sábado, 22 de agosto de 2020



22 DE AGOSTO DE 2020
MÔNICA SALGADO

As coisas latentes

Não consigo escrever sobre nada que não esteja latente em mim. Sou uma colunista inexperiente, eu sei. Me faltam léguas e léguas pra chegar na unha do dedo mindinho do pé de uma Martha Medeiros, minha colega aqui em Donna. Escrever sobre algo que está latente em mim no exato momento da escrita pode ser bom porque as palavras saem autênticas, quicantes, vivas, como se emprestasse a elas meus batimentos cardíacos acelerados.

Mas escrever sobre algo que está latente em mim no exato momento da escrita é também cilada porque me deixa excessivamente presa nas minhas neuras - que, às vezes, são neuras de estimação, de toda uma vida, e, outras vezes, são as neuras "do momento", da semana vigente. Sim, porque o que normalmente fica latente na gente são nossas neuras, dores, noias... emoções que vão e vêm na nossa cabeça numa masturbação existencial insuportável. São essas que pulsam, exigindo serem colocadas pra fora.

Daí que minha coluna fica autobiográfica demais. Me exponho e exponho pessoas. Até eu me canso, às vezes. Aliás, qual o limite que separa um desabafo que vai gerar conexão genuína entre mim e você e uma exposição que me vulnerabiliza além da conta? O quanto me vulnerabilizar me deixa fraca aos seus olhos? E onde termina meu direito de contar uma história que vivi (ainda que ela envolva outras pessoas) e começa o direito da outra pessoa envolvida de não ser exposta?

Percebem? Preciso definitivamente aprender a escrever sobre outras coisas que não apenas as que estão latentes em mim. Porque está pesado. Pois bem: na falta de "tudo posso naquele que me fortalece", doses cavalares de gratiluz, "nada peço, só agradeço", "chuva de bênçãos" e demais positividades por vezes tóxicas, bem em falta no meu cardápio desta semana, vos ofereço elas... as coisas latentes. Talvez você se identifique e a gente se conecte. Talvez você me ache negativa demais - direito seu - e isso te afaste. Talvez você tenha sido picado pelo bichinho da positividade tóxica e não se permita entrar em contato com sua sombra. E ache que ler sobre a minha pode te contaminar. Respeito. Não existe receita única pra nada nesta vida.

Então, lá vai. Um scan das minhas coisas latentes da semana. De um fôlego só. Sem ponto final. À la Saramago. Organizadas na sua desordem. Caóticas e sem pausas como são nossas conversas internas com a gente mesmo.

No Dia dos Pais, pouco antes do almoço só pra nós que organizei aqui em casa, ela avisou que não vinha. Tenho mil coisas pra revolver, ela disse laconicamente, mas, puxa, custava se organizar?, ou avisar antes, ou encontrar uma desculpa melhor realmente impeditiva, Estou triste e decepcionada com você, eu respondi, porque não foi a primeira vez, nem a segunda, na verdade é um comportamento contumaz que machuca porque é apenas sobre ela e exclui os sentimentos de todos ao redor, e tem sido assim desde que nós duas somos crianças, Mas se você já sabe por que se incomoda?, me pergunta meu marido, Porque o fato de saber não faz doer menos, e meus pais silenciam, porque é isso que os pais fazem para não tomar partido, ainda que a dor também os atinja, e, como uma emoção desagradável nunca vem só, esta trouxe junto uma dezena de outras e mergulhei na piscina de cocô.

Tenho chorado muito, e olha que não sou de chorar, porque acho mesmo que, aos 40 anos, a vida vem esfregar na sua cara o que você não realizou, vem perguntar se você gosta da sua história e das escolhas que fez, e muitas vezes você não sabe responder, ora, as perguntas complexas não têm respostas simples, nem sei se existe uma resposta, para começo de conversa, e é claro que o clima de incerteza que vivemos turbina essa angústia, mais a convivência extrema com quem moramos, convivência que transborda impaciências e explosões que não queríamos explodir, além de tantas indefinições profissionais e amizades que achávamos que tínhamos, mas não temos, porém sempre teremos as coisas latentes, que saem assim, à la Saramago, para conectar ou afastar a gente. Pausa dramática necessária aqui. Espero sinceramente que a primeira opção.

MÔNICA SALGADO


22 DE AGOSTO DE 2020
LEANDRO KARNAL

ISTO É ESPARTA?

A grande imprensa, em geral, retrata o Irã como um elemento desestabilizador do equilíbrio da geopolítica global. Nossas agências de notícias, quase todas ocidentais, apresentam algumas versões que encontram eco umas nas outras. Para contrapor um unilateralismo, surge outro: os EUA são o grande demônio e todos os países são cordeiros inocentes esmagados pelo poder de Washington. Está na hora de o senso crítico superar a fase Chapeuzinho Vermelho versus Lobo Mau. Os países têm interesses e não amigos. Relações internacionais tratam, dominantemente, de poder, raramente de moral e de bons costumes.

Vou aproveitar a proximidade da data para lembrar um fator importante. A 19 de agosto de 1953, um golpe orquestrado pelo governo britânico e dos EUA derrubou um governo legitimamente eleito: o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, do Irã. Na semana que passou, lembramos 67 anos de uma longa crise que foi semeada antes e que continua dando dividendos até hoje.

Precisamos retroceder um pouco. País populoso e rico em recursos de petróleo, o Irã era uma peça-chave do esforço da Segunda Guerra Mundial. Era pelo território iraniano que parte da ajuda norte-americana chegava aos soviéticos na luta contra o nazismo. Os recursos atraíram a operação Countenance, em que forças britânicas e soviéticas atacaram o país. O velho Xá causava alguma desconfiança, entre outros motivos, pelas simpatias com o Eixo Fascista. 

Seu herdeiro tinha sido educado na Suíça e era considerado favorável ao Ocidente. Além da invasão do país e do controle dos recursos nacionais, as potências ajudaram a afastar o antigo governante e instalar no poder Mohammad Reza Pahlevi, que governaria o país de 1941 até sua deposição, em 1979. Aos 22 anos, o novo Xá deveria ser a cabeça de um governo ocidentalizante e favorável aos interesses estrangeiros no óleo do país. O mundo persa estava sendo empurrado para uma órbita de ambições externas.

Foi na capital, Teerã, que se realizou a importante reunião de Churchill, Stalin e Roosevelt, entre o fim de novembro e início de dezembro de 1943. As fronteiras da Alemanha e da Polônia foram definidas ali, bem como o destino dos países bálticos.

Terminada a guerra, a estabilidade interna não ocorreu. Houve um atentado contra o jovem Xá, em 1949. Avançava um movimento que limitava os poderes do soberano e aumentava a interferência dos representantes do Parlamento, criando algo similar a uma monarquia constitucional. O movimento parlamentar e popular apontava para um forte desejo de acabar com o controle abusivo da companhia britânica de petróleo (Anglo-Persian Oil Company - Apoc). A nacionalização ocorreu em 1951. A resposta ocidental às leis iranianas foi um boicote duríssimo. A exportação do "ouro negro" caiu de 242 milhões de barris em 1950 para 10,6 milhões de barris em 1952. A sociedade iraniana viveu uma crise enorme. A pressão continuou.

