sexta-feira, 12 de outubro de 2007



A criança que eu não fui
Fátima Irene Pinto

A criança que eu não fui aflora agora, após quase meio século de vida.

Eu acreditei que pudesse abafá-la para todo o sempre e nunca levei a sério todos os seus veementes apelos para ressurgir e manifestar-se.

Ocorre que ultimamente ando esbarrando nela a todo instante, do jeitinho que a deixei há quarenta e tantos anos atrás: extremamente tímida, sobressaltada, sem defesas para um mundo que lhe parecia por demais hostil e complicado.

De família numerosa, meus assoberbados pais não tinham tempo para entender a minha interna tragédia, tampouco para resgatarem-me dos dramas que a minha criança resolveu sozinha e resolveu completamente errado.

Incorporei todos os rótulos que me deram nas minhas primeiras tentativas de convivência entre os humanos: desajeitada, limitada, mela-festa, esquisita.

Então a minha criança entendeu que para merecer fazer parte da vida e receber um mínimo de carinho e aceitação, era preciso fazer coisas heróicas e grandiosas. Em cima desta idéia pautei toda a minha existência.

Tenho que dar um salto aqui - não interessa narrar os meus grandiosos e heróicos feitos - mas é preciso ressaltar sim, os desumanos sacrifícios despendidos nesta empreitada e para onde eles me levaram: depressões profundas e síndrome do pânico cujas sequelas ainda hoje se fazem sentir.

As vezes me pergunto porque o 'Supremo' não intercedeu por mim naquela época, mandando-me uma angélica criatura para lembrar-me que nada daquilo era preciso e que a despeito das minhas esquisitices, eu era merecedora de amor respeito e aceitação?

Esta narrativa fica pela metade, pois só agora começo a dar-me conta do tamanho e da gravidade do equívoco. Só agora estou disposta a romper a muralha de aço entre o meu eu adulto (e mal resolvido) e aquela criança que não me permiti ser e que agora explode à minha revelia, não aceitando mais o porão escuro onde a trancafiei por tantos anos.

Espero que haja tempo para resgatá-la e deixá-la ser feliz pela primeira vez na vida, sem que nada ela tenha que fazer de sobre-humano, de heróico ou grandioso, de notório ou relevante.

Perdoa-me, minha criança! Eu joguei duro demais com você por ignorância. Liberto-a agora! Esteja feliz! Esteja em paz!

quinta-feira, 11 de outubro de 2007



Dano moral: o governo como sócio na dor
Artigo - José Lucio Munhoz
Valor Econômico - 11/10/2007


Nas últimas décadas, desenvolveu-se a compreensão de que um dos maiores patrimônios do ser humano é a sua integridade moral, devendo prevalecer o respeito à honra, à imagem e à paz espiritual.

Ao governo cabe coordenar a vida em sociedade, evitando e punindo o ilícito. Para tanto, deve coibir ações que causem prejuízos ao cidadão, autorizando o exercício de atividades, controlando produtos, fornecendo condições de segurança e educação, prestando serviços.

Ocorrendo uma ação ilícita geradora de dano, surge para o agente a responsabilidade de reparar o prejuízo, ainda que exclusivamente moral. Não sendo possível a recomposição original do patrimônio moral da vítima, aplica-se a obrigação de indenizar.

A reparação do dano moral pode ser feita de diversas formas, sendo mais comum a indenização monetária, de modo que o dinheiro possa permitir à vítima instrumentos que lhe proporcionem parte da felicidade perdida, diminuindo as dores e constrangimentos.

É o que mais próximo se chega à pretendida recomposição da integridade do patrimônio moral antes existente.

No entanto, tal indenização pelo dano moral não é renda ou mero acréscimo patrimonial suscetível de incidência de Imposto de Renda (IR).

O próprio termo indenização normalmente define uma parcela como isenta de tributação em razão de sua natureza jurídica.

Não é esta, todavia, a orientação da Receita Federal sobre o tema, que determina a incidência de IR sobre os valores recebidos em ação judicial - fundamentada no artigo 718 do Decreto nº 3.000, de 1999.

Incidir IR sobre a indenização transforma o governo em sócio na dor da vítima, impedindo que se atinja a finalidade do instituto, que é a de proporcionar a reparação integral do patrimônio moral violado mediante valores arbitrados pelo Estado-juiz.

Ao permitir que o governo aproprie-se de quase 30%, a indenização deixará de atingir a sua finalidade - de recompor o patrimônio - para se transformar num mero acréscimo de caixa ao Estado.

Constata-se que tal tributo não decorre de atividade produtiva ou econômica. É mera indenização, decorrente de um dano, não sendo admissível a apropriação parcial pelo fisco.

Na maioria das ocorrências ilícitas que geram o dano, ainda que em pequena medida, há certo grau de responsabilidade do Estado, eis que ele deve impedir a ocorrência de lesão aos cidadãos, provendo os meios adequados a prevenir o ilícito.

No entanto, não raro, danos ocorrem justamente em razão da omissão estatal em fiscalizar atividades e produtos colocados no mercado, ao tolerar transporte público em condições precárias, ao permitir ou propiciar o estímulo à criminalidade, e até mesmo em razão da má prestação de seus próprios serviços.

Podemos referir, por exemplo, as duas mais recentes tragédias aéreas. Está claro, pelo quanto noticiado, que os órgãos estatais falharam e isso contribuiu para a causa ou ampliação dos danos relacionados aos acidentes (pista sem condições adequadas de segurança, ausência de necessária área de escape, falha no controle do espaço aéreo etc).

Seria mais uma violência às tantas famílias já vitimadas pela tragédia que o governo ainda ficasse com cerca de 30% da indenização que eventualmente venham a receber a título de danos morais.

A indenização por dano moral não é renda ou mero acréscimo patrimonial suscetível de incidência de IR

Portanto, não há sentido para que o Estado, que tem como finalidade impedir que seus cidadãos sejam vítimas de lesões, acabe justamente por lucrar com elas.

Além disso, ao dar uma utilidade ao valor recebido, a vítima gera novas incidências tributárias em favor do governo. Se adquirir um veículo com a indenização, por exemplo, a vítima pagará cerca de 40% só em tributos.

Ao se permitir a incidência, ainda de 27,5%, de IR, estaríamos diante do confisco, o que é vedado pelo nosso sistema jurídico, conforme dispõe o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal.

A natureza indenizatória da reparação, a sua finalidade de recompor o patrimônio espiritual da vítima e a razoabilidade já impediriam a incidência do tributo.

A indenização não constitui renda ou provento de qualquer natureza, nem acréscimo patrimonial, já que visa justamente - tal qual decidido judicialmente - reparar o patrimônio moral da vítima.

Além disso, não há lei tipificando expressamente a situação, o que permite que a interpretação mais razoável seja feita em favor do contribuinte (vítima).

Um mesmo instituto jurídico não pode ser analisado de modo distinto. A reparação do dano moral pode ser feita, por exemplo, mediante a concessão de uma viagem de luxo ao exterior com tudo pago para a vítima e sua família, ou mediante um anúncio em televisão.

Nestas hipóteses não haveria incidência tributária. Portanto, não seria lógico que o mesmo valor econômico, a ser utilizado à escolha e conveniência da própria vítima, pudesse ser objeto de tributação.

A indenização por acidente de trabalho é isenta do IR, conforme o artigo 6º, inciso IV da Lei nº 7.713, de 1988. A norma é genérica e, assim, a isenção é para qualquer indenização, material ou moral.

A Lei nº 8.213, de 1991, estabelece que se equipare ao acidente do trabalho, entre outros, o evento ocorrido em viagem para a empresa, ou no trajeto para o trabalho, e a ofensa física ou o ato de agressão sofrido no trabalho, ainda que de terceiros, segundo seu artigo 21.

Nesses casos não haverá incidência de IR sobre a indenização, eis que esta será decorrente de acidente de trabalho.

A Constituição Federal estabelece o princípio da igualdade em seu artigo 5º, sendo vedado o tratamento desigual entre contribuintes (artigo 150, inciso II).

Assim, não há razão para que a vítima de um acidente (enquanto vai ao trabalho) tenha isenção, ao passo que outra de similar desastre em transporte público (cuja responsabilidade é do Estado) tenha de pagar a um dos obrigados por impedir o fato.

Se um empregado tem isenção quando vítima de uma agressão praticada por um colega (acidente do trabalho), não há razão para que outra seja tributada quando, por exemplo, ocorrer violência policial (praticada pelo agente do Estado). Viola-se o princípio da igualdade.

O Poder Judiciário pode demorar mais de uma década para reconhecer o direito e, assim, fere o bom senso. Ao fim, o governo ainda pretende ficar com parte da parcela, impedindo que o patrimônio moral seja integralmente reconstituído.

