sábado, 22 de novembro de 2025


22 de Novembro de 2025
DRAUZIO VARELLA

O STF e os aditivos saborizantes no cigarro

Misturar ao fumo produtos químicos com gosto de chocolate, sorvete de creme, framboesa e outros sabores ao gosto da criançada é perversidade inominável. Lidar com vendedores de drogas ilícitas é tarefa complexa, como demonstraram os acontecimentos recentes no Rio de Janeiro. Enquanto houver dependentes químicos dispostos a qualquer sacrifício para comprá-las, existirão traficantes decididos a correr riscos para vendê-las.

O mesmo acontece no comércio das drogas lícitas. O caso dos vendedores de nicotina, droga causadora de uma das dependências mais avassaladoras, é semelhante. A diferença é que os primeiros ficam sujeitos à repressão policial e às masmorras que chamamos de presídios, em nosso país, enquanto os outros podem andar de terno e gravata e fazer propaganda com liberalidade, para viciar nossas crianças e adolescentes.

Quando fiz 17 anos, acendi o primeiro cigarro e cai nas garras dos fornecedores, dependência química que me subjugou por 19 anos, no ritmo de um maço por dia.

Por ridículo que possa parecer, naquele tempo começávamos a fumar sem saber sequer que fazia mal. Éramos estúpidos? Talvez, mas a indústria tabaqueira é quem dava as cartas nos meios de comunicação de massa. Pobre do jornal, da revista, da estação de rádio ou de TV que ousasse publicar ou levar ao ar uma notícia ou entrevista que explicasse a relação causal entre fumo, câncer, ataques cardíacos, AVCs e outras doenças graves. A insubordinação era punida com o corte imediato das verbas publicitárias.

A peso de ouro, as propagandas exibiam mulheres encantadoras em poses sensuais, jovens praticando esportes e homens na maturidade em iates ou cavalgando corcéis fogosos. As marcas eram associadas ao sucesso, à liberdade, à força física e à saúde. Graças a essa estratégia perversa, viciaram em nicotina milhões de crianças e adolescentes em nosso país. Cerca de 90% dos usuários tinham menos de 18 anos (proporção que se mantém até hoje). Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o tabagismo como doença pediátrica.

Em combinação com essas armadilhas, os fabricantes implantaram a estratégia de acrescentar aditivos ao fumo, para disfarçar o sabor aversivo da fumaça. Misturar ao fumo produtos químicos com gosto de chocolate, sorvete de creme, framboesa e outros sabores ao gosto da criançada - além do mentol para trazer sensação de frescor à garganta irritada pela fumaça - é perversidade inominável.

As quantidades desses aditivos em cada cigarro são altas. Faltam estudos para avaliar os subprodutos resultantes de sua combustão. Alguns deles têm atividade carcinogênica documentada em sistemas experimentais. Certamente, fumar cigarros com aditivos é ainda mais perigoso.

Em 2012, com base numa infinidade de evidências científicas, a Anvisa proibiu o uso de saborizantes nos produtos de tabaco. Desde então, a aplicação dessa norma da agência tem sido adiada por conta de ações judiciais movidas pela indústria do fumo e seus asseclas. Atualmente, mais de 40 delas tramitam na Justiça, numa demonstração clara da participação dos fabricantes. A consequência do esforço para impedir que a norma da Anvisa seja obedecida foi o registro de mais de 1,1 mil produtos de tabaco com aditivos para serem comercializados no mercado brasileiro.

Esse absurdo foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), instância em que o ministro Cristiano Zanin pediu vistas do processo, há alguns meses. Como o prazo para a devolução está para se esgotar, o julgamento será retomado.

Duvido que haja uma só leitora ou leitor da coluna de hoje que aprove um crime desses, cometido contra nossas crianças e nossos adolescentes com a única finalidade de torná-los dependentes químicos de uma droga legalizada que lhes trará sofrimentos pelo resto da vida e morte precoce. Os estudos mostram que o cigarro encurta em média 10 anos a vida de uma mulher, e 12 anos a de um homem.

Em 37 anos de convívio com usuários de crack nas cadeias de São Paulo, aprendi que é mais difícil largar do cigarro do que do crack. Em 50 anos tratando de pacientes com câncer, cansei de ver gente esclarecida morrer sem conseguir se livrar dessa praga. Como ex-fumante, experimentei na pele o desespero que a abstinência de nicotina provoca no dependente.

A indústria do fumo comete crimes continuados contra a saúde pública há pelo menos um século. Caberá aos ministros do Supremo decidir se vão dar cobertura a mais este. 

DRAUZIO VARELLA

22 de Novembro de 2025
J.J. CAMARGO

A figura do cuidador

Um dos pilares no trabalho de um médico é o acolhimento explícito, que gera a certeza da permanência como derradeira retaguarda. "Às vezes, o maior ato médico é simplesmente não ir embora." (Luke Fildes)

A futilidade das relações pessoais pode se expressar de várias maneiras. Em nenhuma situação ela é tão danosa como quando um dos envolvidos está fragilizado. A Maria Amélia provou um modelo cruel porque, além do descaso, ainda viveu uma terrível reversão de expectativa. E a mim sobrou a má sorte de ter indicado o algoz do seu ingênuo entusiasmo.

- Na semana passada, com uma crise de dor que não passava, estive no consultório três vezes, e ele foi um amor. Até que chegou a sexta-feira! - disse ela. - Depois de uma pausa para recompor fôlego e ânimo, ela completou: - Insegura pela demora em superar a crise, e assustada pela proximidade do fim de semana, perguntei: o senhor poderia fazer o favor de me dar o número do seu celular para alguma emergência? Ele mudou o tom de voz e, irritado, me disse: "Crises fora de hora se tratam em emergências. Que aliás, existem para isso!".

Dei um tempo em silêncio e esperei que ela anunciasse que tinha terminado o desabafo. Não tinha. Ela ainda estava com a indignação a meio pescoço:

- Enquanto aparentemente escrevia o endereço da tal emergência, ele conseguiu ser mais cruel quando disse com ar de deboche: "Quem sabe a senhora trata de melhorar para não precisar mais de nenhuma consulta?". Levantei, girei nos calcanhares e fui embora, furiosa.

O comentário final mostrou que ao menos o senso de humor estava de volta, intacto: - Caminhando a passos largos a caminho de casa, descobri que a raiva aumenta muito a força das minhas pernas.

Não tendo justificativa possível, me limitei a ouvir, esta que é última atitude solidária diante do absurdo. Tudo mais que se dissesse perdera o sentido, porque aquele olhar afiado de "esse tipo nunca mais" estava sacramentado pela violação de um dos pilares do cuidado do outro, que só completa se for incondicional: o acolhimento explícito, que gera a certeza da permanência como derradeira retaguarda.

E o cotidiano está repleto desses exemplos didáticos, em que a presença do cuidador é essencial e inadiável. Com mais ou menos glamour, mas com o mesmo significado para os envolvidos, isso ocorreu no naufrágio do Titanic com o comandante priorizando a saída dos passageiros, ou no pouso do avião avariado no Rio Hudson em Nova York, ou, bem recentemente, no incêndio bizarro em Porto Alegre de um ônibus lotado de estudantes de Vacaria, em que todos sobreviveram ilesos, porque a fuga foi orientada por um dos meninos com treinamento de bombeiro mirim. E no final da fila estava ela, a guardiã natural dos nossos filhotes, e última a sair: a professora, anônima, indefectível e silenciosa.

Sem crachá, muitas vezes fica difícil identificar esses invisíveis que circulam por aí, sem alarde, saciados pelo fascínio de cuidar do outro. 

