sábado, 21 de janeiro de 2023


21 DE JANEIRO DE 2023
INFRAESTRUTURA

32 mil metros de progresso

47 municípios do RS sofrem com falta de acesso asfáltico. Governo estadual promete concluir ao menos 80% dos trechos até 2026

Itacurubi é uma cidade em obras. Com R$ 19 milhões em investimentos públicos, o município de 3.456 habitantes do Noroeste aos poucos vai se modernizando. A avenida principal foi asfaltada, as ruas secundárias estão ganhando calçamento, há casas populares sendo construídas e a unidade básica de saúde está em reformas.

Tantas melhorias não seriam possíveis se, há 10 anos, a cidade não recebesse o tão esperado acesso asfáltico. Na época, foram pavimentados 98% dos 32,3 quilômetros que separam Itacurubi do entroncamento com a RS-168. Uma disputa judicial em torno da desapropriação de um imóvel sobre o leito da estrada impediu o asfaltamento de um trecho de 600 metros, o que só veio a ocorrer em abril de 2021.

Brizola

Em perfeito estado de conservação, mas desprovida de acostamento, a cobertura de asfalto sobre a RS-541 encurtou tempos de deslocamento, barateou o custo de fretes, seduziu investidores e atraiu turistas para o lugar onde Leonel Brizola se casou, João Goulart criava gado e o líder federalista Gumercindo Saraiva foi sepultado. A distância de 512 quilômetros até Porto Alegre ainda assusta, mas agora há empresas novas e otimismo.

- A estrada está feita, e o desenvolvimento começa a chegar. Para mim, as três melhores coisas da vida são chuveiro quente, ar condicionado e asfalto - diverte- se a chefe do escritório local da Emater, Ana Cláudia Rocha.

Conforme a servidora, o impacto se deu sobretudo na produção primária, diretamente beneficiada. Nos últimos cinco anos, o cultivo de soja dobrou, passando de 14 mil hectares em 2017 para 27,4 mil em 2023. As terras se valorizaram, com o valor unitário do hectare saltando de R$ 20 mil para R$ 50 mil. Tanta pujança se refletiu na economia. O orçamento do município, de R$ 18 milhões em 2019, está em R$ 32,9 milhões este ano.

- Itacurubi estava esquecida. No momento em que o asfalto foi feito, criou confiança, carinho, prosperidade. Economicamente, nos deu evolução muito grande. Nos levou a ser o sétimo município que mais cresce em arrecadação de ICMS no Estado - afirma o prefeito Gelso Soares (PDT), citando aumento de 18,26% nos repasses em relação ao ano passado.

Ex-vereador e produtor de soja, Carlos Ribeiro, o Manduca, lembra das agruras na época em que a cidade não tinha acesso asfáltico. Segundo Manduca, cada caminhão demorava um dia para levar uma carga até a cidade vizinha de Unistalda, um percurso de 39 quilômetros de chão batido. Hoje, esse tempo é de uma hora e meia.

- Quando não tinha asfalto, o cara de fora só vinha a Itacurubi por necessidade - diz Manduca.

Para o comerciante e servidor dos Correios Márcio Silva de Souza, a falta de asfalto resultou em tragédia. Em 2020, o sócio e irmão Délcio Souza foi buscar uma ferramenta numa propriedade a cinco quilômetros da cidade. Na volta, se acidentou após percorrer desvio de chão batido no trecho em que a desapropriação atrasou a pavimentação de 600 metros da RS-541.

Ao retornar ao asfalto, Délcio teve o carro colhido por caminhoneiro que não conhecia o desvio e cruzou reto. Socorrido, faleceu a caminho do hospital. Dono do principal restaurante do município, tinha 33 anos, era casado e pai de um menino de um ano.

- Cada vez que cruzo ali, penso que, se a obra estivesse pronta, não tinha acontecido - lamenta Márcio.

Técnico de enfermagem há 18 anos em posto de saúde de Itacurubi, Paulo dos Santos ajudou no socorro de Délcio. E lembra que deslocamentos até o hospital de Santiago, a 60 quilômetros, teve o tempo reduzido de 1h20min para meia hora. Antes, muitas vezes ele teve de parar a viagem para trocar o pneu da ambulância:

- Tinha de ser muito rápido, mas sem descuidar do paciente. Era um olho nele e outro no pneu.

Há um quarto de século, os moradores de 47 municípios do Rio Grande do Sul comem poeira e atolam os pés no barro enquanto aguardam o cumprimento de promessas governamentais. Sem acesso asfáltico, esse contingente formado por 145 mil gaúchos paga mais caro pelo que consome e vende mais barato o que produz, numa contabilidade perversa que atrasa o desenvolvimento social e econômico.

A espera remonta ao final do governo Antonio Britto (1995-1998), quando todos os acessos sem pavimento do Estado foram licitados. Vários municípios chegaram a assistir o começo das obras, porém a escassez de recursos e as sucessivas mudanças de prioridades nas demais gestões legou uma profusão de estradas esburacadas, projetos defasados e imbróglios jurídicos com empreiteiras que faliram, deixaram o RS ou perderam o interesse nos contratos.

Reempossado em 11 de janeiro após ocupar o cargo durante quase todo o primeiro mandato de Eduardo Leite, o secretário estadual de Transportes e Logística, Juvir Costella, assegura que, até o final da atual gestão, todos os trechos sem pavimentação estarão prontos ou em fase de conclusão. São 703 quilômetros de chão batido, cuja cobertura asfáltica custaria, numa projeção preliminar, R$ 1,8 bilhão. O montante equivale quase ao dobro do que investiram, somados, os três últimos governadores (Tarso Genro, José Ivo Sartori e Eduardo Leite).

- Eu acredito e é meta chegarmos ao final de 2026 com, no mínimo, 80% desses acessos concluídos. Os outros 20%, se não estiverem totalmente concluídos, têm de estar em obras - diz Costella (leia entrevista na terceira página desta reportagem).

Os 47 acessos foram divididos em três blocos pela Secretaria de Transportes, conforme o estágio de cada empreendimento.

Neles, há desde um trecho de menos de um quilômetro, em São José do Inhacorá, até os quase 60 mil metros que separam Garruchos da BR-285. Atualmente, há 17 acessos em obras, totalizando 228 quilômetros.

Há ainda outros 12 municípios em que o governo pretende destravar a pavimentação em breve. Destes, sete estão sendo licitados novamente e outros cinco estão com os projetos em fase final de ajuste.

Permuta

O desafio maior está no terceiro lote, composto por metade do espólio de estradas de terra. São 353 quilômetros divididos entre 18 cidades. Nesse bloco, está Garruchos, cujo custo é estimado em R$ 130 milhões.

Para levar a cabo o asfaltamento, o governo aposta num entendimento jurídico adotado pela Procuradoria-Geral do Estado desde 2021 e que permite o repasse do contrato a outra empresa, sem necessidade de nova licitação. A iniciativa deve ser adotada em sete dos 18 municípios do bloco.

Em Garruchos, o Piratini pretende adotar modelo de negociação pelo qual o Estado permuta patrimônio público por novos empreendimentos.

