repórter Rafael Vigna, mostra que quase 20 anos depois da criação do Bolsa Família, quase 60% dos "filhos gaúchos" do programa chegaram ao mercado formal de trabalho. Estudo do Instituto de Mobilidade Social (IMDS) indica que, no país, 44% de jovens e adultos remanescentes das famílias beneficiárias alcançaram a mobilidade social - quando os filhos conseguem superar a formação escolar e econômica dos pais. No RS, o percentual é ainda maior, de 58,1%. Mas quem são essas pessoas que fazem parte das estatísticas? É o que o repórter mostra nas páginas 10 e 11.

Já na página 19, a repórter Letícia Mendes apresenta uma história de superação e fé protagonizada por mãe e filho. Dez anos atrás, José Augusto Amorim, o Guto, então com 28 anos, foi caminhar e pegar sol na Redenção, em Porto Alegre, algo rotineiro na sua vida, quando foi atacado com uma faca por outro homem, deixando o advogado com sequelas graves. A repórter conta a batalha, com idas e vindas, de Irene Alves para salvar o filho.

Já no caderno DOC, o repórter Vinicius Coimbra relata a trajetória de quatro novos padres, os únicos ordenados pela Igreja Católica em 2023 no Rio Grande do Sul. Em meio a números do Vaticano que indicam uma queda mundial na quantidade de sacerdotes, Vinicius conta o que motivou os novos padres a buscarem essa formação religiosa.

Todos os conteúdos também podem ser acessados pelo assinante através do aplicativo e do site de GZH.

DIONE KUHN

sábado, 1 de julho de 2023



Atualizada em 30/06/2023 - 16h51min
Martha Medeiros

Gente aprende mais com quem visitou o inferno do que com colecionadores de selos

É justamente por Keith Richards ter feito coisas que até o demônio duvida que ele virou uma lenda

INA FASSBENDER / AFP

Um dos meus livros preferidos chama-se "O que Keith Richards Faria em seu Lugar" de Jessica Pallington West

Um dos meus livros preferidos chama-se O que Keith Richards Faria em seu Lugar, de Jessica Pallington West. É sério. Quando quero me desintoxicar do bom mocismo, abro uma página aleatória deste livro e me reconecto com o lado pulsante da vida. O pulso ainda pulsa, têm nos lembrado os Titãs em sua turnê exitosa pelo país, mas os batimentos cardíacos do planeta andam fracos, as ideias parecem ter perdido o efeito “uau”. O mundo encaretou uma barbaridade, e por isso trago Keith à essa sala de reunião em formato de crônica e o instalo na cabeceira.

Keith Richards é não apenas guitarrista dos Rolling Stones, mas um filósofo contemporâneo, mesmo que se relute em chamar de filósofo quem empunhe uma guitarra e tenha passagens pela polícia. É justamente por Keith ter feito coisas que até o demônio duvida que ele virou uma lenda, um sobrevivente e uma referência – a gente aprende mais com quem visitou o inferno do que com colecionadores de selos. 

Hoje ele é um avô amoroso que acorda todos os dias às 7h da manhã e leva o lixo para fora, um deboche do destino em se tratando de alguém que se meteu em encrencas, bebeu, fumou, cheirou, destruiu alguns carros e teve uns dentes quebrados, causando mal nenhum a não ser a ele mesmo (bem diferente dos políticos com cara de anjo, especialistas em produzir miséria graças a uma delirante fixação pelo poder, e que a sociedade chama de excelentíssimos). 

Prezo os bons exemplos e apoio todo ativismo que combata preconceitos, mas é preciso ficar atento para, ao tentar escapar da loucura, não ser cooptado pelas redes. Como aumentar sua autoconfiança, como melhorar o microbioma intestinal, como se vestir para uma entrevista de emprego, como preparar o melhor chá verde, como manter o foco através da meditação... Não se vê mais ninguém minimamente pirado e perdido. 

Pirado & perdido não significa grosseiro & vulgar. Quando me atrevo a saudar os loucos, estou me referindo a gentlemen como os Titãs, Keith Richards e outros cavalheiros do apocalipse, mas cavalheiros, antes de tudo. Incluindo damas como Patti Smith (quem estiver sintonizando comigo vai adorar seu Um Livro dos Dias, composto só de fotos e legendas – uma versão mais poética e inebriante do que chamamos de “instagramável”, pura delicadeza e nonsense). 