Em meio a tantos problemas, um referendum deu o poder para o primeiro-ministro dissolver o parlamento. Os votos para o ato foram de mais de 2 milhões a favor e 1,3 mil contra. Vitória esmagadora e popular! Os iranianos apoiavam a nacionalização e o poder do primeiro-ministro Mossadegh. Foi a gota d?água. Os governos dos EUA e britânico lançaram uma campanha forte para desestabilizar o de Teerã. O serviço secreto de Londres e a CIA despejaram milhões no país para abastecer agitadores e propaganda contrária. Reza Pahlevi fugiu para a Itália em meio aos tumultos. No dia 19 de agosto de 1953, o golpe tinha sido vitorioso. Um primeiro-ministro eleito dentro do sistema defendido pelo Ocidente foi derrubado em época de paz em nome de interesses econômicos. O Xá poderia retornar e garantir amplas alianças com os EUA e as potências ocidentais. Começou um governo repressivo e que sempre estaria marcado pela desconfiança de que o Xá era um mero testa de ferro de interesses estrangeiros. A pobreza da maioria da população, a repressão oficial e a vida extravagante e opulenta da família real eram uma combinação explosiva. A festa de comemoração do Império Persa, em 1971, foi extravagante e abusiva para o ambiente que se formava. Abriu-se caminho para o afastamento entre o clero xiita e a coroa. Na origem dos problemas? O golpe de 1953, um ovo de serpente colocado no ninho iraniano.

Muitos ficaram espantados no Ocidente quando as famosas "armas de destruição em massa" alardeadas pelos invasores norte-americanos não foram encontradas no vizinho Iraque. Os iranianos talvez tivessem menos crença na justificativa do governo Bush, apesar dos atritos Bagdá-Teerã. Para a média da opinião pública dos mais de 80 milhões de iranianos, as expectativas com os bons propósitos ocidentais eram bem baixas.

As pessoas mais rasas gostam de pensar o jogo mundial como um grupo de soldados espartanos resistindo, com boas intenções, contra um exército persa invasor (ou seja, iraniano) como no filme 300 (2006). O mundo é mais complexo do que gritar "This is Sparta!" (isto é Esparta!). Lembrem-se sempre: no mundo real, o governo espartano era autoritário, oligárquico e voltado à negação dos valores democráticos. Liberdade aparece no cinema e nos discursos do presidente Bush. Fora dali, só há interesses. É preciso ter esperança além do plano raso dos slogans.

LEANDRO KARNAL


22 DE AGOSTO DE 2020
DRAUZIO VARELLA

A NAU DOS INSENSATOS

O mundo subestimou a gravidade da pandemia. Em dezembro, quando chegaram da China as primeiras notícias de um novo coronavírus, faltavam dados para avaliar a gravidade da situação que o país enfrentava. Numa demonstração clara da facilidade de contágio, o vírus se espalhou em poucas semanas para os países asiáticos e do Oriente Médio, entre os quais o Irã, destino de peregrinações religiosas.

A chegada dos primeiros doentes nos hospitais do norte de Itália deveria ter servido de alarme para os serviços de saúde do mundo inteiro. Não aconteceu. No exato dia em que os italianos decretaram as primeiras medidas de isolamento social nas cidades do norte, para aliviar a pressão sobre as UTIs, os espanhóis autorizaram uma passeata em comemoração do Dia Internacional da Mulher, com 200 mil manifestantes nas ruas centrais de Madri.

Enquanto Itália, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica e outros países europeus tentavam evitar que o número de pacientes graves esgotasse a disponibilidade de aparelhos de ventilação mecânica, o coronavírus invadia a América do Norte. Nova York, com caminhões frigoríficos estacionados nas portas dos hospitais, tornou-se o epicentro da epidemia.

O despreparo dos americanos era de tal magnitude, que os hospitais de Manhattan, capital financeira do mundo, foram surpreendidos sem máscaras cirúrgicas, gorros e aventais, para proteger os funcionários. Cerca de 90% dos equipamentos de proteção individual (EPIs) usados no mundo, eram "made in China", exportador que os oferecia a preços imbatíveis. Quando os chineses precisaram de EPIs para sua imensa população, houve escassez.

No final de fevereiro, morreu o primeiro brasileiro, seguido por uma série de outros, infectados na Europa e nos Estados Unidos. A epidemia chegava pela primeira vez num país com tamanha desigualdade social, que não dispunha quantidades suficientes de equipamentos de proteção, leitos hospitalares, UTIs equipadas com ventiladores mecânicos e kits para testagem em massa.

Como em epidemias anteriores trazidas por pessoas que viajaram para o Exterior, o vírus se espalhou na direção das periferias das nossas cidades, locais com pelo menos 15 milhões de habitantes. Sem testes disponíveis, ficamos reféns dos caprichos virais. Era esperado que São Paulo e Rio de Janeiro, metrópoles que recebem grande número de viajantes, fossem epicentros da epidemia brasileira, mas não imaginávamos que Manaus, Belém, Recife e Fortaleza seriam atingidas ao mesmo tempo, com tanta virulência.

Passamos a agir como bombeiros, tentando apagar os incêndios que se disseminaram pelos grandes centros e, em seguida, pelos interiores de todos os Estados. Para impedir o caos, o sistema único de saúde foi obrigado a tentar corrigir em semanas a desorganização que a desídia de sucessivos governos provocou em anos. Leitos hospitalares, hospitais de campanha e UTIs equipadas com aparelhagem em falta no mercado internacional, surgiram às pressas para receber os casos graves. Foi preciso criar auxílios governamentais e distribuir doações da sociedade, para evitar que a fome se instalasse entre os 40 milhões de trabalhadores da economia informal.

Na crise, ficaram expostas as fragilidades do SUS, mas também sua capacidade de reação rápida e, especialmente, a importância de termos o maior sistema único de saúde do mundo, instituição que só valorizamos agora. Já no início da pandemia, a experiência de outros países demonstrou que o isolamento social e a testagem em massa da população eram medidas de contenção fundamentais. Semanas mais tarde, a OMS reconheceu a importância do uso de máscaras para reduzir os índices de transmissão.

Na área da prevenção, nós nos demos mal. Muito mal. Primeiro, porque não é fácil isolar gente que vive em habitações precárias, com crianças e adultos forçados a compartilhar espaços exíguos. Depois, porque aos mais pobres faltam recursos para sobreviver sem sair de casa. Acima de tudo, entretanto, faltou coordenação para um esforço nacional com orientações claras à população e aos gestores de saúde para a adoção de medidas preventivas que a ciência e a experiência mundial aconselhavam.

Por mais absurdo que possa parecer, o presidente entendeu que o isolamento arruinaria a economia e instalaria a fome no país, tormento que apregoou ser mais mortal do que o vírus, sem nenhum dado que justificasse. Não contente com a interpretação enviesada, passou a provocar aglomerações, andar acintosamente sem máscara, menosprezar a gravidade da doença e a defender a indicação de um medicamento inútil, comportamentos que confundiram o povo, politizaram a epidemia e colocaram o país em posição vergonhosa nas manchetes da imprensa internacional.

O resultado de tantos desencontros foi devastador. Enquanto esperávamos que o pico da curva de mortalidade fosse seguido de queda abrupta do número de casos, verificamos que veio seguido de um platô mantido com cerca de mil mortes diárias, que já nos fez atingir a triste marca de 100 mil brasileiros mortos.

DRAUZIO VARELLA

22 DE AGOSTO DE 2020
BRUNA LOMBARDI

MULHERES FORTES


Mulheres fortes não desistem. Podem precisar de uma pausa, um choro sentido, de dar um jeito no cabelo num dia daqueles, tomar um café com bolo no fim da tarde. Podem precisar de chocolate ou de uma garrafa de vinho, de um bichinho pra chamar de seu, de alguém que a entenda, podem precisar desabafar com uma amiga, podem até precisar de um dia inteiro na cama, mas nunca desistem.

Se você se identificou com algum desses momentos, o que você precisa agora é ouvir uma música que você sempre adorou, mas não escuta faz tempo. Você precisa de um livro que te faça bem, porque certas palavras aquecem o coração da gente.

Você pode estar precisando daquele SOS de cuidados especiais: um banho quente, um bom creme no corpo, massageando pés e pernas, um perfume antes de dormir, um óleo de lavanda nas têmporas e bons sonhos.