Já há conversas com o grupo empresarial Carpenedo, de Santa Rosa, interessado em assumir obra para receber em troca áreas públicas do Estado na região.

- Este tipo de permuta já está consolidado no Estado. É importante porque agiliza o processo. O acesso é uma obra de cunho social. Não tem como o município se desenvolver sem asfalto - afirma o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino.

 FÁBIO SCHAFFNER


21 DE JANEIRO DE 2023
INFRAESTRUTURA

"Até 2026, 100% dos acessos terão de estar concluídos ou em fase de conclusão"

De volta à Secretaria dos Transportes no segundo mandato do governador Eduardo Leite, Juvir Costella tem metas ambiciosas para a nova gestão. Após concluir 15 acessos asfálticos nos primeiros quatro anos à frente do cargo, agora promete triplicar as entregas. O objetivo é retirar definitivamente as estradas de chão batido do cotidiano de quem chega ou sai de 47 municípios. Para tanto, Costella precisará de R$ 1,8 bilhão, quantia seis vezes superior à que dispôs de 2019 a 2022, período em que investiu R$ 329 milhões nos acessos. Por enquanto, o secretário tem R$ 230 milhões em caixa. Para acelerar as obras, ele negocia com o governador alcançar a cifra de R$ 1 bilhão em 2023.

O senhor tem falado em concluir até 2026 os 47 acessos asfálticos que ainda restam no Estado. É possível cumprir essa promessa?

Eu acredito e é meta, um desafio, chegarmos ao final de 2026 com, no mínimo, 80% desses acessos concluídos, entregues à sociedade gaúcha. E os outros 20%, se não estiverem totalmente concluídos, têm de estar em obras. Ou seja, 100% dos acessos terão de estar concluídos ou em fase de conclusão. Nós fizemos 15 acessos no primeiro mandato. Estamos com 17 em obras e outros 12 para iniciarmos. A previsão é de todos eles estarem em obras já em 2023. É uma vergonha, em pleno século 21, o cara não ter o direito a ter uma estrada com segurança.

Quanto o senhor terá em caixa este ano para tocar essas obras?

No total, são R$ 530 milhões, mas só em obras de acesso é um pouco mais de R$ 230 milhões. Esse dinheiro está no caixa. Não é empréstimo. É investimento. Há um planejamento para termos mais recursos.

Para concluir os 703 quilômetros de acessos, é necessário R$ 1,8 bilhão. Com R$ 230 milhões em 2023, ainda faltariam R$ 1,6 bilhão para os próximos três anos. O senhor terá esses recursos?

A ideia é que aumente os recursos este ano. Mas não adianta eu pegar hoje R$ 1,6 bilhão e botar na conta das empresas. Elas não terão capacidade de executar. A gente precisa fazer uma grade de escalonamento para chegar em 2026 com os acessos concluídos. Além disso, tem 18 acessos sendo atualizados, cujo projeto quantitativo vai dizer quanto vai custar cada um.

É mais difícil ter os recursos ou fazer as obras andarem?

Os dois. Para ter os recursos, não dependemos apenas do Estado, há questões nacionais também. Temos uma expectativa positiva, houve a venda da Corsan, mas estamos enfrentando uma seca. Agora, se a obra começou, tem de terminar. É preciso previsibilidade. Hoje, as empresas percebem que o Estado tem o dinheiro e o que falta, se é que falta, é o compromisso de executar e terminar a obra. O que não aceitamos é a empresa entrar na sala do secretário e dizer que não está conseguindo terminar.

Em Garruchos, onde há o maior trecho sem asfalto do Estado, é possível concluir a pavimentação nos quatro anos do mandato?

Eu disse para o prefeito: não sei se vamos fazer cinco, 10, 20 ou 30 quilômetros por ano. Mas uma coisa é certa, se a gente fizer 30 ou 40, o acesso não será mais de 60 quilômetros. Vão faltar 20. Vamos encurtando distância. Garruchos vai começar. Se houver a cessão do contrato para outra empresa, me encurta o prazo em seis meses e pode começar em 2023. Em 2024, com certeza estará em obras.

 FÁBIO SCHAFFNER


21 DE JANEIRO DE 2023
ROMBO CONTÁBIL

Americanas garante que vai pagar seus lojistas virtuais

Após início da recuperação judicial, varejista tenta tranquilizar parceiros. Na sexta-feira, bancos começaram a desbloquear recursos

A Americanas emitiu comunicados aos seus lojistas virtuais para explicar a situação que levou a companhia a pedir recuperação judicial na tarde de quinta-feira. No informe, assegura a esses comerciantes que eles serão pagos. "O mais importante é esclarecer que os vendedores da plataforma são considerados nossos clientes e, por isso, continuam recebendo os repasses dos valores recebidos pela Americanas em nome dos parceiros dentro dos prazos de pagamentos estabelecidos", informou a companhia.

O comunicado foi feito em meio a questionamentos dos vendedores da plataforma a respeito de como ficariam seus pagamentos na atual situação da companhia. Após a revelação, na semana passada, de rombo contábil de R$ 20 bilhões no cálculo das dívidas, a varejista teve seu caixa reduzido de quase R$ 8 bilhões para R$ 250 milhões, por força de bloqueios de bancos e da redução de notas de crédito, que interrompeu a antecipação de recebíveis de cartão. Tentando preservar o que sobrou, a companhia entrou com pedido de recuperação na Justiça do Rio de Janeiro no início da tarde de quinta e teve a solicitação acolhida horas depois.

A Justiça também determinou aos bancos o desbloqueio dos recursos da varejista e, no meio da tarde desta sexta-feira, o caixa da Americanas contava com cerca de R$ 600 milhões. Até então, o Bradesco havia liberado R$ 474 milhões bloqueados e o Itaú, R$ 50 milhões. Outros valores foram desbloqueados pelo Banco Votorantim.

A decisão judicial não atinge o banco BTG, que tem R$ 1,2 bilhão da Americanas bloqueado. No pedido de recuperação, a empresa confirma ter dívida de R$ 43 bilhões com 16,3 mil credores.

Explicações

Em outro comunicado, a empresa explica que tentou negociar com seus credores para encontrar solução rápida, sem sucesso. "Esgotadas as negociações, nos vimos obrigados a nos proteger e a proteger toda a nossa cadeia com este pedido na Justiça", afirma a companhia aos lojistas virtuais

"É importante lembrar que a recuperação é apenas um recurso judicial utilizado para proteger o nosso caixa de novas possíveis retenções e uma saída para mantermos negociação saudável com nossos credores e continuarmos em operação em nossas lojas, sites e app", diz ainda a varejista, que tem 44 mil funcionários.

Rebaixamento

Na esteira da crise, a Fitch Ratings, uma das três principais agências de classificação de risco de crédito, rebaixou a avaliação de inadimplência de emissor de longo prazo em moeda estrangeira e moeda local da Americanas ao menor patamar. Na bolsa, em forte queda as ações da Americanas foram excluídas do Ibovespa e de outros 13 índices.