J.J. CAMARGO

Foco

Parece coreografia de piscina de resort. Todos para a direita, todos para a esquerda. Mãos para o alto, balança a cintura, dobra a perna. O Congresso tem vivido dias de dançar conforme a música tocada nas redes sociais. Na tentativa de responder a tudo, apressa debates e, muitas vezes, os abandona com a mesma rapidez com que um story desaparece do Instagram.

Quando o youtuber Felca escancarou o que muitos se recusavam a enxergar, o holofote ficou por semanas sobre a adultização de crianças e adolescentes. O tema, antes empurrado na fila, virou pauta urgente. Projeto votado, aprovado e transformado em lei para proteger menores no ambiente digital. É positivo tirar assuntos relevantes da gaveta, mas também revela que foi preciso um maestro externo para que a priorização acontecesse.

A operação da Polícia Federal que expôs a roubalheira comandada de dentro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos últimos anos exigiu que governo e Congresso corressem atrás de informações e até de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Neste mesmo ano, a fila do INSS chegou ao maior patamar. O esforço para conter a corrupção acabou travando ainda mais a razão de existir do órgão, que há tempos não atende a população como deveria.

O vento também soprou forte sobre outro assunto urgente. Só depois de uma megaoperação policial no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, com mais de uma centena de mortos e outra de presos, o Congresso voltou a olhar para o endurecimento de penas contra facções criminosas. Foi preciso o choque das imagens e dos números para que o projeto, parado havia meses, voltasse a andar. Por outro lado, as fraudes do Banco Master e do BRB, mostradas nessa semana, ainda não geraram essa reação dos parlamentares brasileiros.

Mesmo assim, prefiro olhar o lado bom. Talvez Brasília esteja finalmente ouvindo e enxergando o que acontece fora do mundo mágico dos privilégios próprios. O Brasil precisa de uma agenda estratégica, que mire o que é prioridade agora e também o que será fundamental nos próximos anos. É necessário escutar o que a população quer e precisa, e não apenas o que viraliza no calor do momento. Não são debates de três minutos nem vídeos com milhões de visualizações que vão fazer o futuro do nosso país.

Sabemos que 2026 terá pauta única. A eleição para Câmara, Senado, Presidência, Assembleias e governos estaduais vai tomar conta de todo o debate nacional. Até lá, o desafio é que os passos dessa dança não sigam apenas o ritmo da internet, mas o ritmo real do país. _

ANDRESSA XAVIER 


22 de Novembro de 2025
EUGÊNIO ESBER

Washington, temos um problema

O relator do projeto de lei antifacção, aprovado nesta semana por ampla margem de votos na Câmara dos Deputados, não ousou enquadrar multinacionais do crime, como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, como "organizações terroristas". Não foi por falta de convicção do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), e sim porque o consórcio STF-PT é terminantemente contra, alegando - acredite se quiser - risco à soberania brasileira. A Argentina e o Paraguai, em exemplo que deve ser seguido por outras nações vizinhas, não tiveram esse receio. 

Logo que a polícia do Rio travou um confronto armado com o Comando Vermelho, que eliminou 117 e prendeu outros 121 bandidos que depuseram seus fuzis de guerra, os presidentes Santiago Peña e Javier Milei anunciaram medidas que consideram o PCC e o CV aquilo que de fato são - organizações terroristas. Com isso, reforçam medidas de controle na fronteira com o Brasil e dizem ao mundo livre que têm real interesse em contar com a cooperação internacional para não se tornarem narcoestados como a Venezuela, hoje cercada por uma impressionante força militar que recebeu de Donald Trump a missão de desalojar do poder "El Súper Bigote" Nicolás Maduro, presidente ilegítimo do país e apontado por Washington como chefe do Cartel de los Soles.

O projeto de Derrite traz avanços inegáveis para o combate aos faccionados e, principalmente, aos seus líderes, imputando-lhes um novo tipo de crime, o "domínio social estruturado". É quando a facção controla um território e impõe suas próprias regras à população local. Um quarto da população brasileira já vive sob a lei do crime e do seu bárbaro tribunal, e surpreende que só agora, meio século depois da tomada dos morros do Rio pelo tráfico e a expansão deste Estado paralelo para outros Estados e países, a lei brasileira trate objetivamente deste câncer. 

O projeto antifacção barra as saidinhas e a progressão para o regime semiaberto, isola os líderes, impõe penas de até 66 anos, monitora conversas dos presos com seus advogados, acaba com visitas íntimas e extingue o pagamento de auxílio-reclusão.

O texto deve ser desidratado no Senado, submisso a Lula. Ele próprio, no momento da sanção, poderá mutilar mais algumas partes do projeto; e, mesmo que o Congresso derrube seus vetos, restará o STF, hoje uma espécie de petismo de toga. Alguma esperança? Sim. Da Justiça dos EUA, que neste momento ouve a confissão de traficantes dos cartéis venezuelano e mexicano sobre suas conexões. Washington, que já registra a presença do CV e do PCC em boa parte do território norte-americano, virá atrás dos narcoterroristas e dos seus poderosos patrocinadores, onde quer que se abriguem.

Lá, o crime não compensa. _

EUGÊNIO ESBER

22 de Novembro de 2025
MARCELO RECH

Master escândalo no ar

Prepara a pipoca que a nova novela do Brasil real já começou. Será difícil bater uma campeã de audiência como a Lava-Jato, mas o fuzuê no Banco Master tem todos os ingredientes para despertar uma torrente de emoções capaz de reviver alguns dos melhores momentos do mar de lama que volta e meia sacode a política nacional.

Primeiro, o flagra no Master tem como personagem central um vilão clássico de Hollywood: Daniel Vorcaro, o herdeiro ganancioso que não mede atitudes para a escalada social. De jogada em jogada, ele se torna, aos 42 anos, protagonista do disputado teatro de escândalos nacionais. No passado, o papel já foi desempenhado por Marcelo Odebrecht e Eike Batista, ambos com larga experiência em celas da Polícia Federal e que hoje levam vidas discretas.

Vorcaro, não. Sua rotina de exuberâncias pode ser reconstituída aqui e ali pelas redes sociais. Em 2023, no auge da ostentação novo-riquista, ele consumiu R$ 15 milhões na festa de 15 anos da filha, em Nova Lima, perto de Belo Horizonte. Segundo jornais locais, Vorcaro pavimentou um quilômetro de rua até a mansão onde se esbaldaram 500 convidados. Para não se incomodar com os vizinhos, o nosso filantropo reservou para eles suítes em hotéis cinco estrelas de BH durante o fim de semana.

A vida pessoal de Vorcaro preencheria muitos capítulos. Suas festas, como a de um camarote na Marquês de Sapucaí neste ano, e os investimentos particulares, como o prédio do Hotel Fasano Itaim, em São Paulo, e um pedação do Atlético Mineiro, renderiam boas cenas, mas o lado pessoa física não é o eixo do script. Embora o deslumbramento de Daniel com a súbita fortuna produza narizes torcidos em banqueiros que sabem o valor do recato, a pimenta que interessa ao país é como as conexões políticas de Vorcaro postergaram a manutenção do castelo de cartas que ele havia construído.

À esquerda, à direita e ao centro, personagens políticos se revezam na proximidade com Vorcaro e seus interesses econômicos. Nesta sinopse, não cabem os nomes e as circunstâncias em que desfilarão nomes estrelados do mundo jurídico, político e empresarial ao longo do roteiro que se desenha. Alguns terão de dar muitas explicações, como o BRB e o governo do Distrito Federal, que o controla, bem como o fundo de pensão dos servidores do Rio, o RioPrevidência, e o governador Claudio Castro.