Menos cérebro, mais instinto. Pensar demais não tem funcionado. O planeta bem que poderia voltar a ser rock´n´roll (“música do pescoço para baixo”, como diz Keith). Prestar atenção nos que envelheceram sem tanto juízo e cuja “loucura” nem é tão louca, a gente apenas se acostumou a chamar assim para diferenciar daquilo que é chato – e como a lucidez anda chata, nem a minha aguento mais. 

17/06/2023 - 09h00min
Claudia Tajes

Outro dia me vi em um espelho e quase não acreditei que era eu no reflexo

A maturidade, ou algo próximo disso, acabou me fazendo ver que, mesmo com todos os percalços, não havia me faltado privilégios. Esse foi mais um tapa na cara que a vida me deu

Theo Tajes/ Arquivo Pessoal

Eu estava feliz naquele quentinho um tanto apertado, mas suficiente para eu me movimentar para todos os lados. Gostava particularmente de um tum-tum-tum que ouvia o tempo inteiro, mas não um tum-tum-tum de reforma no apartamento do vizinho ou de loja de surfe. Era um som bom, compassado, e parecia que o meu coração batia no mesmo ritmo dele. Então veio uma luz e a minha vida virou de cabeça para baixo – ainda que eu não conhecesse muito bem esse conceito, a vida. 

Em seguida me senti em um (essa associação só fiz bem mais tarde) açougue: pesa, mede, apalpa, olha a gordurinha, que coxa mais grossa, meu Deus! Impossível não chorar, ainda que eu não soubesse que o ato de gritar enquanto as lágrimas escorrem fosse isso, chorar. Só parei quando me levaram para os braços de alguém e, pelo tum-tum-tum, adivinhei no mesmo instante que ali era o lado de fora do quentinho de onde me arrancaram. 

Depois disso, a vida – não que eu já entendesse esse conceito, a vida – foi uma sucessão de primeiras vezes. A primeira mamada, a primeira cólica, a primeira vacina, a primeira febre, a primeira fruta, a primeira papinha, a primeira palavra, o primeiro passo, o primeiro tombo, a primeira arte, a primeira palmada, o primeiro dia na creche. Nada do que aconteceu até ali me preparou para o primeiro dia na creche. Foi quando eu senti que o quentinho e o tum-tum-tum tinham ficado definitivamente para trás. 

Agora eu estava por mim. 

Sem proteção, a vida – e enfim eu começava a entender esse conceito, a vida – passou a me apresentar suas armas. A menina que me encheu de socos porque eu peguei a borracha da Peppa Pig dela. A diarreia na frente dos coleguinhas. Os sete pontos na testa e os dois dentes de leite quebrados na queda do trepa-trepa. As letras que eu tentava juntar, mas que não faziam sentido. As crianças que tinham o que meus pais não podiam me dar. As crianças mais bonitas que eu, ou seja, todas, na minha opinião. No futuro, meu psiquiatra encontraria no Jardim B as origens das minhas frustrações. 

De lá para cá, a vida – agora eu brigava com esse conceito, a vida – nem sempre esteve do meu lado. Por exemplo: 

• Quando eu não decorei as Capitanias Hereditárias e rodei e perdi as férias de verão por castigo. 

• Quando eu gostava de alguém, e o alguém me ignorava. 

• Quando eu mandei um nude e o destinatário vazou para a turma toda. 

• Quando eu tive apendicite e perdi a viagem de formatura. 

• Quando me roubaram o primeiro celular bom que comprei, e faltavam 23 prestações de 24. 

• Quando eu noivei com festa para os parentes e, duas semanas depois, tomei um pé na bunda. 

• Quando a construtora faliu antes de me entregar o apartamento que comprei na planta. 

A maturidade, ou algo próximo disso, acabou me fazendo ver que, mesmo com todos os percalços, não havia me faltado privilégios. Esse foi mais um tapa na cara que a vida me deu. Só que dessa vez, contrariando meus métodos, não me chateei com ela. 

Outro dia me vi em um espelho e quase não acreditei que era eu no reflexo. Se ainda ontem eu não me conformava com a minha acne juvenil! Como passou tão rápido? 

No fim das contas, era fácil entender o conceito: era só viver. 

Sorte que ainda deu tempo.

30/06/2023 - 13h34min
Moara Steinke

Netuno e saturno retrógrados ao mesmo tempo pedem revisão de objetivos

Astrologia alerta para a importância de manter a persistência, a paciência e a cautela

Retrogradação de netuno e saturno está fortemente associada à revisão e reavaliação de assuntos regidos pelos planetas

Bits and Splits / stock.adobe.com

A partir da sexta-feira (30), netuno iniciará seu movimento retrógrado e se juntará a saturno, que já está nessa condição desde o dia 17. Na astrologia, a retrogradação está fortemente associada à revisão e reavaliação de assuntos regidos pelos planetas específicos.

