sábado, 6 de março de 2010



06 de março de 2010 | N° 16266
NILSON SOUZA


Me leia!

Encontro na Redação o doutor Scliar, recém chegado de sua atividade física diária, pois a imortalidade literária não garante longa vida a ninguém – a não ser aos personagens da boa ficção, da qual ele é mestre. Pergunto-lhe como vai o mundo dos livros. Sua resposta é de um realismo desconcertante:

– Os escritores estão vivendo de palestras.

Logo relaciono a observação do nosso acadêmico com a atual crise da leitura, hoje uma das grandes preocupações de quem trabalha em mídia impressa. E imagino em voz alta o que esses escritores-palestrantes devem pensar:

– Já que ninguém nos lê, que pelo menos nos ouçam.

Claro que exagero. Algumas pessoas continuam lendo livros e jornais, sim, embora sem a voracidade de outros tempos. O tempo, exatamente ele, é o grande vilão dessa história de desencanto.

Quem ainda consegue separar uma ou duas horas de seu dia para mergulhar nas páginas de um romance? Descartadas as exceções, que sempre as temos, inclusive aquelas que provavelmente me xingarão por generalizar, são cada vez mais raras as pessoas que trocam o biguebróder ou o computador pela literatura.

Se a televisão já fez muita gente tirar a estante de livros da sala, as novas gerações e suas maquininhas digitais parecem estar preparando o epitáfio do texto impresso. Com um máximo de 140 caracteres, pois mais do que isso já fica cansativo.

O que me preocupa é exatamente isso: a cultura da superficialidade. Outro dia fiquei duplamente triste quando li a notícia da morte de José Mindlin, o mais célebre bibliófilo brasileiro. Bibliófilo, não é preciso googlar, é um apaixonado por livros.

Pois bem, além da consternação pelo desembarque do nosso planeta de um passageiro tão simpático, fiquei pensando na solidão de uma biblioteca com milhares de volumes arrecadados ao longo de uma vida.

Quem irá visitá-los? Quem irá folheá-los, acariciar suas lombadas, percorrer seus índices à procura do capítulo mais interessante ou identificar nas dedicatórias os amores do autor? Talvez os livros de Mindlin, mesmo os doados, tenham ficado irremediavelmente órfãos.

E a seus autores não restará outra alternativa a não ser falar sobre suas obras, exibi-las em palestras, gritá-las em praça pública como se fossem mascates das letras. Alguém haverá de ouvir este grito desesperado:

– Me leia!

Para isso, o mínimo que se exige é uma boa forma física – como ensina o imaginoso autor do Manual da Paixão Solitária, que não é exatamente a literatura.


Renato Stockler

Como se forma um bom aluno

Todo pai quer que seu filho vá bem na escola. Só querer não basta. A seguir, duas lições de crianças que se destacam nos estudos

UMA HISTÓRIA FELIZ


Pedro Manzaro lê um livro na biblioteca do colégio. Ele tinha dificuldades na escola. Recuperou-se graças ao gosto pela leitura

Não há pai ou mãe que não sonhe com isso: que seu filho vá bem na escola, encontre uma vocação e faça sucesso. É por isso que os pais brasileiros, ouvidos em uma pesquisa do Movimento Todos pela Educação, disseram participar com afinco da vida escolar de seus filhos.

Essa participação, porém, tem suas falhas – como mostra um detalhamento da pesquisa de 2009, feito com exclusividade para ÉPOCA. Em alguns casos, há falta de tempo (a queixa mais comum de quem tem filho em escola particular). Em outros, o principal obstáculo é o desconhecimento do conteúdo ensinado (para quem tem filho em escola pública).

A pesquisa também detectou conceitos ultrapassados de como impulsionar o conhecimento. A maioria dos pais presta demasiada atenção às notas e preocupa-se menos em estimular a leitura ou acompanhar se a criança está aprendendo.

