27
de dezembro de 2011 | N° 16929
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Noites antigas
Os tempos não eram definitivamente ecológicos. Tanto que uma
carroça verde depositava na calçada de nossa casa, na Rua Sete de Setembro, em
Cachoeira, um enorme pinheiro que alcançava o teto.
Vi a chegada, mas não vi os mistérios de
depois. A porta da sala de estar foi cuidadosamente fechada para a minha
curiosidade de menino de três anos, e só aberta já noite fechada.
Nesse instante, ocorreu todo um
deslumbramento. O pinheiro era tão alto que, como disse, alcançava o teto. Mas
isso era nada. O que maravilhava era aquela imensa torrente de tímbalos e
enfeites que se despenhava até o chão – uma caprichosa obra de arte de minha
mãe.
– Esta é nossa Árvore de Natal – explicou
meu pai.
Eu já adivinhava e contemplei, siderado,
aquela torrente de cintilações, brilhos, sinos, anjos, arcanjos que descia até
o humilde presépio onde um pai e uma mãe velavam pelo Menino. A noite era fria
e bois, vacas e ovelhas zelavam com sua respiração para que não sofresse com a
temperatura.
À direita, minha irmã Miriam, que era muito
pequena, descansava, adormecida em um berço.
Os presentes foram distribuídos, eu ganhei
uma bola, um elefante e um caminhão com caçamba. E então aconteceu um pequeno
milagre.
De repente surgiram vozes que cantavam,
menos eu, que não conhecia a música, Noite Feliz. Miriam dormia em paz.
Depois vieram muitos Natais.
Nunca esqueço um, passado em Montevidéu, em
plena ditadura. Aquela cidade vocacionada para a liberdade estava sufocada por
um regime obscurantista que aprisionava o Estado de Direito e calava os
cidadãos.
Precisamente na Noite de Natal, essa cidade
calada pela violência reagiu. Rua a rua, quadra a quadra, bairro a bairro
ecoaram os protestos de um estrondoso panelaço clamando pelo retorno da
democracia.
Foi um dos mais belos espetáculos de
civismo a que assisti.
Comecei falando em Cachoeira, terminei em
Montevidéu. É que, no Natal, paz rima com liberdade.
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