21 DE JANEIRO DE 2023
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA Mobilização no Gauchão

A partir deste sábado, os veículos da RBS darão início a mais uma ampla cobertura do tradicional Campeonato Gaúcho de Futebol. E com ingredientes que deixam o torneio ainda mais atraente. A começar pela Dupla Gre-Nal. O Inter já anunciou que a disputa do estadual está entre as prioridades de 2023. O Grêmio porque terá Luis Suárez, a sua grande contratação dos últimos anos, em campo. As partidas, histórias, análises e repercussões poderão ser acompanhadas na Capital e no Interior por RBS TV, Rádio Gaúcha, GZH, Zero Hora, Diário Gaúcho e Pioneiro.

Todos os jogos da Dupla Gre-Nal serão transmitidos pela rádio e pela Jornada Digital em GZH. As partidas aos sábados, às 16h30min, poderão ser acompanhadas na RBS TV, assim como em outras datas. A novidade deste ano, porém, é que será possível ver os jogos dos times do Interior pelo site e pelo aplicativo de GZH. O gerente-executivo de Esportes do Grupo RBS, Tiago Cirqueira, nos conta a importância de se fazer esse investimento:

- Levar o Gauchão ao torcedor independentemente de onde e quando ele tenha a necessidade de entrar em contato com o produto. Buscar o fortalecimento do ecossistema do futebol ao dar visibilidade para clubes e comunidades locais. E aproximar os gaúchos e as gaúchas de histórias e personagens que valorizem a essência de um Estado apaixonado pelo esporte. O Gauchão é a oportunidade efetiva de desenvolver esse processo ao engrandecer o valor da identidade local e criar oportunidades de negócios. E o Esporte da RBS terá o orgulho e a responsabilidade de criar experiências diferenciadas para o público.

Nesta edição, a equipe de Esportes preparou um guia completo do campeonato. Há também entrevistas exclusivas com o técnico do Inter, Mano Menezes, e com o vice-presidente de futebol do Grêmio, Paulo Caleffi.

DIONE KUHN

sábado, 14 de janeiro de 2023


DIVERSIDADE DE ESTILOS EM MOSTRA DE DANÇA

A Mostra de Dança Verão 2023 chega a seus últimos dias de atividades. Ao longo das noites de sábado e domingo, a partir das 20h, cerca de 50 coreografias serão levadas ao público, apresentando a riqueza e a diversidade dos grupos que formam a cena da cidade.

Para além de simples movimentos, a dança é uma linguagem que transmite, através do corpo, mensagens que estão conectadas com as bagagens trazidas pelos bailarinos e suas companhias. Por isso, indo do funk ao balé, os diferentes ritmos que irão passar pelo Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307) representarão as múltiplas expressões presentes nas cerca de 190 iniciativas de Porto Alegre.

- Ao mesmo tempo em que ela (a mostra) privilegia tradicionais grupos e escolas, abre espaço para artistas, grupos e criadores que estão começando a se inserir no cenário da dança. É um evento muito democrático, que sempre promoveu um encontro das várias expressões - comentou Airton Tomazzoni, diretor do Centro Municipal de Dança da cidade, em entrevista recente para GZH.

Neste final de semana, irão subir ao palco grupos como Renascer da Restinga, Coletivo Semente, Escola Filhas de Rá e a Turma Jazz Funk. Os ingressos para acompanhar os espetáculos custam R$ 20, disponíveis no local uma hora antes das apresentações.

A exposição Trama: Arte Têxtil no Rio Grande do Sul, em cartaz na Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000), inspirou a criação de uma oficina destinada ao público infantil. No sábado, das 15h às 17h, o local promoverá uma formação que apresenta a história da arte têxtil para as crianças. Após uma visita guiada à mostra, os participantes irão produzir uma experimentação em tapeçaria e cestaria. A oficina é destinada a crianças de sete a 10 anos. Gratuitas, as inscrições devem ser realizadas no link gzh.rs/oficina.

O Pop Summer Festival será um dos destaques da programação de verão do Estado. Neste final de semana, o evento leva para o Maori Beach Club (RS-389, KM 29), em Xangri-lá, dois grandes nomes das paradas musicais da atualidade. No palco, Pedro Sampaio (foto) se junta a Kvsh para um show que irá agitar a noite de sábado. A apresentação começa às 22h e tem ingressos à venda a partir de R$ 100 (arena), em uhuu.com.

Já no próximo final de semana, no mesmo horário, o Grupo Menos é Mais conduzirá o show de pagode em uma noite que terá ainda a presença de Dennis DJ, destaque do pop nacional.

Rio Grande também contará com uma programação especial neste verão, com shows diversos e que mesclam talentos locais e nacionais. Ao longo deste final de semana, cinco grupos irão marcar presença no Campo do Praião (Av. Rio Grande, s/n°). O destaque fica para domingo, quando a Nenhum de Nós (foto) se apresenta como atração principal do dia. A partir das 22h, a banda gaúcha leva seu rock para o local, apresentando sucessos que marcaram seus mais de 30 anos de trajetória. 

No repertório, estarão presentes músicas como O Astronauta de Mármore, Paz e Amor e Você Vai Lembrar de Mim. Com sua programação gratuita, o Música de Verão 2023 é promovido pelo Sesc Rio Grande. Dona Doroteia, Banda Dublê, Doug Duo e Go On também passarão pelo evento. Para conferir a agenda completa, acesse gzh.rs/verao_2023. 


14 DE JANEIRO DE 2023
FÍNDI DO CLUBE DO ASSINANTE

Sbornianos comandam o verão no Theatro São Pedro

Um verão sborniano: é o que promete o Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), que recebe até o final de janeiro sessões do espetáculo musical cômico A Sbornia Kontr`Atracka nas noites de sexta-feira e sábado, a partir das 21h, e aos domingos um pouco mais cedo, a partir das 18h.

Continuação da saga sborniana, que teve início com o consagrado espetáculo Tangos e Tragédias, criado em 1984 por Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, o contra-ataque traz Kraunus (Gomez) ao lado de Nabiha (Simone Rasslan), uma grande pianista sborniana formada pela Libertok Universitik de Musik da Sbornia.

Juntos eles apresentam as canções e os causos sbornianos ao longo da noite, além de receberem convidados especiais como o Professor Ubaldo Kanflutz (Cláudio Levitan), reitor das Universidades de Ciências Fictícias da Sbornia; MenThales (Tales Melati), o tocador de gaita-foles e hipnotizador das montanhas da Kashkadúnia, e Pierrot Lunaire (Gabriella Castro), a grande sapateadora do Ballet Hiperbølico da Sbornia.

Também os acompanham no palco o Lest Sborniani Korhal, formado pelo Coral Jovem da Orquestra Villa-Lobos, projeto artístico social da Escola Municipal de Ensino Fundamental Heitor Villa Lobos, na periferia da zona leste de Porto Alegre.