Decisões judiciais estão reconhecendo a não-incidência do IR sobre indenização por dano moral - como a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Agravo Regimental em Recurso Especial nº 869.287. Por tudo isso, é lamentável que a Receita ainda mantenha a orientação de tributar tal parcela.

José Lucio Munhoz é juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Cotia, mestre em direito pela Universidade de Lisboa e ex-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra) de São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


11 de outubro de 2007
N° 15390 - Nilson Souza


As pedras de Salvador

Passei uma semana em Salvador, cidade cheia (mas cheia mesmo) de gente e de história. São mais de 3 milhões de habitantes, um verdadeiro formigueiro humano. Fiquei verdadeiramente perplexo com a quantidade de pessoas que habitam e circulam pela terceira capital mais populosa do país.

E o espantoso é que aquela multidão se espreme, mas passa sem estresse pelas ruelas estreitas, pelas ladeiras seculares e pelas portas de todas as igrejas. O que não falta é religiosidade. A melhor definição do tipo local saiu da letra de uma canção e caiu no gosto do povo:

- O baiano tem Deus no coração e o diabo nos quadris.

Nada mais preciso. São centenas de templos, capelas e centros religiosos. Todos os santos e todos os orixás convivem em total harmonia. Tive a oportunidade de acompanhar um espetáculo fascinante no Pelourinho. Foi uma apresentação do Balé Folclórico da Bahia - cantigas de candomblé, dança afro e acrobacias de tirar o fôlego.

Jovens bailarinos revezam-se num balé sensual e alucinante, que inclui homenagens aos principais orixás, um número impressionante de dança do fogo e saltos mortais de dar inveja a Daiane dos Santos.

Tudo isso tendo como fundo musical o batuque dos tambores e as vozes melodiosas de duas cantoras negras, que intercalam gritos ancestrais saídos do coração da África e belas canções de Caymmi.

Conheci a praia de Itapuã, a lagoa de Abaeté, Amaralina, o Mercado Modelo, a Baixa do Sapateiro e outros lugares que a inspirada música baiana levou ao conhecimento do Brasil.

O que mais me impressionou nesse Estado onde o Brasil começou foi exatamente o espírito pacífico e divertido de sua gente. O baiano, ao contrário do estereótipo, trabalha muito, mas não se estressa. Claro que não se pode rotular uma população inteira.

Outra coisa interessante é a divisão da população local, não apenas entre Bahia e Vitória (o Já ia e o Vicetória, na provocação do torcedor), que andam pela terceira e segunda divisão do futebol brasileiro, mas também entre os Carlistas e os anti-ACM.

Para uns, o falecido senador era tão amado que já deveria ter ingressado no panteão dos orixás. Para outros, o apelido de Malvadeza era até elogioso demais.

Mas a política e o futebol ficam em segundo plano quando os baianos falam de sua história, que é uma parte importante da história do país.

Eu mesmo tratei de tirar uma foto ao lado do monumento ao meu ancestral, Tomé de Souza, fundador da cidade. Fiz o mesmo com uma estátua de Irmã Dulce, que deixou uma obra social maravilhosa.

As pedras de Salvador são registros indeléveis de uma história absolutamente fantástica, escrita pelas armas e pela fé, por conquistadores e santos.

Well, ainda que com chuva, muita chuva... segundo a meteorologia, que tenhamos todos uma ótima quinta-feira e um excelente feriado.


11 de outubro de 2007
N° 15390 - Paulo Sant'ana


Pressa, a sempre culpada

Esse acidente rodoviário ocorrido no oeste catarinense é uma das mais inacreditáveis tragédias já acontecidas no Brasil.

Em primeiro lugar, pelo número de vítimas: 27 mortos e 88 feridos é uma cifra que se adapta mais a um acidente aéreo do que a choque de veículos em uma BR.

E em segundo lugar pela estranha rota percorrida pelo caminhão que originou o segundo acidente, aquele que esmagou para a morte mais 16 pessoas, além das 11 que já haviam morrido uma hora e meia antes, no primeiro acidente.

Não se compreende como pode esse motorista de caminhão que provocou as 16 mortes restantes ter querido se adiantar a mais de um milhar de veículos que estavam parados em fila indiana, aguardando que fossem socorridas as vítimas do primeiro acidente e removidos os veículos envolvidos no choque.

Esta é a primeira incredulidade. A segunda é como pode terem deixado a pista da contramão livre e desimpedida por cerca de dois quilômetros, sem nenhum óbice, oferecida ao apetite de pressa do motorista que causou o segundo acidente.

O segundo e mais grave acidente é inexplicável. Não há como entender-se que um motorista de caminhão, vendo que a faixa geminada da direita era inteiramente ocupada pelos veículos estacionados à espera do deslinde do primeiro acidente, possa ter tido o desplante e a agressividade de desenvolver velocidade em torno de 100 km/h, quando toda a aparência do local, durante 1,5 mil metros, era de emergência, expectativa e tensão pelo acidente ocorrido lá adiante.

O que vemos à distância, com os dados de que dispomos, é que um motorista de caminhão considerou a si próprio como um ser privilegiado, capaz de passar à frente de centenas de outros motoristas que estavam obedientemente na fila de espera na rodovia.

Em outras palavras, um espertinho. Uma pessoa que se julgou mais diligente que os outros todos que esperavam, para ele uma multidão que desconhecia ser possível furar aquele bloqueio todo.

E foi em frente. Para o que desse e viesse. O impressionante é que ninguém o atacou, certamente porque todos os agentes de autoridade estavam empenhados em remover os escombros materiais e pessoais do primeiro acidente.

É muito inverossímil que o motorista do caminhão indigitado tenha perdido os freios. E até não interessa se os freios do caminhão deixaram de obedecer, diante do fato principal de que o motorista trafegava na contramão, em alta velocidade e tinha finalidade de passar à frente da enorme fila pela esperteza.

Sou autor de uma teoria de que as maiores aflições do trânsito, portanto as mais graves infrações, se dão por pressa dos motoristas.

A pressa é fator concorrente com o álcool, sempre presente na maioria dos acidentes. E pressa quer dizer tentativa de passar os outros para trás. A pressa leva à morte, leva aos choques, leva ao desatino.

E finalmente: a alegação da mulher do caminhoneiro de que ele lhe disse que faltaram freios cai por terra, quando se sabe que ele podia ter desviado o caminhão para a direção do acostamento, quando pressentiu que ia atingir a pequena multidão que socorria o primeiro acidente.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007



A CPMF e o burro falante

Artigo - Paulo Rabello de Castro
Folha de S. Paulo - 10/10/2007


No Brasil atual, é apenas uma questão de tempo que o povo se levante contra o poder tributário de Brasília

CERTA VEZ, um rei ofereceu uma grande recompensa para quem ensinasse seu burro a falar. Mas, para quem fracassasse na tentativa a punição seria a morte. Candidatou-se apenas um homem, em todo o reino, já condenado por outro crime.

O desafiante começou a tarefa com grande empenho. Mas, por certo, o burro não aprendia nada. Quando questionado por curiosos sobre o porquê de haver aceito tarefa impossível, respondeu com simplicidade: "É que antes morre o burro, ou morre o rei, ou então, morro eu".

O desafio do presidente Lula, ao buscar prorrogar a CPMF como "imposto justo", é em tudo semelhante ao do condenado que tenta fazer o burro falar.

A tentativa é desmoralizadora, pois empurra o governante a expor uma "lógica" ainda mais desconcertante, como afirmou o próprio Lula, ainda na semana passada, "ser obrigação do presidente, do governador, do prefeito, arrecadar o máximo que puder" para poder, depois redistribuir a quem não tem.

A lógica da arrecadação máxima vem de longe. Povos inteiros, desde a remota Antiguidade, têm sido escorchados por seus dominadores. Contudo, desde sempre, os conquistadores mais espertos sabiam moderar e equilibrar o que sacavam do povo por eles dominado, para não matar a galinha com seus ovos de ouro.

No século 18, aqui no Brasil, a Inconfidência Mineira foi sufocada por reagir à "derrama" dos 25% cobrados pelos lusitanos ao ouro brasileiro. Em 1776, George Washington levantou os americanos contra o excesso de taxação de impostos pelos ingleses sobre suas 13 colônias.

No Brasil atual, é apenas questão de tempo que o povo se levante contra o poder tributário de Brasília. Esta, sim, é a grande injustiça contra a qual deveria se insurgir o presidente, que tem a representação direta do seu povo.

Brasília engana o povo quando não estampa, no rótulo das mercadorias, a carga dos tributos incidentes no preço final. A camada da população que o presidente busca defender e preferenciar recolhe impostos e contribuições num montante dez vezes superior à suposta redistribuição fiscal promovida pelos "auxílios do Estado" como Bolsa Família e outros.

