sábado, 22 de junho de 2024



22/06/2024 - 09h00min
Martha Medeiros

Para manter a sanidade, não me afasto de onde estou

Nada de me socorrer no passado ou projetar um futuro que desconheço, este balé escapista que tonteia. Quem achou o filme "Dias Perfeitos" um tédio não percebeu o quanto a vida acontece a cada cena

Um dos filmes mais tocantes dos últimos tempos, Dias Perfeitos, de Wim Wenders, é de uma simplicidade repleta de sentidos. Quem achou o filme um tédio não percebeu o quanto a vida acontece a cada cena. Todo dia, o personagem Hirayama faz tudo sempre igual: escova os dentes, coloca o uniforme, pega um café na máquina automática e sai com o carro a fim de realizar seu trabalho como limpador de banheiros de parques públicos em Tóquio. No trajeto, escuta música em fitas K-7. À noite, lê um pouco, dorme e no dia seguinte retoma a mesma rotina, aparentemente idêntica.

O filme concorreu ao Oscar e já foi mais que comentado. Assisti em janeiro, mas só agora, revendo a antológica cena final, em que o ator Koji Yakusho dirige escutando Feeling Good, de Nina Simone, permiti que o choro e o riso do personagem, ambos simultâneos naquele close poderoso, se misturassem aos meus.

Janeiro parece que foi em outra vida. Em minha rotina, nada se mantém igual: há um sul em mim que adoece e um norte em mim que se expande – dentro do mesmo corpo. Caio, levanto, me deito, danço, alternando reações, conforme sou atingida pelas notícias do mundo ou pelos silêncios que encontro ao abrir minhas gavetas internas. Tudo é muito – e muito intenso. Alguém chamou de “tempo de desorientação”. Não tenho o nome do autor para dar o crédito, mas o parabenizo: que definição precisa.

Para manter a sanidade, não me afasto de onde estou. Nada de me socorrer no passado ou projetar um futuro que desconheço, este balé escapista que tonteia. Grudo no livro que estou lendo, absorvo a música que está tocando e fico atenta ao que me acontece agora, e do jeito que me atinge, de frente e por dentro. A vida mirou em mim e me acertou.

Com tanta presença, a solidão não entra. É o que Hirayama nos transmite no filme. Ele não passa os olhos: ele enxerga. Ele não finge que ouve: ele escuta. Ele sabe onde estão suas chaves, ele desce e sobe com cuidado os seus degraus, ele torna nobre o seu ofício desprezado, ele até disputa um jogo da velha contra um adversário invisível. Pertence ao mundo com inteireza, não aos pedaços. Quanto à questão digital, o filme é claro: não precisamos de mil, 10 mil, um milhão. Precisamos de um. De uma. A cada vez. Calmamente. É o que nos torna um planeta habitado.

Temos sido sugados por ralos tecnológicos que nos despejam em valas comuns, onde viramos números, algoritmos, seguidores sem rostos. Que essa bagunça virtual não corrompa nossa casa e nossa mente, os dois espaços sagrados da existência. E que a alma da gente não seja pulverizada pelos gigabytes. É uma luta diária não se deixar desorientar. A gente chora porque é difícil. E, ao mesmo tempo, ri porque consegue.


22 DE JUNHO DE 2024
TICIANO BORGES OSORIO

TICIANO BORGES OSORIO

Benefícios do exercício aos 40 e aos 50. Especialistas recomendam atividades que incrementam a força, como musculação

Para benefícios substanciais aos adultos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma prática semanal de, pelo menos, 150 a 300 minutos de atividade física aeróbica de moderada intensidade ou de 75 a 150 minutos de vigorosa intensidade. Tanto aos 40 quanto aos 50 anos, a atividade mais adequada é aquela em que há incremento de força no corpo, como treinamento funcional ou musculação, indica André Pessin, educador físico e proprietário do Espaço Pessin Corpo & Mente.

- Com o passar do tempo, a gente vai diminuindo a massa magra e massa óssea, e o nosso organismo, então, vai perdendo força. É a qualidade física mais importante que deve ser desenvolvida. É fundamental, porque as pessoas dão muito valor para as atividades cardiorrespiratórias, que são realmente importantes nessa faixa etária, assim como em toda a nossa vida, para a gente melhorar a resistência aeróbia, mas até para caminhar nós precisamos de força - ressalta. - O fortalecimento dos membros inferiores nesta faixa etária reduz significativamente a possibilidade de desenvolver Alzheimer e doenças cardiovasculares, além de aumentar a expectativa de vida e melhorar a cognição.

Além do fortalecimento ósseo, a musculação auxilia no desenvolvimento e na manutenção da musculatura e na prevenção de lesões, diz Eduardo Carcuchinski, personal trainer e sócio da academia Body Company. Ele sugere também um trabalho de mobilidade articular e flexibilidade, com alongamentos, já que, nessa faixa etária, perde-se cerca de 2% dessas capacidades por ano. O trabalho cardiorrespiratório (aeróbico), de cerca de 30 minutos por dia, também é essencial para a manutenção da saúde cardíaca e do condicionamento físico.

- Aos 50 anos, as atividades físicas recomendadas são as mesmas, porém, obviamente, se a pessoa está sedentária até essa idade, os cuidados terão de ser maiores em questão de peso, execução dos exercícios, tempo de esforço e descanso entre sessões de treino - alerta Carcuchinski.

É fundamental que a prática escolhida seja prazerosa. O ideal é que, além de um trabalho de reforço muscular, sejam realizadas atividades que melhorem o estado de saúde geral, incluindo o bem-estar emocional. Atividades esportivas, recreativas e aeróbicas são bem-vindas - como caminhada, corrida, ciclismo, slackline, vôlei, futebol, entre outras -, desde que realizadas de forma moderada.

Os perigos do sedentarismo

O estresse e a vida atribulada têm levado à falta de atividades físicas, gerando um estilo de vida sedentário. No Brasil, cerca de 60% das pessoas são inativas fisicamente, ou seja, não praticam nenhuma atividade física.

O sedentarismo gera uma série de riscos à saúde, como alguns tipos de diabetes, problemas cardiovasculares, posturais e articulares, incluindo artroses e artrites, desequilíbrio e problemas emocionais. Na faixa etária dos 40 e 50 anos, pode aumentar em até 30% o risco de morte precoce por doenças que decorrem da falta de atividade física, diz Carcuchinski. Além disso, faz com que o indivíduo tenha sérias chances de perda de massa muscular devido à idade. _

Nove motivos para se exercitar

É fundamental que a prática escolhida seja prazerosa, ressaltam educadores físicos

Redução de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes e problemas musculares e posturais

Incremento de força

Elevação do metabolismo, fazendo com que o corpo gaste mais calorias em repouso

Aumento dos níveis de testosterona

Alívio do estresse

Melhora de equilíbrio e prevenção de quedas

Auxílio no tratamento de ansiedade e depressão

Melhora na disposição

Melhora na qualidade do sono

Melhora para o corpo e também para a mente

A administradora Aline Melatti, 45 anos, moradora de Porto Alegre, viu alguns desses benefícios incorporarem-se à sua vida. Ela já se exercitava, mas passou a treinar com regularidade e intensidade há cerca de cinco anos. Antes, praticava atividades físicas duas vezes por semana, e agora, de cinco a seis. Aline faz musculação, anda de bicicleta e realiza alongamentos.