Um queria porque queria meter o pé na jaca do Master e foi barrado pelo Banco Central. O outro enfiou ali R$ 2,6 bilhões do dinheirinho dos servidores, dos quais um terço quando o banco já resfolegava. Ah, e a cena de Daniel Vorcaro sendo preso em Guarulhos prestes a embarcar em um dos seus três jatinhos terá de ser cortada. É plágio do final de Vale Tudo. Nem tudo vale. _

MARCELO RECH

22 de Novembro de 2025
PANORAMA NO RS

PANORAMA NO RS

Informalidade no Estado já atinge 1,8 milhão de trabalhadores

No Rio Grande do Sul, o desemprego atingiu o menor patamar dos últimos 13 anos. Por outro lado, atuação sem registro permanece no mesmo nível há quase uma década, cerca de 31,2% da população. Especialista aponta falta de orientação sobre processo de formalização

Em meio às movimentadas ruas de Porto Alegre, o motorista de aplicativos André Luis Silva do Nascimento, 33 anos, enfrentou um acidente de trânsito. Foi esse fato que o fez refletir sobre o desamparo da informalidade.

Há dois anos sem carteira assinada, ele encontrou nas entregas uma forma de manter as contas em dia. Entretanto, o trabalho sem registro não lhe garante acesso a benefícios sociais nem à aposentadoria por tempo de contribuição. A realidade vivida por André reflete o que enfrentam 1,8 milhão de gaúchos que atuam na informalidade.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no segundo trimestre de 2025, o desemprego no Rio Grande do Sul atingiu a menor taxa dos últimos 13 anos. Por outro lado, a taxa de informalidade permanece estável há quase uma década, cerca de 31,2% da população.

De acordo com Walter Rodrigues, coordenador da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) no Rio Grande do Sul, o número de pessoas sendo contratadas vem aumentando, o que ajuda a reduzir o desemprego. Porém, esse crescimento não acontece de forma similar em todos os setores da economia.

- Nós temos ramos da economia, como a indústria, por exemplo, onde há uma maior formalidade, mas cresce menos do que outros ramos. Já comércio e serviços têm um crescimento maior de emprego, porém a formalização é menor, enquanto a informalidade é maior. Então, os setores da economia que mais crescem são justamente aqueles onde há maior informalidade - pontua o pesquisador do IBGE.

Por isso, mesmo com a queda do desemprego, a informalidade diminui lentamente. No RS, por exemplo, 266 mil pessoas seguem desempregadas.

Reflexos

Logo após ser demitido, André começou a trabalhar 12 horas por dia como motoboy, atuando com aplicativos de entrega para sustentar a família. Sua esposa também estava desempregada.

A partir do acidente de moto, ele não teve apenas um choque físico, também sofreu um impacto psicológico. Então, reparou que deveria regularizar sua situação profissional:

- Quando sofri o acidente, me deu um estalo. Se eu me acidentar, eu não vou ter ali um recurso, algum valor, até eu poder voltar a trabalhar. Nosso serviço é perigoso, o risco de não voltar para casa é diário.

Na sua visão, parte dos trabalhadores informais não conhece ou não tem acesso a informações que os auxiliem a sair da informalidade.

O mesmo pensa a professora de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Wendy Carraro:

- Microempreendedor Individual (MEI), por exemplo, veio como uma forma de se apoiar um empreendedor, uma pessoa que trabalha de forma informal, mas tem uma "formalização". A gente pode ter mais orientações sobre isso. Precisamos educar melhor as pessoas. A informalidade acaba causando uma certa insegurança. Ao formalizar, mesmo como MEI, a pessoa tem pelo menos uma segurança.

André afirma que só conseguiu entender como se organizar financeiramente após alguns meses, já que sua renda não era mais mensal, e sim, diária.

- Essa é uma das maiores barreiras iniciais, porque tu acaba pegando dinheiro todos os dias. Tu tens que saber administrar aquele dinheiro, saber juntar, guardar, para poder pagar uma conta, uma conta maior. Foi um desafio bem grande pra mim e só agora eu estou conseguindo me organizar melhor - reflete. _

Esta reportagem foi produzida por Madu Ferreira, aluna de Jornalismo na PUCRS, que está entre os 5 vencedores da edição 2025 do projeto Primeira Pauta RBS

Economia para equilibrar as contas

Cleyton Oliveira dos Santos, 36 anos, encontrou nas sinaleiras uma forma de sustento, após ser demitido de um emprego na área da saúde. Já são mais de seis anos trabalhando como vendedor ambulante em um cruzamento da Capital.

Seu primeiro produto foi a paçoquinha. Hoje, as opções aumentaram e vão desde água mineral até aromatizantes de carro. Ele chega ao semáforo das avenidas Borges de Medeiros e Ipiranga às 6h30min e, às 10h, segue para a segunda jornada: entregador de delivery.

Nesta área, atua há um ano, quando ampliou sua jornada buscando investir no sonho de montar o próprio negócio em um ponto comercial. Técnico em Administração, Cleyton afirma que sempre soube controlar suas despesas e que, para tirar férias, o segredo é saber equilibrar:

- Eu tiro um mês. O segredo do empreendedorismo é você saber controlar o salário. Eu tenho uma logística em cima disso, sou um cara super econômico. Procuro sempre me equilibrar - conclui, enquanto espera o sinal fechar para seguir com as vendas.

Apesar da flexibilidade, da renda mais alta do que o salário mínimo e de um paralelo com o empreendedorismo, a informalidade nem sempre gera benefícios para o indivíduo e para o Estado.

Segundo a economista Wendy Carraro, o governo deixa de arrecadar impostos e contribuições previdenciárias que garantiriam direitos básicos e investimentos públicos. Por outro lado, o trabalhador perde a proteção garantida pela CLT, a contribuição ao INSS e o acesso a benefícios que só existem na formalidade.

Ela explica que, muitas vezes, a própria situação econômica leva trabalhadores e empregadores a optarem por esse tipo de vínculo, já que a formalização pode representar custos mais altos. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025


20 de Novembro de 2025
CARPINEJAR

Ladaia?

Não tem quem não fique estarrecido de angústia ao assistir a um rapaz de 29 anos, em surto, ser morto com quatro tiros por soldados da Brigada Militar, na frente de sua família atônita, no bairro Parque Santa Fé, na zona norte de Porto Alegre, em 15 de setembro.

As imagens da câmera corporal de um policial militar são conflitantes com a tese de legítima defesa. Mesmo cumprindo o protocolo de uso diferenciado e progressivo da força, feito da tentativa de diálogo e da aplicação do choque, nada sugere ameaça real para os disparos de arma de fogo.

A vítima, desarmada e vulnerável, tinha esquizofrenia e estava sob efeito de entorpecentes quando enfrentou mais uma de suas crises. Ela se mostrava mais disposta a ser agressiva contra si do que contra os outros. Inclusive provocava, num ato extremo de se ver livre do sofrimento:  Atira em mim, atira em mim. A mãe, Evolmara, não entendeu a truculência, a inversão absoluta do cuidado:

- Eu chamei vocês para ajudar! Ainda mais porque pedir ajuda para a corporação era uma situação recorrente. A mãe relatou que já havia solicitado o auxílio da BM para conter o filho e que não houve qualquer anomalia ou agressão nas ocorrências anteriores.

Técnica de enfermagem, recém acalmara o filho no quarto quando os agentes chegaram gritando e apontando o taser para o abdômen do homem, numa abordagem que não condiz com a frágil saúde mental do envolvido.

