
A hora do banho de banheira
Às vezes, tudo de que preciso é um bom banho de banheira. Bem quente e com espuma, de preferência. Mas, lamentavelmente, não tenho banheira em casa. Na verdade, nunca tive uma casa com banheira. Falo das grandes, em que você se senta e fica com as pernas esticadas. Uma banheira na qual é possível dormir, como nos filmes americanos em que a mocinha dorme enquanto o assassino se aproxima. As pequenas, em que você fica todo encolhido, essas já tive. Não conta.
A primeira vez que tomei um banho de banheira autêntico foi na Itália. Eu nunca fora à Europa, e já tinha mais de 30 anos de idade. Viajei para cobrir uma missão econômica de empresários de Criciúma no norte italiano. No começo, nós não nos conhecíamos, então ficamos desconfiados. Eles empresários, eu jornalista, sabe como é. Mas, quando chegamos a São Paulo, já éramos os melhores amigos.
Viajamos pela Itália em um ônibus. Imagine: 30 brasileiros atravessando o belíssimo norte italiano, parando de cidade em cidade, conhecendo não apenas as empresas, mas as atrações dos lugares. Foi uma das mais divertidas viagens que fiz.
Em Milão, nos hospedamos em um hotel muito bom. Os quartos eram espaçosos e confortáveis. E o banheiro tinha... banheira! Fiquei olhando para ela: era imensa, porém acolhedora. Decidi: no dia em que tiver tempo, vou tomar banho de banheira.
O dia seguinte a essa tomada de decisão foi duro. Acordamos cedo, visitamos empresas não apenas em Milão, mas nas cidades próximas. Só voltamos para o hotel à noite. Eu estava sujo e cansado. Era a hora de tomar banho de banheira!
Foi o que fiz. Temperei a água e enchi a banheira. Em seguida, entrei nela como uma diva de Hollywood. Fiquei ali, relaxando, talvez por meia hora. Quando saí, concluí que relaxei demais. Baixou-me a pressão e tive de me deitar na cama para não desmaiar. Banhos de banheira podem ser perigosos, deduzi. Mas não desisti deles. Até hoje, tanto tempo depois, se encontro uma banheira apropriada, vou para o banho. Só cuido na hora de me levantar. Saio da banheira relaxado e renovado, sem necessitar de mais nada, nem sexo.
Talvez você ache futilidade da minha parte isso de banheira. É porque você não sabe de algo que já escrevi a respeito, que o revolucionário Marat passava os dias na banheira e dentro dela foi assassinado. E que Churchill despachava da banheira, bebendo uísque e fumando charuto. Talvez algumas das mais importantes deliberações que salvaram o Ocidente dos nazistas tenham sido tomadas em uma banheira.
Então, estou absolvido. E agora, neste momento em que estamos todos lidando há um ano e meio com um vírus que pode ser mortal, que estamos confinados em nossas casas, que estamos à mercê de um governo errático, que chegou a recusar vacinas contra a doença, agora que o juiz e os promotores da Lava-Jato estão sendo condenados e aqueles que eles condenaram estão sendo festejados, agora tudo de que preciso é um bom banho em uma grande banheira, com espuma e tudo.
Mas grande banheira não há. Continuarei aqui, na expectativa de que o tempo cure os males que ele próprio causou.
DAVID COIMBRA

24 DE ABRIL DE 2021
J.J. CAMARGO
A FERA OMISSA
"Nascer é uma possibilidade. Viver é um risco. Envelhecer é um privilégio!"
(Mario Quintana)
Não há, no reino animal, um ser tão dependente de ajuda ao nascer quanto o homem. Tendo como único instrumento de defesa a inespecificidade do choro, ele tem que administrar com esperteza o limitado potencial deste recurso, variando em decibéis desde o choramingo até o choro estridente e irritante. E, às vezes, muito irritante, dependendo do grau do parentesco do ouvinte ocasional.
E esta necessidade se prolonga, de tal maneira que enquanto algumas espécies já morreram de "velhas", e a maioria está em plena maturidade e autonomia, os humanos estão ainda remanchando com necessidades básicas e sendo festejados, sem constrangimento, pelos pais amorosos quando conseguem vencer dependências que, comparadas com as de outras espécies, parecem ridículas - como abandonar bico e dispensar as fraldas.
Por estranho que possa parecer às outras espécies (e quem saberá o que elas pensariam, se pensassem?), é exatamente nesse período inicial de convívio e fragilidades que construímos os laços afetivos mais fortes com nossos filhos. É quando daríamos qualquer coisa para assumir uma dor que os atormente. Essa realidade só é ridicularizada por quem, não tendo tido filhos, ainda foi beneficiado pelo esquecimento dos incômodos e sustos que provocou na dupla que não dormia e não comia e que velou sua maravilhosa descendência como se todas as viroses da infância fossem fatais.
A rotina é que a necessidade de agradecer por esses "serviços prestados" só surja de forma pungente quando eles próprios têm filhos. Fazendo a roda girar, finalmente descobrem o verdadeiro sentido de ser pai e mãe.
Com olhar crítico, sem nenhum viés afetivo, ainda é muito difícil determinar com precisão quando o ser humano se habilita à autodefesa, mas certamente é depois da adolescência, isso segundo os especialistas em desenvolvimento humano. Porque na opinião da maioria das mães essa dependência nunca é atualizada. E por isso a mãe de verdade não tem nenhum constrangimento de se comportar, enquanto viver, como a felina mais primitiva, sempre disposta a morrer para proteger a sua cria, que nunca terá idade para dispensar este cuidado.
Pelo somatório de razões e experiências, quem trabalha com crianças doentes, principalmente se tem filhos e netos, desenvolve uma espécie de sensor para detecção do mais denso afeto familiar, que se revela no rosto sem maquiagem, na profundeza das olheiras, na vermelhidão dos olhos, na prontidão das lágrimas e na inquietude das mãos.
O desenvolvimento instantâneo de empatia explica porque os médicos mais afetuosos, muitas vezes, debruçados durante horas sobre a complexidade de um caso, não esquecem de mandar recados tranquilizadores para as mães, consumidas de angústia na sala de espera.
Confiando que essas atitudes sejam normais, simplesmente por serem as mais frequentes (e não é este o conceito de normal?), choca tanto que um menino lindo, sem as mínimas condições de autodefesa, cuja expressão de desespero era tamanha que não conseguia controlar o vômito quando via o padrasto, tenha sido imolado pelo psicopata sem ter antes despertado na mãe a fúria primitiva da felina, que para defender a cria ameaçada nunca precisa ouvir a opinião de ninguém.
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