25
de fevereiro de 2012 | N° 16990
NILSON
SOUZA
Os consertos de Hugo Cabret
Ele conserta relógios, brinquedos,
engrenagens e vidas. O filme com maior número de indicações para o Oscar, A
Invenção de Hugo Cabret, é uma bela metáfora sobre consertos, mais bela ainda
porque tem como cenário uma Paris de contos de fadas, que converge para a
misteriosa estação de trem onde vive o menino órfão.
É uma história quase infantil, com
potencial para acordar todas as crianças que fomos e somos, sem mascarar
demasiadamente a realidade de amarguras e desilusões do mundo adulto. Tudo é simbólico
nesta aventura em três dimensões, a começar pelos relógios da estação – um
lugar de embarques e desembarques, como lembra de modo autoritário e pragmático
o agente de segurança que caça crianças abandonadas com a ajuda de um dobermann
ameaçador.
Relógios, tempo, embarques e desembarques. Como
canta Maria Rita, tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca
mais, tem gente que vem e quer voltar, tem gente que vai e quer ficar. E tem
gente que veio só olhar.
Fui só para olhar e me encantei com as histórias
dentro da história filmada magistralmente por Martin Scorsese. A fábula
cinematográfica fala também de encontros e desencontros, de solidão e amizade,
de encanto e desencanto, mas concentra o foco da câmera num tema de nossos dias:
a mudança de paradigmas.
No
caso específico, a transição do cinema mudo para o cinema falado, com todos os
efeitos colaterais que causou para artistas, diretores e para a sociedade da época.
Não é, também, um drama que nos aflige
nestes tempos em que a invenção de ontem já é obsoleta e as profissões mais
respeitadas se tornam desimportantes da noite para o dia? E os relógios
continuam sua marcha inexorável, agora já não mais como mecanismos complexos,
mas, sim, como pequenas magias digitais, localizados em todos os cantos e
superfícies, do micro-ondas à tela do computador. São eles que nos dizem a todo
instante que o tempo castiga quem não se reinventa.
E as crianças, sempre elas, é que detêm o
poder de consertar amarguras e de renovar ruínas com as tintas da imaginação e
da espontaneidade. Que o digam os avós de todas as idades. Num dos momentos de
maior ilusionismo do filme, que não vou contar para não estragar surpresas, um
garotinho da plateia suspirou aliviado e gritou bem alto:
– Era outro sonho!
Cada filme, desde o tempo do cinema mudo, é
um outro sonho.
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