Eu ouvi seu depoimento completamente marejado no programa Gaúcha Entrevista:

- Eles dois envergonham a corporação e o Estado do Rio Grande do Sul. Respeito todos os demais profissionais, mas esses dois são assassinos do meu filho. No fatídico dia, a família realizou 21 chamadas para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), sem ambulância disponível no momento, e para a Brigada, que apareceu primeiro.

O contexto indicava a necessidade de acompanhamento por um psiquiatra ou por um médico, não de confronto com força física e imposição imediata para o suspeito se entregar.

O jovem não contava com noção do entorno, não dispunha de discernimento para captar e acatar as ordens, numa realidade paralela de distorção. Nem todas as abordagens são de combate à violência. Ninguém na cena estava em perigo, a não ser aquele ser adoecido, carente de amparo e acolhimento.

Ele queria abrigo, paz, normalidade. Seus parentes confiaram na segurança pública. Mas a equipe parecia precisar tanto de internação quanto a vítima. A grandeza da Brigada Militar não pode ser reduzida a essa intervenção.

A conversa final entre os agentes, rindo de volta ao batente, torna tudo mais chocante, com a banalização de um óbito incompreensível, injusto. - Não tinha o que fazer. - A gente só atende ocorrência ladaia, eu sou para-raio de ladaia.

Tinha o que fazer, e o mínimo não foi feito. 

CARPINEJAR

20 de Novembro de 2025
OPINIÃO RBS

Justiça não é desforra

Aproxima-se um momento que exigirá maturidade das instituições, dos indivíduos que as constituem e da sociedade brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou na terça-feira o acórdão da decisão que negou os primeiros recursos do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a condenação a 27 anos de prisão por liderar uma tentativa de golpe para reverter o resultado da eleição para o Planalto em 2022. Desta forma, está aberto o prazo para que seus advogados lancem mão dos derradeiros instrumentos de defesa possíveis junto à Corte. 

A expectativa no mundo jurídico, no entanto, é a de que os novos pedidos de esclarecimentos da decisão ou de reanálise do mérito sejam rapidamente analisados e negados pelo ministro Alexandre de Moraes, por considerá-los mera manobra protelatória. Assim, é provável que, nos próximos dias, Moraes determine que Bolsonaro comece a cumprir a sua pena. Conforme a decisão da 1ª Turma do Supremo, em regime fechado.

Compete ao próprio ministro, espécie de inimigo número 1 do bolsonarismo, definir onde o ex-presidente ficará recluso. Espera-se que Moraes decida amparado pela lei e pela sensatez. Isso inclui observar particularidades igualmente previstas nas normas penais, como a condição de saúde, e também a isonomia em relação a outros ex-presidentes condenados e presos. Bolsonaro, hoje em prisão preventiva domiciliar, necessita de cuidados médicos e hospitalares recorrentes.

De qualquer forma, entre as opções especuladas como primeiro destino do ex-presidente estão uma cela em uma ala reservada na Penitenciária da Papuda, a carceragem da PM do Distrito Federal conhecida como Papudinha, um recinto especial na Polícia Federal (PF) ou em um quartel do Exército. Seus defensores vão tentar manter o regime domiciliar.

É dever reforçar que, a despeito de aspectos criticáveis na condução do processo pelo STF, o julgamento teve ampla legitimidade. Provas materiais, testemunhos e a sequência de atos cometidos à luz do dia por Bolsonaro e seus colaboradores por longo período não deixam dúvidas: o país beirou uma ruptura institucional. Com a condenação de Bolsonaro e cúmplices, rompeu-se com o passado de leniência com golpes. Ficou o recado de que o destino do Brasil é a manutenção do Estado democrático de direito. Quem atenta contra a soberania do voto deve ser punido. Mas justiça não é desforra.

Deve-se lembrar o tratamento a outros ex-presidentes. Em 2018, Luiz Inácio Lula da Silva ficou em uma "sala especial" na Superintendência da PF em Curitiba, sem nunca formalizar pedido de domiciliar. Em maio deste ano, após uma semana em uma ala reservada de um presídio em Maceió, Fernando Collor de Mello foi autorizado por Alexandre de Moraes a cumprir pena em prisão domiciliar por sofrer de doenças graves e pela idade avançada (75 anos), razões que asseguraram o benefício em caráter humanitário. 

Na Argentina, a ex-presidente Cristina Kirchner, sentenciada por corrupção, por ter mais de 70 anos obteve o direito de cumprir pena em casa. Bolsonaro, debilitado por problemas crônicos de saúde decorrentes da facada que levou em 2018, cirurgias e outras intervenções, preenche requisito para a prisão domiciliar. Ainda que em sua residência, não deixaria de estar submetido à privação da liberdade. 



20 de Novembro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Master já deflagrou mudanças no FGC

A quantidade de compradores de CDBs superfaturados do banco Master levou o aplicativo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) ao topo do ranking de aplicativos mais baixados por brasileiros na terça-feira. Nas contas do próprio fundo, até 1,6 milhão de aplicadores terão direito a compensação de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ.

Isso significa que o fundo terá de desembolsar R$ 41 bilhões de seu total de patrimônio de R$ 160 bilhões, dos quais R$ 122 bilhões são de recursos líquidos em caixa - todos dados oficiais do FGC. Por isso, o caso Master não é um evento, digamos, regular. Vai consumir 33,6% do volume de dinheiro disponível no instrumento que ajuda a garantir a confiança no sistema financeiro nacional. Esse terço gasto terá de ser recuperado, o que significa um custo a mais no sistema.

Os bancos vão depositar, mas não precisa muito exercício mental para saber para onde vai a conta final: os consumidores de produtos financeiros mais cautelosos vão pagar pela aventura de Daniel Vorcaro como banqueiro. E de seus clientes que apostaram em seus CDBs que pagavam muito acima da média de mercado, mesmo os que foram alertados sobre os riscos envolvidos.

Se é verdade que boa parte dos clientes não tinha a mínima ideia de como o banco pretendia pagar um rendimento tão acima da média, outros tinham consciência de que isso não se sustentaria no tempo. Logo depois do anúncio da venda do Master, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ajustou as regras do FGC. As mudanças deveriam valer a partir de 1º de junho de 2026. Com o tranco da movimentação bilionária, podem ser antecipadas.

Risco maior, contribuição maior

O principal objetivo das mudanças é desencorajar práticas agressivas na captação de recursos, caso da promessa de retorno mais alto do que a média do mercado. Na prática, instituições com alta alavancagem - empréstimos acima de 10 vezes o valor de seu patrimônio líquido ajustado - terão de aumentar sua contribuição para o FGC. Hoje, os bancos pagam 0,01% ao mês do total dos depósitos que podem ser protegidos pelo fundo. Quem quiser ter perfil mais arriscado teria taxa duplicada, chamada de "contribuição adicional". _

Compliance zero

A operação da Polícia Federal que envolveu sete mandados de prisão e 25 de busca e apreensão é chamada Compliance Zero. A expressão vem do termo em inglês usado no universo empresarial, não só no financeiro, para designar o conjunto de práticas que garantem o cumprimento de leis, regulamentos, normas éticas e políticas internas. Ao definir os dois alvos - Master e BRB - como zero, a PF indica que era inexistente nos dois bancos.

Em dia de cautela no mercado, o dólar avançou 0,38%, a R$ 5,338. Investidores esperam com ansiedade dados da economia dos EUA que serão liberados hoje, em pleno feriado. Vão fazer preço no Brasil na sexta-feira.