Você merece um upgrade psicológico, e tá na hora de se livrar das coisas que não te traduzem mais. Limpe seu armário e fique só com aquilo que você adora. Afinal, quantas roupas você usou durante essa pandemia?

Se você não imaginou que ia ficar tão ocupada nesse isolamento, descanse sempre que der. Se você nunca pensou que ia curtir seus cabelos grisalhos, sorria com humor para o espelho e passe baton em casa, porque quando sair de máscara, não precisa.

Tenha plantas pra cuidar, arrume pequenas flores num vaso. Tente fazer um biscoito de aveia que você nunca fez, um desenho pra colorir, uma cerâmica, um patchwork, bordado.

Você tá aprendendo a ser feliz sozinha? Bem vinda ao clube. Nessa altura da vida você já descobriu que são as pequenas coisas, as mais singelas que fazem a gente feliz. O verbo da felicidade não é eu quero, é eu agradeço.

Existe uma fronteira vibracional que a gente ultrapassa quando emana gratidão. A gente entra num portal e nesse novo campo, nesse novo plano, a gente acaba criando um magnetismo com as coisas que queremos. São leis simples, mas de difícil aplicação.

Andamos muito distraídos com com as coisas que nos atraem e acabamos não atraindo as coisas que nos importam. No fundo, acabamos nos traindo. Traindo nossa alma que quer brincar solta, quando todas as prisões em volta a querem fechada em seus compartimentos.

Traindo nosso espírito que quer correr livre, acima das convenções e de tantas regras que querem nos classificar.

Traindo o imenso desejo de amor, por ter medo de tantas ciladas que se apresentam na vida, de tantas decepções. E porque tantas vezes machucamos nosso coração.

Traindo aquela criança que veio cheia de alegria para o mundo, pronta pra descobrir a vida.

Mas a esperança sempre está presente no nosso horizonte. Mesmo nos dias nebulosos, em que o horizonte não se vê e a esperança não se mostra.

Esperança não significa uma espera parada, mas aprender a preparar sua ação, durante os tempos de espera. Mulheres fortes não desistem nunca, mesmo que às vezes a pausa pareça uma desistência. Mas não é. Nunca é. A pausa é uma preparação. Mulheres, se preparem para transformar cada momento numa benção.

BRUNA LOMBARDI


22 DE AGOSTO DE 2020
TELEVISÃO - Marisa Orth atriz

"A Magda é um patrimônio meu, não tem como lutar contra isso"

Eternizada na memória de milhões de brasileiros como a Magda do Sai de Baixo, Marisa Orth segue se reinventando na TV. Depois de atuar na série Toma Lá Dá Cá e em novelas como Haja Coração e Tempo de Amar, a atriz de 56 anos entra em uma nova fase integrando a trupe de humoristas do Zorra, que exibe episódio inédito neste sábado, às 22h45min, na RBS TV.

Além dos novos colegas Diogo Vilella, Robson Nunes, Victor Lamoglia e Karina Ramil, Marisa contou com uma ajuda extra nas gravações remotas: a de seu filho João Antônio, 21 anos. Estudante de Cinema, ele opinou, ajudou a carregar luz e tantas outras funções em um set. Em entrevista a ZH, por telefone, Marisa fala sobre essa nova fase da carreira.

Como você vê a renovação do Zorra nos últimos anos?

Desde que deixou de ser "Total", ele teve uma guinada interessante. O próprio humor mudou, com a força do stand-up, por exemplo, que deixou menos ensaiado e mais direto. O Zorra obedeceu a isso e, mesmo vindo de um formato consolidado, precisava dessa virada. Eu sempre era a fim de fazer e tinha um pouco desse espírito de esquetes lá quando eu fiz TV Pirata (1992). É diferente, é claro, a gente tem um compromisso com a piada.

Como é sua relação com os outros novatos no programa?

É um sorteio no roteiro, cada dia é uma aventura. O George Sauma já foi meu filho em série, com o Diogo (Vilella) fui casada em Toma Lá Dá Cá e a Karina (Ramil)? É uma princesa! Meu filho adora ela, estava mais ansioso do que eu!

Como foi esse processo de gravar em casa?

A gente deu conta, mesmo com aquilo de estar em casa e cuidando de todo o resto, sabe? O plano era seguido à risca, equipe junta no computador, pausa para almoço, e tudo deu certo. E o João é muito talentoso, toca, escreve bem, gosta de cinema? Ficou opinando em tudo. A direção do Zorra já ama ele e já fez até pontas de ator (risos).

Como o João te ajudou?

É difícil de fazer em casa, mas consigo perceber como é legal ver outros formatos nascendo. Eu sinto falta do teatro e fico decepcionada com a falta daquelas palmas do câmera depois da cena. Santo de casa não faz milagre (risos). E o João é um déspota. Eu sou tipo aquela mãe italiana que grita, mas o João adora dirigir e opinar. A gente se deu melhor trabalhando do que na vida de mãe e filho, no fim das contas (risos).

Existe a possibilidade de fazerem outros projetos juntos?

Não pensamos nada ainda. Não temos nenhuma websérie com 200 capítulos na mão ainda (risos). Conheço o João: estou certa de que está fazendo algo só pra ele, para os amigos dele, aposto!

Você gosta de ter ficado marcada como a Magda do Sai de Baixo?

Não tem como lutar contra isso, a Magda é um sucesso enorme. É um patrimônio gigante meu. Minha vida mudou, há o antes e o depois dela. E o melhor: nunca me falta serviço (risos). No fim das contas, a Magda é um instrumento de reflexão, tipo um espelho bem grande. Ela é muito amorosa, por mais que apareça muito a burrice, a alienação e a sexualidade aumentada. Amo a doçura da Magda, ela é uma criança, acaba sendo muito inteligente emocionalmente.

Você mantém contato com o Miguel Falabella? Pensa em fazer uma nova comédia com ele?

É maravilhoso, porque muita gente acha que nós somos casados na vida real. Até hoje, tem vezes que chego em um hotel e falam: "O seu Miguel não veio" (risos). Nós somos grandes amigos, falamos sempre e, sim, megatoparia fazer um projeto novo (com ele)! Tenho uns 150 projetos, mas ele tem uns 9 mil, somos os dois 220 volts (risos). Não sei se faria um novo sitcom, os (serviços de) streaming nos perguntam isso, o quanto o formato ainda tem espaço, então realmente não sei.

O que você diria para a Marisa de 10 anos atrás? E algum recado para ela daqui 10 anos?

A de antes, eu só pediria para ter mais calma, sou muito nervosa, quero tudo pra ontem. É saber respirar mais. Acho a coisa mais bonita mulher calma, é raro (risos). A do futuro? Espero que seja muito acelerada, não penso muito em idade, porque não tenho culpa do dia em que nasci (risos).

Qual é sua opinião sobre a área cultural neste momento?

Uma tristeza enorme. Esse ataque que a educação e a cultura vêm recebendo é uma enorme surpresa, porque é multiplicado por um grupo de pessoas que nunca imaginei que existisse. E ver um político atacando pessoas com 50 anos de trabalho e apoiado por gente que acha que ele está com razão... Já vínhamos com uma moral baixa, cortes de verba, e aí veio a pandemia. Artista gosta de aglomerar, o que não pode agora, não está fácil. Mas o bom é que somos a classe mais elástica e criativa, então a gente vai dar um jeito, vamos dar a volta por cima. Vamos lá então.

