29
de fevereiro de 2012 | N° 16994
DIANA
CORSO
Vizinhos, melhor
tê-los
Não
faz muito, caminhão de mudança me dava arrepio. Apesar de que havia feito uma
boa troca: um apartamento por uma casa bonita onde minhas filhas cresceram
brincando com os vizinhos à moda antiga. Mas ainda me ressentia do caos da
chegada, da longa jornada de improviso. Num lugar maior, os poucos e esmirrados
móveis pediram para ficar juntos por medo da solidão e não havia dinheiro para
povoar aquele latifúndio.
As
meninas nem ligavam, mais espaço para correr. Por sorte o resto dos habitantes
do condomínio semiocupado também usava lençóis no lugar das cortinas. Quando
todos nos assentamos, com estofados e móveis sob medida, perdeu um pouco a
graça.
Quintana
já dizia que amar é mudar a alma de casa e, parodiando-o, posso dizer que mudar
é amar em outras casas. Não me refiro à família, que muda junto, mas aos
vizinhos. Podem ser de porta, de condomínio, de rua, de bairro. São pessoas que
encontramos nas horas de desalinho, nos momentos descontraídos, ou nos quais
parecemos por vezes atropelados: quando acordamos, ou voltamos destruídos do
trabalho, ou ainda nos ocorreu algo triste. É infalível, o vizinho sempre está
lá, no elevador, na porta, ele pode trocar um comentário ou não, mas nos
testemunha.
Escrevo
sobre vizinhos porque perdi minha primeira vizinha. O nome não lembro, nós a
chamávamos de Chichi (no Uruguai, se pronuncia “Tchitchi”). Guardava dela uma
lembrança infantil doce: ela dando-me um banho na sua casa. Nunca entendi por
que essa imagem me era tão grata. Pois agora, quando soube da sua morte, à
minha mãe ocorreu contar-me um episódio que conscientemente eu não lembrava.
Foi
essa vizinha que me deu o primeiro banho, ajudando minha jovem mãe atônita.
Também lá estava ela em vários outros momentos importantes da minha primeira
infância. Ambas nos mudamos, ela de casa e eu de país, mas sua proximidade me
marcou. Simplesmente porque estava ali ao lado e soube entender que era
necessária. O coração fica um pouco em cada casa, adeus Chichi!
A
construção da personalidade não se faz somente da família e escola: crianças
sempre observam atentamente como vivem e se comportam as pessoas em volta.
Nesse ponto, como elas, absorvemos o contexto, não importa quão impessoais as
cidades tenham se tornado.
Hoje,
outra vez num apartamento, tenho bons vizinhos e uma ótima vizinha de porta.
Nos encontramos nas horas amassadas para falar das filhas crescidas e dos
cachorros velhos. Sei que às vezes dá azar, mas da loteria da vizinhança
realmente não posso me queixar. Perdi o medo de me mudar, graças aos vizinhos.
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