Saturno

Até o dia 4 de novembro, a atenção em relação à rotina de trabalho, planos de carreira e conquistas profissionais deve aumentar. O planeta Saturno, em movimento retrógrado, sugere um período em que é necessário reavaliar e rever desejos e planejamentos de longo prazo. 

O convite astrológico é para uma melhor administração do próprio tempo, observando quais atividades estão emperradas ou apenas sugando sua energia. É tempo de reconhecer os limites pessoais e esse aspecto astrológico pode nos levar ao enfrentamento das limitações e assim, consequentemente, a um maior autoconhecimento.

Paciência

Este é um período em que é possível sentir uma certa desaceleração em relação a novas conquistas profissionais. O céu astral convida a uma reorganização no campo do trabalho. Ou seja, é preciso estabelecer prioridades, cortar excessos e adotar uma postura mais decidida e convicta em relação aos seus ideais. 

A persistência, paciência e cautela serão seus maiores aliados nesse momento, especialmente quando se trata de decisões profissionais. Saturno retrógrado indica que é hora de colocar seu lado mais maduro em ação, reconhecendo seus próprios limites e empoderando suas capacidades.

Ajustes

Não se surpreenda se você identificar com maior clareza pontos de insatisfação em relação ao seu trabalho ou carreira atual. Esse aspecto astrológico desempenha um papel importante ao ajustar pendências e faltas, visando promover um crescimento e amadurecimento ainda maiores em cada experiência. 

Saturno é conhecido como o planeta da maturidade e da sabedoria. Aproveite esse momento para realizar uma verdadeira reflexão sobre seus projetos profissionais, como você tem dedicado seus esforços atualmente e se tem respeitado seus limites emocionais e de tempo.

Determinação

A determinação é uma característica marcante do planeta saturno e é fundamental para alcançar grandes empreendimentos e projetos. Este é o planeta que indica sobre não desistir diante dos primeiros obstáculos, a buscar ajustes, enfrentar medos e, assim, alcançar o sucesso que realmente é desejado e chegar ao topo da montanha pessoal. 

Aproveite essa oportunidade para se conhecer melhor, traçar metas claras e trabalhar na busca pelos seus objetivos profissionais. Lembre-se de que o caminho pode ser desafiador, mas com perseverança e dedicação, você pode alcançar grandes conquistas.

Netuno 

Para a astrologia, o planeta Netuno está relacionado à espiritualidade, sensibilidade e intuição, mas também à dispersão, nebulosidade e dificuldade em identificar objetivos e manter o foco. A retrogradação de Netuno sugere um momento de avaliar sua filosofia de vida, conexões com um propósito maior e quais são os objetivos significativos que estão impulsionando sua energia pessoal. Se você tiver uma conexão emocional com suas atividades, isso pode transformar sua motivação, fornecendo uma base sólida para alcançar seus objetivos.

Reavaliar sonhos

A retrogradação é um período de revisões e reavaliações também dos sonhos e ideais pessoais. Portanto, pode não ser o melhor momento para investir em grandes projetos em que não esteja claro qual é o propósito deles em sua vida. 

Netuno continuará em movimento retrógrado até o dia 6 de dezembro, o que significa que teremos um longo período para avaliar nossas aspirações e descobrir o que realmente nos envolve, permitindo-nos manifestar nosso maior potencial criativo, artístico e emocional.

Resgatar a espiritualidade

Este é o momento de resgatar as crenças que lhe proporcionam mais força, energia e alegria para manifestar seus propósitos e objetivos. Aprofunde-se em sua espiritualidade, ouça sua intuição e explore suas habilidades criativas. 

Use esse período para refletir sobre o que realmente importa para você e como pode manifestar isso em sua vida de uma forma significativa.


01 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR

O amor é uma trégua

Vigora a máxima: você só conhece o cônjuge na hora de se separar. É um mandamento que os advogados sabem de cor, tabuleta na porta da vara de família. De tanta gente que acredita nisso, a vontade é se separar antes de pedir em namoro, para ver de cara como o vivente é e não sofrer com as aparências.

Só que a verdade é mais funda. O casal não começou a discutir durante a dissolução dos laços. Ele voltou a discutir. Retomou uma indisposição original. A ruptura do relacionamento evidencia uma estranheza que nunca deixou de existir, apenas foi mascarada pela intimidade. Os alicerces não mudaram.