JÚLIO BOLL
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22 DE AGOSTO DE 2020
J.J. CAMARGO

SUS: O QUE SE DIZ E O QUE FALTA DIZER

O SUS, universalizando o direito à saúde dos brasileiros, poupou a população pobre e desempregada da condição de indigência e, considerando o vulto populacional e a flagrante desigualdade social, se constitui no maior programa de saúde pública do mundo. Os depoimentos reiterados e elogiosos realçam, com justiça, o papel desempenhado durante a pandemia, oportunizando, quase com igualdade, que todos as classes sociais fossem atendidas na rede hospitalar disponível. Desempenhos igualmente reconhecidos revelam, com ufanismo, a manutenção do maior programa de transplantes do mundo, ao lado do suporte, sem termos de comparação internacional, na proteção aos portadores de aids e na aplicação de vacinas, alcançando o número recorde de 300 milhões de doses/ano.

Considerando as entrevistas empolgadas, as matérias publicadas com realce nos principais jornais e os depoimentos pungentes em universidades e academias (onde os aplausos superaram os resmungos), podemos ser induzidos a acreditar que está tudo bem, e que sairemos dessa crise sanitária mais fortes e valorizados do que nunca.

Como coisas igualmente importantes foram esquecidas, restou o desconforto da incompletude que, se acompanhada de silêncio, se associará à omissão e à cumplicidade dolosa.

O SUS, definido por seus arautos como a maior iniciativa de cunho social do século 20, na verdade foi um impulso de imensurável humanismo e generosidade, mas concebido sem provisão de sustentabilidade. Ignorando a projeção de aumento da expectativa de vida da população, o custo progressivo da tecnologia médica assistencial e negligenciando um indispensável programa paralelo de planejamento familiar, viu crescer exponencialmente o número de seus dependentes. 

Levando em conta estas variáveis, cruciais do ponto de vista de planejamento, é até surpreendente que, apesar de exaurido e trôpego, tenha chegado aos 32 anos de existência, durante os quais tivemos 27 ministros da Saúde sistematicamente descontinuando a política dos anteriores, por questiúnculas partidárias, sem visão de longo prazo e com tremendo desperdício de recursos. Com cada governo impondo sua política original e, sem planejamento de longo prazo, o caos futuro poderá ser chamado de tudo, menos de surpreendente.

Os gastos multiplicados pela pandemia e a crise econômica que conduziu à inadimplência uma legião de portadores de planos de saúde, entregando-os aos SUS, podem ser a pá de cal de um sistema que, bem ou mal, ainda é a única porta teoricamente aberta à população carente, esta que amanhece em filas de espera para marcar uma consulta, e que muitas vezes, quando chega ao dia agendado, o candidato já não precisa mais dela. Ou o paciente que diante de uma suspeita de câncer tem uma ecografia prevista para o semestre seguinte, ignorando-se que a doença é menos burocrática.

Como agravante, o SUS está conduzindo à ruína seus parceiros mais fiéis e submissos: os hospitais filantrópicos, responsáveis por mais da metade das suas internações e por 68% dos atendimentos em alta complexidade, justamente os mais onerosos. A defasagem remuneratória é um caminho sem volta, rumo à falência desse modelo assistencial.

Tratando pacientes do SUS desde que ele existe, e na expectativa de que o aprimoramento de gestão dos recursos seja o primeiro passo fundamental na direção da sobrevivência, deixo uma recomendação: comparem os custos, por paciente, dos hospitais públicos com os filantrópicos. Nunca é tarde demais quando há a intenção real de melhorar.

J.J. CAMARGO


22 DE AGOSTO DE 2020
DAVID COIMBRA

Um gênio vive entre nós

Meu amigo Andrea Ferrini planeja voltar para a Itália assim que puder tomar a bendita vacina contra a maldita covid. Ele é florentino, mas passou metade da vida nos Estados Unidos, onde o conheci.

Andrea era dono da Bottega Fiorentina, uma pequena cantina que servia comida toscana em Brookline. Eu, a Marcinha e o Bernardo almoçávamos lá pelo menos duas vezes por semana. Oh, que saudade daquela carbonara... E reparem que quem assim suspira e sonha é um homem que não é afeito a molhos brancos. Sim, senhor, sempre considerei o molho branco uma fraude.

A propósito de fraudes, deixe-me contar: esses dias, a Marcinha pediu ravióli para um restaurante aqui de Porto Alegre. Tudo bem, o ravióli estava bem feito, o molho estava supimpa, mas sabe qual era o recheio?

RICOTA!

Francamente. Não sou homem de comer ricota. Mas as mulheres gostam de ricota e gostam de molho branco, coisas que rejeito, a não ser nos pratos que o Andrea preparava com suas próprias mãos, em Brookline.

O Andrea era ortodoxo em relação à comida italiana. Na parede de seu restaurante havia pregado um cartaz intitulado "Meat Balls Manifesto". Tratava-se de uma eloquente peroração contra o espaguete com almôndegas, um dos pratos mais populares dos Estados Unidos. O Andrea alegava que aquilo era invenção americana. Eu contrapunha lembrando que era invenção de ITALIANOS que se mudaram para a América, mas não adiantava. O Andrea é homem de princípios rígidos.

Certa feita, ele me emprestou um livro que lhe era muito caro: as receitas da rainha Catarina de Médicis. Como o Andrea, Catarina era de Florença e, na juventude, saiu da cidade e do país. Mudou-se para a França, casou-se com o príncipe e tornou-se rainha.

Foi ela uma das maiores responsáveis pela sofisticação dos costumes franceses.

Foi ela quem ensinou os bárbaros gauleses a usar talheres à mesa.

Foi ela quem inventou... a calcinha! Yes!

Catarina apreciava cavalgadas, mas não suportava montar de ladinho, como faziam as mulheres na época. Então, para poder montar a cavalo sem que toda a corte vislumbrasse as partes pudendas reais, Catarina criou calçolas que foram as precursoras das minúsculas, rendadinhas, macias e insinuantes calcinhas do mundo moderno.

Catarina também requintou a culinária francesa, e suas receitas foram imortalizadas naquele livro que o Andrea adora. Uma vez, baseado no livro, ele chegou a dar uma palestra em Harvard sobre comida toscana.

Florença é, de fato, uma cidade admirável, o berço do Renascimento, sede de alguns dos maiores gênios da humanidade. Imagine que Michelangelo, Leonardo da Vinci e Maquiavel viveram em Florença ao mesmo tempo.

Se você olha para os três, Maquiavel parece o menos genial, mas ele conseguiu manipular os outros dois: contratou-os para pintar murais em paredes opostas do palácio do governo. Leonardo e Michelangelo, que se detestavam, ficavam praticamente de costas um para o outro, pintando cenas de batalhas vencidas pelos florentinos. Quem faria o melhor trabalho? A disputa excitou a população de Florença, que chamava a luta entre os dois titãs de "A batalha das batalhas".

Você deve estar se perguntando quem venceu. Foi empate. Ao cabo de um ou dois anos, ambos desistiram dos trabalhos. Leonardo disse que tinha de ir para Milão, Michelangelo arrumou desculpa para ir a Roma. Ou seja: amarelaram. Os gênios também tremem.

Pois bem. É essa designação que ora me interessa: gênio. Porque a palavra "gênio" está desgastada. O gênio é o homem de capacidade e obra extraordinárias, não é qualquer um. No caso, talvez Maquiavel não fosse gênio, mas Michelangelo e Leonardo, sem dúvida, eram. Quem mais? Há lugar, na minha lista, para outro artista plástico: Van Gogh. Entram também filósofos: Jesus, Buda, Heráclito, Sócrates, Kant e Freud. Músicos? Os germânicos Beethoven, Mozart e Bach e os britânicos Lennon e McCartney. Farei uma concessão ao Peninha e ao meu ex-vizinho Jim e incluirei Bob Dylan. Já na categoria "letras", para a fúria do Faraco, não incluo Shakespeare, incluo o russo Dostoievski e (agora a incandescente polêmica) os jornalistas americanos Edmund Wilson e Henry Louis Mencken.