Ingressos

Os ingressos para o espetáculo A Sbornia Kontr`Atracka saem de R$ 50 (galeria) até R$ 140 (plateia), com 50% de desconto para sócios do Clube do Assinante. Para compras online, basta acessar o site theatrosaopedro.eleventickets.com. A bilheteria presencial do teatro, no entanto, abre apenas duas horas antes de cada sessão.


A OBRA

Não é novidade o fascínio que a escritora italiana Elena Ferrante desperta em uma legião de leitores pelo mundo com sua ficção que apresenta um senso rigoroso de tempo e espaço, sem lugar para nostalgia ou sentimentalismo. Autora de obras como a Tetralogia Napolitana, publicada no Brasil pela Intrínseca, ela já vendeu milhares de exemplares no planeta.

Tampouco é recente a notícia de que Elena Ferrante não passa de um pseudônimo de alguém misterioso que prefere o anonimato. Diversas especulações já foram levantadas para revelar sua verdadeira identidade, mas nada foi definido. Contudo, ao preferir que a obra supere a persona, ela dá o devido valor à sua escrita, o que torna cada novo lançamento um fato extraordinário.

É o que acontece com a chegada de As Margens e o Ditado, livro que certamente vai testar a fidelidade de seus leitores ao apostar na não ficção - trata-se da reunião de quatro ensaios em que Elena fala sobre a própria jornada como leitora e escritora e oferece um raro olhar sobre as origens de seus caminhos literários. O livro, que tem novamente a chancela da Intrínseca, acabou de chegar às livrarias.

São três palestras e um ensaio. As primeiras têm uma origem pré-pandemia, quando Ferrante foi convidada a escrever três textos que seriam lidos ao público em Bolonha, Itália. A proposta era desafiadora, pois ela poderia tratar de qualquer assunto que pudesse interessar a uma ampla audiência e as matérias deveriam ser escritas para serem transmitidas oralmente. A covid-19, porém, modificou drasticamente a rotina do planeta, obrigando as pessoas a ficar em casa. Com isso, o evento foi logicamente cancelado.

Ferrante, no entanto, já havia escrito os textos, que foram proferidos tardiamente, no fim de 2021, e com a atriz Manuela Mandracchia interpretando o pseudônimo da autora - lembre-se que não se sabe nada sobre ela, nem mesmo se realmente é uma mulher. É por isso que o ensaio, composto para o encerramento da Conferência sobre Dante, também foi lido por outra pessoa, a estudiosa e crítica Tiziana de Rogatis. Ambas apresentações podem ser apreciadas em vídeos na internet.

As Margens e o Ditado é uma pequena joia. De uma forma clara, Ferrante revela suas principais influências, as lutas da juventude e a formação intelectual. Ponto de partida para atingir o ápice desse livro: sua reflexão sobre como a tradição literária excluiu sistematicamente a voz das mulheres ao longo dos séculos.

"Eu lia muito, e tudo o que me agradava quase nunca era escrito por mulheres. Das páginas, parecia sair uma voz masculina, e aquela voz me ocupava, eu tentava imitá-la de todas as maneiras", conta, na palestra A Caneta e a Pena. A partir daí, Ferrante se recorda da poderosa influência que recebeu de outras autoras (como Virginia Woolf, Emily Dickinson e Gertrude Stein) para propor uma fusão do talento feminino.

Como bem observou Molly Young, no jornal The New York Times, Ferrante concebe o escritor, com um aceno para Virginia Woolf, como uma "pluralidade hipersensível toda concentrada na mão que tem a caneta", e menos uma entidade corporificada do que uma enxurrada de "pura sensibilidade que se alimenta do alfabeto".

Essa noção começou a ser esboçada quando ela era ainda adolescente e colecionava cadernos com seus escritos. "Eu pensava: tudo o que estimula casualmente o nascimento de uma narrativa está lá fora, esbarra em nós e vice-versa, nos confunde, se confunde", observa, na palestra Água-Marinha. "A escrita tinha, essencialmente, olhos: o tremor da folha amarela, as partes reluzentes da cafeteira, o anular da minha mãe com a água-marinha que emanava uma luz celeste."

Após a descoberta de sua potencialidade como escritora, veio a terrível constatação de suas falhas: "Em poucos anos, passei a ter a impressão de não saber mais escrever. Nenhuma página estava à altura dos livros que me agradavam". Diante de uma batalha inglória, Ferrante testa seus limites (como na questão da narração em primeira pessoa), até chegar a uma lição definitiva: renda-se à sua ambição de reproduzir, na gramática e na sintaxe, o "turbilhão de detritos" que constitui a realidade.

As Margens e o Ditado

De Elena Ferrante.

Ed. Intrínseca, 128 páginas, R$ 40 (impresso) e R$ 25 (e-book), em média

Um dia de manhã cedo faltavam palavras. Antes disso, nenhuma palavra. Havia fatos, havia rostos. Numa boa história, diz Aristóteles, tudo o que acontece é impelido por alguma outra coisa. Assim começa a introdução de Anne Carson para o seu Falas Curtas, livro de poemas em prosa publicado originalmente há 30 anos, em 1992, por uma editora independente no Canadá, e lançado agora no Brasil pela Relicário simultaneamente a outro lançamento, Eros: o Doce-amargo, da Editora Bazar do Tempo.

De início, o leitor de Falas Curtas sabe: tudo o que acontecer dali em diante será projetado pelas palavras que faltavam. A introdução funciona como uma espécie de guia para o ambiente de flutuação que encontramos a seguir. Carson nos revela o seu método: "Comecei a anotar tudo o que era dito". "Rastros e vestígios" são perseguidos pela autora de modo a evitar o tédio.

À primeira vista, tudo parece ser muito concreto e até plano no mundo recriado pela autora. E pode parecer óbvio, mas não é: se olharmos para as palavras de outro ângulo, tudo parece perder a sua forma primal para depois, aos poucos, reconquistá-la.

A sequência de 53 fascículos surge a partir de um encadeamento de reflexões e imagens que justamente repelem a obviedade. Vívidos e inconclusivos, os poemas apontam para lugares diversos, de Ovídio a Brigitte Bardot, passando por Van Gogh, Sylvia Plath, gueixas e a decolagem de um avião.

Não se trata de uma obra passível a interpretações fáceis ou elogios despropositados. Antes, Falas Curtas é um livro que convoca o leitor para o estilo inconfundível da autora e para os meandros da linguagem poética. Desfaz as fronteiras tênues entre os gêneros literários. Serão mesmo poemas em prosa ou talvez ensaios, narrativas curtas? A definição pouco importa diante do fascínio obscuro que os textos suscitam no leitor, com camadas diversas de compreensão, mal situados entre a erudição e o que parece, de imediato, banal. E é neste deslocamento que está a força do livro.

Cabe ao leitor ampliar sentidos para se deixar levar pela precisão das frases de Carson. E, como ela mesma já disse sobre a literatura grega antiga, é uma leitura que exige buscar a lição de cada frase. Não como uma cifra, mas como a contação de um segredo íntimo e ao mesmo tempo universal. Em sua Fala Curta sobre Parmênides, Carson escreve, sobre um amigo italiano: "Receio não termos entendido o que ele dizia ou seus motivos. E se cada vez que ele dizia ?cidades? quisesse dizer ?embuste?, por exemplo?".

