25
de fevereiro de 2012 | N° 16990
CLÁUDIA
LAITANO
Lições de casa
Como a maioria das mães, tento passar para
a minha filha, da maneira menos aborrecida e solene possível, uma espécie de
versão pocket de tudo que aprendi ao longo da vida – da receita do arroz
perfeito ao sentido mais profundo de ser e estar no mundo.
Não
de uma vez só, para não enlouquecer a menina, mas sempre e continuadamente (o
que, pensando bem, pode ser um pouco enlouquecedor também...), como se fosse um
folhetim em muitos capítulos sobre assuntos tão inabarcáveis quanto o amor e a
amizade ou tão prosaicos quanto um palpite qualquer sobre um conflito na escola.
A fantasia nem tão secreta dos pais é a de
que nossa experiência pessoal acumulada, passada adiante em versão editada e
copidescada, possa funcionar como uma espécie de manual do novo proprietário: “Vida,
Modo de Usar (não ligue sem ler as instruções!)”.
Como eu também já fui filha, sei bem o
quanto esse tipo de conversa de fundo “edificante” pode na hora soar
inadequado, extemporâneo ou simplesmente equivocado, mas o que vale, quando a
gente é pai ou mãe, é a aposta no efeito repescagem: à luz de novas e mais
complexas experiências, até o comentário aparentemente tolo pode ganhar um novo
significado e vir a fazer alguma diferença na vida dos filhos.
Nem
tudo o que a gente diz ou pensa vai ser de alguma serventia para eles, mas
talvez seja preferível errar pelo excesso do que pela falta.
Educar uma criança inclui transmitir todo
um repertório de lições obrigatórias. Há as regras normativas, do tipo certo e
errado, que servem como sinais no trânsito da civilização: pare, não ultrapasse.
Há as regras de convivência, para que viver em grupo, ou aos pares, seja não
apenas viável, mas suave sempre que possível. Há as regras práticas, que
protegem contra dedos na tomada, resfriados e arroz empapado.
De
resto, o que existe são as variações pessoais, o toque autoral de cada família –
uma imensa área livre para o improviso, onde um pedaço qualquer de nós, nosso
gosto por viagens ou passeios de bicicleta, pode permanecer para além da nossa
própria existência. Ou assim a gente gostaria.
É nesse cantinho das paixões transmitidas
de uma geração para a outra que eventualmente se encaixa o interesse pela arte.
Filhos de pais que gostam de ler, de ir ao cinema, de ouvir música podem imaginar
que a insistência dos pais em torná-los leitores e espectadores qualificados
tem a ver com algum tipo de objetivo prático, como arranjar um bom emprego ou
ser bem-visto pelos outros, mas na verdade não é nada disso – ou não é apenas
isso.
Descobrir
a literatura ou o cinema pode não servir para nada mais além de cultivar o espírito
e deslumbrar. Mas é exatamente essa capacidade de deslumbramento – sem nenhuma
utilidade prática, mas essencial – que muitos pais gostariam de oferecer aos
filhos como herança, como um tesouro secreto a ser descoberto no devido tempo.
Por tudo isso, A Invenção de Hugo Cabret,
do diretor Martin Scorsese, é o meu favorito neste Oscar. Um filme feito por um
senhor de 70 anos, pai de uma menina de 12, a quem ele parece mandar um recado
simples, mas precioso: repare bem nas maravilhas que a imaginação pode fazer
por você. Uma lição para os olhos e para o coração – para pais e filhos de
todas as idades.
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