13 produtos exportados do RS aos EUA têm redução de tarifa

A decisão de Donald Trump de suspender a "tarifa recíproca" de 10% só se aplica a 13 produtos exportados do RS para os EUA. Considerando os envios do Brasil todo ao mercado americano, a medida afeta 65 bens. O levantamento é do núcleo de Competitividade, Economia Regional e Internacional da Unisinos, com base em análise preliminar da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Em 2024, as exportações gaúchas desses 13 produtos somaram US$ 43,7 milhões, 2,4% do total enviado pelo Estado para os EUA no ano passado.

Um desses 13 itens, o suco de laranja, ficou livre de qualquer taxa de importação, porque já estava isento do tarifaço aplicado sobre o Brasil. Os outros 12 passaram a ter alíquota total reduzida, mas ainda vão enfrentar taxação de 40%.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), nos três primeiros meses de tarifaço, as exportações do RS para os EUA caíram 34% em relação ao mesmo período do ano anterior. Essa queda representa perda de US$ 155,6 milhões. _

produto US$ milhões

Carne bovina cong. 22,1

Processados de bovino 17,1

Extratos de café 1,9

Sucos de laranja cong. 1,1

Mate 0,6

Sucos de outros cítricos 0,6

Bebidas não-alcoólicas 0,2

Sementes 0,02

Geleias de frutas 0,01

Chá verde 0,01

Frutas de casca rija 0,005

Chá preto 0,0005

Fécula de mandioca 0,0005

Por que demorou a intervenção do BC?

Depois da liquidação do Master e da prisão de seu proprietário, Daniel Vorcaro, Banco Central (BC) e Polícia Federal (PF) passaram a expor os motivos das duas medidas. Mesmo em um país tristemente habituado a fraudes, essas surpreendem. Uma das mais espantosas é a do "esquema" da fraude que permitiu injeção de R$ 16,5 bilhões de um banco público, o Banco de Brasília (BRB), dos quais R$ 12,2 bilhões foram totalmente sem lastro, conforme a PF.

Nesse caso, segundo a investigação, "sem lastro" significa uma planilha, sem qualquer base real, de operações de crédito consignado inexistentes que o Master teria "vendido" ao BRB em troca dos repasses feitos para dar sobrevida ao banco privado. Essa foi a causa do afastamento, por decisão judicial, do presidente, Paulo Henrique Costa, e do diretor financeiro do banco público, Dario Oswaldo Garcia Júnior. Para deixar claro: os R$ 12 bilhões em operações de crédito não existiam, foram "fabricados" no papel.

A fraude é tão grosseira que fez muitos brasileiros perguntarem por que o BC não tomou antes a decisão de liquidar o Master. Uma das explicações é que, depois de descoberto, o esquema parece tosco, mas estava embrulhado em vários fundos com participação em outros fundos, em cascata. Só começou a ser desvendado quando foi feita a inusitada proposta de compra de um bancão por um banquinho. O BC pediu documentação para justificar a transação e, depois de remover muitas camadas, chegou a essa peça reveladora.

Nos cinco meses que separam o anúncio de venda, em 31 de março, ao veto definitivo do BC para a operação, em 3 de setembro, não houve só abertura técnica de fundos.

- A pressão política foi gigantesca no Banco Central - explicitou ainda na terça-feira o presidente da Associação de Auditores do BC, Thiago Cavalcanti.

Até agora, só se sabe que houve um projeto de lei apresentado em regime de urgência para permitir que diretores do BC fossem demitidos pelo Congresso, como a coluna relatou.

Se o Brasil conhecerá todas as conexões políticas do Master que levaram a esse absurdo legislativo, vai depender muito do liquidante do banco privado. Até agora, não foram quebrados sigilos, nem bancários nem os chamados "telemáticos" - aplicativos de mensagens, telefones. Caso a investigação avance o suficiente, 2026 será um ano eleitoral movimentado. _

GPS DA ECONOMIA

 20 de Novembro de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Conexões de Vorcaro precisam ser esmiuçadas

O feriadão do Dia da Consciência Negra será de desassossego para os políticos que negociaram com Daniel Vorcaro, o dono do falecido Banco Master, ou que trabalharam para aprovar leis que favorecessem a continuidade das falcatruas. O primeiro com motivos de sobra para perder o sono é o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Ele não tem como dizer que não sabia das tramoias feitas pelo Banco Regional de Brasília, o BRB, que só não comprou o Master porque o Banco Central foi responsável e impediu o negócio.

Quando a Polícia Federal (PF) juntar todas as partes do quebra-cabeças se conseguirá entender que interesses levaram a direção do BRB a tentar comprar um banco quebrado, fazendo uma operação fictícia de R$ 12 bilhões. O presidente do banco estadual foi afastado pela Justiça, mas a responsabilidade do governador ainda está sendo apurada.

Outro político que tem motivos para perder o sono é o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e os gestores do fundo de previdência dos servidores estaduais que resolveram investir no Master um valor superior aos R$ 250 mil garantidos em caso de quebra. Quem arcará com o prejuízo? Não podem ser os servidores do Rio de Janeiro.

A PF ainda terá de dissecar as relações do dono do Master com políticos de diferentes partidos no Congresso. Em agosto do ano passado, o presidente do PP, Ciro Nogueira, defendeu os interesses do Master propondo um aumento na cobertura do FGC de R$ 250 mil para R$ 1 milhão por conta. Seria o cúmulo da ingenuidade imaginar que quem fez esse movimento agiu por inspiração divina ou pressentimento de que bancos quebrariam e deixariam clientes endinheirados na mão.

No podcast O Assunto, o jornalista Estevão Taiar, do Valor Econômico, deu as pistas da teia de relações políticas que Vorcaro construiu em Brasília com "amigos" à esquerda e à direita. Na lista de poderosos de quem Vorcaro se aproximou está o presidente do União Brasil, Antônio Rueda, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, um dos homens mais poderosos do governo Lula. 

Assembleia reconhece atuação em favor da comunidade negra

Durante sessão solene alusiva ao Dia da Consciência Negra, a Assembleia Legislativa realizou ontem a entrega do Troféu Deputado Carlos Santos e do Prêmio Zumbi dos Palmares a personalidades ou entidades com atuação em favor da comunidade negra em diversas áreas.

Na sequência, deputados de diversas bancadas se revezaram na tribuna para falar sobre a importância da data e os desafios da população negra - que, pela primeira vez, conta com uma bancada no Parlamento gaúcho. 

Racha na direita faz Progressistas voltar atenção aos Estados

Ciro está em pé de guerra com a direita desde que travou embate com Eduardo Bolsonaro há algumas semanas.

Apesar de indicar um afastamento do PL, do Republicanos e do Novo, o presidente do PP no RS e pré-candidato a governador, Covatti Filho, está confiante de que o movimento não vai afetar as negociações locais. 

Leite manda revogar sigilo em relação a voos com aeronaves

Filha de Lilian Celiberti terá exposição em Porto Alegre

Atropelo a lei estadual

O projeto aprovado pela Câmara de Porto Alegre que libera as bebidas alcoólicas nos estádios agrada a torcedores, e clubes, mas não tem aval das forças de segurança. Foi por isso que diversas tentativas de revogação da lei estadual não prosperaram. A Assembleia chegou a aprovar um projeto, mas foi vetado. O prefeito Sebastião Melo deveria fazer o mesmo, já que uma lei municipal não pode se sobrepor a uma norma estadual. 

POLÍTICA E PODER

 20 de Novembro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Pessimismo paira sobre a COP30

O clima mudou. E não falo das mudanças climáticas nem das condições do tempo em Belém, onde há chuvas e trovoadas a cada final de tarde. Refiro-me ao ambiente interno da Blue Zone, a área de decisões da COP30.

