16
de fevereiro de 2012 | N° 16981
LETICIA
WIERZCHOWSKI
Um soco no
estômago
Minha amiga Greice e eu estávamos num papo
de trabalho quando, de repente, dobramos à direita e começamos a falar de
literatura. Sugeri a ela a leitura do belíssimo Crônica na Pedra, do albanês
Ismail Kadaré. Por sua vez, Greice indicou-me um livro que estava em cima da
mesa, perto de nós. Talvez tivessem acabado de comprá-lo. Greice me disse:
– Ainda não li, um amigo italiano comentou
que o autor é muito bom.
Era uma indicação no escuro e, num gesto
simpático, emprestou-me o livro. Na verdade, ela tinha lido o livro, sim, mas
deixou-me enveredar pelas suas páginas, propositadamente, sem um único
comentário seu. (Já eu, leitor, não consegui me segurar, e venho aqui
recomendar-lhe efusivamente essa leitura.)
O
livro chamava-se Não Tenho Medo. Levei o livro e, em casa, dei uma espiada na
orelha: encontrei um texto limpo, uma história sobre um verão no interior da
Itália. Guardei-o para as férias, pois a minha leitura de trabalho era muita.
As férias chegaram e, numa tarde de chuva, abri Não Tenho Medo.
Parecia-me
a leitura perfeita para um domingo cinzento na praia. A história começava
assim, de maneira quase displicente, calculadamente fácil, e a narrativa
ludibriou-me a princípio. Fui lendo, para ver aonde a coisa ia dar.
E
então o milagre da literatura se fez: de uma página para outra, eu me vi imersa
numa trama incrível, angustiosa, verdadeiramente assustadora – como uma tarde
de sol de repente encoberta por nuvens de tormenta, o livro deu uma guinada fascinante
–, e avancei com a respiração entrecortada, grudada na poltrona; eu, sim, cheia
de medo, alheia à chuva, ao verão, ao domingo, aos meus filhos.
Só levantei do sofá quando terminei o
livro, três horas depois. A história é narrada pelo pequeno Michele, um menino
de nove anos, morador do vilarejo de Acqua Traverse – um lugarzinho ao sul da
Itália, com umas poucas casas, um único armazém, um povoado pobre perdido entre
os trigais. Michele, sua irmãzinha Maria e os amigos Caveira, Salvatore, Remo e
Bárbara passam os dias sem nada para fazer, o verão de 1978 é escaldante, e as
férias são intermináveis.
Ele
andam de bicicleta, jogam bola e fazem apostas idiotas. Mas, num inocente
passeio em grupo pelos campos, a vida de Michele muda para sempre. Não há mais
a dizer, caro leitor. Um soco no estômago é pouco. Niccolò Ammaniti nos joga de
um precipício. E nunca mais acabamos de cair, até a última página.
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