- Eu me sinto melhor quando me exercito. Além do físico, o exercício me ajuda muito na parte mental, pois ir com regularidade reflete na minha rotina como um todo, ajuda a ter mais foco e disciplina. Também ajuda a desligar a mente da rotina e ter um momento para o meu corpo. E como gosto muito de viajar, quero preparar meu corpo para ter saúde ao longo da minha vida, poder viajar pelo mundo com saúde e autonomia - destaca Aline.

Ela também viu outras mudanças práticas em sua vida: seu corpo ganhou mais massa muscular e, hoje, sente-se mais bonita. Além disso, apesar de ter lesões no joelho e uma hérnia na lombar, a musculação a ajuda a viver bem e a manter a musculatura forte - o que também auxilia a evitar a dor.

- As dificuldades que eu tive no início foram por conta das lesões, que me limitavam a fazer determinados exercícios. Com o acompanhamento do meu personal trainer e a regularidade dos treinos, fomos avançando pouco a pouco, e hoje consigo treinar com intensidade normalmente - relata a administradora. _

O desafio da disciplina

- Quando a gente está fora de forma, vai correr para atravessar a rua e chega do outro lado já cansado. É por isso que a gente acaba fazendo (exercício). Pela questão do bem-estar e para poder se sentir com flexibilidade, com força. E também não esperar que o médico te diga "tem de fazer exercício" depois que tu já tem um problema - pontua o cabeleireiro Régis Vernetti, 53 anos.

Primeiro, Vernetti começou treinando duas vezes por semana. Depois, três. Em seguida, passou também a correr nos outros dois dias. Hoje, faz treinamento funcional no Pessin Corpo & Mente e jiu-jítsu durante a semana. Nos sábados e domingos, corre e anda de bicicleta com seu grupo de pedalada - em suma, não fica parado, dedicando ao menos uma hora por dia a algum exercício. Desde que sua vida fitness engrenou, as mudanças percebidas foram muitas, principalmente no condicionamento físico, mas também em relação à alimentação:

- Já tem coisa que a gente não compra no supermercado, acostumei a tomar café sem açúcar. Para mim, uma superação, já que adoro um docinho.

Vernetti enfatiza que o foco, na sua faixa etária, não está, muitas vezes, no resultado imediato ou na estética, e sim em aproveitar o tempo, curtir a vida e ter saúde - o condicionamento físico é consequência da disciplina. O importante é não exagerar e saber respeitar os limites, já que a lesão "acaba com tudo", ressalta. Além disso, a pessoa não deve se preocupar com os outros:

- É você superando a si próprio.

Compartilhar a atividade com outras pessoas com o mesmo interesse pode ajudar na motivação. Aline Melatti diz que também é fundamental achar o lugar certo:

- Não adianta escolher a melhor academia se você não tem vontade de ir para lá. No início, muitas vezes eu tinha de me forçar a ir, mas ia, porque comecei a perceber que eu voltava me sentindo muito melhor.

A administradora também passou a encarar o exercício como um compromisso, colocando-o como uma das prioridades na agenda. Acordava sabendo que no horário estipulado iria para a academia, estando a fim ou não. Outra dica de Aline é nunca ficar mais de quatro dias sem se exercitar - nem que seja uma caminhada. Se fica muito tempo afastada dos treinos, a preguiça começa a se instalar.

O primeiro passo, assim como em todos os projetos da vida, é começar. Só assim será possível alcançar a constância e, consequentemente, mais saúde e qualidade de vida. Vernetti conclui:

- O desafio é a disciplina, continuar sempre, até nos dias que a vontade não vem. Muitas vezes, é se arrastando mesmo (risos). _

Os riscos e os cuidados

Para que os diversos benefícios do exercício possam se concretizar, é preciso tomar alguns cuidados.

É importante, após os 40 anos, realizar no mínimo um check-up anual com um cardiologista, para ser liberado, recomenda o educador físico André Pessin. Além disso, a atividade que será executada precisa ser acompanhada por um profissional de educação física credenciado, para supervisionar e prescrever os exercícios.

- Pior do que o indivíduo sedentário é um indivíduo que faz atividade física por conta própria a partir dessa idade e acaba se lesionando, principalmente com algumas atividades de alta intensidade, que aumentam a possibilidade de lesões corporais, articulares, ligamentares, musculares e ósseas - alerta Pessin.

Há também o risco de executar intensidade e frequência muito fortes no treinamento, provocando o chamado overtraining (excesso de treino), sem dar o devido descanso ao corpo para se adaptar aos novos estímulos, o que pode resultar em lesões - sobretudo no caso de um indivíduo sedentário sem acompanhamento, acrescenta o personal trainer Carcuchinski. Ele também salienta a importância de manter uma postura correta durante os exercícios e adequar as cargas para cada indivíduo.

Os cenários e cuidados também variam conforme as condições específicas de cada aluno. Os profissionais sempre levam em consideração o objetivo pessoal e as condições de saúde - como lombalgia, cervicalgia, problemas articulares, entre outros - para adaptar e prescrever exercícios. _



22 DE JUNHO DE 2024
CARPINEJAR

Milagre do amor

Ricardo e Ana Sabrina eram meus colegas no Colégio de Aplicação da UFRGS. São o único casal formado na turma que permanece junto até hoje. Já estão há mais de 30 anos casados. Em fevereiro, soube que a sua filha mais velha, Mariana, 15 anos, sofreu um grave AVC hemorrágico. Foi levada entre a vida e a morte para o Hospital Moinhos de Vento.

Inteligente, leitora, estudiosa, tecladista, premiada em escrita criativa, dona de um sorriso generoso, encontrava-se a dois dias de começar o tão sonhado Ensino Médio, preparando-se para exercer no futuro a neuropediatria (meta profissional). Aliás, o mesmo Ensino Médio que serviu de palco para os seus pais se conhecerem e se amarem.

Eu me conectei a Mariana. Não somente porque ela tem o nome de minha filha, ou porque me coloquei no lugar de meus dois amigos, mas porque eu sentia o quanto ela lutava para sobreviver, dentro de seu mundo interior, naquele quarto de hospital. Não sei explicar.

Eu acabei arrastado pela oração.

Mandei um buquê de rosas com uma carta e pedi para que Ricardo e Ana lessem o que escrevi para ela. Tinha certeza de que ela me ouviria mesmo estando desacordada. Tinha convicção de que as palavras são curativas.

"Mariana!

Nossa existência é incompreensível. Então, vamos tirar proveito disso e ser ainda mais incompreensíveis. Eu a espero aqui fora para um abraço. Venha, sei que pode me escutar. Tenho que dar um spoiler da sua vida, logo para você que odeia quem antecipa finais de livros e filmes: você fará grandes realizações. Sua vida será salva para salvar pequenas vidas.

Com amor,

Fabrício Carpinejar"

Os pais leram a minha carta para ela todas as manhãs, religiosamente. Em seguida, Mariana passou por uma delicada cirurgia para corrigir a artéria com malformação. Meses se seguiram com a jovem em coma, restabelecendo-se devagar, com um sono cada vez mais leve.