O Estado, que dá com uma mão, tira com outras dez.

O efeito global, macroeconômico, da carga tributária exagerada do Brasil é ainda pior. Calculamos o efeito da carga haver pulado de 30% para 35% do PIB nos últimos anos. O governo hoje arrecada quase 40% de tudo o que se produz no país.

O efeito disso é devastador para o próprio crescimento, pois o PIB perdeu 1,5 ponto do seu potencial de expansão anual. Exemplo: neste ano vamos crescer 4,5%; poderíamos crescer mais 1,5 ponto, ou seja, 6% anuais.

A conta de empregos perdidos, renda não circulada e, também, de tributos não recolhidos, em decorrência do excesso de carga tributária, é maior do que toda a CPMF arrecadada por Brasília!

Tentar provar que a arrecadação truculenta de tributos corresponde a uma política de redistribuição social é querer convencer a todos que o burro vai aprender a falar.

Tão certo quanto burro não fala é a certeza da rebelião popular contra a avalanche dos tributos e contra o poder que os impõe. Lula, que cresceu como legitimo líder dos interesses populares, posaria melhor na foto se ao lado dos que hoje padecem com a carga tributária mais burra do planeta.

PAULO RABELLO DE CASTRO , 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos.

Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

CLÓVIS ROSSI

De flores e Rolex

MONTREUX - Beatrice Gakuba, 51 anos, deveria estar roubando Rolex em Ruanda, se é que alguém usa Rolex em Ruanda. Ela é tutsi, etnia que foi massacrada pelos hutus no genocídio de 1994, um dos grandes horrores da história.

Calcula-se que, em pouco mais de três meses, morreram cerca de 800 mil pessoas, entre elas uma boa parte da família de Beatrice.

Ela escapou porque testemunhava outras violências, em Angola por exemplo, como funcionária do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Passou 20 anos nesse braço da ONU, trabalhando em programas contra a pobreza, até voltar para sua terra, quando a violência foi posta sob controle, um conceito sempre relativo em áreas de rivalidades tribais.

Largou uma bem-sucedida carreira de 20 anos como funcionária internacional, qualificada pela formação em humanidades e por falar inglês, francês, italiano e até português, apreendido em Angola.

Até hoje, Beatrice não consegue explicar por que voltou. Seus antigos chefes em organismos internacionais lhe perguntaram várias vezes os motivos.

Um deles chegou a lhe dizer que não iria embora de Ruanda enquanto ela não lhe explicasse as razões. "Não sei. Veio daqui, ó" (e aponta para o ventre).

Voltou para vingar-se? Nem pensar. Comprou uma pequena firma de flores (a Rwanda Flora), virtualmente falida, e transformou-a em uma usina de exportar rosas para a Holanda, que absorve 90% da produção.

Dá emprego para 200 mulheres e lançou um programa de treinamento sobre plantios para exportação para 40 jovens sobreviventes do genocídio e/ou órfãos de portadores do vírus da Aids, uma epidemia na África.

Pergunto se houve pelo menos um minuto de arrependimento pela troca feita. "Não, nunca. Sei que lá eu posso fazer a diferença".

crossi@uol.com.br


10 de outubro de 2007
N° 15383 - Martha Medeiros


Futebol feminino

Não há quem não vibre com a eleição de "Magic" Marta como a nova fera do esporte nacional. Salve minha xará, a Marta boa de drible, a Marta que se consagrou como a melhor jogadora de futebol feminino do mundo.

No entanto, mesmo entre os brasileiros fanáticos por bola, ainda há dificuldade em se considerar o futebol feminino um belo espetáculo. Não é uma questão de preconceito e falta de visão, como uma análise apressada poderia julgar.

Talvez o futebol feminino venha a ser um esporte popular e difundido mundialmente, gerando ídolos, patrocínios milionários e altas audiências. Mas quem realmente aposta nisso?

Obviamente que o nosso futebol feminino pode se profissionalizar, bastando que as empresas invistam, que sejam organizados mais torneios e que se transmitam os jogos pela tevê. Craques já temos.

Porém, quase ninguém discute um aspecto importante da questão, justamente aquele que resvala para o politicamente incorreto: esporte, mais do que nunca, é espetáculo e depende da imagem. E futebol é um esporte viril. Tanto ou mais que o halterofilismo ou o boxe.

É sabido que as mulheres podem ser iguais ou melhores que os homens em talento, conhecimento, desempenho, inteligência, determinação.

Não temos diferenças no que concerne à nossa mente e capacidade. Mas nossos corpos são distintos. E quando um esporte "viriliza" o jogo de corpo feminino, cria-se um impasse.

É bacana ver uma mulher ser combativa na vida, lutando pelos seus ideais, conquistando seus direitos. Mas quando o combate conduz à masculinização do físico e dos gestos (em campo, saliento), perde-se o poder da sedução, no sentido mais amplo do termo.

As mulheres já estão dentro do futebol, como torcedoras, como comentaristas ou como jogadoras. As escolas e clubes oferecem a modalidade desde cedo e as meninas se divertem e se exercitam, não há nada de errado nisso.

O problema é como sair do amadorismo e partir para a profissionalização sem violar as regras de outro jogo: o da natureza humana. Os investimentos no esporte só são compensados quando existe uma torcida entusiasmada. O futebol feminino entusiasmará um dia como o vôlei e o basquete feminino?

Não se trata de vestir as atletas com um uniforme mais decotado, o assunto é sério. Falo sobre a exigência de uma energia máscula e dos aspectos culturais que envolvem essa discussão no Brasil, um país que não é a Alemanha.

Ao meu ver, é este o grande desafio que nossas jogadoras terão que enfrentar - e espero que vençam - para escapar do cruel destino de talentosas halterofilistas e boxeadoras: a invisibilidade.

Ótima quarta-feira esta que marca sempre o Dia Internacional do Sofá. Que bom que ela existe e que a gente pode se encontrar, imaginem não fossem as quartas, o sábado e domingos ficariam tão distantes...

sábado, 6 de outubro de 2007



07 de outubro de 2007
N° 15388 - Martha Medeiros


O futuro lá eu aqui

Acredito nas voltas do mundo, nas surpresas, na velocidade das mudanças. Isso me impede de agendar compromissos com muita antecedência

Eu admiro muito este circo mais moderno que existe hoje, que não expõe animais amestrados e privilegia o equilíbrio, o ilusionismo, a movimentação, a fantasia, a música, a acrobacia e a arte, tais como o nosso Tholl e, naturalmente, o Cirque du Soleil.

Quando eu soube que haveria uma apresentação do Cirque em Porto Alegre, vibrei. Quando? Na segunda quinzena de maio de 2008. Contando desde agora, faltam sete meses e meio.

Temos que passar antes pela primavera, pelo verão, pelo Natal, pelo Ano-Novo, pelo Carnaval, pela Páscoa e ainda entrar em um novo outono. Não comprei os ingressos.

Sou uma mulher planejada, mas não consigo me antecipar tanto assim aos fatos. É bastante provável que eu esteja viva em maio de 2008, mas não posso garantir que não estarei envolvida com um problema de família, ou com uma viagem marcada para o Exterior, ou com uma dor-de-cotovelo gigantesca, daquelas que nos jogam na cama e nos fazem esbravejar diante da palavra Alegria.

Ok, tudo desculpa esfarrapada, mas a verdade é que não quero deixar nada agendado para maio de 2008, nem para mês algum de 2008. Deve ser coisa da idade, claro. Quero parar o tempo, e não ser empurrada lá pra frente.

Fico imaginando que casais de namorados que compraram as entradas três meses atrás (quando um cartão de crédito fez uma tentadora promoção) talvez não estejam mais juntos ano que vem.

Mas sentarão lado a lado, rosnando educadamente um para o outro. Mulheres que também compraram o ingresso em julho passado talvez tenham engravidado logo depois e estejam saindo da maternidade no dia do espetáculo.

Algumas pessoas terão, neste meio tempo, recebido uma proposta de emprego, só que em outro Estado. Alguns poderão estar passando por dificuldades financeiras e acabarão vendendo seus ingressos na entrada, feito cambistas. Vá saber como estará sua vida em maio do ano que vem.

Acredito nas voltas do mundo, nas surpresas que nos aguardam, na velocidade das mudanças. Isso me impede de agendar compromissos com tanta antecedência, pois daria a entender que tenho controle sobre meu destino, e não tenho, ninguém tem.

Não me comprometo com eventos profissionais muito longe do meu hoje, não reservo mesa em restaurantes da moda que possuem uma fila de espera de semanas, não compro bilhetes de viagem para datas que não possam ser anotadas na agenda que estou usando agora.

Vou perder o Cirque du Soleil em Porto Alegre? Talvez não. Espero que não. Sou otimista o suficiente para acreditar que, chegando mais perto, conspirações cósmicas me ajudarão a adquirir um lugar na platéia, alguma venda extra há de ter.