Esquecemos que era assim no começo de tudo. O início de relação é historicamente feito de implicância, de duas figuras antagônicas que não se entendem e vivem se testando. Sai até fumaça da troca de farpas entre os dois enamorados, tamanha a erupção do vulcão, que depois fica adormecido.

Não tem como permanecer ao lado do par de pombinhos se bicando. Você namora quem não atura, quem não suporta. Acaba permanecendo com aquele de quem pretendia manter distância.

Como você não pode dizer na largada que gosta de alguém, muito menos aceita gostar de alguém absolutamente irritante, expressa o apego pela oposição. Falar mal é uma licença para ter o nome da pessoa sempre presente em sua boca.

Trata-se do monopólio de atenção fundado na crítica, que depois se converte positivamente em atração.

O roteiro redentor é base de toda comédia romântica, que parte da vaia ao beijo no baile.  O inimigo se torna aliado com o tempo partilhado, as confidências, as experiências em comum. Repare que a maior parte dos romances tem desencontros, gafes e enfrentamentos na sua origem. Não é uma história linear, pacífica, acomodada.

Tanto que é possível ver um casal se formando quando um não para de provocar o outro. A química é deflagrada na rivalidade. Eles não são capazes de fazer um elogio ou recorrer a juras diretas. O discurso se caracteriza pelo tom contraditório, ambíguo e persecutório. Predomina uma culpa por desejar quem não é nem um pouco parecido com você.

Pega-se primeiro no pé para, no futuro, dar a mão. Na escola, você dizia que odiava um colega porque já o amava. Não queria que ninguém da turma percebesse o que estava sentindo. Tentava esconder as suas emoções demonstrando o contrário.

Se os opostos se atraem, eles são opostos desde sempre. Na convivência, continuam sendo opostos, com suas individualidades protegidas. Assim sendo, o que me resta concluir é que o amor é uma trégua. O amor é um longo armistício entre os desentendimentos do princípio do contato e do divórcio.

CARPINEJAR

01 DE JULHO DE 2023
LEANDRO STAUDT

O tesouro do São Pedro

O Hospital Psiquiátrico São Pedro guarda um pequeno tesouro. Mesmo que possa estimular a imaginação, com certeza, o maior valor é histórico. A origem está no lançamento da pedra fundamental do hospício no arraial do Partenon, em Porto Alegre.

O presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Carlos Thompson Flores, comprou as terras junto à Estrada do Mato Grosso, atual Avenida Bento Gonçalves. Em 2 de dezembro de 1879, em prestigiada celebração, deu largada à obra, projetada pelo engenheiro Álvaro Nunes Pereira.

Durante a cerimônia, em um vão junto à pedra fundamental, foi colocada uma caixa de zinco, com outra de madeira dentro. De acordo com ata sobre o lançamento, Thompson Flores depositou moedas nacionais de cobre, níquel, prata e ouro, além de jornais do dia. Ele também deixou uma mensagem saudando a obra do hospício para tratar "os infelizes acometidos de alienação mental".

Onde está o tesouro? Pela descrição da ata, embaixo do primeiro prédio. O texto indica que a caixa de zinco foi soldada em todos os lados para perpetuar a memória da construção. Sobre a pedra fundamental e a caixa, continuaram a "levantar o alicerce do edifício".

Em 29 de junho de 1884, o governo da província inaugurou o primeiro dos seis blocos do Hospício São Pedro. Na véspera, chegaram 41 "alienados", transferidos da Santa Casa de Misericórdia e da cadeia pública. Outros dois blocos foram concluídos dois anos depois. Com necessidade de espaço, surgiram mais três pavilhões até 1903.

No auge da ocupação, entre o final dos anos 1960 e início da década de 1970, o hospital chegou a ter 5 mil internados. Cenário de vários filmes, o conjunto de prédios é tombado pelo Estado e pela prefeitura de Porto Alegre. O restauro começou, mas está suspenso.

Sem dúvida, o maior tesouro do São Pedro é o prédio histórico, que precisa ser recuperado. Será que a caixa de moedas será encontrada um dia?

LEANDRO STAUDT

01 DE JULHO DE 2023
FLÁVIO TAVARES

O DESDÉM CONTINUA

Insisto em escrever sobre o desdém com o meio ambiente por entender que é tema fundamental. Em todos os setores no mundo, todos falam em sustentabilidade, mas no Brasil carecemos de planos concretos, sem falar da desídia por atos igualmente concretos.