Em 2 de abril, Ricardo me escreve: "Bom dia, Fabrício. Mari está sem traqueostomia, sem sonda, comendo pastinhas, falando (baixinho), evoluindo bem na fisioterapia e se lembra de absolutamente tudo, do dia do AVC, dos dias na CTI, da senha do celular.

A notícia linda é que ela não apenas se lembra da tua mensagem que eu lia pra ela, ELA SABE REPETI-LA DE CABEÇA. Palavras são curativas, sim. Temos comprovação".

Mariana já caminha. Mariana já fala com desenvoltura. Na última semana, de modo surpreendente, participou da Olimpíada Brasileira de Matemática na sua escola. Ficou três horas fazendo a prova e se classificou para a segunda etapa (somente sete alunos conseguiram a façanha). E isso que ela nem iniciou o Ensino Médio devido ao acidente.

Seu neurologista Pedro Schestatsky, autor do fundamental livro Medicina do Amanhã, partilha de igual espanto: "A Mari é uma pessoa muito especial que zombou de todas as estatísticas relacionadas à recuperação de pacientes de AVC hemorrágico com craniectomia. É nessas horas que temos certeza de que existe algo além de anatomia, fisiologia e bioquímica."

Quem trouxe Mariana de volta não fui eu, mas o amor de sua família. Todos ao redor tornaram-se instrumentos da emanação do poder da ternura familiar. O amor não faz milagres, ele já é o próprio milagre. _

CARPINEJAR

22 DE JUNHO DE 2024
CONSELHO EDITORIAL - Nelson P. Sirotsky

Há mais de 30 anos, quando exercia a presidência da RBS, convidei o professor Nicholas Negroponte, fundador do Laboratório de Mídia do conceituado MIT (Massachussetts Institute of Technology) e um dos profetas da era digital, para uma conversa sobre o futuro da comunicação. Falando para executivos da empresa, Negroponte deixou-nos duas reflexões bem objetivas. A primeira, que o mundo se digitalizaria numa velocidade incrível. A segunda, que os jornais impressos iriam desaparecer.

Aquela conversa - difícil acreditar que já se passaram 33 anos do momento em que assumi a posição de CEO da RBS - teve consequências: aceleramos o ingresso do Grupo RBS no mundo digital, passamos a olhar o novo cenário proporcionado pelo avanço tecnológico com mais determinação e aprofundamos o conhecimento das mudanças de hábitos dos consumidores.

Quanto à segunda reflexão de Negroponte, nossa visão foi de que a qualidade e a credibilidade do conteúdo jornalístico disponibilizado aos consumidores de informação são sempre mais relevantes do que o meio de entrega. Já investíamos nisso na época e continuamos acreditando nesse caminho.

Lembrei-me da conversa com Negroponte ao refletir sobre a edição de Zero Hora deste final de semana, independentemente de como você a está lendo: no jornal digital, no computador, no tablet ou no celular, ou nesta histórica edição impressa com 144 páginas. Nesses anos todos, impresso ou digital não foram um caminho ou outro, nem o cerne da questão. O que a RBS fez, está fazendo agora mesmo e fará no futuro é uma opção pelo jornalismo profissional, no formato que o público quiser. O jornalismo de qualidade é a aposta permanente, no impresso ou no mundo plenamente digitalizado e suas diferentes formas de chegar ao consumidor.

Neste fim de semana, a RBS está lançando vários produtos, firme na nossa crença de que o jornalismo é algo muito relevante para o nosso público. Ainda mais no desafiador momento de mobilização e reconstrução que estamos vivendo, expresso no editorial da RBS nesta mesma página.

Negroponte tinha razão: o mundo se digitaliza cada vez mais rápido e, infelizmente, alguns títulos impressos desapareceram. Ao mesmo tempo, muitos outros, como The New York Times, Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo, entre outros, estão sabendo conviver simultaneamente com o mundo digital e o analógico. Zero Hora, com seus 60 anos recém completados, está entre eles.

Na terça-feira, em uma reunião com comunicadores e líderes da RBS, me lembrei da conversa de três décadas atrás. E me recordei, também, de um bate-papo recente na sede da empresa, durante o South Summit de Porto Alegre, em março deste ano, com Uri Levine, cofundador do Waze e autor do livro Apaixone-se pelo Problema, não pela Solução. A primeira pergunta que fiz a Levine foi a mesma que fiz a Negroponte. "Até quando o jornal impresso vai existir?" 

Ele de pronto respondeu: "O jornal impresso existirá enquanto houver consumidores que preferirem este formato". GZH, que em maio atingiu quase 15 milhões de usuários e 120 mil assinantes digitais, Zero Hora e Gaúcha têm seus produtos relançados neste fim de semana e estão vivendo a plenitude do mundo digital. Zero Hora, aos seus 60 anos, se renova no digital e no impresso. Nós, da RBS, acreditamos no jornalismo profissional, na força da comunicação e no nosso Rio Grande do Sul. Concordo tanto com Negroponte quanto com Levine. E você, caro leitor, acha que o jornal impresso um dia vai acabar? _

CONSELHO EDITORIAL

sábado, 15 de junho de 2024


15 DE JUNHO DE 2024
CARPINEJAR

O gigante acorda

Não tem como não ficar emocionado com a rapidez das obras de reconstrução do Beira-Rio. O arrepio se espalha, como lufadas do minuano, da grama verde até os braços dos torcedores mais empedernidos.

O prazo era para fim de setembro, depois encurtou para o encerramento de agosto, agora já temos a previsão de retomada em início de julho. Falta apenas uma quinzena pela frente para a torcida colorada reencontrar o seu estádio e matar a saudade das ruas de fogo.

O empenho épico do presidente Alessandro Barcellos para ter a sua casa devolvida deve servir de exemplo para o aeroporto, comandado por concessionária, e para a estatal Trensurb, na recuperação das estações de Canoas ao centro da Capital.

É o impossível realizado sem desculpas, sem compaixão, sem choradeira de recursos. É fazer primeiro, para depois correr atrás da conta.

Cerca de 600 funcionários trabalharam em quatro turnos para replantar o gramado, recuperar instalações de água e luz, reformar vestiários, salas de entrevista, museu e corredores. Foram várias etapas de desinfecção, limpeza, pintura, correção dos sistemas de catracas eletrônicas.

As marcas da calamidade não se apagaram, estão lá para provar que o ressurgimento precoce não é ficção, que a restituição do estádio em tempo tão estreito e recorde, um mês depois da enchente que atingiu 46 bairros de Porto Alegre, não é loucura.

É um título moral, anímico, uma reversão inacreditável de resultado e de placar. Inter vira a partida sobre o maior desastre ambiental da história gaúcha. Outros títulos virão com idêntica garra e tenacidade.

Ninguém esperava. Nunca houve um recomeço de tal magnitude, considerando a gravidade dos estragos. O volume das águas no campo atingiu 80 centímetros. Os bancos e casamatas boiaram. O Guaíba chegou ao segundo degrau das arquibancadas, ameaçando as minhas cadeiras.

Como os vestiários são subterrâneos, terminaram cobertos por 1m40cm da enchente, que levou tudo embora: fardamentos, computadores, bolas. No túnel de acesso, o nível ultrapassou a altura do maestro do meio-campo, Alan Patrick, que tem 1m77cm.

Os prejuízos ainda são incalculáveis, já que o moderno centro de treinamento literalmente desapareceu.

