sábado, 25 de outubro de 2025


25 de Outubro de 2025
CARPINEJAR

Despreparados

Quando um afeto sofre um acidente ou enfrenta um desconforto, você sempre é pego de surpresa. Vai ao hospital de chinelos. Não tem tempo para se arrumar. Não tem cabeça para se alinhar. Não pensa em buscar uma peça secando no varal ou em passar uma camisa. Sai de casa como estava. Não quer perder nem um minuto do socorro.

Durante o dia, na sala de espera dos plantões médicos, não há ninguém bem-vestido - com exceção dos infortúnios da madrugada em que as pessoas partem diretamente das festas e das celebrações.

Todos estão ali com as vestimentas da rotina e do lazer, pescados por uma doença ou fatalidade, na angustiada tensão por notícias e boletins. Perdoam-se calças sem cinto, bermudas sem elástico, furos na região das axilas das blusas, mangas e golas puídas.

Nota-se um traço comum do imprevisto: os rostos ainda com as marcas impressas pelos travesseiros, as remelas nos olhos, as roupas folgadas e inconscientes do destino, a carteira na mão e a bolsa no colo avulsas, nada combinando com nada, numa sobreposição do acaso.

Não tem como se preparar para uma emergência. Não tem como se valer da melhor aparência, dos pudores e asseios do espelho. Não há maquiagem, não há pente, não há escova, não há barbeador, não há os elementos mediadores entre a privacidade e a rua.

Se estava junto do doente, corre com a velocidade de uma ambulância. Se estava longe e recebe uma ligação, larga tudo ao léu, numa evacuação instantânea do lar e da alma.

Há uma cultura familiar de se mostrar presente nos bastidores, mesmo que você não possa visitar o paciente, mesmo que não possa vê-lo, mesmo que não possa ser útil, mesmo que apenas tumultue a entrada do lugar.

É um protocolo da amizade, uma demonstração de importância, um gesto de interesse e de extrema prioridade. Trabalhos, tarefas, reuniões, alegrias e sono são sumariamente interrompidos para uma lição de empatia.

Grupos de conhecidos se amontoam na recepção, numa corrente de solidariedade. Trata-se de uma característica de nossa mentalidade. Talvez seja uma simpatia emocional, uma crença de que aquele que está lá dentro, na maca, sob cuidados, sentirá as vibrações de quem se encontra do lado de fora. Ter alguém esperando é um reforço positivo para a convalescência.

Os problemas de saúde de um ente próximo despertam a nossa indigência, o nosso desamparo, a nossa incompetência para a despedida. Já a morte suscita o nosso perfume e incensos, encomendados demoradamente para as exéquias.

O velório e o enterro não exibem parentesco com o atropelo do pronto-atendimento. Como a perda se faz consumada, não existe mais a luta contra o relógio, e você consegue se aprumar devidamente para dar as condolências e prestar as homenagens derradeiras. Raramente se observa, na cerimônia fúnebre e na hora do adeus, um parente ou amigo de qualquer jeito. Até os guarda-chuvas e sombrinhas esticam elegantemente suas lonas em direção ao céu turvo, não deixando escapar nenhuma vareta.

A dor do luto dispensa a ansiedade. 

CARPINEJAR

Nenhum comentário: