sábado, 6 de setembro de 2025



06 DE SETEMBRO DE 2025
COM A PALAVRA - Peter Diamandis

Empreendedor e especialista em inteligência artificial, inovação e pensamento futurista

"Os próximos anos ofuscarão os últimos cem"

Norte-americano de origem grega, Peter Diamandis, 64 anos, esteve em Porto Alegre em agosto para ministrar palestra sobre desenvolvimento tecnológico e o futuro da humanidade. Ao longo de sua carreira, fundou dezenas de empresas ligadas a áreas como tecnologia espacial, saúde e educação, com destaque para a conhecida Singularity University, sediada na Califórnia.

Mathias Boni - 

O senhor e seu parceiro Ray Kurzweil têm dito que o mundo será um lugar "irreconhecível" até 2038. Pode desenvolver um pouco essa ideia?

Kurzweil e eu usamos "irreconhecível" porque a mudança exponencial não é linear - é enganosa e, por vezes, disruptiva. Até 2038, agentes de IA, energia limpa abundante, educação sob demanda, transporte totalmente autônomo e avanços em biotecnologia parecerão normais. Imagine tradução de idiomas em tempo real em seus óculos de realidade aumentada, tutores personalizados para cada criança, robôs tão comuns quanto smartphones e um custo marginal quase zero para conhecimento, mão de obra e energia. Teremos a capacidade de projetar vida sintética, reverter aspectos do envelhecimento e colonizar o espaço. A chave é a convergência: IA, robótica, biotecnologia, nanotecnologia e tecnologia espacial não estão apenas avançando, estão se amplificando mutuamente. É por isso que os próximos 15 anos ofuscarão os últimos cem em termos de transformação social.

Como o senhor avalia o estado atual do avanço no desenvolvimento da IA? Está surpreso com o uso diário generalizado de ferramentas de IA pela população?

Acabamos de cruzar um limiar. A IA deixou de responder perguntas e passou a executar tarefas multietapas de forma autônoma. O que mais me empolga é a capacidade de acelerar a própria ciência, pois, da descoberta de medicamentos à modelagem climática, a IA está reduzindo os prazos de décadas para meses. Contudo, ainda estamos na fase da "televisão em preto e branco", uma etapa primitiva em comparação com onde estaremos em uma década. O uso generalizado de IA no dia a dia da população não me surpreende, já era esperado. Da mesma forma que o smartphone se tornou uma extensão do nosso corpo, a IA está se tornando uma extensão da nossa mente.

O que o senhor acha que a IA será capaz de fazer, dentro de cinco ou 10 anos, que não consegue executar hoje ainda?

Dentro de uma década, a IA será uma verdadeira "parceira especializada". Ela administrará negócios de forma autônoma, projetará novos materiais, personalizará tratamentos médicos de acordo com o seu genoma e atuará como uma professora 24 horas por dia, sete dias por semana, fluente no seu estilo de aprendizagem. Ela gerenciará cadeias de suprimentos inteiras, conduzirá pesquisas científicas e até negociará acordos internacionais. O GPT-5 de hoje parece inteligente, mas é um triciclo comparado à nave espacial que está se construindo.

O que a população em geral deve fazer para se adaptar melhor a essas mudanças?

Primeiro, deve-se adotar uma mentalidade que priorize a IA, aprendendo a usar ferramentas de IA no trabalho e na sua vida pessoal. Segundo, as pessoas devem se tornar aprendizes constantes, se mantendo extremamente curiosos. Metade das habilidades profissionais atuais estará obsoleta em cinco anos. Terceiro, é importante otimizar sua saúde para ter energia e acuidade cognitiva para se adaptar. Quarto, construir uma rede forte é fundamental, pois em tempos de mudanças rápidas, quem você conhece é tão importante quanto o que você sabe. E, finalmente, deve-se desenvolver uma mentalidade de "moonshot", se concentrando em desafios e objetivos ousados e significativos, porque o pensamento pequeno não sobreviverá em um mundo de crescimento exponencial.

Muitas pessoas têm medo do avanço da inteligência artificial e da tecnologia como um todo, acreditando que os humanos podem perder o controle. O senhor tem alguma preocupação?

Estou mais preocupado com o uso indevido por humanos do que com a IA "decidindo" nos prejudicar. Os riscos são reais: desinformação em larga escala, concentração de poder, choques de automação na economia e sistemas frágeis na tomada de decisões críticas. Minha receita para dirimir esses riscos é transparência, auditorias independentes, ampla alfabetização em IA, concorrência aberta e padrões globais de segurança.

Como o senhor avalia os desafios regulatórios relacionados ao desenvolvimento da IA e da tecnologia nos EUA e no mundo?

O desafio é equilibrar inovação e segurança. O excesso de regulamentação corre o risco de retardar avanços benéficos. Por outro lado, a falta de regulamentação corre o risco de causar danos. Sou a favor da regulamentação de aplicações (como a IA é usada) em vez de algoritmos (como ela é construída). Sandboxes (prática de segurança cibernética em que você executa código, observa, analisa e codifica em um ambiente seguro e isolado) para experimentação segura, responsabilização por danos e cooperação internacional são fundamentais.

O senhor também sempre teve grande interesse pela exploração espacial. Como avalia esse processo globalmente hoje?

Estamos em uma nova corrida espacial, desta vez, impulsionada por foguetes reutilizáveis, capital privado e participação global. Missões governamentais à Lua, no período de 2028 a 2030, levarão a viagens comerciais à Lua provavelmente no início ou meados da década de 2030. Já missões tripuladas a Marte devem ocorrer em meados da década de 2030 e início da década de 2040. Uma colônia autossustentável em Marte? Seria necessário um esforço de várias décadas, mas é provável. Marte oferece independência, a Lua oferece proximidade, e ambos fazem parte da expansão da humanidade em direção ao sistema solar.

Como o avanço tecnológico também pode contribuir para o enfrentamento da crise climática e ajudar a preservar o planeta?

A tecnologia é a nossa maior alavanca para a proteção do clima. Redes otimizadas por IA, energias renováveis baratas, fusão, novos materiais para captura de carbono, agricultura de precisão e proteínas alternativas. O desafio da questão climática é urgente, mas o pensamento da abundância nos diz que podemos enfrentá-lo e, ao mesmo tempo, desenvolver melhorias para a saúde, a educação e a prosperidade. 

Como você avalia o ecossistema de inovação e desenvolvimento tecnológico do Brasil?

O potencial de inovação do Brasil é enorme. Fintechs e pagamentos instantâneos de classe mundial, talentos em IA e desenvolvimento, liderança em tecnologia agrícola, bioinovação a partir de biodiversidade incomparável, enorme potencial solar e eólico e geografia espacial estratégica, como Alcântara. Com regras estáveis e empreendedorismo ousado, o Brasil pode se tornar um polo global de abundância. Além disso, o Brasil é um país rico em energia, o que deve ser capaz de atrair data centers para serem construídos em áreas adjacentes a usinas de energia. 

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