Mas o Gigante desperta, vulcão sempre rugindo, incansável, teimoso, valente, coração ferido e enlutado bombando, coerente com a sua trajetória de grandes voltas por cima, acostumado a não desistir da alegria e da esperança antes do apito final.

A reestreia do Beira-Rio, planejada para 3 de julho, diante do Juventude, pela terceira fase da Copa do Brasil, merece ser tratada com as honrarias de um novo estádio. É tão importante quanto a sua inauguração em 6 de abril de 1969, em partida com o Benfica do lendário Eusébio, ou sua reinauguração em 6 de abril de 2014, em confronto contra o uruguaio Peñarol.

O gol que ali acontecer será tão ovacionado quanto a cabeçada para o chão de Claudiomiro ou a falta no ângulo de D? Alessandro. Não dá para deixar de ir.

Aquele tapete, conhecido como o melhor gramado do país, sem nenhuma roseta, sem nenhum espinho, perfumado de glórias, voltará a ser terra das chuteiras, pátria dos nossos gritos.

Peço licença ao saudoso gremista Leonardo:

"É o meu Rio Grande do Sul

Céu, sol, sul, terra e cor

Onde tudo que se planta cresce

E o que mais floresce é o amor".

CARPINEJAR


15 DE JUNHO DE 2024
FLÁVIO TAVARES

O ARROZ NOSSO DE CADA DIA

O caos ou os desastres não podem ser fonte de corrupção. Se atingirmos essa situação já não será o caos, mas - sim- o apocalipse bíblico, que é (em si mesmo) o fim do mundo. Pior do que tudo, porém, é quando o roubo ou a corrupção se aproveitam dos desastres e neles tentam se desenvolver.

Tudo isso ocorreu agora com a tragédia das enchentes. Nos abrigos, onde centenas de pessoas buscavam proteção, surgiram larápios roubando os pertences dos que haviam perdido os bens mais valiosos nas inundações. As vítimas pensavam estar em "lugar seguro". Em verdade, haviam sido salvas apenas da fúria das águas.

Em algumas cidades, funcionários municipais superfaturaram compras que as prefeituras destinariam aos afetados. Em certos casos, os superfaturamentos chegaram a 100%. Isso não será um crime premeditado, servindo-se do desastre para roubar?

Nada, porém, supera o crime desencadeado pelo governo federal sob o pretexto de que poderá "faltar arroz", já que nosso Estado é o maior produtor, responsável por 70% de nossas necessidades. Nenhuma atenção deu o governo federal aos arrozeiros quando explicaram que praticamente toda a safra já fora colhida, sem necessidade de importar.

Mesmo assim, o governo federal fez um leilão para selecionar os futuros importadores de 263 mil toneladas de arroz para que os pacotes de cinco quilos fossem vendidos a R$ 20. Com isso, amenizariam os impactos das enchentes, aparecendo como "heróis" ao baixar o preço de algo essencial no cotidiano.

O leilão resultou num escândalo. Dos quatro vencedores, o primeiro foi uma loja de queijos de Macapá, capital do Amapá. Outro, uma fábrica de polpa de frutas de São Paulo. Outro mais, uma locadora de veículos de Brasília. Só um deles, de Florianópolis, tinha relação com importação do cereal.

A repercussão foi tão brutal que o leilão foi anulado. Tudo isso, porém, mostra que a imoralidade busca se transformar no arroz nosso de cada dia. Resta indagar: continuaremos enredados pelo horror ao permitir que a desolação sirva ao crime?

FLÁVIO TAVARES

15 DE JUNHO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

COLABORAÇÃO PELO SALGADO FILHO

A volta das operações no aeroporto Salgado Filho é decisiva para o processo de recuperação do Rio Grande do Sul ocorrer da forma mais célere possível. Para essa agilidade se materializar, é indispensável que todas as partes envolvidas trabalhem com equilíbrio e espírito colaborativo, ajudando-se mutuamente. Ruídos e desconfianças criam incertezas e jogam contra este objetivo. Perde o Rio Grande do Sul.

Em nome dos interesses do Estado, espera-se que o governo federal e a concessionária Fraport, no encontro previsto para a próxima terça-feira, dediquem-se a um diálogo desarmado e direcionado à busca de soluções que agilizem o retorno das operações aeroportuárias no Salgado Filho. Todos os esforços devem ser direcionados para que pousos e decolagens de voos comerciais voltem a ocorrer antes de dezembro, prazo até agora conhecido.

Podem até existir questões técnicas incontornáveis em um prazo curto, como as que têm relação com a segurança na pista. Isso ainda se saberá. Mas não é admissível que persista qualquer impasse em torno de discussões administrativas, de interpretação de contrato ou relativas a divergências acerca da legislação sobre concessões. São temas que exigem um consenso imediato.

Se governo e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) reconhecem que a Fraport tem direito a receber cerca de R$ 290 milhões por desequilíbrio no contrato causado pela pandemia, que se enderece logo a efetivação do repasse. É compreensível que a companhia, agora, busque segurança para fazer novos investimentos necessários para reequipar o aeroporto, uma vez que não recebeu ainda os recursos referentes às perdas causadas pela limitação de operação ocasionada pela covid-19. De outro lado, não é adequado o uso de bravatas, como a ameaça de devolver a concessão.

É preciso definir logo pontos pendentes e estabelecer um plano de trabalho baseado na confiança mútua. Se poder concedente e concessionária fizerem tudo o que está aos seus respectivos alcances, será possível ter esperanças mais palpáveis de que o aeroporto terá condições de reabrir antes de dezembro.

Uma série de atividades econômicas depende da volta do Salgado Filho. Algumas diretamente, como turismo, eventos e mesmo o transporte de cargas de maior valor agregado que precisam de agilidade na entrega. Outras são afetadas de maneira indireta pela dificuldade de se fazer negócios com uma praça que ficou com uma disponibilidade de transporte aéreo muito aquém da demanda.

Mesmo com o uso da Base Aérea de Canoas e o aumento da utilização de outros terminais do Interior, como o Hugo Cantergiani, de Caxias do Sul, a oferta de voos segue bastante abaixo do mínimo necessário. O Estado vive hoje quase um isolamento, condição que tem de ser revertida brevemente. É dever das partes envolvidas aparar as arestas e se associar de fato na tarefa de reabrir o Salgado Filho antes de dezembro.


15 DE JUNHO DE 2024
ENCHENTE EM CANOAS

Circo atingido calcula prejuízo de R$ 100 mil

O circo Bonaldo D?Itália tinha acabado de erguer a sua lona no bairro Harmonia, em Canoas, quando a chuvarada histórica caiu sobre o Estado. Diante do cenário, a família que comanda a atração há quase 30 anos não pôde fazer muita coisa além de abandonar a estrutura e rezar para que a água não castigasse demais o seu ganha-pão. Não adiantou. A enchente chegou a 4 metros, inundando o picadeiro, o caminhão, os trailers - que são moradias -, e as motos do globo da morte.

Dos 15 trabalhadores que tiravam seu sustento do Bonaldo D?Itália, seis decidiram abandonar o projeto, afinal, muitas incertezas pairavam sobre o futuro do circo, e as pessoas precisavam ir atrás de outra fonte de renda urgentemente. Agora, são nove artistas que estão tentando reerguer o que sobrou e tocar adiante o sonho de Primo Augusto Bonaldo, veterano trapezista que idealizou o circo.