Em outras palavras: há mais cobrança que incentivo. É como se os pais considerassem que sua tarefa principal é garantir o acesso à escola – a partir daí, a responsabilidade seria dos professores. Isso é pouco, principalmente num país que não tem avançado satisfatoriamente na área da educação.

O nível de ensino das escolas brasileiras, mesmo as de elite, é baixo, na comparação com os países mais avançados. Um relatório do Ministério da Educação, ainda incompleto, mostra que atingimos apenas um terço das metas do Plano Nacional de Educação, entre 2001 e 2008. A evasão escolar no ensino médio aumentou de 5% para 13%. Só 14% dos jovens estão na universidade. Menos de um quinto das crianças até 3 anos frequenta creches.

E, no entanto, há ilhas de excelência. Há alunos brilhantes, curiosos, esforçados, interessados, capazes. Não estamos falando de superdotados.

São meninos e meninas comuns, de colégios públicos e particulares, pobres ou ricos, que vão para a escola e... aprendem. Mais: formam-se. Estão no caminho de se tornar cidadãos melhores, pessoas melhores, gente de sucesso. Fazer com que uma criança seja assim não está inteiramente ao alcance dos pais.

Pesquisas mundiais mostram que o envolvimento paterno responde por, no máximo, 20% da nota final. O restante seria determinado pela qualidade da escola, a relação com os professores, a influência dos colegas e, claro, seu próprio talento. Mas há, em cada um desses fatores, também uma influência dos pais.

Cabe a eles analisar a escola, monitorar os professores, perceber o ambiente em que seu filho vive, estimular-lhe os talentos naturais. Talvez não seja possível fabricar bons alunos. Mas, como atestam as experiências dos garotos e das garotas desta reportagem, há boas receitas para ajudá-los a descobrir esse caminho.

O PRAZER DE APRENDER

BRINCADEIRA

Guilherme e seus dinos, em uma praça. A paixão ensina a pesquisar e tirar conclusões


Guilherme Ortolan, de 9 anos, tem dificuldade de passar para a próxima fase. Não na escola. Essa ele tira de letra. O problema de Guilherme é que, quando joga um de seus games preferidos com o pai, esquece o objetivo.

“Ele para o jogo para me dizer que a classificação de um dos bichos na tela está errada: aquele dinossauro não pode ser herbívoro e viver naquela parte da floresta se tem dentes tão pontiagudos, típicos dos carnívoros”, diz o pai, também Guilherme. A paixão do menino pelos dinossauros começou cedo. Ele nem era alfabetizado. Os pais souberam estimular seu interesse.

Começaram comprando lagartos de brinquedo. Depois vieram os livros. E as pesquisas na internet. E os recortes de jornais e revistas (muitos deles presenteados pelos professores). A família inteira ficou envolvida pela mania, e Guilherme acabou virando “especialista”. Quando vai brincar com seus dinossauros, ele os organiza por período geológico. Ou por hábitos alimentares.

Esse processo mostra como uma paixão ajuda a estimular a criatividade, ensina a pesquisar por conta própria, tirar conclusões, fazer conexões. Se os pais e professores não sabem reconhecer e estimular as paixões naturais das crianças, se insistem para ela “largar de bobagens e se concentrar no que é sério”, inibem o aprendizado, em vez de promovê-lo.

Com Guilherme, aconteceu o contrário. “O repertório dele é superior ao dos colegas”, diz Maria Isabel Gaspar, coordenadora pedagógica da escola em que ele estuda, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Não são raras as vezes em que ele já tem informações sobre o que está sendo ensinado na sala de aula.”

Esse tipo de aluno – capaz de fazer associações e reflexões mais sofisticadas – as melhores universidades do país procuram. Em seus vestibulares, elas evoluíram da cobrança de acúmulo de informações para a capacidade de solucionar problemas. O Enem, a prova unificada de seleção aplicada pelo Ministério da Educação, segue a mesma linha.

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