E brasileiros? Que brasileiros poderiam ser considerados gênios?

Ah, por isso escrevo esta crônica, porque de brasileiros há apenas dois. Um você já adivinhou: Pelé, o gênio incomparável do futebol.

O outro é mais específico, mas é igualmente gênio. E está aqui, em Porto Alegre, pisando todos os dias nas mesmas calçadas que você pisa, comendo xis galinha no mesmo trailer em que você come: é Pedro Geromel, o gênio da zaga central. Nem Beckenbauer, nem Baresi, nem Figueroa, nem Aírton Pavilhão. O gênio da zaga central é Pedro Geromel. Por isso, alegre-se você, simples mortal: um gênio vive entre nós!

DAVID COIMBRA

22 DE AGOSTO DE 2020
ARTIGOS - Governador do Rio Grande do Sul

A melhor das alternativas

Propusemos com transparência à sociedade uma reforma tributária necessária e transformadora, capaz de promover mais justiça fiscal e resgatar a competitividade da economia gaúcha. Sabemos que imposto é um tema antipático e recebemos as primeiras críticas com serenidade.

Os textos dos três projetos estão agora na Assembleia para apreciação soberana dos parlamentares. A lei que prorrogou a vigência das alíquotas majoradas do ICMS até 31 de dezembro de 2020, aprovada no final de 2018, também previu que a nossa gestão teria dois anos para apresentar uma proposta de revisão geral das alíquotas, com o propósito de dinamizar a economia.

Está lá escrito, o trecho de 2018, esquecido por quem ataca a nossa intenção de reforma: "Antes de decorrido o prazo previsto no § 17, o Poder Executivo revisará a carga tributária de ICMS vigente, com o objetivo de propor a implementação de uma nova política de alíquotas do imposto". É o que estamos fazendo agora.

Com o fim da majoração, concretamente, o Rio Grande do Sul perde R$ 2,85 bilhões por ano de receita. Na prática, há três alternativas. A primeira, ruim: pedir a prorrogação das alíquotas. A segunda, é ainda pior: não fazer nada e abrir mão da receita que faltará à prestação de serviços. A terceira, que encaminhamos ao parlamento, nos parece a mais sensata: encarar o fim das alíquotas como uma oportunidade de reorganizar a nossa lógica de arrecadação.

Temos autoridade para propor a manutenção dos níveis de receita porque não tivemos medo de aprovar reformas para reduzir o custo da máquina pública e que deverão deixar, em 10 anos, um saldo positivo de R$ 18 bilhões nas contas do RS. Avançamos com a agenda de privatização e estamos simplificando e desburocratizando a gestão do Estado.

Manter os níveis de arrecadação é fundamental para preservar a prestação de serviços, incluindo um plano de reposição de servidores na área de segurança pública e a continuidade da regularidade dos pagamentos aos hospitais e municípios. Quem perderia com um cenário de redução abrupta de receita seria a própria população. Entendo que a proposta em discussão, mesmo complexa, vai além de manter os níveis de receita. Com ela, o Rio Grande do Sul, que já tem 21ª menor carga tributária do país, passaria a ter o sistema tributário mais moderno do Brasil.

EDUARDO LEITE


22 DE AGOSTO DE 2020
ARTIGOS - Jornalista e escritor

Tudo desaba?

O caso da menina de 10 anos que o tio engravidou é tão brutal e perverso, que exige ir além do horror para tentar entender a tragédia. Todos os crimes ali estão, desafiando a condição humana e transformando a vida num ato mecânico para subjugar a inocência infantil.

Nada é mais profundo do que o erotismo do amor. É a fusão de duas almas que passam a ser uma só, como se um único corpo corresse pelas entranhas numa troca recíproca. Nada, porém, é mais brutal do que fazer do erotismo uma perversão que mata a beleza e vira apenas odiento jogo de força contra o mais débil. O tio da menininha do Estado do Espírito Santo agiu assim ao longo de quatro anos, estraçalhando ainda mais a inocência infantil.

Todas as visões de amor e ética desabam neste caso e, até, nos seus desdobramentos, mostrando o ódio à nossa volta. A notória ativista de direita Sara Geromini (ou Sara Winter, de apelido) divulgou o nome da menina nas "redes sociais", como se a vítima - só por existir - fosse culpada pelo crime.

Mas não publicou o nome do criminoso, algo que, até, protegeria a sociedade. Julgando-se poderosa por ser partidária do presidente Bolsonaro, convocou baderneiros para protestar junto ao hospital que procedeu a interrupção da gravidez.

Estamos grávidos de ódio, sem espaço para o amor ou sequer para a compreensão? Ou o encanto de viver desaba como castelo de areia, numa sociedade que vira simples aglomerado de gente e perde a essência de tudo, passando a amar o ódio?

Em Alegrete, um pai precoce de 19 anos matou a pauladas o filhinho de um ano e 10 meses "porque não parava de chorar". Antes, em Três Passos, o menino Bernardo, foi morto pela madrasta.

O terrível nisso tudo é nos habituarmos à degradação, como se o horror fosse a imperdível telenovela da noite.

O crime mancha até atos de solidariedade. Na correta ajuda brasileira ao Líbano, o ex-presidente Michel Temer, chefe da missão oficial, teve de obter licença da Justiça para ausentar-se do país, onde está processado por corrupção?

Enquanto isto, o governo federal busca cortar as verbas destinadas à educação em 2021 e, paralelamente, aumentar o orçamento militar em 48,8%, como se estivéssemos em guerra. O jornal O Estado de S.Paulo revelou detalhes do novo orçamento sugerido por Bolsonaro. A verba para educação diminuirá em mais de R$ 1 bilhão, enquanto o Ministério da Defesa irá de R$ 73 bilhões para mais de R$ 108 bilhões.

A área da saúde terá R$ 4 bilhões a menos, como se a pandemia não fizesse desabar a vida em si. E se, aqui no RS, as crianças voltarem à sala de aula agora, em plena pandemia, tudo desabará ainda mais.

FLÁVIO TAVARES


22 DE AGOSTO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

Crime organizado e eleição

Um dos maiores desafios das próximas eleições municipais brasileiras será o de conter o avanço do poder do crime organizado, principalmente infiltrações do narcotráfico e das milícias na política. O alerta, que já teve referências anteriores de magistrados e de autoridades políticas, merece agora atenção especial, no momento em que as energias do país são drenadas para o combate a uma crise sanitária sem precedentes, agravada pelo tensionamento político que tem Brasília como epicentro.

O fenômeno da migração do crime organizado das sombras para a institucionalidade não é novo e nem exclusivo do Brasil, mas vem se acentuando entre nós há alguns anos. Agora, ameaça atingir um novo patamar, impulsionado por dois fatores fundamentais. Primeiro, pela proximidade das milícias com os agentes locais, em uma eleição municipal. Em segundo lugar, mas igualmente determinante, está a capacidade de financiamento das organizações criminosas, especialmente as ligadas ao tráfico e ao contrabando.

Com a proibição das doações de empresas às campanhas e o elogiável aperto da fiscalização e da punição ao caixa 2, os recursos antes disponíveis para os demais candidatos secaram, gerando uma vantagem a quem continua a se abastecer de verbas ilegais, mas obtidas de outras fontes.

Não é exagerado o temor de que o vácuo do Estado em determinadas regiões facilite a imposição de candidaturas pela força, seja a das armas, seja a do dinheiro sujo. Nesse contexto, é fundamental a coordenação entre os agentes públicos de todas as esferas.