Os negociadores foram dormir tarde, nas primeiras horas de ontem, depois que os debates entraram madrugada adentro. Havia otimismo no ar a partir do primeiro rascunho de texto final, no qual estava incluída a redução gradual do uso de combustíveis fósseis, exatamente como desejam ambientalistas e parte do governo Lula, em especial o grupo ligado à ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. O texto também recebeu o apoio de mais de 80 países.

O problema é que o grupo dos oposicionistas, liderado pela Arábia Saudita (sempre ela), entrou em campo - e considera inegociável a questão. É do jogo da negociação, mas todos baixaram as expectativas por aqui.

O termo "redução gradual de uso" de fósseis é diferente de "transição para longe", presente no documento da COP28. Seria mais ambicioso.

Risco de golpe de morte

Nos bastidores, surgiu a ideia de se separar o tema para debate em outro fórum, um encontro político a ser realizado no futuro, fora do ambiente da COP. O risco é que isso desidrataria o texto final da conferência de Belém, cujo documento não faria referência a combustíveis fósseis ("a COP flopou", cheguei a ouvir de uma parte). E, pior, poderia representar o golpe de morte nas COPs e no sistema multilateral.

A ONU, que já não consegue evitar guerras e foi questionada diante da pandemia, provaria, para os críticos, sua ineficiência ao não conseguir consenso sobre mudanças climáticas. Para o Brasil, a COP30 não seria nem a "COP da implementação" (como desejava o governo), porque não implementaria nada. Nem seria a COP do multilateralismo.

Em outro movimento, a Austrália jogou a toalha. A Turquia irá sediar a COP31, no ano que vem. O país de Recep Tayyip Erdogan vinha apostando muito mais suas fichas para sediar a conferência do que a nação da Oceania. A sede deve ser em Antalya, um balneário do Mediterrâneo, que o governo pretende alavancar como ponto turístico, a exemplo do que o Egito fez ao realizar a COP27 em Sharm el-Sheikh.

A Turquia vem crescendo em demonstração de força geopolítica, principalmente depois do papel de mediadora que exerceu no acordo de cessar-fogo entre o grupo terrorista Hamas e Israel. A chefia das negociações ficará com os australianos, enquanto a presidência, hoje exercida pelo Brasil, será passada aos turcos. _

Temos mais com que nos preocuparmos

Sabe qual foi a repercussão das falas grotescas do chanceler alemão na COP30? Nenhuma. Obviamente, Friedrich Merz foi infeliz, mal- educado e descortês em relação a Belém. Mas isso não teve efeito algum nas negociações ou no ambiente da COP. Nem os belenenses ficaram irados, preocupados ou sequer chateados. Sabe por quê? Porque eles têm mais o que fazer - trabalhar, receber bem os visitantes e lidar com as agruras de uma cidade que tem, sim, seus problemas estruturais, como todas as metrópoles brasileiras.

O debate sobre se foi ou não uma agressão ao Brasil pulula ou nas redes sociais, o tribunal preferido da opinião pública, ou entre a elite política - que, aliás, adora capitalizar uma polêmica a fim de ganhar alguns pontos de popularidade. Mas daí o plenário do Senado aprovar um requerimento de voto de censura a Merz, me parece demais. Como se os nobres parlamentares não tivessem mais com o que se preocupar.

De toda a falsa polêmica, talvez a declaração mais sensata tenha vindo do embaixador André Corrêa do Lago, o presidente da COP30 - que, aliás, só se manifestou sobre o assunto porque foi perguntado por um jornalista.

- Tem tanta coisa boa sendo dita sobre Belém. Tem tanta coisa boa sendo dita sobre a COP. Não temos que ouvir as pessoas que não sabem apreciar. Não temos que ligar para o que as pessoas estão falando, estamos acima disso - disse. _

Viaturas elétricas para a BM

Enquanto em Belém ocorre a COP30, em Porto Alegre a Brigada Militar (BM) entregou ontem duas viaturas 100% elétricas ao 9º Batalhão de Polícia Militar (9º BPM).

Os veículos, modelo BYD Yuan Pro, passam a reforçar a frota operacional da unidade e simbolizam o avanço da corporação na adoção de tecnologias sustentáveis.

As aquisições foram viabilizadas por meio de projetos técnicos desenvolvidos pelo setor de Projetos do 9º BPM e financiadas com recursos destinados pela Central de Execuções Penais de Porto Alegre, da Justiça Federal, e pela Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas, da Justiça Estadual. _

Santos Dumont e a reitora da UFRGS

A Casa da Ciência, sede do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) na COP30, abriga a exposição "A Ciência Brasileira e seus Personagens". Nela são apresentadas 81 personalidades que fizeram e fazem a história da ciência e da tecnologia no país, como a reitora da UFRGS, Márcia Barbosa.

Entre os homenageados, ao lado de Márcia Barbosa, estão: a médica Margareth Dalcolmo, que teve forte atuação na pandemia; a atual ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos; a filósofa e escritora Marilena Chauí; a economista Maria da Conceição Tavares; a presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader; o cientista e médico Carlos Chagas; o ex-ministro Celso Pansera; o físico e ex-ministro Sérgio Rezende; o aeronauta e inventor Santos Dumont, entre outras personalidades. _

Cientistas criticam o rascunho

Um grupo com alguns dos principais cientistas climáticos do mundo lançou ontem um documento criticando, de forma enfática, a primeira versão do rascunho das negociações que define o que seria o "mapa do caminho" na COP30.

Na carta, os pesquisadores chamaram as propostas apresentadas, até o momento, de "provocação".

"Na forma como se apresentam, ambas as propostas para os planos de ação para eliminar os combustíveis fósseis e para acabar com o desmatamento são uma provocação. Os delegados parecem não entender o que é um plano de ação. Um plano de ação não é um workshop ou uma reunião ministerial. Um plano de ação é um plano de trabalho real que precisa nos mostrar o caminho de onde estamos para onde precisamos estar, e como chegar lá", escreveram no documento. 

INFORME ESPECIAL

sábado, 15 de novembro de 2025


15 de Novembro de 2025
ENTREVISTA

Adriana Calcanhotto

Cantora e compositora gaúcha por trás do heterônimo Adriana Partimpim, que completou 22 anos. "Eu trago a música para o meu universo"

Após 15 anos, Adriana Calcanhotto voltou aos palcos como Partimpim. A cantora porto-alegrense, conhecida pelos sucessos autorais e por suas versões de músicas de outros compositores, retomou os shows como o heterônimo que consagrou a canção Fico Assim Sem Você e que encanta crianças e adultos desde 2004. Agora, apresenta a turnê O Quarto na Sala, em show único no Auditório Araújo Vianna, neste domingo, na Capital, às 17h. Por telefone, ela conversou com ZH sobre o show.

Tens comentado que as crianças iam ao show como Calcanhotto para ouvir Mentiras. Depois de 20 anos, tem acontecido de muitos adultos irem ao teu show como Partimpim para ouvir Fico Assim Sem Você?

Muito. Tem adultos de todas as gerações, e tem esses que hoje em dia são adultos, mas que foram ao primeiro ou ao segundo show como crianças. E agora eles têm as próprias crianças e vão com elas ou vão em bandos de adultos, enfim. Alargou ainda mais o espectro de público. O que me deixa muito feliz.

Tu falas que teus covers são músicas que querias ter escrito. Como funciona para elaborar as tuas versões?

