
06 de Setembro de 2025
MARCELO RECH
Um golpe na ética militar
O artigo 28 do Estatuto dos Militares determina que os integrantes das Forças Armadas devem "amar a verdade" e ter "a responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal". Por mais custosos que sejam, estes são princípios básicos da carreira militar - e que deveriam ser levados inclusive para a reserva. Não é o que se ouviu até agora da quase totalidade dos oficiais acusados pela conspirata que já começaram a ser ou ainda serão julgados no STF.
Em maio de 2023, no texto "A Sina de Cid", esta coluna questionava o que aconteceria se e quando o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, então na prisão, começasse a falar a verdade. A colaboração premiada de Cid acabou se tornando o mais vívido relato dos bastidores da tentativa de quartelada que contagiou parte do alto escalão do governo Bolsonaro e se espraiou até por oficiais da ativa que, insubordinados, redigiram um manifesto pela intervenção militar.
Não amar a verdade e não assumir responsabilidades na insurreição abortada equivale a pisar no código de honra militar. O caso do general Walter Braga Netto é emblemático. A quebra de sigilo de seu celular mostrou, com todas as vogais e consoantes, como ele instruía um pau-mandado a desancar colegas do Alto Comando do Exército e o comandante da Aeronáutica, que resistiam a embarcar no golpe. Pois, sem corar, o general afirmou em seu depoimento que jamais ordenou ou coordenou ataques a antigos companheiros de farda, enquanto seu advogado cria a única versão de defesa possível, a de uma fraude nos prints.
Braga Netto, assim como outros próceres do Ancien Régime, é um réu acuado. Mas a postura não faz jus à biografia que o conduziu às suas quatro estrelas e ao código de ética que deve pautar a vida durante e depois da farda. Também seria salutar à verdade que o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira desse detalhes sobre como tentava demover Bolsonaro de adotar "medidas de exceção", como admitiu seu advogado no julgamento.
A quebra de hierarquia, a indisciplina e a traição aos preceitos da caserna legados por Bolsonaro quase desencadearam uma luta fratricida entre comandos militares. A ordem e a estabilidade acabaram garantidas pela maioria dos generais de quatro estrelas de então, que, mesmo sem simpatias por Lula, se aferraram ao lado da legalidade democrática.
Alguns deles, junto com suas famílias, foram e ainda são atacados como "melancias" - verdes por fora e vermelhos por dentro. A baboseira só demonstra o grau de radicalismo que segue consumindo a razão e a capacidade de discernimento dos mais fanatizados. Que o julgamento no STF sirva ao menos para sepultar os resquícios de golpismo que sobrevivem em bolsões que deviam estar arquivados no passado.
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