Talvez por isso os fascículos possam ser lidos também como confissões. "Em toda história que conto chega um momento que não consigo enxergar mais à frente", escreve na sua Fala Curta sobre o Homo Sapiens. Lemos Falas Curtas como quem espia pelo buraco da fechadura de um quarto. E no final descobrimos que o quarto era, esse tempo todo, o nosso.

Nascida em Toronto, Canadá, em 1950, Carson é poeta, ensaísta, professora de literatura clássica e reconhecida tradutora de grego antigo, tendo traduzido para o inglês peças de Sófocles e Eurípedes e poemas de Safo. Nos últimos anos, foi um nome frequente na lista de indicações ao Prêmio Nobel de Literatura. Original e diversa, a sua obra está localizada em grande parte entre o ensaio e a poesia, estabelecendo diálogos com outros escritores, pensadores e artistas, além de figuras bíblicas, históricas e mitológicas.

O Método Albertine (Edições Jabuticaba, 2017), por exemplo, primeiro livro da autora publicado no Brasil, sustenta-se pela paixão de Carson por Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust - em especial por Albertine, aprisionada pelo narrador no volume A Prisioneira. Albertine é a personagem que mais aparece no romance de autor francês - 2.363 vezes, em 807 páginas, adormecida em pelo menos 19% delas. Os dados estão no texto e lhe dão o tom bem-vindo de um exame obsessivo.

Autobiografia do Vermelho (Editora 34, 2021), por sua vez, reinventa a história de Gerião. Na mitologia grega, Gerião é um gigante detentor de um enorme rebanho de bois vermelhos, e Hércules, para tornar-se herói, tem como uma das suas doze tarefas matá-lo. Na versão irreverente de Carson, Gerião aparece como um adolescente gay apaixonado por Hércules. Nos Estados Unidos, o romance conquistou a crítica e os leitores.

Falas Curtas talvez seja o mais misterioso entre os três, e a sua leitura está sempre no limite do risco entre o que funciona e o que não funciona. Mas não se vale desse risco toda poesia? Para os mais afeitos ao gênero, o lançamento de 108 páginas é um mar que se abre. Nada-se a braçadas. Para quem não é fã de poesia, Falas Curtas - apesar da singeleza da linguagem - parece deter uma opacidade indecifrável e diz, com o perdão do trocadilho, pouca coisa.

Saímos da sua leitura com mais perguntas do que entramos, e com um estranho sentimento de fidelidade à obra. Talvez possamos inclusive devolver ao livro a indagação essencial que, a certa altura, ele mesmo faz: "Quem é você?". Mas, para uma pergunta tão grande, talvez nenhuma resposta seja correta ou boa o suficiente. 

UBIRATAN BRASIL LEONARDO PIANA 


14 DE JANEIRO DE 2023
FRANCISCO MARSHALL

A HORDA

Houve e há muitas culturas sofisticadas, em todos os continentes e em todas as eras, mas o que chamamos de civilização liga-se à cultura grega (e sua ideia de pólis), e ao mundo romano (e sua noção de civitas): viver em uma cidade, com certa graça, sob uma ordem institucional ao mesmo tempo violenta e harmônica. Civilização implica pudor e temor a um pacto coletivo. As discordâncias graves são tratadas como crime, pois agridem um modo de vida saudável.

A era moderna herda e amplia essas definições, e por isso escrevemos Estado com inicial maiúscula, entificado. Os piores males do Estado moderno são o absolutismo e o totalitarismo, e o antídoto a estes males sempre foi e será a ideia grega de democracia, em ordem republicana. Há corretivos para o Estado moderno, construídos com muita luta, contra iniquidades, racismo e preconceitos que são parte genética do poder elitizado nos últimos séculos. 

Hoje, todavia, fenômeno de outra ordem nos perturba: eis-nos diante da horda que ora atacou e violou o Estado no coração de nossa frágil república, em nossa sempre combalida democracia. Qual a natureza, meios e finalidades desta horda, e o que deve ser recolhido dialeticamente, como lição, e o que combatido, como ameaça? Que horda é essa, e como reagiremos?

Os termos barbárie e vandalismo nos chegam impregnados do etnocentrismo greco-romano, para quem o outro é sempre inferior; ou fala um incompreensível bar-bar-bar, como os trácios, ou invade Roma. Por isso ora adotamos o termo horda, que tem origem siberiana, e requer igual cautela. Ordu, no mongol, era uma unidade militar e, logo, as estruturas de poder à sua volta. Poloneses adicionaram o H usado em todos os idiomas europeus e que aparece em nossa palavra horda. 

O preconceito aqui é desfigurar o povo mongol como incivilizado, desde que conquistou Constantinopla, em 29 de maio de 1453; ora, Mehmet II e sua corte eram sofisticados a seu modo, bem diferentes do que chamamos horda, para designar o grupo violento que ora assalta e viola o Estado no Brasil. Muitos chamam estes de vândalos e bárbaros, ou de terroristas e fascistas, mas o termo horda cai melhor. 

Fazem parte de uma unidade de poder militar e militarizada, tanto em sua estética ridícula e clamor paramilitar como na subordinação patética à imagem e fins da caserna e de seus cúmplices. Essa gente incauta e intranquila atua à sombra de algo ainda mais sombrio, a ambição de poder de militares e, bebendo whisky Johnnie Blue com estes, empresários oligarcas, que financiam terroristas, e pastores teocratas. Por trás da horda que destruiu nosso patrimônio está o poder militar. E é isso que nós, que gostamos de civilização e democracia, precisamos compreender e corrigir com rigor, vigor e plena legitimidade.

Fomos e somos atacados por militares antidemocráticos e covardes, que usam os meios onerosos que lhes emprestamos para fins ilegais e maus. Se vamos salvar a civilização no Brasil, será contra a horda. Degredo e cadeia para verdes venais e podres e seus sequazes, e logo nos arranjamos, com nossas diferenças, diálogo e civilidade.

FRANCISCO MARSHALL

14 DE JANEIRO DE 2023
CRISTINA BONORINO

PARALISIA E FÚRIA

Na semana que passou, um shopping de Porto Alegre liberou o estacionamento. Nos totens de pagamento, colocou uma faixa amarela com escritos em negrito: estacionamento gratuito. Mesmo assim, presenciei pessoas formando filas para pagar e olhando, paralisadas, para a máquina quando não conseguiam. Lendo o que estava escrito, mas continuando ali com o cartão na mão.

Observei aquilo por vários minutos, tentando entender essas pessoas que não conseguem mais ler, concluir e agir por si mesmas. Milhares - talvez milhões - de pessoas hoje pautam suas vidas repetindo automaticamente "orientações" recebidas por sua rede social favorita. A maneira como ensinamos nas escolas é ler, decorar e repetir. Ler, decorar, repetir. Enquanto a escola for assim, multiplicamos esse tipo de comportamento. E é possível levar pessoas, como gado, a se suicidar, ou a acreditar que algum messias mudará sua vida. Como um deus faria. Enquanto isso, ela olha fixamente para o totem, ou uma bandeira, ou um tanque de guerra.