Eu trago a música para o meu universo, para o meu violão, para o meu jeito de cantar e de fazer. Isso já era um pouco assim desde que eu comecei a tocar na noite de Porto Alegre. Eu pegava a canção que as pessoas queriam ouvir no bar, mas eu cantava do meu jeito. Por isso que eu não sobrevivi em um tipo de lugar onde as pessoas vão para ouvir a versão mais parecida possível com a gravação original.

Como foi o processo de entrar na pele da Partimpim de pois de tantos anos?

Olha, foi muito natural. É como andar de bicicleta, tu não te esqueces. É só uma frequência que está ali, mas que eu não posso deixar aberta enquanto eu estou fazendo outras coisas. Eu vejo que o trabalho da Partimpim é muito contagiante. As pessoas que trabalham, as que estão no palco e as que não estão, começam todas a entrar nessa vibe Partimpim. Isso acontece comigo também.

Nesses 21 anos, a ideia da Partimpim já foi diminuída em algum momento?

Muito, durante muito tempo. Até ela existir e Fico Assim Sem Você virar um sucesso, era uma coisa que as pessoas não entendiam muito. O formato estava muito engessado e eu só quis oferecer uma alternativa à forma como crianças ouviam música. Então, quando você aparece com uma coisa que ainda não foi feita, fica todo mundo um pouco desconfiado. E quando vi essa reserva das pessoas, entendi que aí mesmo é que eu tinha de fazer. Se todos tivessem gostado, não sei se eu ficaria tão interessada na batalha.

Numa época tão hiperconectada, o que chama atenção das crianças na Partimpim?

Essa potência toda de uma banda de músicos excepcionais, com canções lindas, com arranjos maravilhosos, com o cenário, os figurinos. É um pouco a sensação que eu tinha quando via, embora pela televisão, Ney Matogrosso e Rita Lee, que não eram artistas só da música: todo o visual também está se comunicando.

É um ano intenso para você aqui em Porto Alegre: houve um show gratuito ao ar livre com a Orquestra do Theatro São Pedro e a participação surpresa no show de Gilberto Gil. Como foi cada momento?

É verdade. Nem todo ano eu consigo ir tanto. O show ao ar livre com orquestra foi maravilhoso. Aquele público, e teve um número Partimpim. Foi realmente incrível. Uma soma de coisas muito bonitas. E o show com o Professor, que me deu esse presente de ser a convidada em Porto Alegre. Fazia tempo que eu não via o Gil e é sempre maravilhoso estar perto dele. É só ficar olhando para ele que você aprende muito - sobre muita coisa, não só sobre música.

E como era guardar o segredo para não vazar teu nome como participação especial? Horrível. Era horrível não poder dizer: "Eu vou cantar no show do Gil!". Por fim, o que quem vai ao show domingo pode esperar?

Já estamos em momento da turnê que a gente não está mais pensando nos acordes e nas letras. É um momento muito bom de um espetáculo. Você já tem memória muscular do que está fazendo, então pode ficar solto para aproveitar o que acontece. _

*Produção: Breno Bauer

15 de Novembro de 2025
CARPINEJAR

Galinhas voam

Sou um mascate da palavra. O único Estado que ainda não visitei foi o Amapá. Nas demais 26 unidades federativas, já sou reincidente. Coleciono histórias inesquecíveis que teriam sido perrengues se não houvesse senso de humor. Meu lema é rir do que não aconteceu, e rir do que não estava previsto para acontecer.

A noção de que sou transitório erradica qualquer laivo de arrogância ou soberba. Não tenho controle majoritário sobre o destino, apenas improviso e acolho as consequências. Não é certo que será usado o que se carrega na bagagem. Planejamentos são meros rascunhos.

Minha viagem de carro de Teresina a Bom Jesus, para participar do Salão do Livro do Piauí, caiu bem no dia da final da Libertadores entre Flamengo e River Plate, em 23 de novembro de 2019. Eu enfrentaria oito horas de estrada por mais de 600 quilômetros.

O cansaço não faz cócegas enquanto há conexão: você se distrai e se comunica com o mundo. Depois, o sinal some, nem o rádio solta mais nenhum murmúrio, e a ansiedade de chegar começa a enlouquecer. Eu queria muito assistir a quem levantaria a taça. Naquela época, Rafael Borré ainda estufava as redes.

Durante quase todo o embate, o time argentino se manteve com vantagem, perto do seu pentacampeonato da América. Faltavam 10 minutos de bola rolando. Encontrava-me no meio do deserto, sem posto de gasolina, sem um outro veículo na pista, num calor escaldante de 40 graus. O asfalto zunia. Pirei com a minha condição desorbitada, alienado de notícias, e disse para o motorista:

Pare na primeira casa que surgir. Ele estranhou minha súplica, mesmo assim me obedeceu. Alguns quilômetros à frente, avistamos um casebre de madeira com verde descascado.

Bati à porta - cara de pau sempre esbanjei - e perguntei se podia me juntar à torcida. Pela algazarra que escapava pelas frestas da janela, aquela família realmente acompanhava os últimos instantes da decisão. O piauiense é flamenguista roxo.

Ninguém entendeu quem eu era, mas me permitiram entrar para não perderem tempo com conversa. Sentei apertado entre todos, no cantinho de um sofá lotado. Os homens estavam sem camisa. As crianças, com remela e ranho, choravam abandonadas pelos adultos. As mulheres se escoravam de pé nas paredes, em atenção aflita.

Até que vi galinhas atravessando a sala. Elas apareceram quando Gabriel Barbosa empatou, aos 89 minutos. O povo pirou com murros nas mesas e socos no ar. Veio o segundo gol de Gabriel com três minutos de diferença.As galinhas se assustaram com a explosão de berros e arriscaram voar. Penas caíram sobre nós, como se um travesseiro tivesse sido furado.

De repente, uma galinha pousou no meu colo. Eu não me mexia, esperando que ela tomasse a iniciativa. Eu, num lar de desconhecidos, chocado com a virada do placar, diante do bicampeonato rubro-negro - e ela me chocando. 

CARPINEJAR

15 de Novembro de 2025
ANDRESSA XAVIER

O cais do Pará

Belém do Pará mais parece outro país quando visto por moradores do extremo sul brasileiro. É tudo muito diferente do que vivenciamos no Rio Grande do Sul. O calor, a floresta, a comida, os costumes. As casas em palafitas, circular de barco, as frutas e peixes. Tudo é bem típico. As dimensões continentais do Brasil nos garantem esse leque de tradições e cultura. Nossa riqueza está nisso e tive o privilégio de, ao cobrir a COP, conhecer um pouquinho do Norte.

O mercado Ver-o-Peso, o maior da América Latina a céu aberto, tem de tudo. Peixe, carne, frutas, goma de tapioca, castanha, comidas prontas, artesanato e perfume de ervas para o famoso banho de cheiro. É lugar de turistas, de moradores, de todo mundo. Logo ali ao lado, o que chama atenção é outro cartão-postal paraense. A Estação das Docas é imponente, muito por conta dos guindastes amarelos. Essas estruturas foram mantidas para lembrar a história do local.

No final do século 19 e começo do 20, o Pará vivia a abundância proporcionada pelo ciclo da borracha. O látex vindo da floresta abastecia os mercados mundiais. A Inglaterra produziu e trouxe grande parte da estrutura. Depois do auge, veio a derrocada. Com a concorrência mundial, a borracha deixou de ser levada daqui. Os armazéns e estrutura logística ficaram abandonados por décadas. A ligação da cidade com o Rio Guajará ficou restrita. Em meio aos quase escombros, cresceu somente a insegurança e aquele virou um local de prostituição e tráfico de drogas.