As atividades do governo federal, a grosso modo, limitam-se às falas do presidente Lula da Silva de que já em 2030 "não haverá desmatamento ilegal na Amazônia". Não explica, porém, como atingirá esse objetivo. Sem isso, tudo o que diz o presidente soa como reles demagogia. Não há planos de preservação ambiental nem qualquer referência ao hidrogênio verde, o combustível do futuro.

A política nacional do hidrogênio verde foi lançada em 2021, no governo Bolsonaro, mas desde então houve apenas uma reunião no Ministério de Minas e Energia. Não se implementou nenhum plano concreto para exploração do "combustível do futuro", embora o Brasil seja o país mais aparelhado para isso, por ser limpa 85% de sua matriz energética.

Por isso, o mundo inteiro nos olha com esperança, mas aqui desdenhamos de tudo. Dos 359 projetos para chegar ao hidrogênio verde existentes no mundo, só um é do Brasil, em Suape (PE), e, mesmo assim, genérico. Há promessas de projetos em um porto no Ceará e outro no Estado do Rio de Janeiro, mas nada foi concretizado até aqui, com o que tudo se resume a mera fantasia.

De acordo com as pesquisas da ciência, o hidrogênio verde é essencial para a descarbonização do planeta. Esse combustível tem três vezes mais energia do que a gasolina, além de ser uma fonte limpa. Nosso potencial para geração de energia eólica e solar pode nos levar a produzir hidrogênio verde até para exportação, além de suprir o consumo interno.

Escrevo antes de o Tribunal Superior Eleitoral decidir sobre a inelegibilidade de Jair Bolsonaro pelas mentiras com que (sendo presidente e em reunião com embaixadores estrangeiros) questionou o sistema eleitoral e afirmou que as urnas eletrônicas eram fraudulentas em si.

O ministro-relator foi tão contundente que, a não ser que se interrompa o juízo, a decisão levará à inelegibilidade.

Seja qual for o resultado, porém, será a primeira vez que apareceram as mentiras de algum político, mesmo sendo a mentira o mais comum na política.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

01 DE JULHO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

ACERTO DE CONTAS

Como militar, deputado federal ou presidente da República, Jair Messias Bolsonaro sempre confiou em uma espécie de inimputabilidade, mesmo afrontando leis e regras de conduta das funções que exerceu. Foi bem-sucedido até sexta-feira, quando foi considerado inelegível por cinco votos a dois pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro não poderá participar de nenhum pleito por oito anos após ser condenado por abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação, irregularidades cometidas na infame reunião de 18 de julho do ano passado, quando convocou embaixadores estrangeiros para despejar afirmações falsas sobre o sistema eleitoral do país e sobre ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Não foram propriamente as leviandades proferidas no vexatório evento que condenaram Bolsonaro, mas o uso considerado ilegal pela Corte das dependências do Palácio da Alvorada e de servidores públicos para objetivos relacionados à eleição que se aproximava. O ato destinado a desacreditar a Justiça Eleitoral foi ainda veiculado ao vivo pela TV Brasil, rede pública custeada pelos impostos pagos por todos os brasileiros e que por essa razão não deveria ser utilizada para fins politiqueiros.

A legislação não deixa dúvida ao considerar irregular, e sujeito a punição, o uso de bens públicos e meios de comunicação oficiais em proveito de intenções relativas a eleições, com propósitos que nada têm a ver com o interesse público ou institucional. Foi um flagrante desvio de função. O evento foi ainda transmitido ao vivo pelas redes sociais do presidente, em uma intenção clara de levar seus seguidores a acreditarem que Bolsonaro estaria revelando a representantes estrangeiros um suposto complô para prejudicá-lo no pleito de outubro. Há óbvia lógica na conclusão de que se tratava de parte de uma estratégia para, no futuro, tentar justificar perante o mundo uma contestação do resultado eleitoral.

Além dos fatos do dia 18 de julho, é impossível esquecer que há um contexto. A tal reunião com os embaixadores não foi uma situação isolada e desconexa de acontecimentos pretéritos e posteriores. No caso, uma campanha incansável para difamar o sistema eleitoral do país, internacionalmente reconhecido como eficiente e transparente, com uma saraivada de declarações fraudulentas e várias vezes didaticamente desmentidas. A série de desconfianças infundadas semeadas e incitações, como se temia, teve um desfecho trágico: a depredação e a invasão violenta dos prédios dos três poderes, no dia 8 de janeiro, uma grave tentativa de se chegar à ruptura institucional. Roteiros e minutas encontrados no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e na residência do seu ex-ministro da Justiça, com os passos para um golpe e uma busca por dar verniz legal à derrubada do Estado democrático de direito, são novas peças que se encaixaram para explicar toda a turbulência atravessada pelo país nos últimos anos.