Sim, para essas pessoas, a democracia é um problema. Elas precisam que lhes seja dito, repetidamente, o que fazer. As pessoas que, como gado, acreditam que podem invadir prédios públicos como aconteceu em Brasília, destruir patrimônio cultural, e que isso não tem consequências, que isso resolve seus problemas. Que não sabem quem foi Di Cavalcanti, porque eliminaram há muito o programa de arte na escola. 

Que desprezam arte, porque nunca viram alguém valorizar isso. Que acham que uma ditadura faria tudo ficar bem, sem entender que uma ditadura puniria o que fizeram com tortura e morte. Que cresceram ouvindo que pessoas diferentes delas são anormais e valem menos. A violência é sempre o recurso de alguém que não consegue mais pensar. E, obviamente, alguém emite essas mensagens que estimulam delírios, alguém paga seus custos, alguém abre - e abriu - portas. Alguém que sabe que é possível manipular pessoas para criar caos. E ganhar dinheiro com isso. Conhecimento é poder. Quem são essas pessoas?

Eu gosto de escrever aqui contando como se faz ciência. A primeira coisa que aprendemos como cientistas é duvidar. A segunda é: os dados são soberanos. E isso mesmo que alguém diga ou escreva exatamente aquilo que você quer ver - ah, aquela tendência de confirmar o que você acha é forte! Se os dados não apoiam isso, provavelmente não é verdade. Se você lê que aumentou o número de mortes e internações de crianças com covid-19 e que elas precisam ser vacinadas. 

Tanto a pessoa que acredita piamente nisso como a que nega são vulneráveis. Mas por que acreditar na palavra de uma pessoa apenas ao proteger sua família? Por que ler apenas os primeiros artigos que aparecem na sua procura no Google? Por que não procurar outros especialistas? As únicas pessoas que odeiam perguntas são as que não querem pensar. A essas, frente à novidade e o inesperado - a essência da vida - resta oscilar entre paralisia e a fúria.

CRISTINA BONORINO

14 DE JANEIRO DE 2023
JANEIRO BRANCO

O JANEIRO BRANCO

SINTOMAS EM IDOSOS COSTUMAM SER FALTA DE VONTADE PARA REALIZAR ATIVIDADES ANTES CONSIDERADAS PRAZEROSAS, DIMINUIÇÃO NAS INTERAÇÕES, PROSTRAÇÃO E ISOLAMENTO

Depressão não é normal na velhice. Ultrapassar a marca dos 60 anos e enfrentar as décadas seguintes com parcas condições emocionais não se trata de veredicto pré-definido. Reforçar a vigilância para as questões de saúde mental, tema que mobiliza profissionais de saúde da área no Janeiro Branco - campanha direcionada à população em geral, de todas as faixas etárias -, é fundamental para idosos e todos aqueles que convivem ao redor.

Médica geriatra do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Fernanda Cocolichio, especialista em neuropsiquiatria geriátrica, afirma que a depressão é o quadro mais comum nessa área entre pacientes mais velhos. A apresentação da doença pode se dar de forma diferente em relação a pacientes de outras idades, o que se torna um obstáculo para familiares para desconfiar do que está se passando, até a mobilização em busca de suporte especializado. Nos idosos, salienta Fernanda, a depressão não apresenta, necessariamente, o humor deprimido, a tristeza profunda, o que contribuiu para o subdiagnóstico da doença.

Os sinais podem incluir esquecimentos - o que leva familiares a desconfiarem de demência -, movimentos executados em velocidade mais lenta, falta de vontade para realizar atividades antes consideradas prazerosas, diminuição das interações com outras pessoas, quietude, prostração, isolamento. Como o idoso não é tão estimulado, passa a não conseguir mais fazer coisas que antes tocava sem dificuldade, como pagar contas, organizar medicamentos, andar sozinho na rua devido ao medo.

- A depressão é mais comum na terceira idade em comparação com outras faixas etárias. "Ah, ele está assim porque está velho." O envelhecimento saudável, normal, não traz a depressão como algo obrigatório. Tem coisas relacionadas à velhice que fazem com que a depressão seja mais comum nessa fase, como agravamento de doenças, aposentadoria, solidão, luto por amigos e parentes, falta de propósito - descreve Fernanda.

A idade cronológica, observa a médica do HCPA, para o geriatra, não tem um peso tão grande na avaliação. As informações mais importantes quando se conhece e trata o paciente idoso é saber de suas capacidades para se manter autônomo no cotidiano.

- Pode haver um pouco mais de dificuldade no aprendizado, lentificação para realizar uma tarefa, mas o normal é conseguir executá-la de forma independente. Tem que investigar o que está por trás da perda de capacidade: depressão, ansiedade, demência. Às vezes, a depressão é o primeiro sintoma de um quadro demencial, e se perde o timing por achar que é normal na velhice. Faz diferença ter um geriatra acompanhando - acrescenta Fernanda.

Envelhecer também pode motivar longas e profundas reflexões sobre o passado, quando o indivíduo fica remoendo decisões, escolhas, oportunidades perdidas, rumos que a vida tomou ao longo das décadas. Encaminhar-se para a finitude descortina esses pensamentos, comenta a geriatra, mas isso não pode ser paralisante. Em qualquer momento da existência, é possível estabelecer metas, ressignificando o passar dos dias.

- Acumularam-se, com os anos, coisas boas e erros. Os idosos refletem mais sobre isso. Tento reforçar que enxerguem o lado bom de tudo isso: o legado deixado, as pessoas que colocaram no mundo, o que foi legal na trajetória. Aos 30 e poucos anos, também vou olhar para trás e pensar nas coisas que fiz errado - diz a médica. - Temos uma cultura antienvelhecimento, como se essa fase da vida fosse associada apenas a perdas e incapacidades. Temos que assumir o protagonismo do nosso envelhecimento. Pode ser uma fase muito boa. Não devemos nos comparar aos jovens, são períodos diferentes - salienta.

- Envelhecer com qualidade

Enfrentar a velhice requer planejamento antecipado, sempre que possível. Não se trata apenas de garantir renda suficiente após a aposentadoria, mas também de fazer uma "poupança" de afetos, mantendo vínculos ativos e saudáveis com outras pessoas, estar presente na vida de quem se ama. Cuidar do corpo e da mente desde cedo é investimento para as décadas de idade mais avançada. Leitura e prática de atividade física são essenciais.

No consultório particular e no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS, o psiquiatra Alfredo Cataldo Neto depara com esses e outros temores dos pacientes: a demência, o enlouquecimento, a solidão, o medo da morte - especialmente, durante a pandemia, quando os idosos foram os mais atingidos, pela privação do contato presencial e também como vítimas fatais - e da perda da autonomia. Transformar-se em um fardo, especialmente para os filhos, é o tormento de grande parcela dos pacientes.