A situação é a mesma que conhecemos na capital gaúcha. Felizmente faz alguns anos que o Cais Embarcadero abriu, ainda que seja uma brecha, e proporcionou o reencontro da população com o Guaíba. Mas Belém foi além disso, e muito antes da gente. No ano 2000 foi inaugurado o atual complexo, com meio quilômetro de extensão. Os armazéns foram revitalizados, a área virou ponto de encontro, o turismo tomou o lugar dos problemas que antes havia ali.

As docas unem teatro, com ruínas de uma construção de 1665, e outras atrações culturais. Tem também os armazéns que viraram espaços gastronômicos. A operação é simples. Espaços antigos que foram modernizados e abrigam restaurantes lado a lado, em um mesmo salão. A sorveteria Cairu, que os paraenses dizem que é a melhor do Brasil, faz jus à fama. Entre os sabores, bacuri, castanha, milho, tapioca e açaí, o puro. São 25 anos de um espaço popular, acessível e que virou ponto de encontro. O cais deles funciona e deve ser exemplo para os nossos armazéns, descuidados e caindo aos pedaços.

Mesmo com um delay de décadas, temos aqui, no nosso quintal, a oportunidade de um cais vivo e maior. A amostra que o Embarcadero nesses últimos anos traz é de esperança de uma ocupação maior da área portuária para, de fato, fazermos as pazes com a história e com a nossa orla. _

ANDRESSA XAVIER

15 de Novembro de 2025
MARCELO RECH

O buraco era mais embaixo

Fui entender a relevância do Brasil no cenário ambiental do planeta quando, em fevereiro de 1992, percorrendo a linha de frente na Guerra da Iugoslávia, uma equipe de TV da Croácia pediu para fazer uma entrevista comigo. Ao me posicionar diante da câmera, imaginei que iriam tentar extrair algo sobre como os brasileiros acompanhavam o conflito, mas a primeira pergunta foi:

- Por que o Brasil está queimando a Floresta Amazônica? - questionou a repórter.

Ahn, como assim? Eles estão numa guerra e a preocupação é com a floresta do outro lado do mundo?, surpreendi-me.

Foi minha iniciação ao planeta interconectado. Meses depois, ao cobrir para Zero Hora a Cúpula da Terra, a Rio-92, testemunhei a foto de 108 chefes de Estado - George Bush e Fidel Castro no mesmo plano, separados por uns 10 metros - em defesa da mesma causa. Com tal demonstração de unidade, não tem como dar errado, imaginei.

Santa ingenuidade. Por ressaca ou saturação, a questão ambiental submergiu por anos após a Rio-92. Mas nem tudo foi em vão. O conceito de sustentabilidade se expandiu a partir da conferência, embora até ali o desafio imediato fosse conter o desmatamento e lidar com a destruição da camada de ozônio. As incipientes mudanças climáticas já eram associadas aos efeitos dos gases estufa. Um deles, o CFC, usado em aerossóis e em refrigeração, era uma foice pairando sobre o pescoço dos terráqueos.

O tema era tão recorrente que, em dezembro daquele mesmo 1992, retido em Punta Arenas, no Chile, à espera da melhora do tempo para um pouso com a FAB na Antártica, resolvi, junto com o fotógrafo Luiz Armando Vaz, investigar as consequências do buraco na camada de ozônio no extremo sul das Américas. Saímos de lá com uma reportagem em ZH sobre o efeito do CFC sobre a pesca da centolla, um caranguejo gigante típico das águas geladas da Terra do Fogo.

Hoje, o buraco, com perdão do mau trocadilho, é bem mais embaixo. Graças à substituição do CFC, a camada de ozônio está aos poucos voltando ao normal. Felizmente, já nem se fala muito dela. Só que o efeito estufa em decorrência do CO2, o dióxido de carbono, se agravou de maneira dramática. Acordos de Kyoto, de Paris, disso e daquilo, não revertem a expectativa de que a temperatura mundial subirá 2,8ºC até o fim do século, com consequências impensáveis.

Como agravante, surgiu um oceano de negacionismo, descrédito e desprestígio entre o Rio de 1992 e a COP de Belém. Em três décadas, as conferências sobre o clima se converteram em happenings ambientais, com escassos efeitos práticos sobre realmente aquilo que interessa: a preservação da saúde da Terra. Já não há mais tempo para sermos incrédulos ou ingênuos. _

MARCELO RECH

15 de Novembro de 2025
OPINIÃO RBS

Plano insuficiente para as ferrovias do RS

Corroída por anos de negligência, situação agravada pela tragédia climática do ano passado, a malha ferroviária do Rio Grande do Sul necessita com urgência de um plano robusto de recuperação e modernização. Por isso, causam preocupação as informações preliminares sobre a proposta da empresa Rumo para prorrogar por 30 anos seu contrato de concessão das ferrovias em solo gaúcho, em Santa Catarina e no Paraná, que vence em fevereiro de 2027. A promessa da concessionária, conforme apurado pelo colunista Jocimar Farina, é aplicar R$ 10 bilhões nos três Estados do Sul - entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões, porém, correspondem a uma indenização que a Rumo teria de pagar à União justamente por conta da deterioração da infraestrutura federal sob sua gestão. A intenção é converter essa compensação em investimento.

Os benefícios previstos para os gaúchos, que totalizariam R$ 2,5 bilhões, são insuficientes para atender às demandas logísticas do setor produtivo por não contemplarem a religação da rede com o restante do país e por incorporarem ao contrato com a União a diminuição da malha provocada pelo desleixo com a manutenção do sistema ao longo de décadas, conferindo amparo legal ao abandono do patrimônio público.

As cláusulas cogitadas pela concessionária preveem a aplicação do valor exclusivamente na linha Cruz Alta-Rio Grande - único trecho que segue ativo no Estado. Além da troca de cerca de 700 quilômetros de trilhos, seriam comprados 10 locomotivas e quase 400 vagões. Isso permitiria elevar a capacidade de carga por eixo de 18 para 25 toneladas, mas deixaria pendentes soluções para os graves gargalos logísticos. A ligação com Santa Catarina foi interrompida pelos danos da enchente de 2024, e segue assim desde então. Para piorar, segundo a colunista Giane Guerra, parte dos trilhos ociosos vem sendo transferida pela Rumo para o Estado vizinho. Além disso, a Secretaria Estadual de Logística e Transportes avalia que a confirmação de um novo contrato nos moldes sugeridos cristalizaria o apequenamento de uma rede de trilhos que já teve 3,8 mil quilômetros e, concedida à iniciativa privada desde 1997, agora tem menos de mil quilômetros ativos.

Até 2005, a operação do sistema cabia à América Latina Logística (ALL), posteriormente adquirida pela Rumo. Não se trata de questionar o modelo de concessão à iniciativa privada, mas de garantir que a renegociação do contrato atual ou a decisão por um novo processo licitatório contemple as necessidades do Estado. Razões não faltam para investir no modal ferroviário: além de diminuir o volume de carga e o número de caminhões nas rodovias, o que reduz acidentes e amplia a vida útil do pavimento, o transporte sobre trilhos barateia custos de produção. O preço do frete de grãos até o porto de Rio Grande, por exemplo, poderia cair 22% ao trocar as carretas pelos vagões.

Os interesses dos gaúchos precisam ser ouvidos neste debate, seja por meio de seus representantes eleitos, seja por meio da sociedade civil. Até o momento, o governo estadual diz estar alijado da discussão. Embora caiba à União bater o martelo sobre o rumo dos trilhos no Rio Grande do Sul, é preciso encontrar um caminho que permita vislumbrar uma luz no fim do túnel. _