sábado, 25 de outubro de 2025


25 de Outubro de 2025
ANDRESSA XAVIER

Conexão

Nessa semana eu estava em um estabelecimento para fazer uma compra. Eis que o sistema da loja caiu. Poderia demorar dois minutos ou duas horas para ser restabelecido, me disse o vendedor. Nesse tempo, sem compras possíveis.

Nas minhas últimas férias, na Bahia, queríamos comer tapioca. Entramos no restaurante que prometia mais de cem combinações. Para minha total surpresa, o pedido era via QR code. No link, podíamos escolher a massa tradicional ou com outros ingredientes, os recheios, os opcionais. Eram umas 15 caixinhas para marcar em cada panqueca. Terminei e fui incluir outra. O bendito sistema me mandou voltar e preencher tudo de novo. Desisti. Ainda tentei explicar para o senhorzinho que estava só esperando eu me virar, pedindo que ele anotasse no caderninho e passasse à cozinha, mas ele negou. Disse que agora era somente pelo site. Éramos seis pessoas. Saímos e sobraram quatro no restaurante. O dono não foi capaz de reverter a situação.

A tecnologia é maravilhosa. A inteligência artificial é revolucionária. Mas, sem o mínimo de noção real e sensibilidade, não adianta nada. Se o sistema não voltar em duas horas, o que farão os funcionários senão mandar o consumidor ao concorrente? Se o cliente estiver sem bateria, o tio da tapioca fica no prejuízo. Parem de usar QR code como se fosse algo acessível a todos.

Recentemente, o ator Mateus Solano se excedeu e arrancou o celular da mão de uma espectadora no teatro. Alguns acharam deselegante. Outros deram razão ao ato. Independentemente do juízo do que ele fez, o motivo é mesmo irritante. Estamos em um momento em que as pessoas não conseguem ficar uma hora longe de seus aparelhos. Incluo-me entre os que passam tempo demais com o celular, muitas vezes rolando a tela para nada.

O problema não é o aparelho, é a falta de medida. A tecnologia amplificou um traço antigo: a indelicadeza. Agora, ela vem travestida de modernidade. O restaurante que só aceita pedido online se orgulha da eficiência, mas esquece que existe gente do outro lado. Gente que quer ser atendida, ouvida, acolhida.

O vendedor que se vê de mãos atadas porque o sistema caiu também é vítima. A empresa terceirizou a humanidade para um código de programação. A tecnologia nos prometeu tempo, praticidade e autonomia, e nos entregou impaciência, automatismo e afastamento do real. Hoje, qualquer "erro de sistema" paralisa uma loja, uma refeição, um atendimento básico.

Não é sobre negar o digital, nunca, mas sobre lembrar do essencial. Enquanto a máquina processa dados, é o humano que processa relações. A tecnologia pode até ser inteligente, mas a empatia ainda não foi programada.

O futuro será cada vez mais tecnológico, mas em mesma medida precisará ser também mais humano. Porque, no fim, o que mais faz falta não é conexão de internet. É conexão entre pessoas. 

ANDRESSA XAVIER

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