sábado, 31 de maio de 2025



30 de Maio de 2025
CARPINEJAR

É complicado

Quando alguém não quer conversar, não está a fim de prosa nem de verso, declara: "É complicado". É a senha irônica, cética e realista de quem busca se retirar. O código morse da indiferença. O "aham" disfarçado de palavras. A réplica universal para não se comprometer. A fuga polida da nossa época. Parece estar entrando no papo, porém anseia ir embora.

Não é que a pessoa não esteja ouvindo - é que ela não pretende continuar ouvindo. Gostaria de se ausentar dali no próximo minuto. É uma promessa de abstenção.

Não adianta discursar para ela, não adianta argumentar ou chamar atenção. Guarde sua saliva. Ela será uma parede. Repetirá "É complicado" até você se dar conta.

"É complicado" traz uma falsa esperança. Parece que o emissor está concordando com você, mas não se propõe a procurar uma solução junto. Não se sente confortável para se posicionar. Talvez perceba uma falta de confiança na relação. Ou carregue um medo de se envolver à toa em polêmicas. Ou veja grandes riscos de ser mal interpretado ou de desembocar numa rua sem saída de algum extremismo ideológico.

Existe uma economia do tempo, um racionamento da energia. Uma percepção de que será inútil expor considerações pessoais ou informações científicas: o outro lado já está decidido.

Notou que, se confessar o seu ponto de vista, não sairá mais do embate. Não conseguirá mais se despedir. Apenas se poupa de dar sua opinião. Demonstra preguiça com aquele encontro. Não deseja se aprofundar no assunto. Tenta evitar o falatório desnecessário.

É uma forma educada de manifestar que não há interesse, ou que não haverá nenhuma resposta direta.

Pressentiu que não ocorreram empatia, conexão, afinidades. Ou inclusive identificou confusão nos sentimentos do interlocutor, pouca clareza em suas intenções. E então profere a sentença.

A expressão pode ser a constatação de estar diante de um chato, ou de um inoportuno, ou de um fofoqueiro, ou de um tipo que já se mostra absolutamente indiscreto.

Trata-se de uma estratégia moderna de dispersão. Um recurso de linguagem da isenção, para permanecer em cima do muro.

- O que acha do tarifaço do Trump?

- É complicado.

- Como analisa o rombo da Previdência?

- É complicado.

- Como reage à alta dos juros no Brasil?

- É complicado.

- A dívida pública está fora de controle?

- É complicado.

- E esse dólar, jamais vai baixar?

- É complicado.

- Vai ter reforma tributária de verdade ou só maquiagem?

- É complicado.

- A China vai mesmo dominar o mundo até 2050?

- É complicado.

- A inteligência artificial substituirá os jornalistas?

- É complicado.

- Relacionamento aberto funciona?

- É complicado.

- Cancelamento tem poder de cancelar alguém para sempre?

- É complicado.

- Ainda temos tempo de salvar o planeta?

- É complicado.

- Quanto mais durará a guerra na Ucrânia?

- É complicado.

- Por que a influenciadora Virgínia Fonseca e o cantor sertanejo Zé Felipe se separaram?

- É complicado.

- Por que toda música viral no TikTok começa com "Cê acredita"?

- É complicado.

Nunca são perguntas inofensivas. São uma cilada: prepare-se, que lá vem tese.

O complicado cabe para tudo- para não dizer nada.

Aliás, quem você acha que ganhará as próximas eleições presidenciais no Brasil? 

CARPINEJAR 

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