Esse não é um problema apenas da Justiça Eleitoral, e sim uma grave ameaça de corrosão da democracia a partir da contaminação de suas já fragilizadas engrenagens. Por isso, é inadiável investigar e coibir a expansão da base política ligada ao crime, antes que ela chegue às prefeituras e às Câmaras de Vereadores e, assim, se torne protegida pela impunidade e fortalecida pela possibilidade de influência nas esferas da gestão pública.

Uma importante demonstração da relevância desse esforço foi a Operação Chicago, deflagrada pela Polícia Civil gaúcha no dia 13 de agosto para desarticular uma organização criminosa que teria lavado mais de R$ 17 milhões do tráfico de drogas. Foram cumpridas 151 ordens judiciais em nove municípios do Rio Grande do Sul. Entre os presos, um ex-candidato a deputado estadual, o que, de acordo com a própria polícia, demonstra que os bandidos tinham a intenção de atuar na esfera oficial do Estado.

Na verdade, nomes associados à contravenção deveriam ser barrados pelos próprios partidos, primeiros filtros desse processo. Mas nem sempre isso ocorre. Quando essa trava de segurança falha, por incompetência ou omissão, cabe ao cidadão pesquisar e conhecer profundamente o passado e as ligações dos candidatos que se apresentarão para concorrer a vereador e a prefeito. A consciência individual é a última fronteira entre o certo e o errado, especialmente quando o Estado é incapaz de se fazer presente e atuante em grandes regiões infectadas por organizações criminosas que, no fim das contas, buscam apenas poder e dinheiro a qualquer custo, uma conta que se traduz nos números da violência, da adição às drogas e da corrupção que ainda contamina a vida do país.

OPINIÃO DA RBS


22 DE AGOSTO DE 2020
A MAIS BELA

A história da Miss Brasil gaúcha

Em uma das edições mais marcantes e imprevisíveis dos últimos anos, a gaúcha Julia Gama, 27 anos, foi coroada Miss Brasil 2020. Em razão da pandemia, as etapas estaduais do concurso não ocorreram como é de costume. Na noite de quinta-feira, a organização do evento, comandada agora pelo empresário gaúcho Winston Ling, divulgou quem seria a eleita em uma cerimônia transmitida pelo YouTube. A nova Miss foi escolhida a partir da avaliação de fotos, vídeos e entrevistas por comissão técnica e jurados.

O nome de Julia já é conhecido dos fãs de concursos de beleza. No currículo, a gaúcha já ostentava o título de Miss Mundo Brasil 2014, e esteve entre as 10 candidatas finalistas daquele ano. Mesmo que seu reinado tenha tido fim, seguiu atuante em causas sociais como o trabalho em prol da conscientização sobre a hanseníase. Desde 2014, muita coisa se alterou na carreira de Julia. Mudou-se para a China, virou garota-propaganda de marcas asiáticas e realizou o sonho de atuar. Veja curiosidades sobre ela:

Fala quatro idiomas

Para uma Miss Brasil, se comunicar bem é uma das características fundamentais, como apontaram as misses gaúchas ouvidas pela Revista Donna antes do concurso. Segundo o portal Hugo Gloss, além do português, Julia é fluente em mandarim, espanhol e inglês.

Espírito competitivo

A paixão pelo esporte fez com que Julia desenvolvesse seu espírito competitivo e sua busca pela excelência, informa a biografia oficial da nova Miss Brasil. Na infância, chegou a participar de campeonatos infantojuvenis de patinação artística. Também praticou outros esportes, como vôlei, judô e boxe.

Autoestima nem sempre alta

Antes de participar de concursos de beleza, Julia nunca havia pensado que poderia ser referência na área. De acordo com sua biografia oficial, ela não usava salto e nem maquiagem. Também morria de vergonha de vestir biquíni.

Engenharia Química

Quando morava em Porto Alegre, Julia cursou três anos de Engenharia Química na UFRGS. Nessa época que começou a pensar em concursos de beleza.

conCursos

A autoimagem da guria ganhou um up quando, em setembro de 2010, incentivada por uma amiga de infância, Julia mandou sua ficha de inscrição para o concurso A Mais Bela Gaúcha. Em 2014, foi escolhida como a Miss Mundo Brasil daquele ano e representou o país no Miss World, o mais antigo concurso internacional de beleza do mundo. Na final, que foi realizada em Londres, a gaúcha ficou entre as top 10. Mas, com a carreira de modelo e atriz na China, não cogitava mais competir nos concursos de beleza. Até que o empresário Winston Ling, novo proprietário da franquia do Miss Brasil, convidou Julia. De acordo com a biografia oficial, a oportunidade de ser coroada coincidiu com um antigo desejo da gaúcha, de se posicionar artisticamente no país natal.

Causas sociais

Após ser coroada Miss Mundo Brasil 2014, Julia engajou-se como voluntária - e, depois, embaixadora - do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). Em vídeo recente publicado em seu perfil no Instagram, falou sobre sua atuação em prol do combate à doença. Ao lado, confira parte da entrevista feita com ela na sexta-feira pela Revista Donna.

Julia Gama Nova Miss Brasil


22 DE AGOSTO DE 2020
POLÊMICA NO RS

Projeto quer proibir corridas de cachorros

A construção de um centro de eventos para corridas de cães da raça galgo em Bagé pode levar à proibição da prática esportiva no Rio Grande do Sul. Projeto de lei protocolado na sexta-feira na Assembleia Legislativa pelo deputado Gabriel Souza (MDB) veda a realização de qualquer competição de velocidade envolvendo cães no Estado.

O texto transforma em infração ambiental, com pena de apreensão dos animais, fechamento do estabelecimento e pagamento de multa a quem promover as disputas. Souza teve a iniciativa após reportagem em ZH noticiar a intenção da prefeitura de Bagé de construir um centro de convívio com 150 metros quadrados para os criadores da raça no município.

O espaço será erguido no Parque do Gaúcho, com R$ 251 mil em recursos do Ministério do Turismo. No local, já há uma pista para corrida de galgos, usada aos finais de semana por uma associação de criadores locais.

Entidades de defesa dos animais denunciam que a prática resulta em maus-tratos e uso de anabolizantes nos cães. Há também apostas em dinheiro.

- O código ambiental do Estado declara como sencientes os animais domésticos de estimação. São capazes de sentir alegria, dor, tristeza, e também são sujeitos de direito. Mesmo que seja um instinto da raça a velocidade, as corridas e o uso de estimulantes para melhor desempenho podem provocar lesões. Na minha visão, já é crime promover corridas desse tipo. Trata-se de questão civilizatória: não podemos ficar explorando animais para oferecer diversão ao homem - justifica Gabriel.

Na quinta-feira, um dia antes de o projeto ser protocolado, o Instituto Sul-Americano de Estudos e Defesa Animal (Iseda) ingressou com representação no Ministério Público (MP) de Bagé. A entidade pede providências contra a construção do centro de eventos e sustenta que o investimento configura improbidade administrativa. O MP ainda não se manifestou.

A ordem de serviço para as obras foi assinada há uma semana pelo prefeito Divaldo Lara (PTB). O objetivo é construir salão de festas, cozinha, banheiros e churrasqueira. A pista foi construída na gestão do então prefeito Dudu Colombo (PT), chefe do Executivo de 2009 a 2016, e os recursos para a ampliação da estrutura foram obtidos via emenda parlamentar do deputado federal Dionilso Marcon (PT).

O parlamentar disse desconhecer que a emenda seria destinada para incrementar pista de corridas de cães, mas no próprio ofício em que comunicou a liberação dos recursos à prefeitura ele cita a associação de criadores de galgos. Conforme o prefeito Divaldo Lara, a emenda tem finalidade específica, o que proíbe o investimento em qualquer outra área de atuação do município. O centro de eventos, ressalta, não é área para os cães e, sim, para as pessoas, que ficará como patrimônio da população mesmo com a proibição das corridas.