- Depender dos filhos pode ser humilhante. "Quem é esse guri de quem eu troquei as fraldas e agora acha que pode mandar em mim?" Há uma inversão de comando. Tem pessoas que aceitam ajuda com facilidade e tem os durões - comenta Cataldo. - Conflitos com filhos são muito comuns. Com netos, geralmente é uma doce relação. Os avós são mais afetivos, mais dóceis, até porque se deram conta de que erraram com os filhos, e aí, quando vem a geração nova, eles procuram corrigir. Isso pode provocar inveja nos filhos: "Como é que era tão durão e agora está todo bonzinho?" A relação entre netos e avós é um grande suporte emocional - complementa o psiquiatra.

A decisão de buscar ajuda profissional para cuidar da saúde mental ainda bate em uma barreira que, apesar de ter se desgastado com o tempo, ainda resiste: associar a atuação de psiquiatras e psicólogos à loucura. O estigma vigora mais, justamente, entre idosos, que muitas vezes são auxiliados por filhos ou netos que, eles próprios, contam com o acompanhamento de terapeutas e garantem que a medida é benéfica, encorajando o comparecimento às sessões.

Filhos e netos podem se voluntariar para acompanhar o idoso até o consultório do terapeuta ou do médico de referência, mas sem imposições. A escolha de um tratamento psicológico ou psiquiátrico deve derivar de conversas em que o paciente também é ouvido e considerado. Especialistas que atendem idosos sabem como lidar com eventuais resistências.

- A proposta da terapia é ter um espaço para falar para nós mesmos e para uma pessoa neutra, que vai nos respeitar, nos escutar, fazer com que possamos nos compreender. A pior coisa que existe é a não compreensão. É um sintoma da doença mental: eu tenho que fazer algo e não entendo o porquê - explica o psiquiatra.

Aos estudantes para quem leciona na Escola de Medicina da instituição, Cataldo sempre ressalta a importância da saúde psicológica para o bom funcionamento de todo o organismo e, de modo geral, da vida.

- No centro de tudo, está a saúde mental. A cabeça comanda tudo. Não existe doença pior do que a doença mental porque ela ataca o centro de todos os cuidados. Afeta o sistema central, a placa-mãe, o centro de operação. Sem isso, nada avança. Temos que ter muito cuidado - afirma o professor.

Construir uma rotina que faça sentido para o idoso é imprescindível. A pessoa precisa continuar tendo sua individualidade reconhecida e respeitada. Não se trata de escolher qualquer coisa para entreter alguém que está desanimado: um amante de clássicos do cinema italiano não tirará proveito, provavelmente, da novela a que a filha ou a cuidadora gostam de assistir todo final de tarde. Dar um baralho ou um quebra-cabeças para quem nunca gostou desse tipo de passatempo é infantilizar o indivíduo, ainda que muitos idosos possam, de fato, gostar muito desses jogos. É preciso considerar a história da vida pregressa para oferecer estímulos. O que esse homem ou essa mulher que envelheceram gostavam de fazer quando mais jovens? A que se dedicaram profissionalmente? A geriatra Fernanda exemplifica:

- Uma pessoa que sempre trabalhou com marcenaria ou eletrônica. "Pai, conserta isso aqui para mim? Só você consegue." Tem de ser algo que faça o idoso se sentir útil, e não ridicularizado. Buscar algo do passado, livros, trabalhos manuais, receitas culinárias.

Fernanda enfatiza que a depressão tardia, que se instala após os 60 anos, tende a ser mais agressiva e resistente.

- Não vai melhorar com força de vontade. Precisa de tratamento medicamentoso. O grande erro do paciente é usar a medicação por um, dois meses, começar a se sentir melhor e parar. Isso tem que ser explicado, conversado. Temos que colocar o paciente junto na decisão terapêutica. Não é só dar uma receita e tchau - diz a geriatra.

- A campanha Janeiro Branco, iniciativa social liderada pelo psicólogo e palestrante mineiro Leonardo Abrahão, teve início em 2014. Aproveita-se do período inicial do ano, quando são comuns as avaliações do ciclo que acaba de se encerrar e as projeções para os meses seguintes, para chamar a atenção para a importância da saúde mental. Em 2023, o tema é "A vida pede equilíbrio".

- Há promoção de palestras, oficinas, cursos, workshops, lives, rodas de conversa e abordagem de pessoas em locais como praças, igrejas, empresas e shoppings em diferentes cidades pelo país. Uma organização não governamental (ONG) chamada Instituto Janeiro Branco surgiu para fortalecer as ações do projeto.

- Interessados em participar ou obter mais informações podem entrar em contato pelo telefone (34) 9-9966-1835 ou pelo e-mail janeirobranco@gmail.com. O site janeirobranco.com.br disponibiliza materiais para download.

 LARISSA ROSO


14 DE JANEIRO DE 2023
CONSELHO EDITORIAL

A RESPONSABILIDADE DO JORNALISMO

Desde domingo, quando começaram a ocorrer os atos de invasão dos três poderes em Brasília, houve uma mobilização imediata do nosso jornalismo e do Conselho Editorial. O momento de gravidade dos crimes e de ameaça à democracia determinava uma análise criteriosa do cenário, o reforço de diretrizes editoriais para as redações e uma reflexão sobre o papel que temos como imprensa neste momento.

Na linha de transparência que tentamos estabelecer com o público neste espaço, desde a criação do Conselho Editorial em agosto de 2022, faço um resumo aqui para esclarecimento de todos.

Estamos em um momento delicado da história. Os riscos não terminaram. Sabemos de nossa responsabilidade, como veículos de comunicação, no fortalecimento do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, e reiteramos o compromisso da RBS com a democracia e com o cumprimento das leis.

Seguiremos fazendo jornalismo independente, responsável, plural, com distanciamento crítico, no interesse do público e na busca obsessiva da verdade.

Jornalisticamente, não pendemos para nenhum dos lados, seja direita ou esquerda. Nosso apartidarismo permite que tenhamos independência para criticar ou elogiar, se o governo vigente, em nível federal, estadual ou municipal, errar ou acertar.

Temos consciência de que a direita não é igual à minoria radical que invadiu os prédios em Brasília. A grande maioria dos eleitores de direita, inclusive entidades liberais, condena os atos criminosos de 8 de janeiro.

Nossos veículos devem dar voz, de forma equilibrada, aos dois lados, ouvindo fontes democráticas. A pluralidade é um valor indiscutível na nossa linha editorial. Mas os holofotes não podem estar em fontes radicais: nosso papel é o de buscar os pontos em que há consenso, para que o país possa seguir em frente.

O momento é de análise do que ocorreu e de apuração de responsabilidades, para que todos os episódios sejam apurados, os criminosos, punidos, e que os brasileiros compreendam o que ocorreu e por que ocorreu, para que não se repita. 


14 DE JANEIRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

O DIREITO DE DISCORDAR

Uma semana depois de o país assistir à invasão e aos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, fica ainda mais claro que a tentativa de golpe contra a democracia ocorrida na capital federal no dia 8 de janeiro foi protagonizada por uma parcela radical de eleitores bolsonaristas que, embora numerosa, não representa a totalidade dos que votaram no ex-presidente da República. 

