quarta-feira, 12 de dezembro de 2007



12 de dezembro de 2007
N° 15446 - martha medeiros


Já não vale tudo

Estava passando por uma rua, de carro, quando vi um cartaz anunciando o show do cantor Belo. Um pensamento me veio à cabeça: "Pô, o cara foi preso por tráfico de drogas, é um marginalzinho, e agora está aí fazendo show?

Eu jamais iria!". Durou 10 segundos esse meu pensamento totalitário. Logo reavaliei. Ora, seria o mesmo que eu achar que um ex-presidiário não tem direito de trabalhar depois de cumprir sua pena. O cara não é obrigado a se retirar de cena para sempre.

Então retifico: eu jamais iria ao show do Belo porque não gosto do repertório dele, não faz meu gênero, nunca fez. Quem gosta, tem mais é que curtir o retorno do moço aos palcos.

O mais curioso dessa minha esnobação instantânea é que eu estou lendo Vale Tudo, a biografia do Tim Maia, um cantor que também já viu o sol nascer quadrado por causa de envolvimento com roubos e drogas, e eu nunca assisti a um show dele por pura falta de oportunidade, pois iria numa boa.

Assim como também já assisti Rita Lee várias vezes, Gilberto Gil, Cazuza, Elis, e iria faceira a um show do James Brown, se vivo ainda fosse. Sempre me lixei para o que essa turma fumou ou deixou de fumar, nunca me ocorreu boicotar o show de ninguém, então o que mudou?

O mundo mudou.

Antes, a visibilidade da droga estava nas areias, nos palcos, nas festas - não se olhava pro morro. Consumo e tráfico pareciam duas coisas muito distintas. Um artista fumar unzinho era totalmente aceitável, fazia parte do folclore do showbiz.

Os Beatles eram uns frangotes quando foram apresentados à rainha da Inglaterra totalmente chapados, e o que isso rendeu? Um nota de rodapé na biografia deles. Janis Joplin, Jimi Hendrix, Mick Jagger, Eric Clapton, Robert Plant: existe algum anjo no rocknroll?

Sempre se soube que as drogas tinham passe livre nos camarins, era uma espécie de rebeldia "paz e amor" que infelizmente resultou em algumas baixas, mas nada que exigisse crucificação pública do usuário.

Hoje, Tim Maia seria considerado uma criança inocente se comparado ao Belo. Não há mais espaço para a malandragem poética, o baseadinho redentor. Droga virou assunto de segurança pública. O tráfico produz violência urbana e, com tantos assaltos e assassinatos diários, a tolerância se foi.

Abriu-se um canyon entre aqueles tempos em que a maconha era festiva e não comprometia o talento de ninguém, e os tempos de agora, em que drogar-se deixou de ser uma atitude de relaxamento e de inspiração para se tornar, no mínimo, uma babaquice.

O Brasil virou um lugar tão perigoso que está exterminando a condescendência e nos tornando desgraçadamente mais duros.

Ótima quarta-feira, namore, aproveite o Dia Internacional do sofá.

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! A CPMF é encosto!

E a entrevista da Rosane Collor? Quando a ex volta a dar entrevista é porque a pensão é pouca

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

E quatro são os estágios da vida:
1) Você acredita em Papai Noel.
2) Você não acredita em Papai Noel.
3) Você é o Papai Noel. 4) Você PARECE o Papai Noel! Rarará!

E, atenção! Mofo? Vazamento?

Dor no corpo? CPMF? É ENCOSTO! Rarará! Devia mudar para CPME: Contribuição Permanente pra Manter o Encosto!

E diz que o Lula vai chamar o Figueirense pra bater uma pelada na Granja do Torto com o clube da diretoria da Fiesp. Pra mostrar pro Skaf que tem coisa pior que a CPMF!
E a Volta da Barbie do Agreste!?

Vocês viram a Veja desta semana com a entrevista da Rosane Collor? Quando ex-mulher volta a dar entrevista é que a pensão é pouca! Rarará!

E comentários no blog revelam as promessas do Lula pra passar a CPMF: se eu conseguir aprovar a CPMF, eu juro que nunca mais faço discurso de improviso, nunca mais digo que o Brasil é o miolo da picanha, nunca mais viajo pro exterior, e a Marisa nunca mais vai colocar botox. Rarará!

E mais promessas (é o fim do ano), um amigo fez três promessas em solidariedade aos corintianos: enquanto o Timão não voltar pra série A, eu não vou comer jiló, não vou falar com a minha sogra e não vou jogar golfe. É a cota de sacrifício!

E adorei a charge do Marco Aurélio com o Lulalelé: "Marisa, lembra daquele anel e do colar que te prometi de Natal?". "Já sei, sem a CPMF não vai ter mesmo". Sobrou pra galega! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe! OU como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês. Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em São Benedito, no Ceará, tem um açougue com o nome de Frigorífico O CHEIRINHO! Rarará!! Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Testículo": companheiro que escreveu um texto que é um pé no saco. Rarará!

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

terça-feira, 11 de dezembro de 2007



11 de dezembro de 2007
N° 15445 - Liberato Vieira da Cunha

Os mistérios do amor

Se a humanidade tivesse sido dividida desde o Gênesis entre duas categorias, a dos que dominam a informática e a dos que não dominam, eu não teria a menor dúvida em escolher a minha.