Jair Bolsonaro é alvo de uma profusão de processos. Apenas na Justiça Eleitoral, são mais 15. Como qualquer cidadão, o ex-presidente tem direito a uma análise justa de seus casos, observando-se apenas o que dizem as leis e a Constituição, com amplo direito de defesa. O ex-presidente ainda pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da condenação do TSE. São poucas as chances de um recurso prosperar, mas é sua prerrogativa e deve ser respeitada. Parece, no entanto, que chegou a hora de começar acertar as contas com a Justiça por seus atos.

O pensamento político de direita tem a aderência de significativa parcela da população, adepta do desenvolvimento pelo empreendedorismo, o livre mercado e outras ideias que, ao longo dos séculos, alavancaram o progresso científico e econômico da humanidade. É parte legítima da vida democrática nacional e da saudável disputa de propostas de nação - que, ao fim, se dá nas urnas. Mas seja qual for o espectro ideológico, há um problema quando a figura a pretensamente personificar um projeto age como se estivesse acima da lei e das instituições. Lideranças se renovam e, agora, há a oportunidade de partidos e correntes de viés conservador se reorganizarem em busca de nomes verdadeiramente compromissados com as linhas da Constituição e capazes de representá-los nas próximas eleições.


01 DE JULHO DE 2023
+ ECONOMIA

Recicle, reuse, reduza e ainda doe

Na definição, a meta contínua de inflação que será adotada no Brasil a partir de 2025 - decisão tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) na quinta-feira - significa apenas que o Banco Central (BC) não terá prazo de somente um ano para cumprir esse limite. Mas isso não quer dizer que não será cobrado a perseguir o objetivo, agora praticamente permanente: o centro da meta é 3% em 2024, 2025 e 2026 . Mas então, qual é o sentido de não obrigar o BC a cumprir a meta em 12 meses?

Na prática, a meta contínua dá mais prazo para que o BC a alcance. Isso significa que, caso haja novas pressões inflacionárias, em vez de ter de explodir o balão dos preços altos em duas ou três pancadas - correndo o risco de fazer toda a economia despencar junto -, será possível ir desinflando aos poucos, transformando um choque em pouso suave.

A medida não está sendo tomada quando há choques inflacionários no horizonte, ao contrário. A inflação está desacelerando e os mais recentes indicadores de preços que incluem o atacado, como o IGP-M, da Fundação Getulio Vargas, apontam deflação, ou seja, redução generalizada de preços. O IGP-M de junho apontou queda de 1,93% sobre redução anterior de 1,84% em maio. Portanto, a mudança não pode ser considerada casuística, ou seja, adotada com alguma espécie de artificialismo para que o BC tenha mais conforto em começar o tão esperado - e tão adiado - início dos cortes no juro.

Na semana passada, a coluna acompanhou o nono Seminário Anual de Política Monetária da FGV, com a participação de Affonso Celso Pastore, Eduardo Loyo e José Júlio Senna. Pastore foi presidente do BC e os outros dois economistas, diretores da instituição. Os três são críticos do arcabouço fiscal de Haddad.

- Se a mudança for bem feita, não criar sensação de que é uma meta para alcançar a perder de vista, pode ser um ganho de credibilidade para o regime de metas. Não dá para ficar perseguindo, a ferro e fogo, a inflação do ano, o que não se consegue - afirmou Loyo.

- Espero que esse CMN tenha a decisão racional de manter a meta e o intervalo estreito ainda que seja meta contínua, o que o BC já faz. Se adotarem meta mais alta, não será bom para a economia brasileira - disse Pastore.

Portanto, ao tomar a decisão que converge para um objetivo do governo Lula - algum alívio nas pancadas de juro -, Haddad não agradou apenas ao mercado, mas também a economistas muito ortodoxos.

Tadeu Almeida era sócio de uma agência de publicidade até 2015, mas não estava satisfeito com seu trabalho. Questionava quão bem fazia ao mundo:

- Estimulava compra massiva de produtos que não faziam bem para pessoas ou para o planeta.

Quando se focou em projetos digitais, entrou em contato com startups e recuperou o "brilho no olho" ao projetar um negócio com pegada ambiental e impacto social positivos. Nasceu a Repassa, maior brechó online do país, comprada há dois anos pela Renner.