Mas se não conseguir, paciência. Não vou trazer o futuro para tão perto, prefiro chegar lá com mais calma. Já me basta a tortura de ter que começar a planejar o próximo Réveillon.

Um ótimo domingo, excelente iníco de semana para todos nós.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007



04 de outubro de 2007
N° 15376 - Nilson Souza


Entre o santo e o dragão


Aprendi na minha última aula de inglês que a ordem de nascimento de uma criança na família pode ser determinante para a formação de sua personalidade futura. Minha teacher me fez trabalhar um texto baseado em estudos psicanalíticos que revelam as diferentes características das pessoas, de acordo com sua posição familiar.

É bem interessante: o mais velho tende a ser mandão, mas também responsável; o do meio costuma ser sociável, mas também pode ser ciumento; o mais novo tem mais chance de usar a sedução para conseguir o que quer, mas também pode se tornar um preguiçoso porque recebe tudo de mão beijada.

E o filho único, cada vez mais freqüente nos tempos atuais, transita entre o egoísmo e a organização.

Diz ainda o texto que o filho mais velho tende a se tornar autoconfiante e a ser um bom líder, mas pode também ficar autoritário e até agressivo quando não fazem o que ele quer.

A pesquisa mostra que normalmente o primogênito é bom para se comunicar, porque aprendeu a falar com os pais e não com irmãos e irmãs, portadores de vocabulário mais pobre. O primeiro a nascer costuma ser mais responsável, também pode ser uma pessoa que se preocupa demais.

O filho do meio, ou um dos filhos do meio como este cronista, tem tendência a se tornar independente e competitivo, pois precisa disputar com os irmãos aquilo que deseja.

Mas, bem orientado, pode virar também cooperativo, bom negociador e sociável, já que tem sempre com quem interagir. Corre o risco, porém, de ser ciumento e temperamental, se desconfia que os pais preferem os irmãos mais velhos.

Já o caçula da família costuma usar o charme para conseguir o que quer. Desenvolve de tal maneira a capacidade de encantar, que pode até se transformar num manipulador.

Como tem sempre alguém para ajudá-lo, e ele sabe conquistar simpatias, também tende à preguiça. Costuma ser afetivo, mas não é muito independente.

E chega-se ao filho único, que não precisa dividir as atenções dos pais com ninguém. Normalmente é organizado, responsável e imaginativo, mas tem dificuldade para se comunicar, torna-se excessivamente sensível a críticas e transita no limite do egoísmo.

Claro que nada disso é regra imutável. Sempre lembro de uma história contada por Luis Fernando Verissimo sobre a mãe que criou os três filhos da mesma maneira, fazendo-os rezar todos os dias no mesmo horário, a mesma oração e para o mesmo santo.

Segundo o escritor, um ficou devoto de São Jorge, outro do cavalo e outro do dragão.

Somos assim, imprevisíveis. Como diz a propaganda da novela, somos ao mesmo tempo iguais e diferentes.

Chove nesta Porto e por isso não está lá muito alegre. Mesmo assim, uma ótima quinta-feira a todos nós.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007



03 de outubro de 2007
N° 15385 - Martha Medeiros


Tudo que eu queria te dizer

A recente greve dos Correios me fez lembrar da nossa ansiedade quando, num tempo nem tão remoto assim, víamos o carteiro entrar na nossa rua. Vibrávamos com a iminente chegada das cartas de amigos, parentes e namorados, principalmente de namorados.

Hoje, as greves atrasam a entrega de coisas consideradas mais importantes, como documentos, contas e encomendas materiais, ou seja, correspondência anti-sentimental, já que cartas pessoais, escritas a caneta ou lápis, viraram peça de museu.

Passou a ser um recurso utilizado apenas por homens e mulheres que não dispõem de um computador e que nem cogitam entrar num cybercafé.

Ainda recebo, uma vez na vida e outra na morte, cartas escritas à mão pelos leitores, e fico sem ação: como faço para responder?

Ora, bastaria pegar um papel, escrever, envelopar, selar, ir até uma agência dos Correios e remeter - lembro como se faz. No entanto, pra quem se acostumou com a instantaneidade do e-mail, enviar uma carta se transformou numa via-crúcis.

Mesmo rendida à correspondência virtual, que dinamiza e facilita de forma estupenda a vida da gente, sigo cultivando uma certa nostalgia pela carta, aquele calhamaço em que depositávamos nossas ridículas palavras de amor, chegando a cometer poemas e decorá-los com ingênuos corações no lugar dos pingos nos is. Esquece, acho que nunca fiz isso.

Cartas em que contávamos detalhes sobre nossa viagem ao Exterior, quando o Exterior parecia bem mais longe que agora. Cartas contando da nossa vida em outra cidade, um relato minucioso dos novos hábitos e das surpresas da troca de rotina.

Cartas com fotografias em meio às páginas, cartas com pétalas arrancadas afoitamente de um jardim estrangeiro, cartas com notas de dinheiro - pais sempre ajudam financeiramente os filhos, imaginando que eles estão comendo mal fora de casa.

A carta era um abraço. Era uma comunhão. Uma prova inquestionável da importância que o destinatário tinha para o remetente. O e-mail até permite isso tudo, mas é tão instantâneo que o afeto fica sem pompa, a sinceridade parece gratuita, a ligeireza extingue a dedicação que o ato de escrever merece. Carta, ao contrário, é um esforço. E o esforço dignifica.

Pois escrevi um livro de cartas. Inventei personagens e situações, e reuni seus dramas em relatos fictícios, onde misturo afeto e solidão, humor e dor.

Cartas longas, cartas de pessoas vivendo uma situação-limite, valendo-se da urgência do desabafo. Emoções que perderiam o impacto e o foco se escritas num e-mail veloz.

O livro chama-se Tudo que eu Queria te Dizer. Autografo hoje, às 19h, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping. Convido você a violar essa correspondência.

Uma excelente quarta-feira, Dia Internacional do sofá e que já terá uma temperatura de verão por aqui.

domingo, 30 de setembro de 2007



DANUZA LEÃO

A tal da carência

Amor é bom, mas se jogamos no outro a responsabilidade por nossa vida e nossa felicidade, o peso fica grande

RECEBI carta de um leitor me fazendo a célebre pergunta: "Afinal, o que querem as mulheres?" Ele e seu grupo de amigos têm em torno de 40 anos, trabalham, são simpáticos, separados das mulheres, alguns com filhos, outros sem, mas não conseguem uma namorada; estão achando que o que as mulheres querem é um homem bonito, de sucesso, rico, apaixonado e fiel. Será?

Não, leitor, você não tem razão. As mulheres, para começar, são todas diferentes umas das outras, não existem duas iguais. Uma é capaz de gostar de um homem feio, pobre e sem emprego, casado, com filhos, além de tudo infiel (até a você), e se apaixonar perdidamente.

Aliás, o que faz uma pessoa se apaixonar por outra? Vai saber. Este é um dos grandes mistérios da vida.

Pelas qualidades não é; pela disponibilidade não é; pela capacidade de serem fiéis também não. O interesse por alguém bate ou não bate; quantas vezes homens lindos e charmosos chegam perto de uma mulher, cheios de amor pra dar, e nada, porque não bateu?

E quantas outras vezes uma mulher viu um homem lá no fundo da sala sozinho, totalmente desligado, e dá aquela curiosidade de saber o que ele está pensando, já que não está rindo e dizendo bobagens ou coisas inteligentíssimas, sozinho com ele mesmo, e parecendo não precisar de nada nem de ninguém porque não precisa de ninguém para existir?

Algumas mulheres gostam de ter sua curiosidade despertada, de um certo desafio, para poderem testar seu poder de sedução e conquista. Porque dizem que são os machos que caçam, mas algumas fêmeas também adoram caçar.

Talvez meu leitor esteja agindo de maneira óbvia demais, ao tentar ganhar uma mulher. Mulher é um bicho complicado, e se sentir que a parada está ganha, perde o interesse.

Assim como fica muito evidente, quando uma mulher está desesperadamente procurando um homem -e dessas eles fogem como o diabo da cruz; quando eles estão querendo muito uma mulher, elas também sentem e não se interessam, a não ser que o interesse seja especificamente nela.

E sabe por quê? Porque fica claro que eles e elas não estão querendo aquele homem ou aquela mulher, mas qualquer um, qualquer uma, para suprir sua carência.

E não há nada pior do que uma pessoa declaradamente carente. São os que estão sempre prontos para ver o filme que o outro quer, ir ao restaurante que o outro quer, que está sempre de acordo com suas opiniões, e antes de decidir qualquer coisa, procura saber primeiro o que o outro acha.