A filha de Primo, Virgínia Vanessa Bonaldo, além de artista, também é coordenadora-geral do circo criado pelo pai. Ela conta que o prejuízo é de mais ou menos R$ 100 mil.

- A gente chegou aqui uma semana antes da enchente. Só trabalhamos dois dias e choveu - relata.

Por enquanto, os nove integrantes estão conseguindo se manter por meio de doações, após disponibilizarem um Pix em suas redes sociais.

Acalento

Alessandra Matzenauer, que atua como palhaça no circo, comenta que enquanto o cenário não retorna ao que era antes da enchente, os artistas tentam levar seu trabalho aos afetados, mesmo sem retorno financeiro.

- É nutritivo, tanto para o artista quanto para o público, se fortalecer da arte neste momento, diante de tanta destruição e tanta impotência que a gente está vendo. É uma forma de resistência, de atravessar este momento deixando vivo aquilo que é importante em nós. É um acalento - observa Alessandra.

CARLOS REDEL

15 DE JUNHO DE 2024
CAMINHO DA RESILIÊNCIA

Custo da recuperação pode chegar a R$ 9,9 bilhões

Considerando somente as rodovias estaduais, a projeção inicial do governo do Estado indica que a recuperação custaria R$ 3 bilhões. Em outro cenário, o aporte necessário para deixar as estradas mais resistentes a novas cheias chegaria a R$ 9,9 bilhões.

O diretor-presidente do Daer, Luciano Faustino, diz que a primeira projeção já considera medidas necessárias para tornar mais resistentes os pontos específicos afetados pela enchente. O gasto maior da segunda conjuntura, explica, está ligado a soluções estruturais para a extensão integral das rodovias. Ele menciona como exemplo a RS-130, no Vale do Taquari, que precisaria ser elevada:

- A diferença é se eu trato apenas um trecho de três quilômetros ou se faço levantamentos ao longo dos 50 quilômetros da rodovia, para que nenhuma enchente a atinja em nenhum ponto. As soluções seriam as mesmas, a diferença é a extensão.

A projeção, entretanto, ainda é preliminar. Os especialistas ponderam que, para definir o custo aproximado de uma nova ponte ou da recomposição de uma estrada, é necessário projeto que leve em conta elementos como a topografia do lugar, as características da via e os materiais utilizados.

As empresas de construção civil tentam, por exemplo, convencer o governo a ampliar o orçamento para a reconstrução de pontes, para que seja possível utilizar estruturas de aço em vez do concreto armado. O custo seria cerca de 50% maior, mas as construtoras justificam que a medida poderia agilizar as obras e reduzir as perdas econômicas relacionadas à logística.

O consultor Luiz Afonso Senna pondera que é preciso considerar a disponibilidade de recursos.

- Temos de pensar na resiliência, mas não seremos a Noruega nem a Dinamarca no ano que vem. Temos de saber de onde vamos tirar o dinheiro - alerta.


15 DE JUNHO DE 2024
CAMINHO DA RESILIÊNCIA

Como a infraestrutura do Estado pode ser mais resistente a desastres

Especialistas apontam medidas para evitar que estradas e travessias sucumbam diante de fenômenos climáticos extremos

Com mais de 400 trechos rodoviários atingidos pelo desastre de maio, o Rio Grande do Sul começa a recuperar a infraestrutura danificada. Especialistas em obras públicas analisam as providências para que a reconstrução de pontes e estradas considere a nova realidade climática para tornar as estruturas mais resistentes.

Entre engenheiros, é consenso que o primeiro passo para a reconstrução resiliente é incorporar os dados da enchente de maio nas médias históricas de vazão de rios e de volume de chuvas. Em muitos lugares, o nível alcançado pela água também passará a ser o referencial histórico para as obras, em um parâmetro chamado oficialmente de período de retorno. Esse indicador aponta qual o intervalo estimado de ocorrência do maior fenômeno natural registrado na região em que a obra é executada.

- As últimas chuvas elevaram a estatística. Se para uma região o máximo era de 100mm de chuva, agora é de 130mm - explica Rafael Sacchi, presidente do Sicepot-RS, entidade que representa as empresas da construção pesada.

No final de maio, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS emitiu uma nota técnica recomendando que projetos de infraestrutura de grande porte sejam "adaptáveis e flexíveis", de forma que, conforme a necessidade, uma ponte possa ser alargada ou a cota de uma barragem ser ampliada.

Histórico

O documento também sugere que esses projetos considerem a maior cheia do histórico, independentemente do período de retorno adotado.

- Cada projeto foi feito em sua época, com dados pluviométricos de comportamento de rios e cheias existentes. Os projetos não estavam errados, mas agora temos outros dados - pondera a engenheira Nanci Walter, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS).

Para o engenheiro e consultor Luiz Afonso Senna, que foi coordenador do Plano Estadual de Logística e Transportes, a revisão dos estudos implicará na necessidade de elevação da altura de pontes e rodovias para suportar volumes de água crescentes:

- Estamos falando de trechos, não de uma rodovia inteira. Em alguns casos, cinco ou 10 quilômetros, ou até menos que isso.

De acordo com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), os novos editais lançados pelo Estado para a reconstrução de pontes já contemplam as recomendações feitas na nota técnica do IPH. Além disso, preveem que as estruturas sejam erguidas ao menos 1,5 metro acima do ponto máximo em que a cheia pode chegar.

A elevação de pontes também está sendo adotada em obras federais, contratadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). É o caso da ponte sobre o Rio Caí entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis, na BR-116, que teve o pilar central deslocado pela correnteza. A nova estrutura será um metro mais alta que a anterior, terá 180 metros de extensão e 13 de largura e foi concebida sem pilar central, para aliviar a pressão da água. A ponte antiga tinha 145 metros de extensão e oito de largura.

PAULO EGÍDIO

15 DE JUNHO DE 2024
+ ECONOMIA

Alternativa ao Salgado Filho teria R$ 6 bilhões alinhavados

A falta de previsão da operação no aeroporto Salgado Filho fez com que voltasse ao debate a discussão sobre uma alternativa. A que vem sendo mais citada é do terminal em Nova Santa Rita. A coluna colheu uma perspectiva otimista: a opção mais adiantada já teria investimento alinhavado de R$ 6 bilhões.

Seria o aeroporto de Vila Oliva, a cerca de 40 quilômetros do centro urbano de Caxias do Sul, na Serra.

- O RS precisa de um segundo aeroporto do porte do Salgado Filho. O que está mais adiantado em estudos e licenças é Vila Oliva - diz Paulo Menzel, presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura.

Segundo o especialista, o terminal fica em uma região plana e pouco afetada por neblina. Oficialmente, seria um aeroporto regional, com projeção de investimento de R$ 200 milhões, muito baixo até para esse tipo de estrutura. Segundo Menzel, esse valor é só para estudos e projetos. Lembra que, em estrutura viária, estão previstos R$ 520 milhões, conforme a Secretaria de Logística do Estado.