- Acho boa a iniciativa do deputado. Bagé é um dos municípios que mais investe em proteção animal e se a Assembleia aprovar, vamos cumprir, finalizando um processo criado pelo governo do PT, que construiu a pista e autorizou o uso pela associação - diz Divaldo.

O anúncio da aplicação de dinheiro público no local gerou polêmica. Ativistas da defesa dos animais criaram petições online cobrando a suspensão da obra. Já os criadores se mobilizaram para retirar das redes sociais fotografias e convocações para corridas. Eles criaram grupos fechados para discutir o assunto em sigilo.

- Quem tem publicação de carreira, chamada, retirem com urgência do Facebook. Criem um grupo no WhatsApp onde vocês possam todos conversarem e expor chamadas (sic), mas não coloquem no Face. O bicho tá pegando - conclamou um deles em áudio enviado aos colegas.

Fronteira

Legalizadas em apenas oito países, as corridas de galgos foram proibidas na Argentina e no Uruguai. No Estado, são realizadas com regularidade em municípios fronteiriços, como Bagé, Santana do Livramento, Quaraí e Uruguaiana, atraindo competidores dos países vizinhos.

Segundo o Núcleo Bajeense de Proteção Animal, no último ano, cerca de 60 galgos teriam sido abandonados na cidade, grande parte com fraturas decorrentes de acidentes durante as corridas. A Associação Bajeense de Criadores de Galgos rechaça a possibilidade. A entidade admite as apostas em dinheiro nas corridas, mas diz que os animais são bem tratados, sem uso de anabolizantes. Os criadores também destacam ações beneficentes, como a doação de uma tonelada de ração à prefeitura.

Em Brasília, o tema repercutiu. O deputado federal Ricardo Izar (PP-SP) protocolou ofício, no Ministério do Turismo, pedindo o cancelamento do repasse.

Fique sabendo

Em geral, de três a cinco cães disputam cada prova, cuja extensão é de 200 metros em cancha reta. Os animais ficam dispostos lado a lado num partidor, presos pelos próprios donos. Dada a largada, os galgos saem em disparada atrás da bruxa, um simulacro de lebre confeccionado com um saco de milho colocado dentro de uma garrafa pet. Essa atividade já é proibida no Uruguai e Argentina, por exemplo, e legalizada em apenas oito países.

FÁBIO SCHAFFNER

22 DE AGOSTO DE 2020
CHAMOU ATENÇÃO

Um notebook para chamar de seu


Na escadaria da Casa do Estudante da UFRGS, o potiguar Pedro Ignacio Moraes Pinto, 25 anos, encara na capital gaúcha mais do que o frio que fez na manhã de sexta-feira, quando os termômetros marcavam 4°C.

- Quando cheguei, só tinha este casaco, e até com algumas roupas de inverno o pessoal me ajudou - diz ele.

Filho de mãe diarista e de pai pedreiro, não trouxe na mala um computador que o auxiliasse nos estudos. O item se tornou indispensável desde a última quarta-feira, quando o ensino remoto foi iniciado para os 27 mil matriculados da universidade federal.

Para manter o objetivo de se tornar o primeiro médico da família, Pedro contou com a ajuda de um projeto mantido por voluntários do Instituto de Informática da universidade, o Reconecta UFRGS, que conserta e destina notebooks para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

- O percurso do aluno sem um computador é muito diferente do que o dos colegas que têm. Já assisti a aulas com o notebook, está me dando um ânimo e, de alguma forma, me sinto na obrigação de estudar mais e retribuir esse trabalho voluntário, que beneficia pes- soas como eu - diz o jovem.

Voluntário no projeto, o estudante de Ciências da Computação Thales Duarte Flores Santos, 21 anos, se encarrega de dar suporte aos alunos que ganharam os computadores recondicionados.

- A vida real é muito maior que essa espécie de bolha em que vivemos. Os feedbacks são emocionados, alunos dizendo que, se não fosse por essa doação, não teriam como assistir às aulas, perderiam o semestre, ou até mesmo que estavam prestes a se formar e teriam que adiar a formatura.

TIAGO BOFF

22 DE AGOSTO DE 2020
RODRIGO CONSTANTINO

O que a esquerda defende?



Na última semana tivemos o lançamento oficial da candidatura de Joe Biden, com sua vice finalmente escolhida, a senadora Kamala Harris. Chamou a atenção o fato de que o establishment democrata convocou todas as suas estrelas, os ex-presidentes Clinton e Obama, até alguns "republicanos", e o denominador comum foi o mesmo de sempre: atacar Trump como a grande ameaça à democracia.

A esquerda americana parece não mais conseguir cativar por suas propostas, tendo de apelar ao "fascismo imaginário" para tentar angariar apoio. A estratégia não deve ser muito eficaz. Trump vai justamente jogar os holofotes sobre seus adversários, explorando o que os democratas defendem. E o que exatamente é isso?

Biden é tido como moderado, mas está um tanto senil e é o rei das gafes. Por isso mesmo, tem sido mantido no porão, afastado dos jornalistas. Em compensação, Kamala Harris vem sendo explorada pela cartada racial, mas o tiro pode sair pela culatra. A senadora é bastante radical, defende aborto tardio, já pregou o uso de decreto presidencial para banir venda de armas, o que é inconstitucional, prega socialismo na saúde e já endossou o Projeto 1619, que pinta o legado da América não como uma história de luta pela liberdade, mas um rastro de opressão das minorias pelo homem branco malvado.

Obama também resolveu subir o tom, o que é contrário ao estilo tradicional de ex-presidentes, e falou de democracia ameaçada, logo ele, que usou a Receita Federal para perseguir adversários e que precisa se explicar sobre o tal "Obamagate". Já Clinton deve explicações sobre seu relacionamento com o pedófilo Jeffrey Epstein, já que uma de suas vítimas aparece em imagens que circularam o país fazendo massagem justamente no ex-presidente mulherengo, com péssimos antecedentes.

Em suma, a esquerda democrata está cada vez mais radical e perdida, com pautas que não seduzem o povo, e por isso precisa concentrar seus esforços nos ataques a Trump, tratado como Hitler reencarnado. Mas o eleitor percebe o absurdo da coisa, e isso pode se voltar contra os democratas. Soa familiar ao caso brasileiro?

RODRIGO CONSTANTINO

sábado, 15 de agosto de 2020



15 DE AGOSTO DE 2020
LYA LUFT

Rir e chorar

Seguidamente me perguntam em entrevistas online ou por telefone o que acho da pandemia e da quarentena. Se estou otimista quanto a uma pós-pandemia. Não consigo dar respostas boazinhas ou consoladoras.

Acho tudo horrível, preocupante, desumano e ameaçador. Quarentena para uma velha dama que já pouco saía de casa não é, pessoalmente, um drama, só a falta de conviver com família e amigos me pesa.

Mas me aflijo por mim, por nós aqui. Somos pensamento e tristeza e dor pela imensa dor do mundo. Pelas confusões, algumas inacreditáveis, na mistura de saúde e política, de boa vontade e incompetência, de poder e irresponsabilidade.

Pressões muito compreensíveis, mas perniciosas, levam a um abre e fecha meio desvairado, criando mais casos, doentes e mortos, perplexidade e aflição.

Parece que ninguém sabe direito o que fazer. O menor sinal da ciência de que haverá uma possível vacina justifica mais saída, relaxamento, otimismo fatal. Os céticos são acusados de sombrios e amargurados, criticados como se estivessem atrasando a cura. "Queremos nossas vidas de volta!" Eu também. Mas receio que aquela vida não retorne, e aquele mundo também não.

Teremos de reinventar, reconstruir, redescobrir e, finalmente, administrar algo diferente e talvez não muito bom: pobreza, suspeitas, xenofobias, revolta. Desculpem, a vida não é justa.