Quem entrar numa dessas vai se arrepender do dia em que nasceu. Porque os carentes jogam todas as suas fichas no outro; não têm vida própria, não têm prazeres pessoais, que seja ler um livro, jogar paciência ou ver vitrines, e é como se dependesse do outro para respirar.

Amor é bom, mas se jogamos em cima do parceiro/a a responsabilidade por nossa vida e nossa felicidade, convenhamos, o peso fica muito grande.

Por isso, meu querido leitor, não fique procurando uma mulher para uma relação, digamos assim. Faça como Zeca Pagodinho: deixe a vida te levar e um dia, quando estiver distraído, ela vai aparecer, de mansinho, como quem não quer nada.

Porque, percebendo que você não precisa dela para ser feliz, ela vai, quem sabe, até se apaixonar. E não é isso que você quer?

danuza.leao@uol.com.br


Brasil de cara feia

Aguinaldo Silva , autor de "Duas Caras" , que estréia amanhã, diz ter se inspirado em José Dirceu ("tenho medo dele') para criar seu vilão

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O autor em seu apartamento no centro do Rio


LAURA MATTOS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO


Uma gambá invadiu o jardim de Aguinaldo Silva, num luxuoso condomínio da Barra (Rio). Cavou um buraco e lá teve filhotes. A família vivia feliz, até que o jardineiro dasavisado enterrou o lar, e a matriarca morreu. Dois gambazinhos conseguiram sair, mas um se afogou na piscina. O que se salvou foi adotado pelo novelista, que tenta mantê-lo vivo com mamadeiras.

"É uma gracinha, quando mama segura a minha mão", conta o autor, que detém o recorde de audiência das novelas, com "Senhora do Destino". Ele batizou o "filho" de "Duas Caras", nome de sua nova, que estréia amanhã. "Espero que viva e faça sucesso!"

Esse Silva pai do pobre gambá é sua "cara do bem". Mas ele quer mostrar a outra. "Tenho 64 anos, não preciso mais viver de aparências, fazer média. Não há nada que me impeça de dizer a verdade, o que sinto". Dito e feito. Na entrevista à Folha, apesar da vigilância de uma assessora da Globo que anotava cada palavra, ele mandou ver. Criticou até novelas da emissora ("assoladas pelo maniqueísmo e o politicamente correto").

E detonou José Dirceu, que inspirou o protagonista de "Duas Caras". Ex-ministro de Lula e deputado cassado pelo mensalão, Dirceu, no passado, fez plástica em Cuba para mudar de rosto e, de volta ao Brasil, casou-se usando falsa identidade para fugir da perseguição na ditadura.

Com a anistia, revelou-se à mulher, com quem tivera um filho, e se separou. "Quem faz isso é capaz de qualquer coisa. Tenho medo dele." A seguir, trechos do papo com Silva, que se vangloria de só ter no currículo novelas das oito, nenhuma das seis ou sete, e que fará a primeira com imagem de alta definição da Globo.

FOLHA - Por que "Duas Caras"?
AGUINALDO SILVA - A novela nasceu da obsessão que as pessoas têm de mudar, não só porque querem, mas porque há muitas alternativas, silicone, botox, plásticas, escova progressiva.

Todo mundo quer ser Nicole Kidman, Juliana Paes. Essa obsessão tem a ver com insatisfação. Nesse mundo enlouquecido, está todo mundo insatisfeito sem saber por quê. As mudanças não alteram a insatisfação, mas pelo menos iludem.

FOLHA - O sr. já mudou seu corpo?
SILVA - Nunca. Sou um privilegiado porque há 25 anos tenho o mesmo peso [84 quilos] e dizem que a mesma cara, mas nisso não acredito muito [risos]. Até o cabelo parei de pintar. Aos 64 anos está na hora de deixar o cabelo normal, até porque pintar dá muito trabalho.

FOLHA - Por que chegou a hora?
SILVA - A gente vive muito com a questão da boa educação, de aparências, nunca fala o que pensa para não ofender os outros, sempre procura usar de todo o tato possível.

Mas a partir de uma certa idade você está liberado para falar o que quiser, fazer o que quiser e assumir a sua aparência física real. Estou mudando ao contrário. Quando fiz 64, decidi ser exatamente como sou. Falo o que tenho que falar, as pessoas ficam ofendidas porque sou sincero, direto e nunca escondo o que eu penso.

FOLHA - Por que aos 64 anos?
SILVA - Quando você se torna um ancião, adquire direitos, não só se aposenta. É preciso encarar os fatos: 64 é uma idade bastante madura. Tive a noção de que a partir de agora não há nada que me impeça de dizer a verdade, o que sinto.

Passei a vida inteira tendo cuidado com o que falava, apesar de ter opiniões fortes sobre as coisas. Pensei: "Chega, os anos que me restam vou dedicar a isso". As pessoas idosas são deliciosamente verdadeiras. É uma segurança que só a idade dá.

FOLHA - A história do protagonista de "Duas Caras", que se casa por interesse, foge com o dinheiro da mulher e faz plástica para mudar de vida, é inspirada na de José Dirceu?

SILVA - Não posso negar que ele tenha me inspirado, assim como outros, como o ex-chefe de censura militar Romero Lago. Abadía [traficante que fez plásticas para fugir da polícia] veio depois, mas tem muito a ver também. E a história do Zé Dirceu sempre digo que é uma lenda urbana, como a dos jacarés que vivem no esgoto, e essa comparação é bem interessante...

O fato é que essa história -casamento, vida dupla, abandono da segunda vida para voltar à política- já ouvi centenas de vezes, mas toda vez ela me faz muito mal, porque sinto uma crueldade muito grande.

Uma pessoa que faz isso é capaz de qualquer coisa. Tenho medo dele. Confesso que quando ele era chefe da Casa Civil, sempre pensava nisso. Tenho horror.

FOLHA - Regina Duarte tinha medo de Lula, e o sr. tem de José Dirceu...
SILVA - Pois é, mas eu acho que o Zé Dirceu era o rosto que o Lula não queria mostrar.

sábado, 29 de setembro de 2007



30 de setembro de 2007
N° 15382 - Martha Medeiros


Amo você quando não é você

Podemos corrigir nosso passado com os próprios protagonistas do passado, desde que eles nos enxerguem com olhos mais curiosos, com um coração mais disposto e que acenem com um novo futuro

Parece aquelas notícias de jornal popular, mas merece uma página inteira na imprensa nobre. Escute só: um casal em crise estava, cada um, em segredo, trocando e-mails com um pretendente virtual. Ela querendo ver o marido pelas costas e total mente envolvida pelo cara com quem teclava todos os dias.

E o marido querendo que a bruaca evaporasse para poder curtir a gata que conheceu num chat. Você certamente já matou a charada: cada um marcou um encontro às ganhas com seu amor clandestino e shazam: descobriram que estavam teclando um com o outro sem saber.

Ou seja, marido e mulher não se amavam mais, porém se apaixonaram um pelo outro pela internet, usando pseudônimos. Imagine a cena: você se arruma para um primeiro encontro com alta carga erótica e dá de cara com seu cônjuge.

Eu iria rir da situação e tentaria reinvestir no casamento desgastado, dessa vez estabelecendo novos códigos, mas o casal em questão não teve senso de humor e pediu o divórcio, alegando que estavam sendo "traídos". Moralismo nessa hora?

Não é preciso teses nem seminários: este fato, isoladamente, consegue explicar e exemplificar o ponto frágil dos casamentos de longa duração.

Todo ser humano é vaidoso - uns mais, outros menos - e essa vaidade se estende ao campo da sedução. Por mais que a gente ame a pessoa com quem casamos, a passagem do tempo reduz o feedback sexual.

As transas podem até continuar prazerosas e relativamente assíduas, mas já não temos certeza se seríamos capazes de chamar a atenção de alguém que nada soubesse sobre nós, e esta é uma necessidade que não esmorece nunca: seguimos interessantes?

seguimos atraentes? E a pergunta mais séria entre todas: depois de tanto tempo fundidos com um parceiro, sabemos ainda quem somos nós?

Sendo assim, ficamos suscetíveis a uma paquera. Pela internet, parece seguro, sem conseqüências, mas não impede que nos apaixonemos - nem tanto pelo outro, mas principalmente por nós mesmos.

Recuperamos a adolescência perdida: nos tornamos novamente audazes, sedutores e jovens - paixão rejuvenesce mais que botox.

É a chance para a gente se reinventar e ganhar uma sobrevida neste mausoléu de sentimentos chamado "estabilidade afetiva". Não, você não, que é de outra estirpe. Estou falando de gente comum.

Este casal pagou um mico, mas fez um alerta à humanidade: somos capazes de nos apaixonar por quem já fomos apaixonados, desde que esta pessoa se apresente a nós como uma novidade e nos dê também a chance de sermos quem a gente ainda não foi.

