quinta-feira, 8 de novembro de 2007



08 de novembro de 2007
N° 15412 - Nilson Souza


Sem fadas

Estou convencido de que as únicas certezas deste nosso passeio pelo planeta são a largada e a chegada. Entre esses dois pontos mora um duende esperto, chamado Livre-arbítrio, que representa o poder de que todos somos dotados para construirmos a nossa própria estrada.

Sábio Antonio Machado: caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Mas, assim como os paranóicos também podem ser perseguidos, de vez em quando os céticos de carteirinha tropeçam em atordoantes coincidências. Acontece comigo seguidamente.

Aconteceu esta semana. Saí para almoçar com um amigo, e nossa conversa, sobre mulheres e livros, derivou para uma colega de ofício que escreve muito bem: Rosina Duarte. Fazia um século que não a via. Ela escreveu no ano passado um belo livro chamado Contos sem Fadas, que ainda pode ser encontrado na Feira.

Repórter competente e comprometida com causas sociais, ela passou três anos ouvindo depoimentos de mais de uma centena de mulheres idosas na região fronteiriça do Estado e organizou uma coletânea de histórias fantasticamente reais, que incluem simpatias, receitas de doces, cantigas de infância e a visão feminina daquelas vidas.

Li o livro e fiquei muito impressionado, tanto com a qualidade do texto quanto com um fato que me chamou a atenção, embora não fosse a intenção da autora evidenciá-lo: os depoimentos revelam que a maioria daquelas mulheres, quase a totalidade, passou a existência acumulando mágoas e ressentimentos de seus companheiros. Fiquei chocado com aquela constatação.

Relatava esse fato para o colega quando, no topo da escadaria do shopping onde fomos almoçar, deparamos com a autora do livro. Para quem não crê em fadas, uma coincidência monumental.

Parecia até que, de alguma maneira, havíamos evocado sua presença. Brincamos sobre o assunto. E ouvimos dela um breve relato de como realizou o trabalho de ouvir histórias esquecidas para costurar lembranças esparsas e transformá-las em contos sem fadas.

Minha amiga espírita me dirá, como já disse tantas vezes, que nada ocorre por acaso. Não sei como Rosina foi parar na vida daquelas mulheres que sobreviveram às próprias amarguras e protagonizaram belas histórias.

Mas sei bem quem me mandou escrever este texto, que pretende homenagear seu talento de escritora e talvez levar algum freqüentador da Feira a procurar no fundo do balaio um livro que merece ser lido.

Foi um duende.

Como a previsão é de chuva, mesmo assim, que tenhamos todos uma ótima quinta-feira.

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