sábado, 24 de abril de 2021


17 DE ABRIL DE 2021
JULIA DANTAS

PENSAMENTO POSITIVO

Foi apenas neste ano que conheci o conceito de positividade tóxica, e achei-o fascinante. A positividade tóxica se dá quando, não importa o que esteja acontecendo, a pessoa mantém uma atitude forçadamente positiva, tentando impor aos outros essa postura e silenciando as emoções negativas. É quando você comenta com alguém que está ansioso, triste e preocupado porque perdeu o emprego, e a pessoa responde que "toda crise é uma oportunidade", ou que "basta pensar positivo", ou ainda que "é só ter força de vontade para superar isso".

Nunca vi força de vontade ser aceita no caixa do mercado, então essa é sempre a frase que mais me perturba. A gente poderia unir os 14 milhões de desempregados mais os quase 6 milhões de desalentados do Brasil numa imensa corrente de pensamento positivo e isso não pagaria a conta de luz de ninguém.

Claro que é uma coisa ótima encontrar modos de obter uma perspectiva construtiva sobre os nossos problemas, mas convém não perder contato com a realidade. Como dizem por aí - e já faz tempo -, ou você é feliz ou é bem-informado. Ao longo do último ano, todo brasileiro precisou de um período de desintoxicação após ler o noticiário, pois, assim como há males que vêm para o bem, há males que só vêm para o mal mesmo.

Qual o lado bom no fato de que, mês passado, mesmo diante da perspectiva de mais um ano letivo em EAD, o presidente da República ter vetado o projeto que garantiria internet grátis a alunos e professores da rede pública? Como alguém pode ver algo de bom no fato de que o ministro da Justiça gasta seu (muito bem pago) tempo abrindo processos contra quem critica o presidente em público? Cinco pessoas foram presas em Brasília por segurarem uma faixa que dizia "Bolsonaro genocida" e trazia uma caricatura dele com chifres. A gente deve olhar para isso e ficar satisfeito que pelo menos ele sabe ler?

Qual o lado positivo do fato de que o (primeiro) ano da pandemia foi também o ano com a menor verba para combate ao trabalho escravo em toda a década? A gente deveria ficar feliz que pelo menos a verba foi reduzida em 40%, mas não foi zerada? Não sei vocês, mas eu ando cansada de viver num país onde "pelo menos" virou a norma de sobrevivência.

A gente se vê obrigado a pensar que o governo colocou no ar um site oficial que receitava cloroquina até para bebês, mas pelo menos o site foi tirado do ar rapidamente graças a uma denúncia da imprensa. É para ficar feliz? Faltou oxigênio, faltou leito, faltou UTI, mas pelo menos não faltou caixão? Insistiu que era gripezinha, falou mal e não comprou vacina, fez rodízio de ministro da saúde, chamou os preocupados de histéricos, atacou jornalistas rotineiramente, mas pelo menos vai ter CPI?

Eu sei lá. Sempre fui otimista, mas acho que sob esse governo o que a gente precisa se permitir sentir é raiva mesmo. Raiva e vontade de criar dias melhores. Milhões de pessoas unidas numa corrente de pensamentos não pagam um mísero boleto, mas viram uma eleição. Pensamento positivo para mim é esse.

JULIA DANTAS

17 DE ABRIL DE 2021
LEANDRO KARNAL

ONDE ERRAMOS?

O primeiro susto foi em um restaurante em Tóquio. Paguei a conta e deixei dinheiro a mais. A moça veio atrás de mim devolvendo o excesso. Insisti que era para ela. Recebi uma recusa polida: Its my job. Sim, era o trabalho dela. Guardei as notas com algum constrangimento. Parecia que eu tinha maculado um ambiente puro. Em uma metrópole como a capital do Japão, a maioria dos trabalhadores está acostumada ao oferecimento de gorjetas por parte de turistas. Nos lugares menores, bem sei, decai o inglês e aumenta o espanto. Já sou pago para fazer o que faço. Fazer bem é um item de honra e não pode ser em função do desejo de dinheiro. Parece-me sempre ter ouvido isso sem nunca ter entendido o que falavam. Meu japonês é inexistente, e o inglês, fora das grandes áreas urbanas, é fraco no arquipélago do sol nascente.

Vamos em direção ao Ocidente. Há países nos quais as quantias extras são esperadas por todo serviço. Turistas são fonte de renda e existe pobreza. Salários baixos impelem trabalhadores a aguardar o amparo suplementar. Já fiquei irritado em viagens. Parecia, por vezes, que um simples sorriso deveria ser recompensado com um dólar. Uma vez, indo a um congresso com minha amiga Flavia Galli Tatsch, pessoas pegaram nossas malas na esteira do aeroporto e saíram em passo rápido. Fui atrás rápido, imaginando um roubo. Não! Eram carregadores que, sem pedir ou oferecer, pegaram as bagagens e saíram até a rua para... receberem gorjeta. Sorridentes, colocaram os volumes no carro que indiquei e esticaram as mãos ávidas. Na prática, houve um sequestro relâmpago das nossas roupas e o resgate era em matéria sonante.

Achava que eram as dificuldades econômicas que explicavam o fato. Todavia, em grandes economias capitalistas, como os EUA, a gorjeta é até mais sagrada do que em rincões do Terceiro Mundo. É grave, crime de lesa-pátria, não deixar o valor no pagamento na terra do presidente Biden. Pode ser que em alguns lugares seja a luta pela sobrevivência, em outros o capitalismo que tabela de trabalho a felicidade. O que explicaria o Japão?

No Brasil, por exemplo, oferecemos prêmios para crianças de classe média e alta para fazerem o que deveriam por pura e primária obrigação. Viagens, presentes, dinheiros e outros são ofertados na bandeja do futuro para que os jovens... estudem. É uma forma de suborno ou recurso válido para a educação. Será que as crianças japonesas, diante de um convite a um regalo para que estudem, responderiam: "Não, meu pai, não posso aceitar seu oferecimento. Eu estudo para ter um futuro e ser digno do nome da família, afinal, it?s my job?". Vindo do Brasil, a terra que apresenta alto índice de trabalho infantil em classes baixas e altíssimos níveis de mimo pedagógico nas altas, tendemos a idealizar sistemas sociais e educativos melhores.

Crianças francesas comem de tudo e nunca fazem "manha" pública. Crianças japonesas trabalham com a ideia de dever em grau elevado. Onde erramos?

Sabemos que nós, mais velhos, quase sempre tivemos pais com regras mais claras do que as gerações atuais. O Legislativo da casa da nossa primeira idade estava fora do nosso alcance: todos os valores e normas vinham prontos e pétreos. Nem sempre era justo e quase nunca fácil. "Deitem-se às 21h!" Por quê? Seria grave 20h45min? 21h15min? Ninguém sabia. Era assim desde a aurora dos tempos e a ordem do mundo dependia do rápido atendimento da diretiva materna. Desligar a televisão (a única, na sala). Escovar os dentes e cama! "Mas eu não estou com sono!" "Não precisa dormir, meu filho, basta ficar quietinho no quarto com luz apagada até amanhã."

Submetidos, outrora, a regimes menos inclinados à negociação, imaginamos que os jovens de hoje são folgados e cheios de birra. Um psicanalista daria boas pistas para analisar nosso horror aos sistemas em vigência como forma de responder a nossas dores. Como mudamos de lado com o tempo, temos maior apreço pelo cabo do chicote do que compaixão pelo lombo que o suporta.

Crianças devem ser ouvidas sempre e atendidas de quando em vez. Regras devem ser racionais, claras e justas. Exceções podem e devem ser abertas em nome de valores maiores do que a norma, como a defesa da vida. Nunca deveria ser oferecido suborno para que um filho faça o que deveria fazer. Elogios são bem-vindos, críticas com cuidado e sem humilhação, indicando o caminho correto. Explicação olho no olho, abaixando-se para falar com uma criança. A birra existe e não há dano permanente se alguém de sete anos não receber o que deseja na hora que solicita. Nunca, jamais usar de autoridades externas ou imaginárias em caso de recusa infantil: "Eu vou chamar o guarda...". É uma mentira, e você perderá sua autoridade. Você é pai ou mãe, não "amiguinho" do filho.

Crianças não podem trabalhar formalmente, devem estudar e brincar. Elas devem ser estimuladas a tarefas leves domésticas como arrumar a cama e guardar brinquedos quando tiverem discernimento para tal. Presentes dados a todo instante diluem a alegria das datas. Os limites devem ser dados e jamais a violência física. É quase uma sina: erramos em educação, sempre. Porém, alguns cuidados impediriam que transformássemos crianças pobres em pequenos escravos e as ricas em imbecis mimados. Evitar tais erros já ajudaria bastante o futuro do nosso amado país. Boa semana com esperança nas crianças.

LEANDRO KARNAL

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