
15/02/2008 - 23:21 | Edição nº 509
A internet em pessoa
Três mil internautas acostumados a se ver só pela web se encontram em carne e osso. A festa digital teve desde aulas de como fazer foguetes até shows de DJs
MARCELO ZORZANELLI
FESTA NA BIENAL
1. Rapaz se distrai usando a conexão de alta velocidade para conversar pela internet 2. Grupo de jogadores comemora uma vitória durante um campeonato de videogame 3.O ministro da Cultura, Gilberto Gil (ao lado de Marcelo Branco, diretor do evento), cumprimenta o pingüim, mascote do sistema operacional Linux
4. Um campuseiro manda um recado para casa 5. Um gabinete de PC em forma de caveira: nem dá para imaginar que há um computador ali dentro 6. Esfera giratória ligada a um visor tridimensional. Os sensores da esfera enviam sinais que permitem mover-se no ambiente virtual
Sob um calor que a arquitetura calcária de Oscar Niemeyer amplifica como nenhuma outra, aconteceu na semana passada a primeira Campus Party brasileira.
O evento é importado da Espanha, onde se consolidou como a meca dos amantes da tecnologia. No Brasil, ocupou os três andares da Bienal, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Ali estiveram 3 mil “campuseiros” – aficionados de tecnologia que pagaram R$ 100 para passar sete dias acessando a internet a 5 gigabytes por segundo (625 vezes melhor que a conexão mais veloz disponível no país) e, se assim desejassem, dormindo em barracas. Mas não só isso.
Gente entre 12 e 50 anos discutia tendências tecnológicas, apresentava trabalhos acadêmicos e desenvolvia novas habilidades em palestras e oficinas. Cada um levou o próprio computador.
As áreas de interesse representadas na Campus Party foram muitas: astronomia, games, música, modificação de computadores, construção de robôs, redação de blogs, desenvolvimento de foguetes... A lista parece não acabar. Nem assim, o cardápio de atividades agradou a todos.
“Fiquei frustrado porque as palestras foram feitas para iniciantes”, disse o campuseiro Lázaro Mariano. “O que está sendo mais útil é a troca de arquivos de músicas, filmes e games”, disse Felipe Navas, que acampava perto de Lázaro.
“É como se estivéssemos dentro de uma rede torrent de compartilhamento de arquivos.” Este foi, a princípio, o maior desafio da Campus Party: fazer um evento que fosse mais que uma lan house gigante.
A solução começa a aparecer quando se acompanha Marcelo Branco, o diretor-geral da Campus Party. Rouco de tanto dar entrevistas, ele tentava raciocinar enquanto passeava ao longo dos balcões onde centenas de adolescentes batucavam os teclados de seus computadores multicoloridos.
Branco é um dos mais atuantes defensores do uso do sistema operacional Linux em detrimento de sistemas pagos, como o Windows, da Microsoft. Sua presença na Bienal guardava certa semelhança com a filosofia tecnológica que ele prega, a do código aberto.
Qualquer blogueiro que se aproximava conseguia trocar algumas palavras, e geralmente deixava alguma sugestão. Marcelo ouvia com atenção, processava a informação e tentava responder. “Estamos administrando o caos”, disse.
Marcada por um discurso de abertura em que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou que é preciso “banda-alargar” o Brasil, a Campus Party pareceu obstinada em cumprir seu objetivo de não ser apenas um ponto de acesso à internet rápida.
“Conversei com as pessoas na versão espanhola e reparei que a maioria só estava lá por causa da conexão”, diz Alexandre Youssef, coordenador dos projetos de música da Campus Party Brasil.
“Aqui, vejo as pessoas participando das palestras e trocando conteúdo.” A forma cooperativa de tratar o trabalho foi uma das pautas mais exploradas na Bienal.
Até os DJs que apresentaram suas músicas projetavam a imagem da tela dos computadores para que todos soubessem o que eles estavam fazendo. Juliano Spyer, historiador da Universidade de São Paulo, deu uma palestra para a tribo dos blogueiros sobre o novo cenário da internet.
“A Wikipédia é um dos melhores exemplos de colaboração: cada pessoa participa quando quer, compartilhando informação para formar verbetes que se interligam para criar uma enciclopédia.”
Segundo ele, na nova internet, os indivíduos não têm uma tarefa definida e os processos estão em eterno aprimoramento. Spyer, que tem dez anos de experiência em projetos de comunidades on-line, disse que na Campus Party “ninguém é audiência, todos são participantes.”
CARA A CARA
Grupo de jovens que se conheceram pela internet, mas só se viram pessoalmente na Campus Party: “Alguns meses antes, a gente começou a trocar mensagens”
A tendência mais radical no campo das discussões sobre colaboração interativa é o BarCamp. Segundo André Avorio, auto-intitulado evangelista de BarCamp na Campus Party, este é um modelo de “desconferência”.
É o que ele chama de discussão horizontal, porque não há palestrantes em cátedras – qualquer um pode propor um assunto e opinar sobre o que é dito.
E se virar bagunça? “É o que todos me perguntam”, disse André. “O que organiza tudo é uma página colaborativa no estilo wiki (em que as pessoas podem modificar o que outras escreveram). Ali fica a agenda das discussões e um registro dos progressos.”
Um grupo de campuseiros levou mais longe a tendência de fomentar colaborações. Imprimiu camisetas com perguntas como “Os jogos eletrônicos são nocivos à saúde?”.
Na terça-feira, as camisetas diziam: “Para que serve um nerd?”. O administrador do site que criou a campanha, Kleberson Bezerra, disse que os nerds simplesmente “fazem o mundo girar”.
Preocupado em atualizar seu site, chamado Jornal de Debates, Kleberson mal tirou os olhos da tela para dizer: “E somos normais. Os nerds estudam muito, mas também vão para as baladas e ficam com as mulheres”.
Uma boa notícia para os neonerds, portanto, é que a participação feminina na Campus Party brasileira superou as taxas européias. Na Espanha, elas eram 2%. No Brasil, 22%Rola namoro? “Sim, e como”, disse Camila Frasquetti, uma campuseira que travou contato no Orkut, antes do evento, com pessoas que iriam à Campus Party.
O menu de lasanha de microondas e refrigerante quente não ajuda a criar o clima de romantismo (vinho está fora de questão, já que bebidas alcoólicas não são permitidas na Campus Party).
Mas a afinidade está garantida: “Aqui é o único lugar onde nossas piadas são entendidas”, diz Camila.
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