Este marido, que em casa talvez fosse carrancudo e desleixado, revelou-se bem-humorado e empreendedor para sua nova "namorada".

A esposa, que em casa talvez bocejasse pelos cantos, mostrou-se alegre e entusiasmada para o novo "namorado". Estavam o tempo inteiro conversando com quem conheciam há anos, mas, da forma que se apresentaram, desconheciam-se.

Já escrevi uma vez sobre este tema: a gente se apaixona para corrigir nosso passado. Agora fica claro que podemos corrigir nosso passado com os próprios protagonistas do nosso passado, desde que eles nos enxerguem com olhos mais curiosos, com um coração mais disposto e que acenem com um novo futuro.

Um excelente domingo este que encerrra setembro, dando lugar para outubro que vem aí a largos passos.


30 de setembro de 2007
N° 15382 - Moacyr Scliar


Moda & modelos

O que acontece com a emoção reprimida pelas modelos? Transforma-se em ansiedade

Moda é coisa importante. Vestir bem, com elegância e bom gosto, não é só questão de vaidade; é também fator de auto-estima e uma forma de assumir identidades.

Dize-me como te vestes e eu te direi de que grupo social fazes parte, punk, dark, patricinha. Daí a extraordinária expansão da indústria da moda.

E daí a ascensão das modelos profissionais, coisa que para muitas jovens está sendo uma escolha de vida. Uma garota do Interior pode se transformar numa supermodelo e ganhar muito mais do que ganharia se fosse médica ou professora.

Profissão interessante, essa. Predominantemente feminina; os modelos masculinos parecem um tanto deslocados, quando não contrafeitos, nos desfiles.

A passarela é território das mulheres. Belíssimas, o que corresponde a uma tendência geral. Provavelmente nunca, na história da humanidade, as mulheres foram tão belas (e as brasileiras disso são um exemplo).

Há modelos famosas, que ganham muito dinheiro. Este êxito incendeia a imaginação das garotinhas que olham, deslumbradas, as vencedoras, aquelas que a TV e as revistas mostram sempre. Agora: ser modelo não é fácil. É uma profissão exercida de acordo com uma estrita e rigorosa rotina.

As modelos desfilam todas do mesmo jeito; foram treinadas para isso. Em primeiro lugar, adotam aquele estranho jeito de caminhar, que as torna semelhantes a aves pernaltas. Mais interessante, e perturbadora, é a expressão facial. Modelos, por definição, são impassíveis.

Não sorriem, não olham para ninguém, muito menos abanam para conhecidos ou familiares - o olhar é vago, perdido no horizonte, como se estivessem em outra dimensão (e provavelmente estão em outra dimensão).

Mostrar emoções? De jeito nenhum. A passarela não é o palco, a modelo não é atriz, não é cantora.

Aparentemente não está minimamente interessada naquelas pessoas que, lá de baixo, a observam, às vezes com admiração, às vezes até com inveja. Esta impassibilidade chama a atenção; contrasta com a expressão dos manequins, ao menos dos antigos manequins das vitrines.

Estes sempre sorriam; um sorriso fixo, imutável, meio sinistro até (não raro manequins figuravam em filmes de terror). Mas os manequins sorriem; as manecas (será que ainda se usa este termo?) não sorriem.

São figuras meio robóticas, que executam maquinalmente seu trajeto. Só no final do desfile é que aparecem, batendo palmas (maquinalmente).

Pergunta: o que acontece com esta emoção que não é expressa, que é reprimida? Provavelmente transforma-se em ansiedade.

Ansiedade quanto ao desempenho, ansiedade quanto ao futuro, algo que caracteriza as ocupações de duração fugaz, ligadas à juventude, ao vigor atlético, à conformação física.

Será que estou engordando, é uma dúvida que deve ocorrer a muitas modelos, no desfile, fora do desfile, nos pesadelos. A resposta sabemos qual é: a anorexia nervosa.

Que já está se transformando em preocupação generalizada. Ainda recentemente uma modelo foi barrada em Londres, não por excesso de peso, mas por falta de peso. Ou seja: os organizadores de desfiles não querem ser acusados pela doença das modelos.

É a outra face da moda, esta. A face que as modelos, por boas razões, evitam mirar. Talvez isso explique por que uma modelo jamais olha para as pessoas que vão ao desfile.

Ela não quer ver, de pé no fundo do salão, uma garotinha a olhá-la deslumbrada. A garotinha que um dia foi e cujos sonhos gostaria de recuperar.

Falando em modelos, em Jogo de Damas, editado pela modelar, sempre exemplar e nunca alvar L&PM, David Coimbra faz uma saborosa incursão pela História em busca de grandes mulheres. E as encontra!

sábado, 22 de setembro de 2007














Diogo, o traíra

"A única coisa a fazer na América Latina é emigrar. Quem declarou isso foi Simon Bolívar, alguns dias antes de morrer de tuberculose. Claro que concordo. Já emigrei no passado. Emigrarei muitas outras vezes no futuro. Eu sou um legítimo bolivariano"

Dei uma sanfona a meu filho de 6 anos. Agora ele está determinado a tocá-la na rua, pedindo esmola aos passantes. Creio que seja efeito do lulismo. Até a classe média já pensa em mendigar.

A sanfona foi comprada no Rio Grande do Sul. Na última segunda-feira, participei de uma palestra sobre o papel da imprensa, na PUC de Porto Alegre.

Fiz a pantomima de sempre: ofendi Lula e meia dúzia de jornalistas adesistas. A certa altura, uns manifestantes me interromperam com o brado:

– Diogo, traíra da América Latina!

A única coisa a fazer na América Latina é emigrar. Quem declarou isso foi Simon Bolívar, alguns dias antes de morrer de tuberculose. Claro que concordo. Já emigrei no passado.

Emigrarei muitas outras vezes no futuro. Eu sou um legítimo bolivariano. Só tenho de dar um jeito de morrer de tuberculose. No mesmo documento, Simon Bolívar declarou também que os países do continente seriam dominados por tiranos rasteiros e por massas desenfreadas.

– Bolívar, traíra da América Latina!

A propósito de tiranos rasteiros, Hugo Chávez, que alega inspirar-se em Simon Bolívar, mandou refazer todos os livros de história de seu país, a fim de preparar os alunos venezuelanos para o socialismo moreno, ou seja lá como se chama o que ele propõe.

Lula está bem mais adiantado do que Hugo Chávez. Como mostrou Ali Kamel, em O Globo, nossos estudantes aprendem desde cedo a glorificar Mao Tsé-tung, Fidel Castro, o MST, o comunismo soviético e Ziraldo.

Falsificar a história é uma prática corriqueira entre nós. Quando passei por Porto Alegre, um bando de gaúchos estava acampado à beira do Guaíba, bebendo mate e tocando sanfona, em homenagem ao aniversário da Guerra dos Farrapos.

No Correio do Povo, Juremir Machado da Silva definiu a Farroupilha como sendo "a guerra civil que perdemos, assinamos um acordo de empate e comemoramos como se tivéssemos vencido".

Uma das figuras mais características da Guerra dos Farrapos é o maestro Mendanha. Ele era o regente da fanfarra imperial. Depois de ser capturado pelas tropas farroupilhas, aceitou musicar o hino do inimigo.

O maestro Mendanha é o paradigma do artista nacional: rendido, medroso e traidor. Para compor o hino rio-grandense, ele roubou a melodia de uma valsa de Strauss. Portanto: rendido, medroso, traidor e plagiário.

Gilberto Gil é o maestro Mendanha do lulismo. Assim como o maestro Mendanha pirateou a valsa de Strauss, Gilberto Gil defendeu normas mais elásticas para a pirataria na internet.

Uma pesquisa recente do Instituto Ipsos indicou Gilberto Gil como o ministro mais popular de Lula. Isso aconteceu depois de o Ministério da Cultura ficar paralisado por mais de quatro meses, por causa da greve de seus funcionários.

Museus, bibliotecas, teatros e cinematecas permaneceram fechados. Se é assim que funciona, é melhor fechá-los de vez. Economizaremos um baita dinheiro. E ninguém sentirá falta deles.

Os lobistas da cultura sempre repetem que o estado precisa financiar arte, literatura, cinema. Precisa nada. Passamos perfeitamente bem sem isso tudo. Se os artistas quiserem, podem tocar sanfona na rua e arrecadar umas moedinhas.



















Ponto de vista: Lya Luft

Vai piorar

"Tolerância zero com tudo o que nos desmoraliza e humilha, perseguição implacável ao cinismo, mudança total nas futuras eleições, faxina no Congresso"

Escritores devem escrever, palestrantes devem falar. Qualquer pessoa tem a obrigação de pensar e o direito de se expressar. Claro que isso não acontece num país de analfabetos, onde não se tem interesse em que o povo pense:

um povo informado escolheria outros líderes, não ficaria calado quando pisoteiam sua honra, expulsaria de seus cargos os pseudolíderes e tentaria recompor as instituições aviltadas.