Há previsão de licitação da estrutura assim que se completar a fase de licenças e autorizações, dentro de um ano e meio. Aí entraria o interessado. O investimento total, segundo Menzel, seria de R$ 6 bilhões, com investidor e operador definidos. Quem seriam esses corajosos é uma informação sigilosa, avisa. E reforça que essa cifra não é só do aporte privado, inclui tudo, como custos dos estudos e estrutura viária, por exemplo.

Enquanto o terminal aéreo de Porto Alegre tem capacidade para 11 milhões de passageiros por ano, a ambição seria ter até 8 milhões em Vila Oliva. Mas com uma diferença: seria mais focado em carga, não só a da Serra, volumosa e com tendência de crescimento, dada a produção com maior valor agregado. A região de abrangência passa por Vacaria e vai até o sul de Santa Catarina. Segundo o especialista, complementação e concorrência fariam bem ao transporte aéreo do Estado, até um determinado limite:

- Não se pode esquecer o Salgado Filho, que precisa voltar a operar o mais cedo possível. Logística não funciona sem interligação. O Estado comporta mais um internacional, e chega. Não pode ter terceiro, quarto, quinto, para não inviabilizar a todos pela disputa de carga e passageiros.

MARTA SFREDO


15 DE JUNHO DE 2024
POLÍTICA +

Manutenção da Expointer dá sinal positivo para o Brasil

A reconstrução do Rio Grande do Sul também é feita de sinais. Mesmo com o aeroporto Salgado Filho fechado e sem previsão de voltar a operar antes de dezembro, a Expointer será mantida na sua data original. A maioria dos participantes não depende de avião para visitar a feira, mas a falta de aeroporto dificulta a participação de visitantes de outros países. A feira precisa mais do trensurb, que hoje opera com limitações.

Manter a Expointer é um gesto de coragem e um recado para o Brasil: o Rio Grande do Sul foi arrasado pela enchente, mas não parou. É, também, uma forma de agradecer pela ajuda recebida de dentro e de fora do Estado.

Mesmo que o Parque de Exposições Assis Brasil tenha sido duramente afetado pela enchente e que precise de investimentos para receber os expositores e o público, a confirmação da Expointer na data original (24 de agosto a 1º de setembro) ajudará a alavancar a economia.

Pequenos e grandes produtores foram afetados. Perderam muito. Para se recuperar, precisam vender seus produtos, retomar a produção, começar de novo, em muitos casos. Em toda a Expointer do ano passado foram 822 mil visitantes e R$ 8 bilhões em negócios. Mesmo que neste ano não se atinjam resultados superlativos, o importante é não entregar os pontos.

O pavilhão da agricultura familiar será ainda mais especial neste ano, por conta da necessidade de exposição dos produtos dessas famílias que optaram por continuar no campo. Para esses produtores, o Ministério do Desenvolvimento Agrário prometeu o suporte necessário. Agora, é esperar que o apoio se confirme.

O governo tem obrigação de fazer a sua parte, recuperando a estrutura, mas quem faz o sucesso da feira são os expositores de todos os tamanhos.

ROSANE DE OLIVEIRA


15 DE JUNHO DE 2024
MARCELO RECH

A encruzilhada

Cada cidade atingida pelas águas de maio está diante de uma encruzilhada que vai moldar nosso futuro. Dependendo do que for feito, e como, poderemos regredir décadas ou dar um salto na qualidade de vida. Levando-se em conta que os próximos cinco anos serão os mais decisivos de nossa história, as campanhas eleitorais serão cruciais para determinar essa trajetória.

Para reduzir a margem de erro, deve-se aprender com cidades arrasadas por guerras, como Varsóvia, Roterdã e Berlim, ou por cataclismos naturais, como Kobe, no Japão, e Nova Orleans, nos EUA. Nelas, não apenas se reconstruiu o que foi destruído. Gestores visionários e sociedades calejadas pela catástrofe reergueram, sim, o que bombas, terremoto e água devastaram, mas também foram além. As cidades refizeram seus monumentos e prédios históricos, plantaram novos parques e praças, modernizaram sistemas de transporte e empregaram bons materiais e as melhores técnicas de engenharia em cada obra a favor do bem-estar coletivo.

Diante do desafio ainda urgente de se recuperar serviços básicos, é uma temeridade consumir-se energia agora em discutir candidaturas extemporâneas. Mas ali diante estaremos diante das escolhas locais mais relevantes da nossa geração. Não faltarão candidatos demagogos, oportunistas, mesquinhos ou medíocres (aliás, já começam a despontar aqui e ali). Bastará um erro coletivo, porém, para fazer desandar todo o extraordinário esforço de união e colaboração de que temos participado há seis turbulentas semanas.

O perfil de quem pretende capitanear a recuperação das cidades em calamidade deveria ter alguns contornos prioritários. O primeiro seria o de apresentar um plano de reconstrução ao mesmo tempo inovador, ousado e, sobretudo, factível. Os projetos devem mirar a qualidade de vida e os sistemas de proteção dessas cidades ao menos até o fim do século, a começar pelos cuidados e ampliação de áreas verdes para servirem como esponjas.

É salutar, também, desconfiar de candidatos que farão campanha pelo retrovisor ou com os dedos apontados para terceiros, apostando em fraturas adicionais de sociedades já traumatizadas. Aliás, que se votem apenas em candidatos que tenham o descortínio de garantir que não importa quem seja o ungido pelas urnas, diante da dimensão da tragédia, não trabalharão para sabotar o plano de reconstrução do eleito.

Adicionalmente, os líderes da recuperação deverão ter capacidade de se entender com diferentes correntes políticas, aptidão para capturar recursos onde estiverem- do setor privado ao Exterior - e obsessão por fazer as coisas acontecerem. Em suma, será a hora desses líderes, seja em cidadezinhas ou metrópoles, pensarem grande e, principalmente, agirem com a grandeza que o futuro exige.

MARCELO RECH


15 DE JUNHO DE 2024
INFORME ESPECIAL

"Pealo de Sangue"

"Velho Rio Grande

Velho Guaíba

Sei que um dia será novo dia

Brotando em teu coração"

Os versos acima são de Raul Ellwanger, na canção Pealo de Sangue. Lançada em 1979, a música soma mais de 30 gravações em cinco países e quatro idiomas. Não por acaso, foi a escolhida de Suzana Vellinho Englert, presidente da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), para uma ação solidária que uniu a Orquestra Theatro São Pedro e a cantora Fafá de Belém (nas fotos).

- Tínhamos de fazer algo para levantar fundos para o setor de turismo e eventos da Capital. Pensei nessa música e falei com o maestro Evandro Matté - conta Suzana.

Foi do regente a ideia de chamar Fafá, amiga de longa data e admiradora do RS.

- Fafá é fantástica. Ela aceitou na hora - diz Matté.

Com 19 músicos, munidos de violinos, violas, violoncelos, baixo e violão, a base da canção foi gravada em uma tarde, no palco do teatro vazio, com o apoio de muita gente boa nos bastidores. O material foi enviado a Fafá, em Lisboa, Portugal, onde ela gravou a voz, cantando como se estivesse ao lado das vítimas da enchente.

Enquanto isso, Suzana pediu a Luiz Coronel que escrevesse um poema para integrar o projeto. Assim se fez. Em uma semana, o trabalho (100% voluntário) ficou pronto e, desde 8 de junho, mais de 80 mil pessoas já viram o vídeo nas redes sociais.