Para terminar com um sorriso ao menos, falo em Melanie e Penelope, pequenas spitz que estão comigo o dia todo: de noite, depois do jantar, Vicente e eu ainda ficamos um tempo conversando. Quando se aproxima minha hora habitual de ir para o quarto ver minhas séries policiais enquanto Vicente fica um pouco mais vendo notícias ou esporte, as duas "meninas" já estão sentadas junto da minha poltrona, aguardando irem para suas caminhas.

Outro dia comentei em inglês com meu marido que ia pregar uma peça nas duas, dizendo para ele em inglês que estava indo dormir, hora em que elas sempre saem em louca disparada para o quarto.

Sem menção de me levantar, apenas disse, em inglês, "darling, now I?m going to bed". Imediatamente, Melanie e Penelope saíram em disparada até o quarto. Fiquei sem palavras.

E já avisei: se qualquer hora me responderem "yes, mom" quando eu lhes disser alguma coisa, monto na minha vassoura e saio voando pela janela.

LYA LUFT

O sonho de um Brasil adulto

Quando condeno a infantilidade da maioria de nós, não estou me referindo a quem faz piadas e brincadeiras: sem bom humor, não há quem aguente o rojão. Condeno é a falta de coragem.

Não criamos nossos filhos para serem adultos, e sim para serem "felizes", uma felicidade associada a roupas, status, mordomia - jamais associada à educação, aos livros e à consciência. Dificilmente alguém se declara realizado por ter adquirido cultura e conhecimento, mas se conseguiu comprar tudo o que sonhou, uau. Damos mais valor a quem nos faz ganhar dinheiro do que a professores e artistas.

O Brasil tem duas riquezas invejáveis: a natureza, pra começar. São 8 mil quilômetros de orla marítima, a maior floresta do mundo, cânions, santuários, campos e montanhas que são mais do que cartões-postais: essa biodiversidade é que nos mantém respirando e fornece nosso alimento. Sua preservação deveria ser uma causa de todos. Isso é papo de comunista?

A segunda maior riqueza: nossa arte (certeza: papo de comunista). Somos um povo abençoado pelo talento, pela criatividade, pelo dom da palavra, da dança, de tudo o que expressa nossa afetividade, nossos ideais e orgulho pelas próprias raízes (axé, Caetano, que manteve quase 4 milhões de brasileiros ligados em sua live musical). Me diga: desde quando arte é supérfluo? Existir em plenitude é também matéria-prima da nossa sobrevivência. Cada artista dá voz, corpo e alma a uma sociedade que precisa se manter arejada para renovar as ideias e as conexões mentais, nutrir-se, expandir-se. Sem isso, resta o confinamento na bolha e a atrofia espiritual.

Mas crianças gostam de mudança? Têm pavor, por isso se grudam na barra da saia dos militares, dos pastores e dos caretas para evitarem os sustos que os tornariam adultos de verdade. Pois é assustador, sem dúvida, descobrir que somos diferentes uns dos outros, que precisamos de filosofia e poesia mais do que de novelas, que sem educação e leitura seremos sempre simplórios e manipuláveis, que conhecer e respeitar todas as religiões é mais importante do que se apegar a uma só, feito um escudo. É muito assustador abandonar a infância.

Adultos também têm medo, como qualquer ser humano, mas não se deixam dominar por ele - ou não seriam adultos. Apoiam os que têm propostas coletivas e abrangentes, escutam os outros sem se deixar levar pelo moralismo, reconhecem que fazem parte de algo maior que seu umbigo. Um adulto olha para os lados e enxerga o todo.

Uma criança, ao contrário, quer ser única e mimada. Coleciona soldadinhos de chumbo e cultua super-heróis. Quem tem coragem de crescer, põe os pés no chão, busca sua independência e assume sua responsabilidade social. Já uma criança se interessa apenas em preservar seus brinquedos, e só votará naquele que prometer aumentar sua mesada.

MARTHA MEDEIROS


15 DE AGOSTO DE 2020
CLAUDIA TAJES

Escola viva ao vivo

Na semana passada participei de um encontro com os alunos do Colégio Estadual Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior, que fica em Porto Alegre, no bairro Partenon. Não sou muito de encontros virtuais. Com tão pouco a dizer nesses dias de reclusão, e um tanto monotemática se tenho espaço - desgoverno e pandemia como assuntos principais -, não me sinto interessante a ponto de merecer uma plateia. Fujo das lives com a eficiência de um Weintraub escapulindo do país. Mas quando o convite é de uma escola, a coisa é diferente.

O professor Vinícius Dill Soares propôs uma conversa com duas turmas de terceiro ano, mais as professoras de Português e Literatura e a diretora da Caldas Júnior. Palavras dele: "Desde o início da quarentena, estamos nos reinventando e descobrindo, quase que às cegas, os melhores caminhos para dar conta das aulas remotas. Temos mil alunos, do primeiro ano do Fundamental ao Ensino Médio, e um público bem heterogêneo. Já distribuímos cestas básicas para as famílias carentes duas vezes, fazemos plantão na escola para atender quem não tem acesso à internet, nos comunicamos com a comunidade pela nossa página no Facebook, até live da equipe diretiva chegamos a fazer por lá, e estamos em contato direto com o nosso grupo de professores".

Pensei que a gente não teria muito quórum. Manhã de sexta-feira da quarentena, no fim das contas, é quase final de semana. Tem muito marmanjo que grita "sextou!" na quinta à tarde. Pois a turma estava lá, acordada e animada. O papo só durou uma hora porque eu, no melhor estilo assalariada que não pode perder o trabalho de jeito nenhum, precisei sair para cumprir as entregas do dia.

O que achei mais comovente foi ver as carinhas todas na mesma tela, alunas, alunos, professoras, profe Vini, diretora. A pandemia, se não acabou com a hieraquia, criou outro tipo de relação entre quem ensina e quem aprende. Até o mais sabichão virou aprendiz, nesses nossos dias. E, se achar que não, vai ficar para trás quando tudo isso terminar.

Na esperança de que um dia tudo isso termine.

Muito mais que fazer perguntas sobre o livro que haviam lido, e que nem todos tinham curtido, as gurias e guris da Caldas Júnior conversaram sobre a vida. A exemplo de tantos colégios públicos que enfrentam a falta de verbas e de materiais, isso para não falar dos professores com salários defasados e parcelados, uma rotina escolar segue firme e forte por lá. Com a palavra, o professor Vini: "Nossa escola sempre foi reconhecida como uma das melhores escolas públicas da Zona Leste e, meio que na teimosia, a gente tenta manter esse reconhecimento, apesar de tudo. Apesar de tudo, os professores são dedicados, colaborativos e abertos a todas essas mudanças. Muito antes do governo sugerir a realização de aulas síncronas (com interação em tempo real), já vínhamos realizando para tentar manter o vínculo com os estudantes, que sempre foi tão importante e fez tanta diferença aqui".

A Aline Reginato, diretora, disse que eles não desistem, e não vão desistir. Acho que é um bom resumo de tudo o que os professores têm feito pela educação - aí incluídos os que lecionam em colégios particulares, e que estão enfrentando tantas dificuldades quanto os colegas do Estado e do município.

A todos que forem convidados para conversar com estudantes em tempos de isolamento, uma dica: aceitem. Escritores, jornalistas, pessoal do cinema, das artes, das ciências, da política, da medicina, da arquitetura, da advocacia, da engenharia, da gastronomia, da publicidade, de humanidades e de números: aceitem. Alunas e alunos, com certeza, aproveitam a experiência. Mas quem sai da sessão com mais fé e energia, podem acreditar: é a gente.

CLAUDIA TAJES