- A escolha do mercado de usados foi óbvia, porque é o produto mais sustentável que existe. Uma nova vida útil não consome recursos naturais - justifica Tadeu.

Para garantir o propósito social, a solução foi criar a possibilidade de doação de parte dos recursos da venda para entidades que desenvolvem esse tipo de projetos. Em 2021, veio a proposta de compra da Renner, que manteve Tadeu à frente do brechó online.

- Sempre tive como norte que o melhor para o negócio vem em primeiro lugar. Com o negócio, a Repassa iria conseguir acelerar seu crescimento, teria acesso a sinergias e tiraria risco da mesa, porque a Renner é sólida e tem caixa. Foi importante saber que era uma empresa com princípios e valores semelhantes, por ser uma referência em moda sustentável - explica, sobre a decisão de vender.

Agora, o cliente pede uma "sacola do bem", que custa R$ 49,99, e envia as peças à Repassa. Pode fazer isso pelo Correio ou, agora, em 87 lojas da Renner no Brasil. A empresa escolhe as peças, passa, fotografa e exibe no site. Sobre as vendidas, cobra 60% do valor. O cliente decide o que fazer com os 40% restantes: pode destinar tudo a projetos sociais ou, se preferir, pode receber em uma carteira digital e dirigir à sua conta bancária.

Para o futuro, a Repassa quer buscar eficiência operacional, automatizar processos - hoje, já faz preenchimento automático de parâmetros a partir das fotos. Tadeu não descarta, mais adiante, uma espécie de showroom físico - no Exterior, já existem redes de brechós arrumadinhos.

MARTA SFREDO

01 DE JULHO DE 2023
VISITA AO ESTADO

"Transformar o Brasil em uma grande nação"

Na cerimônia de inauguração oficial dos blocos B e C do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez discurso de retomada da esperança, da paz, do combate às desigualdades e à pobreza. Contrariando expectativas do público, que cantou "inelegível, inelegível" por diversas vezes antes do ato, Lula ignorou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, horas antes, afastou o ex-presidente Jair Bolsonaro das eleições pelos próximos oito anos.

- Chega de violência, de miséria, de fome, de desespero. Esse país precisa mudar e eu voltei, junto com vocês, para a gente mudar e transformar esse país em uma grande nação - afirmou Lula, em discurso de 17 minutos.

Seguindo a narrativa de virada de página pós-Bolsonaro, adotou tons motivacionais, com frases de efeito como "a gente pode", e afirmou que, quem "pensa pequeno, colhe pequeno".

- Conseguimos provar que o pobre não é o problema desse país. Pobre passou a ser a solução quando o colocamos no orçamento da União - declarou o presidente.

Ele esteve ao lado da primeira- dama, Rosângela da Silva, de ministros, autoridades estaduais, municipais e servidores do hospital.

Antes do discurso de Lula, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou duas portarias que liberam, somadas, R$ 167,9 milhões para investimentos em saúde no Estado. A previsão é de que os recursos atendam hospitais em Guaíba, Santa Maria, Caxias do Sul e Bagé (radioterapia).

A plateia chegou a cantar "fica, Nísia", uma reação às pressões para que o Palácio do Planalto entregue a gestão do Ministério da Saúde ao centrão, em troca de uma base aliada estável no Congresso. A desarticulação na Câmara dos Deputados é um dos principais nós do terceiro mandato de Lula.

No palco, uma placa referente à inauguração oficial dos blocos B e C do HCPA foi descerrada por Lula e outras autoridades. Os novos prédios foram visitados pela comitiva antes do evento presidencial. O ato foi realizado em uma área externa do HCPA, com montagem de palanque e estrutura de cobertura para o público.

CARLOS ROLLSING

01 DE JULHO DE 2023
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA Reafirmação do jornalismo

Desde quinta-feira, ocorre em São Paulo o 18º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. Esses encontros anuais organizados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) são momentos de aprendizado para profissionais e estudantes. São dezenas de palestras e oficinas em que se debate o jornalismo profissional por todos os ângulos.

Temas como o impacto da inteligência artificial na comunicação, as complexidades da política no Brasil e no Exterior, os bastidores de reportagens investigativas marcantes nos últimos meses e discussões sobre projetos inovadores e técnicas de apuração estão presentes na programação, que se encerra neste domingo.