- Quando comovemos, também movemos o mundo. Vamos superar os desafios - projeta Suzana.

INFORME ESPECIAL

sábado, 8 de junho de 2024


08 DE JUNHO DE 2024
MARTHA MEDEIROS

A última entrevista

Sempre fui encantada por Marília Gabriela, o que já declarei em crônicas passadas. Gabi é bivolt. Feminina e masculina, forte e frágil, pública e reservada, uma jornalista consagrada que, a essa altura, poderia dedicar-se apenas a ver a vida passar pela janela, mas continua, como mulher fora dos padrões que é, a se expor ao incerto. Com isso, acumula novos fãs e renova a admiração de quem já estava no papo, como eu.

Era noite de sexta em São Paulo e a plateia inteira roía as unhas, suponho que todos mais nervosos que ela. Então soou o terceiro sinal e deu-se o início da peça A Última Entrevista de Marília Gabriela, em que ela contracena com o próprio filho, o talentoso Theodoro Cochrane, num retorno ao palco, ao estúdio e ao divã, tudo ao mesmo tempo, que é assim que as pessoas múltiplas enfrentam a vida. Num debate íntimo e universal (sei que abuso das ambivalências, mas este texto fala de Marília Gabriela, que jeito), cada um deles interpreta a si mesmo e interpreta o outro, num jogo de espelhos que trinca, naturalmente. É difícil refletir sobre tantas verdades e tantos silêncios.

As relações entre mães e filhos fazem parte de uma construção social que elevou o "instinto maternal" à categoria de divindade. Resultado: o mundo tem hoje um excedente de mães culpadas e de filhos carentes. De mães que precisam aprender a se perdoar e de filhos que precisam parar de torturá-las. Nos dois lados do ringue sobram feridas abertas, dores represadas. O tão aclamado amor incondicional, que de fato existe, acaba inflamado pelo fato de que nem mães, nem filhos são celestiais. Há que se resgatar a humanidade entre eles, antes que sucumbam à idealização perversa que começa no instante em que uma mulher engravida.

A peça, com texto de Michelle Ferreira (baseado em depoimentos dos próprios atores) e direção de Bruno Guida, mostra o lado oculto deste elo. Para nosso alívio, a montagem consegue injetar suavidade e bom humor em meio ao que é bruto e intenso (as ambivalências, de novo). Nem poderia ser diferente, pois no âmago de tudo, está o querer bem. Se não houvesse o desejo do encontro pleno, por que nos entregaríamos às emoções dessa forma?

Marília está com 77 anos e o cabelo ótimo. Não leva uma vida perfeita, e sim a vida que quer: um ato de validação pessoal e de exemplo aos que não se atrevem a tanto. Theodoro não precisa provar nada a ninguém, é um ator corajoso e carismático. Teatro é para audiências pequenas, não é televisão, por isso reverbero aqui essa contribuição que a dramaturgia está nos oferecendo, na torcida para que o assunto se esparrame pelos almoços em família, em vez de ficar confinado apenas aos consultórios psiquiátricos. Que a alta venha para todos.

MARTHA MEDEIROS

08 DE JUNHO DE 2024
SAÚDE

Cuidado íntimo

De falta de água e produtos a banheiros compartilhados, mulheres têm enfrentado dificuldades nos abrigos para manter a higiene menstrual

Em cenários de catástrofe ambiental, semelhantes ao que o Rio Grande do Sul vivencia desde o final de abril, é comum haver impacto na saúde menstrual das mulheres, especialmente das que precisaram sair de casa e se instalar em abrigos. Períodos de falta de água, banheiros compartilhados e dificuldade de acesso a itens básicos de higiene menstrual são alguns dos desafios que as vítimas da enchente já enfrentaram ou seguem enfrentando. 

Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Segundo a ginecologista Nadiessa Almeida, professora da Escola de Medicina da PUCRS e apresentadora do podcast de saúde feminina Do Hipotálamo à Vagina, dignidade menstrual pressupõe ter acesso a condições e produtos adequados como absorventes, coletores menstruais, água, saneamento básico, entre outros.

A Defesa Civil do Estado tem recomendado, entre os itens para doação e nos kits de higiene, a inclusão de absorventes. Esses donativos são repassados aos municípios, responsáveis pela gestão dos abrigos e o encaminhamento destas peças. limpeza e secagem

De acordo com a enfermeira Michelle Mônica Ruprecht Redin, que coordenou por cerca de 10 dias um abrigo no bairro Morro do Espelho, em São Leopoldo, a principal dificuldade não tem sido a falta de absorventes e calcinhas - embora estas doações precisem continuar chegando para a manutenção da dignidade de quem ficará abrigada por um longo tempo - mas sim a higiene pessoal, já que os banhos são limitados e a limpeza e secagem das peças íntimas é mais complicada. - 

No início, quando ainda não tinha água, o que tínhamos para oferecer eram os lencinhos umedecidos, que vieram bastante nas doações, junto com calcinhas e absorventes. Mas uma dificuldade agora é que muitas têm de lavar a roupa íntima no banho e colocar para secar no quarto ou no espaço onde estão alojadas e é difícil secar. Então, às vezes, acabam repetindo a roupa íntima e trocando só o absorvente - relata a enfermeira.

Também é de conhecimento que em alguns abrigos, por falta de estrutura e acesso para áreas de serviço, as peças íntimas estão sendo higienizadas no chuveiro e deixadas para secar em ambientes pouco arejados.

- Nesta situação de exceção, deve-se higienizar bem com o sabão ou sabonete que esteja disponível e, se possível, colocar para secar em um local arejado. Caso não exista esta possibilidade de secar ao ar livre, com sol e vento, sugiro que encontrem dentro do abrigo um local onde a peça possa ser suspensa para secar. Evitar que fique longos períodos dobrada e molhada ou secando dentro de sacolas plásticas, pois pode facilitar a proliferação de fungos - explica Nadiessa.

BOM SENSO

Quanto à higiene pessoal, o momento também é de bom senso e de fazer o que estiver ao alcance, reflete a médica:

- Normalmente sugerimos que as mulheres não utilizem lenços umedecidos na região vulvar e anal e que não façam uso frequente de protetores diários de roupa íntima. Entretanto, na situação de calamidade que vivenciamos, as orientações devem ser sensatas e razoáveis. Se o que há disponível no local para higiene são lenços umedecidos, eles podem ser utilizados. Assim que a estrutura local permitir, volta-se às recomendações habituais de higiene íntima, de fazer a lavagem com água e sabonete, evitar lenços e protetores diários como rotina.

Nadiessa também recomenda prestar atenção a sinais de problemas de saúde íntima que podem estar relacionados ao contexto atual de alto estresse e dificuldade de higiene. Alguns sintomas que servem de alerta são prurido (coceira), sinais de irritação como ardência ou vermelhidão local, alterações importantes de corrimento vaginal, odor fétido e lesões dolorosas. Se estes fatores estiverem presentes, a recomendação é buscar avaliação médica.

- Nas situações em que há necessidade de avaliação ginecológica nos abrigos, a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do RS (Sogirgs) tem disponibilizado um canal direto para solicitação de consultorias e avaliações presenciais. Os coordenadores de abrigos podem solicitar esta avaliação dos especialistas através do link disponível nos canais de comunicação da Sogirgs, como o Instagram - ressalta a especialista.