Entre os mais de 58 milhões de brasileiros que deram o seu voto a Jair Bolsonaro estão, na sua maioria, eleitores de direita, conservadores e liberais que o fizeram por convicção ou porque discordam do projeto petista liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso não significa que essa maioria defenda o radicalismo e a violência vistos em Brasília.

Pelo contrário, é bem provável que esses cidadãos também tenham ficado estarrecidos com as cenas de selvageria transmitidas ao vivo para o país. E certamente uma parcela expressiva de eleitores de Bolsonaro desaprova a invasão e apoia as punições impostas aos baderneiros que armaram uma tentativa de golpe contra a democracia e destruíram o patrimônio público - como comprovou pesquisa divulgada na última quarta-feira pelo Datafolha em que 93% dos entrevistados condenam a ação e 46% dizem que todos os invasores deveriam ser presos. Esses percentuais incluem bolsonaristas e antipetistas. Por isso, não é justo que todos recebam o mesmo rótulo infamante dispensado aos golpistas.

Os opositores do atual governo ou apenas defensores de outras propostas para o país devem continuar tendo o direito de se expressar publicamente e de defender suas ideias livremente. Generalizações, neste momento delicado por que passa a sociedade brasileira, tendem a derivar para o extremismo punitivo, para o macarthismo e para perseguições. 

Exemplo claro disso foi a recente publicação do nome e da foto de um servidor do Banco do Brasil num site criado para identificação dos autores do vandalismo, apenas porque um observador o achou parecido com o personagem de um vídeo divulgado no dia da invasão. Segundo foi apurado posteriormente, o homem estava em outra cidade e sequer participou de qualquer manifestação.

Todos os brasileiros devem ter o direito de se manifestar, de criticar e protestar como assegura a Constituição, seja contra governos ou instituições públicas e privadas. Se realmente vivemos em uma democracia plena, não apenas é permitida como também é saudável e desejada a defesa de projetos e ideologias que representem a pluralidade de pensamentos. Só não cabe a incitação a qualquer tipo de crime e a ações violentas. Aí a questão passa para as alçadas policial e judicial.

Por não vivermos na ditadura reivindicada por alguns manifestantes golpistas que espera-se que as pessoas presas em flagrante no ato de depredação estejam recebendo tratamento civilizado e compatível com os direitos humanos. Diferentemente do que costuma ocorrer em regimes autoritários, caracterizados por torturas e até eliminações de inimigos políticos, os vândalos e defensores do golpe contam com a garantia da Justiça e com o acompanhamento de seus advogados, do Ministério Público, da OAB e da imprensa. Por ironia, é justamente a democracia atacada que lhes garante isso.


14 DE JANEIRO DE 2023
ACERTO DE CONTAS

Desafios da maior economia

Enquanto a feira de varejo NRF, aqui em Nova York, espera voltar à normalidade após o impacto da pandemia nas últimas edições, o setor navega em águas instáveis. Em primeiro lugar, há a inflação, que fechou 2022 em 6,5% nos Estados Unidos. Embora tenha desacelerado nos últimos meses, ficou acima do índice brasileiro no ano. Aqui também sobe o preço da comida e de combustíveis.

A alta de preços, assim como no Brasil, faz o banco central norte-americano elevar juro, o que deixa o crédito mais caro. Isso gera impacto imediato no varejo. Em paralelo, a covid-19 ainda provoca eventuais sobressaltos e há a preocupação com a confiança do consumidor. Por fim, há o temor de recessão de uma economia que é a maior do mundo. Porém, o que se costuma dizer é "nunca aposte contra os Estados Unidos", que é uma economia madura e com grande capacidade de reação.

O cenário, claro, se reflete no planejamento do varejo para mercadorias e empregos para os próximos meses. Certamente, os CEOs de grandes companhias falarão sobre isso nos painéis da NRF, que terá agora a sua 113ª edição.

- Os varejistas estão cientes do fato de que existem desafios reais que afetam as famílias norte-americanas. Encontrar maneiras de combater a inflação eliminando custos e atritos da cadeia de suprimentos continua no topo da lista de preocupações - afirma Matthew Shay, presidente e diretor-executivo da National Retail Federation, a federação nacional do varejo norte-americano.

Na edição do evento no ano passado, a projeção da maior inflação em quatro décadas e a falta de produtos com os gargalos logísticos dominavam os debates. Pelo visto, continuará assim.

- Enquanto trabalhamos nos últimos três anos da pandemia, vimos níveis históricos de suporte fiscal e monetário para a recuperação de nossa economia, e agora eles estão resultando em aumentos substanciais da inflação que não são familiares na história recente - diz Shay.

Ainda assim, as vendas de Natal cresceram um pouco mais do que o previsto. O varejo online atingiu US$ 1 trilhão, representando 21% das vendas totais, uma fatia bastante alta.

A coluna viajou a Nova York a convite do Sindilojas Porto Alegre, da CDL Porto Alegre e do FFX Group

GIANE GUERRA

14 DE JANEIRO DE 2023
+ ECONOMIA

O que faltou no pacote multibilionário de Haddad

Embora o valor das medidas fiscais tenha superado as expectativas e recebido boas avaliações no mercado, a luz do dia seguinte expõe também o que faltou no pacote de R$ 242,7 bilhões.

A mais importante é algum sinal do novo arcabouço fiscal que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu enviar ao Congresso até abril. É verdade que também assumiu o compromisso de discutir as regras com economistas "de todas as escolas", o que significa que vai ouvir os mais e os menos fiscalistas.

Até onde se sabe, já existe um esboço entregue à equipe pelo comitê temático de Economia da transição, que contou com a contribuição dos dois criadores do Plano Real, André Lara Resende e Pérsio Arida. Em vez do teto de gastos, haveria uma meta de despesas, inspirada no regime para a inflação, que diferenciaria entre o gasto com custeio e o aplicado em investimentos.

Outra ausência notável no conjunto é a revisão dos cortes feitos ao longo do ano passado no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que beneficiou tanto a produção de bens essenciais, quanto outros de impacto questionável, como jet ski e whey protein. Na época, a decisão foi creditada ao "excesso de arrecadação", com renúncia fiscal estimada em R$ 10 bilhões.

Havia planos de incluir a volta da cobrança cheia de IPI, mas a pressão de setores industriais segurou a medida, também atribuída a um sinal de "reindustrialização do Brasil", discurso caro ao atual governo.

O conjunto da obra surpreendeu vários críticos de Haddad pela ambição e desidratou o discurso de que o atual governo se parecia com o primeiro mandato de Dilma, caracterizado por muitos economistas como o lema "gasto é vida".

Em entrevista ao colega Fábio Schaffner, o consultor político Thomas Traumann, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo Dilma, afirmou que "no fundo, Haddad é um fiscalista. Quem o acompanhou como prefeito de São Paulo, sabe. Ele terá mais problemas com o PT do que com os opositores". Haddad terá de equilibrar a fama.

MARTA SFREDO