Mas nós não fazemos nada disso: parecemos analfabetos e afásicos, uma manada de bobos assistindo às loucuras que se cometem contra nós, contra cada um de nós.

Ilustração Atômica Studio

E eu, que tenho as duas atividades, escrever e eventualmente falar, que desde criança fui ensinada que cabeça não foi feita só para separar orelhas, mas para pensar, questionar – e também para ser feliz –, neste momento, não sei o que pensar.

Muito menos o que responder quando me perguntam interminavelmente o que estou achando, como estou me sentindo. Estou virando pessimista. Não em minha vida pessoal, mas em relação a este país.

Ou melhor: a seus governantes, autoridades, homens públicos, políticos. Mal consigo acreditar no que se está passando. A cada dia um espanto, a cada dia uma decepção, a cada dia um desânimo e uma indignação.

Este já foi o país dos trouxas, que pagam impostos altíssimos e quase nada recebem em troca; o país dos bobos, que não distinguem um homem honrado dum patife, uma ação pelo bem geral de uma manobra para encher o bolso ou galgar mais um degrauzinho no poder a qualquer custo;

o país dos mistérios, onde quem é responsável absoluto não sabe de nada, ou finge enxergar outra realidade, não a nossa. Hoje, estamos ameaçados de ser o país dos sem-vergonha. A falta de pudor e o cinismo imperam e não há, exceto talvez o Supremo Tribunal, lugar totalmente confiável.

Entre os políticos, com cargos ou não, impera um corporativismo repulsivo – ou estaremos todos de rabinho preso? Nós, povo que se deixa enganar tão facilmente, que pouco se informa e questiona, vamos nos tornando da mesma laia?

Seremos também, concreta ou moralmente, vendidos? Quando eu era menina de colégio, às vezes os rapazes se insultavam gritando "vendido!", não me lembro bem por quê. Deviam ser questões esportivas. Um ponto não marcado, um gol roubado.

Era grave insulto. Hoje, parece que ninguém mais liga para insultos, leves ou pesados – nada pega, tudo é água em pena de pato, escorre e acabou-se. Um povo teflon. Vemos líderes vendendo-se em troca de comodidade, cargo, poder, dinheiro, impunidade, preservação de algum sórdido segredo, ou simplesmente a covardia protegida.

Quem nos deve representar sumiu no ralo. Quem nos deve orientar se transformou em mamulengo. Quem nos deve servir de modelo chafurda na lama. E nós, povo brasileiro, nos arrastamos na tristeza.

Reagimos? Como reagimos? Pintamos a cara e saímos às ruas aos milhares, aos milhões, jogamos ovos podres, paramos o país, pacificamente que seja, tentamos mudar o giro da máquina apodrecida? Aqui e ali um tímido protesto, nada mais.

De algum lugar surgiram os senadores que votam às escondidas porque não têm honra suficiente para enfrentar quem os elegeu; os deputados pouco confiáveis, alguns duvidosos ministros, de onde surgiram?

De nós. Nós os colocamos lá, nós votamos, nós permitimos que lá estejam e continuem – nós, através das mãos dos ditos representantes, instituímos a vergonha nacional que em muitas décadas será lembrada como um tempo de opróbrio.

E não argumentem que a economia está ótima: ainda que esteja, digo que me interessa muito menos a economia do que a honra e a confiança, poder ser brasileiro de cabeça erguida.

Existe o Bolsa Família, a miséria está um pouco menos miserável? Pode ser. Mas os hospitais continuam pobres e podres, as escolas e universidades carentes, as estradas intransitáveis, a autoridade confusa e as instituições esfaceladas, os horizontes reduzidos.

O Senado terminou de ruir? Querem até acabar com ele? Pode parecer neste momento que ele não faz muita falta, mas sua ausência seria um passo para o Executivo ditatorial, a falência total da ordem e a perda de um precário equilíbrio.

Com pressentimentos nada bons, faço – embora sem grande esperança – uma conclamação: tolerância zero com tudo o que nos desmoraliza e humilha, perseguição implacável ao cinismo, mudança total nas futuras eleições, faxina no Congresso, Senado e câmaras, renovação positiva no país. Conscientização urgente, pois, acreditem, do jeito que vai a coisa tende a piorar.

Lya Luft é escritora



















Jovens & álcool mistura perigosa

Pesquisas revelam que o número de adolescentes que bebem demais cresce em ritmo assustador

Por CARINA RABELO E NATÁLIA RANGEL
GUSTAVO SCATENA/AG. ISTOÉ


PÚBLICO O consumo abusivo está aumentando principalmente entre as mulheres Juventude em risco e direção fatal Os efeitos do álcool no organismo

Em qualquer idade, o alcoolismo é uma tragédia. Na maioria dos casos, ele destrói o indivíduo, desequilibra a família e traz um custo imenso para a sociedade.

Quando atinge pessoas jovens, no entanto, ganha cores ainda mais dramáticas – dá para imaginar, então, quando o álcool se associa à adolescência. Esse é um cenário que está se tornando comum no Brasil, como atesta pesquisa da Secretaria Nacional Anti-Drogas em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os adolescentes participam de forma cada vez mais expressiva da estatística do alcoolismo no País e já correspondem a 10% da parcela de brasileiros que bebem muito, somando um total de 3,5 milhões de jovens.

Esse número é resultado da tendência de aumento de consumo nessa faixa etária já verificado por estudos anteriores. Em levantamento feito no ano passado pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas, em cinco anos a ingestão de bebidas alcoólicas aumentou 30% entre jovens de 12 a 17 anos e 25% entre jovens de 18 a 24 anos.

A pesquisa da Secretaria Anti-Drogas e Unifesp é a mais ampla já realizada sobre o consumo de álcool no Brasil. Foram 2,6 mil entrevistas com pessoas de 14 anos ou mais, em 129 municípios. Além de apresentar a parcela de jovens que abusam do álcool, o estudo mostra que, pela primeira vez, as meninas estão bebendo quase tanto quanto os meninos:

7% dos homens de até 25 anos bebem uma ou mais vezes por semana, consumindo, nessas ocasiões, cinco ou mais doses. Entre as mulheres dessa faixa etária, 5% manifestam o mesmo padrão de consumo.

Acima dos 25 anos, a proporção é bem diferente: 27% dos homens contra 14% das mulheres. Se as adolescentes continuarem bebendo no ritmo detectado pelos especialistas, é provável que a participação feminina no drama do alcoolismo seja ainda maior no futuro.

Dados atuais já são suficientes para disparar um alarme. Segundo estudo da Secretaria de Saúde de São Paulo, nos últimos três anos aumentou em 78% o número de mulheres que procuram tratamento nos centros de saúde.

Há outros levantamentos que reforçam o alerta: os jovens estão iniciando cedo a rotina de abuso de álcool. A idade média em que meninos e meninas de 14 a 17 anos começaram a beber foi 14,6 anos. A mesma pergunta foi feita para jovens de 18 a 25 anos. Eles começaram bem mais tarde: 17,3 anos.

O quadro estampado pelos números pode ser visto facilmente nas ruas. Basta passar em bares próximos de escolas e faculdades para encontrar grupos de jovens com copos nas mãos.

Em São Paulo, por exemplo, é no boteco Boimbar que os estudantes da Faap, uma das mais caras do País, se encontram para beber. O consumo médio é de duas garrafas de cerveja por estudante. Os mais abastados são fãs do uísque misturado com energético.

Como retratou a pesquisa, as meninas muitas vezes superam os garotos. É o que ocorre com as amigas Júnia Karan, 19 anos, Stella de Abreu, 18, L. J., 17, e Fernanda Barroso, 18. Elas saem juntas quatro vezes por semana para “tomar todas” nos botecos. “Meus pais ficam assustados com a freqüência com que a gente bebe e criticam muito”, comenta Stella, estudante de cinema.

Muito se especula sobre as razões que estão levando os jovens a beber tanto. Há alguns motivos conhecidos. Entre a turma, a bebida é uma ferramenta de socialização. “Você já ouviu dizer que alguém fez amigo tomando leite?”, brinca o estudante Guilherme Sarue, 19 anos, que costuma sair para beber com o amigo Tomy Holsberg. Outro fator é o financeiro.

“As baladas são muito caras. A gente gasta menos nos bares e consegue conversar com os amigos”, explica a estudante Fernanda Barroso. Também se sabe que muitos dos jovens têm dificuldades de relacionamento em casa ou na escola.

Um dos grandes problemas é perceber quando se está passando do limite. Afinal, porres são comuns na juventude. Mas é possível ter alguns indícios de que a situação está fugindo ao controle.