LETÍCIA PALUDO

08 DE JUNHO DE 2024
HISTÓRIA

HISTÓRIA

Por séculos, o Rio Grande do Sul foi disputado pelas coroas ibéricas, mantendo fronteiras indefinidas e uma população dispersa e marginal. A ocupação efetiva do território gaúcho só teve início no século 18. No começo da década de 1820, a província tinha cinco municípios e apenas 67 mil habitantes, dos quais 9 mil eram indígenas e 20 mil, escravizados africanos. Algumas estimativas da época falam em uma população total próxima a 92 mil pessoas.

O povoamento europeu da região de Porto Alegre havia se iniciado no começo dos anos 1750, com a chegada de casais açorianos trazidos pelo governo português. Em 1772, o então "Porto dos Casais" foi elevado à categoria de freguesia, tendo no ano seguinte recebido o nome de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre. Em melhor posição geográfica e estratégica do que Viamão, a freguesia foi transformada em capital da província. Em 1822, ganhou o foro de cidade. Segundo dados oficiais, nessa época Porto Alegre contava com uma população de cerca de 6 mil pessoas - ou 12 mil, conforme os cálculos de alguns viajantes europeus.

Entre eles estava o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que visitou o Rio Grande do Sul em 1820. Observador atento, ele escreveu sobre tudo o que viu. A capital gaúcha o impressionou tanto pelo número de casas novas e de dois andares quanto pela sujeira: "Depois do Rio de Janeiro, ainda não tinha visto uma cidade tão imunda". As habitações eram construídas de pedra e tijolos e os telhados, pintados de branco. Porto Alegre possuía então diversas ruelas e pelo menos três grandes ruas calçadas, entre as quais a "extremamente movimentada" Rua da Praia.

Saint-Hilaire descreveu as várzeas e os campos cultivados com plantações de mandioca e cana de açúcar que cercavam a cidade. Elogiou o clima ameno da província, que diferia do calor escaldante do Rio e Salvador. Achou que a atmosfera lembrava a França. Em julho, durante sua estadia, houve geada "quase todas as noites" - segundo ele, o suficiente para se colher gelo para fazer sorvetes.

Contudo, para espanto do francês, os gaúchos não aqueciam as casas, como faziam os europeus. Segundo ele, os porto-alegrenses se protegiam do frio vestindo "um espesso capote que lhes embaraça os movimentos e os impede de tremer de frio". Ele também escreveu sobre o hábito do chimarrão, servido em uma pequena cuia cuidadosamente esculpida com desenhos variados e uma bomba de prata, e "o ligeiro perfume misturado de amargor" da bebida. "Logo que um estranho entre na casa, oferecem-lhe mate imediatamente", observou.

Outro estrangeiro que deixou observações sobre o Rio Grande do Sul dessa época foi o alferes Carl Seidler. Agenciado por Schaeffer, o jovem alemão chegou ao Rio de Janeiro em 1825, para servir no Exército imperial, dentro do projeto de imigração criado por José Bonifácio. Seidler não escondeu sua preferência pela capital gaúcha em detrimento das demais cidades brasileiras por onde passou. Em seu livro de memórias afirmou que Porto Alegre era "bonita e romântica quando olhada da lagoa dos Patos" e "certamente a mais agradável estada que o Brasil pode oferecer aos alemães". 

Como seu contemporâneo francês, notou o clima ameno e a paisagem característica, as ruas regularmente calçadas, alguns edifícios notáveis (como o Palácio do Governo, concluído em 1789 e demolido no final do século 19 para construção do Piratini) e as belas igrejas (como a antiga Matriz, que mais tarde daria lugar à Catedral Metropolitana). Naquele tempo, os limites urbanos de Porto Alegre mal passavam da Rua da Igreja, a atual Duque de Caxias. Seidler também descreveu o hábito do chimarrão, a "bebida aromática" que era servida numa cuia com "um canudo fino, provido de peneira numa ponta".

Foi para o despovoado Rio Grande do Sul que d. Pedro I decidiu enviar os imigrantes alemães que começavam a chegar ao Rio de Janeiro em 1824. Eles seriam recebidos na pequena e pitoresca Porto Alegre, antes de serem enviados para seu destino final: a colônia de São Leopoldo.


08 DE JUNHO DE 2024
SAÚDE MENTAL

AS GERAÇÕES Y E Z SÃO MAIS ANSIOSAS

Quando chamou o nome de seu novo paciente, um jovem mexicano chamado Luís, na sala de espera de sua clínica em Pasadena, na Califórnia, Estados Unidos, Lauren Cook encontrou um homem nervoso, constrangido e envergonhado. Luís sofria de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e, entre outras manias, lavava as mãos incontáveis vezes ao dia - a ponto de elas ficarem feridas.

- Outros pacientes já haviam descrito o TOC como se o cérebro estivesse pegando fogo e você não tivesse um extintor por perto para apagar o incêndio - relata a psicóloga.

Luís é um dos 11 pacientes que tiveram seus casos relatados em Geração Ansiosa: Um Guia Para se Manter em Atividade em um Mundo Instável, livro publicado no Brasil pela editora Rocco. A seguir, confira uma entrevista com a autora:

No livro, você compara crise de ansiedade à sensação de afogamento. Por que as gerações Y (nascidos entre 1982 e 1996) e Z (entre 1997 e 2010) são mais propensas a "morrerem afogadas"?

Sim, comparo o ataque de pânico à sensação de afogamento porque é algo muito assustador. Muitas pessoas têm a sensação de que estão morrendo quando sofrem ataque de pânico. As gerações Y e Z estão experimentando altas taxas de ansiedade por uma série de razões. Muitos se sentem inseguros, enfrentam dificuldades financeiras e são inundados pelas redes sociais. Embora vejam pessoas online constantemente, se sentem mais sozinhos e isolados.

Você diria que as gerações Y e Z são mais ansiosas do que as anteriores? Por quê?

Ao que parece, essas duas gerações apresentam níveis mais altos de ansiedades em comparação com as anteriores. Isso se deve ao fato de que, em suas curtas vidas, essas duas gerações suportaram convulsões políticas, ondas de violência (hoje em dia, qualquer um pode ser vítima de um tiroteio) e se sentem menos esperançosas quanto ao futuro, tanto do ponto de vista financeiro quanto no que diz respeito ao aquecimento global. 

A tecnologia também desempenha um papel importante. Embora tenhamos hoje mais acesso à informação do que nunca, há também uma grande desvantagem: somos constantemente bombardeados por acontecimentos preocupantes. Além de nos sentirmos excluídos socialmente, também sentimos que os outros estão se saindo melhor. Afinal, só vemos seus "melhores momentos" nas redes sociais.

A ansiedade é genética (nascemos com ela) ou ambiental (aprendemos a ser)?

É uma mistura dos dois: genes e ambiente. Embora alguns sejam mais ativados do que outros (e isso se deve ao centro do medo em nosso cérebro, a amígdala, que varia em termos de tamanho e de nível de resposta), muitos sofreram traumas ou outros eventos estressores. Em outros casos, podemos ter sido criados em famílias onde fomos educados a nos preocupar excessivamente com o futuro. Estava arraigado em nós que a preocupação era essencial para que pudéssemos evitar armadilhas.

ANDRÉ BERNARDO