Duas palestras contaram com a participação de jornalistas do Grupo RBS. Neste sábado, a repórter da Redação Integrada Letícia Mendes participa de um debate sobre como o jornalismo investigativo pode ser mais bem desempenhado se for tratado como um processo. Letícia, juntamente com outros dois profissionais, fez o programa internacional de capacitação desenvolvido pela Abraji com apoio da embaixada e de consulados dos EUA no Brasil. Durante o curso, os repórteres foram desafiados a formular uma pauta e, posteriormente, a executá-la seguindo todas as etapas recomendadas, que vão da hipótese à narrativa. 

A reportagem de Letícia, publicada em ZH no início de junho, mostra um levantamento minucioso de todas as mulheres que foram vítimas de feminicídio em 2022. Ao verificar dados da Polícia Civil, chamou atenção da repórter o fato de que cerca de 20% das mulheres assassinadas tinham medida protetiva dos órgãos oficiais. O que havia falhado para que essas mulheres, que deveriam estar protegidas, tivessem sido mortas? Letícia foi atrás dessas respostas e as descobriu.

Já na sexta-feira, participei de uma palestra, junto com outros dois colegas de profissão, sobre como montar uma equipe de repórteres investigativos. O Grupo de Investigação da RBS, o GDI, criado em 2016, foi tema da minha apresentação. O grupo, que em junho deste ano foi renovado, agora sob coordenação do editor-chefe do Diário Gaúcho, Diego Araújo, e com a presença de novos repórteres, virou um exemplo nacional de como valorizar o jornalismo investigativo.

Que venham mais congressos, seminários e debates sobre o jornalismo profissional. É assim que nos aprimoramos e inovamos.

DIONE KUHN

sábado, 24 de junho de 2023


23/06/2023 - 09h00min
Martha Medeiros

Para gostar, seja do que for, é preciso respeitar a maturação do prazer

Excelência é algo que se revela devagar, e não de imediato, o que explica a frustração da atual geração de apressados. O primeiro cálice de vinho da minha vida ficou pela metade, não consegui chegar até o fim.

Gilmar Fraga / Agencia RBS

Em alguma fase da vida, você acendeu um cigarro, só para experimentar. E odiou. Sentiu a garganta queimar, tossiu, detestou o cheiro e não viu graça nenhuma naquilo. Ótimo, um fumante a menos. Já quem, contrariando o bom senso, consome uma carteira por dia, viveu também a sua primeira tragada. E odiou. Sentiu a garganta queimar, tossiu, detestou o cheiro e não viu graça nenhuma naquilo, mas queria muito parecer adulto e, de quebra, ocupar as mãos. Deu uma segunda tragada naquele treco fedorento. E uma terceira. E está aí, até hoje, devoto, sem conseguir largar o maldito. 

O primeiro gole de Coca. Posso imaginar a careta. Ainda criança, foi introduzido ao xarope amargo e escuro em uma festinha de aniversário. Os pais cederam à pressão dos parentes: “deixa ele provar para ver como suco é melhor”. De fato, que troço repugnante. Mas você deu um segundo gole, para mostrar que era valente, e um terceiro gole, para ter certeza. Bastou. Mais um colonizado feliz. 

O primeiro beijo, vamos lá. O encaixe levou uns minutos. E você talvez tenha achado meio nojenta aquela história de roçar uma língua na outra. Não chegou a fazer a careta que fez diante do primeiro gole de refrigerante, a educação manda respeitar o próximo, que não é um copo, e sim uma pessoa com sentimentos. E foi por ser tão educado que você permitiu que viesse o segundo beijo, o terceiro e o quarto – depois do quarto, viciou. 

A primeira transa não foi de cinema. É mais provável que tenha sido um enrosco humilhante. Tanto barulho por isso? Não acreditou que o universo estivesse conspirando contra suas ilusões e insistiu mais um pouco. Hoje entende por que sexo é assunto popular. 

É possível que, no primeiro encontro, você tenha achado seu marido meio arrogante. Ou sua mulher tão ansiosa a ponto de pensar em não ligar para ela de novo. Já ouvi uma garota dizer que não viu nada de mais em Paris na primeira vez em que lá esteve. Levei dois dias até acostumar meus ouvidos com o tom de voz da Amy Winehouse. Só consegui engatar na leitura de Grande Sertão: Veredas na terceira investida. 

O primeiro cálice de vinho da minha vida ficou pela metade, não consegui chegar até o fim. Para gostar, seja do que for, é preciso respeitar a maturação do prazer. Excelência é algo que se revela devagar, e não de imediato, o que explica a frustração da atual geração de apressados. Apenas bicar em breves amostras de felicidade, sem se demorar um pouquinho, é que é perda de tempo. Aliás, vale o reverso: se ainda não conseguiu deixar de fumar, continue tentando.