Entre eles, estão bebedeiras diárias ou nos finais de semana, desinteresse em festas que não tenham álcool, agressividade, isolamento, escolha de amigos que só saem para beber. “Eles não conseguem mais se divertir sem a bebida”, explica a psiquiatra infantil Jackeline Giusti, de São Paulo.

É importante saber distinguir o consumo normal do preocupante para que o adolescente de hoje não se torne um dependente de álcool.

Há 19 milhões de brasileiros nessas condições. Na vida dessas pessoas, a bebida transformou-se num motor de destruição. A empresária paulista Denise (nome fictício), por exemplo, cruzou a fronteira entre a farra e a dependência 16 anos atrás e só se recuperou depois de muita luta.

“Com 14 anos, bebia escondido todos os dias”, conta. Ela ficou com a vida tão transtornada que abandonou o curso de filosofia e perdeu o rumo profissional. Aos 26 anos, abriu um bar. Em um mês, tomava vodca no gargalo todos os dias, esquecia de cobrar a conta dos clientes e desmaiava no banheiro.

“Estava no fundo do poço e vi que o meu negócio ia fechar se eu não me tratasse”, diz. Denise procurou os Alcoólicos Anônimos e contou com a ajuda do namorado, Carlos. “No começo, achava que seria impossível parar”, lembra. Mas desde o ano passado ela só bebe água, suco ou café.



OPOSTOS Guilherme e Tomy saem para beber. Andréa se recupera de um atropelamento causado por motorista bêbado

Os prejuízos não se limitam à vida pessoal do indivíduo. Uma das mais terríveis conseqüências do alcoolismo são os acidentes de trânsito. Anualmente, 35 mil pessoas morrem nas estradas brasileiras devido ao uso abusivo de álcool. Aproxima-se do total de homicídios – 48 mil por ano, segundo a Organização dos Estados Ibero-Americanos.

Muitas vezes a sorte falta justamente a quem nunca passou perto de bebida. Foi o caso da paulista Andréa de Oliveira, 24 anos. Há quatro anos, ela foi vítima da imprudência de um motorista alcoolizado.

A tragédia ocorreu numa data que tinha tudo para ser especial: o seu primeiro dia de trabalho no primeiro emprego de sua vida. Recémformada em enfermagem, ela também se preparava para uma apresentação de dança, que ocorreria no dia seguinte ao acidente.

“Tudo estava dando tão certo na minha vida que parecia até mentira”, lembra. Foi quando um motorista de 23 anos, bêbado, atropelou os seus sonhos. Ela atravessava uma avenida quando foi atingida por um microônibus a mais de 100 quilômetros por hora que ultrapassara o sinal vermelho.

Andréa quebrou sete costelas, o quadril e a clavícula. O pulmão também foi atingido. Ficou internada um mês e precisou de um aparelho para respirar durante quatro meses. Sua carreira foi interrompida por dois anos. Até hoje faz sessões semanais de fisioterapia e só se locomove com o auxílio de um andador. Sua mão direita ficou paralisada.

“O que mais sinto falta é da dança. Era a minha vida”, conta a jovem, que sonha em recuperar os movimentos. O motorista nunca foi localizado pela polícia.


22 de setembro de 2007
N° 15374 - Ricardo Silvestrin


Gente da noite


Na Vila Madalena, em São Paulo, o melhor boteco a que fui era de um carioca. Aliás, boteco deve ser mesmo invenção dos cariocas. Poderiam até criar uma consultoria, um best-seller, As 10 Leis do Boteco.

Primeira lei: um boteco tem que ter um dono sinceramente com cara de dono de boteco. Não adianta comprar uma casa na Padre Chagas, botar um bonitão com roupas caras, puxando cadeira para os clientes sentarem. Nada disso. Segunda lei: o ambiente tem que ser sinceramente decorado pelo dono.

Ou seja, é impossível para um arquiteto fazer um projeto de boteco. Vai soar falso. Terceira lei: a comida tem que ser sinceramente caseira. Feita por quem cozinha em casa no dia-a-dia, não por quem aprendeu num curso com o chef do momento.

Quarta lei: a música tem que ser o bom samba brasileiro, cantada por quem tem a manha sincera. Não adianta imitar o estilo samba de cantar. Ou se tem a manha ou não se tem. E paro por aqui, na quarta mesmo, até porque se soubesse todas as 10 leis seria carioca.

Mas essa introdução foi para falar do Bar do Nito. Fica ali na descida da Lucas de Oliveira. É uma casa de esquina. Tem tudo isso de que eu falei. O dono do bar, o Nito, é um músico. Ao seu lado, um violonista que conhece cada milímetro do instrumento. Acompanha, sola, bordoneia, para usar um termo totalmente adequado ao violão do sambista.

E o Nito canta uma excelente seleção com o melhor do nosso samba. Com uma fisionomia que me lembra a imagem que tenho de Túlio Piva, ele vai passando por Vinícius, Tom Jobim, Chico, Lupicínio e por aí vai. É o bar que certamente o Lupi freqüentaria se estivesse vivo.

E, é claro, seria chamado para dar uma canja. Até eu fui chamado, com muita honra, pelo Nito para cantar numa noite em que estive por lá. Ele me anunciou dizendo "ele canta rock, mas agora vai cantar um samba". Lasquei um Kid Cavaquinho do João Bosco e Aldir Blanc, acompanhado luxuosamente pelos dois violões.

O lugar conserva uma alma boêmia de Porto Alegre que se via nos botecos da Riachuelo, sobrevive no Gambrinos, ali no Mercado Público, no Copacabana na Venâncio Aires. O curioso do público que freqüenta o Nito é a diversidade. Tem uma democracia que só se encontra em boteco.

E o legal é que uma grande fatia é gente entre 25 e 30 anos. Isso mostra que há um espírito de boteco que atravessa as gerações, vai além da questão geográfica e mesmo de classe social.

É um pouco do nosso fundo brasileiro, mais pobre do que rico, branco, negro e mulato, gingado, com apurado ouvido musical. Sim, existem também os comportamentos regionais.

Outro dia, no trânsito, tendo a frente cortada por um motorista ostensivamente imprudente, me saiu um gaudério do fundo da alma e gritei para mim mesmo: mas é um animal, tchê! Já os paulistas fazem do boteco um grande negócio. Trabalhar e ganhar muito dinheiro é coisa que só paulista sabe fazer. Mas o boteco nos une como brasileiros.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

PRESENTE ESPECIAL




E agora é chegado o momento de abrir seu presente. Presentes de lata e de vidro amassam e quebram um dia, somem para sempre.

Mas eu tenho um presente, melhor para você. É um anel para você usar. Cintila como uma luz especial e não pode ser destruído.

Somente você, no mundo inteiro, pode ver o anel que lhe dou hoje, como fui a única que pude vê-lo quando era meu. O anel dá um novo poder. Usando-o, você pode alçar vôo nas asas de todos os pássaros que voam.

Pode ver através dos olhos dourados deles, pode tocar o vento que passa por suas penas macias, pode conhecer a alegria de se elevar muito acima do mundo e suas preocupações.

Pode permanecer no céu por tanto tempo quanto quiser, através da noite, pelo nascer do sol; e quando sentir vontade de outra vez descer, suas perguntas terão respostas, suas preocupações terão acabado. Como tudo o que não pode ser tocado com a mão nem visto com os olhos, seu presente se torna mais forte à medida que o usa.

A princípio, pode usá-lo apenas quando está fora de casa, contemplando o pássaro com quem você voa. Mais tarde, porém, se usá-lo bem, vai funcionar com pássaros que não pode ver, até que finalmente acabará descobrindo que não precisa do anel nem de pássaro para voar sozinho acima de quietude das nuvens.

E quando esse dia chegar, deve dar seu presente a alguém que saiba que irá usá-lo bem, alguém que possa aprender que as únicas coisas que importam são feitas de verdade e alegria, não as de lata e vidro.

Este é o último dia especial de comemoração a cada ano que estarei com você, tendo aprendido o que aprendi com os nossos amigos, os pássaros.

Não posso ir ao seu encontro porque já estou com você. Você não é pequeno porque já é crescido, brincando em sua vida como todos fazemos, pelo prazer de viver.

Você não tem aniversário porque sempre viveu; nunca nasceu jamais haverá de morrer. Não é o filho das pessoas a quem chama de mãe e pai, mas o companheiro de aventuras delas na jornada maravilhosa para compreender as coisas que são.

Cada presente de um amigo é um desejo por sua felicidade. É o caso deste anel. Voe livre e feliz além de aniversários e através de sempre. haveremos de nos encontrar outra vez, sempre que desejarmos, no meio da única comemoração que não pode jamais terminar.

Amigo verdadeiro acredita em VOCÊ