Sou inteiramente incompetente em editar, exibir, arquivar, inserir, formatar, tabelar e mais outros dois milhões de alternativas que me são oferecidas por essa caprichosa ciência.

Conheço a causa de minha abissal ignorância. No recuado ano de 1982, estando na cidade de Darmstadt, que fica na Alemanha, fui apresentado, em um curso de Jornalismo, aos rudimentos da esquiva matéria.

Foi um conhecimento cordial: nunca precisarei disso, pensei na ocasião. Ledo engano. Já em 1985, lidar com bits e bytes fazia parte de meu manual de sobrevivência diária, como aliás até hoje.

Mas ocorre comigo um fenômeno que ofereço aqui à análise dos especialistas no cérebro humano. Se aprendo algum truque na prestimosa disciplina e o exercito por semanas ou meses, há esperançosas chances de que não vou deslembrá-lo. Mas se, por alguma fugidia razão, não necessito de seus bons ofícios, esqueço-o completamente.

Sei que hoje há crianças que tratam o computador como um animal doméstico. Antes dos cinco anos já o subjugaram completamente. Eu contudo, que só o domei depois dos 40, encontro uma dificuldade infinita em submeter suas teclas.

Incompetência - sentenciará um especialista. Inabilidade - decretará um perito.

Ignorância - proclamará um expert. Eu, no entanto, que não sou especialista, nem perito, nem expert, me limitarei a recolher-me à minha parvoíce.

Outros homens, através das idades, já se defrontaram com conhecimentos invencíveis, na matemática, na física, na química.

Agora mesmo, inscientes nos mistérios da informática, devem estar se perguntando o que é layout online, estrutura de tópicos, referência cruzada.

Não vos inquieteis, irmãos. Muito mais profundos e incompreensíveis são os mistérios do amor.

Ótima terça-feira ainda que com muita chuva nesta Porto e que por isso não está tão alegre.

domingo, 9 de dezembro de 2007


DANUZA LEÃO

Tragédia nacional

A escola não existe só para ensinar a ler e a escrever mas também para formar cidadãos. Dá vergonha

NINGUÉM VAI me dizer que as crianças brasileiras só são mais inteligentes do que as de um país que se chama Quirguistão, do Qatar e da Tunísia. Por que, então, elas não conseguem aprender a ler? Porque quem ensina não sabe ensinar, claro.

Quando houve a tragédia da jovem presa na mesma cela com 20 homens, no Pará, logo veio a notícia de uma verba de R$ 89 milhões para melhorar as prisões do Estado, como se essa fosse a solução do problema.

Quando foram divulgados os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o ministro da Educação apareceu na televisão dizendo que seu ministério precisava de mais verba para que o ensino melhorasse.

Mas o problema não é só de verba, em nenhum dos dois casos; é preciso saber como usar a verba, e até agora não ouvi uma só palavra sobre um projeto para formar novos professores.

Renovar as salas de aula, dar mesas e cadeiras para que os estudantes estudem é necessário, claro; mas sem bons professores, professores que saibam ensinar, nada vai mudar.

Leva tempo, eu sei, mas é preciso começar a investir direito para um dia colher os frutos, mesmo em um próximo governo que não seja do PT.

O sistema de educação da França, um dos melhores do mundo, foi implantado por Napoleão Bonaparte ainda no século 19, e é tão bom que continua o mesmo até hoje. O Brasil não precisa criar; basta ir lá, ver e copiar.

Uma criança que passa apenas quatro horas do dia na escola dificilmente vai chegar em casa, pegar o caderno e, por vontade própria, fazer o dever de casa e estudar a lição.

E sem essa de dizer que os pais, que antes colaboravam, hoje em dia não colaboram. Nos tempos atuais, na maioria das famílias, pais e mães não têm tempo de estudar com seus filhos porque trabalham, razão a mais para o garoto chegar da escola, ligar a televisão e ficar vendo um filme.

O estudo e os deveres têm que ser feitos ainda no colégio, sob a supervisão dos professores, quem não sabe?

Crianças de 15 anos que não sabem ler corretamente, e quando conseguem, não entendem o que leram, é uma lástima. A escola não existe só para ensinar a ler e a escrever mas também para formar cidadãos. Dá vergonha e dá pena; o que será do futuro dessas crianças? O que será do futuro do Brasil?

Não seria mais útil ter empregado o dinheiro da mais do que inútil TV Brasil em educação? E o R$ 1 bilhão do BNDES para ajudar na comercialização dos conversores da TV digital? Não seria melhor ser usado na educação?

Outra coisa que me chamou a atenção nessa semana foi a invenção, do ministro da Defesa, de multar as companhias de aviação que atrasarem os vôos. Muito bem, ótimo, quem não quer ter os aviões no horário?

Mas até provar a razão do atraso -por necessidade de uma manutenção mais demorada, porém necessária, por exemplo-, vai ser um problema.

As companhias não vão querer pagar por isso, e talvez prefiram "economizar" nesse pequeno detalhe, o que em aviação pode significar tragédia. Eu, por mim, prefiro que meu avião atrase a que caia. Será que estou errada?

Não é por nada não, mas este país está um caos, c-a-o-s. O Senado livrou a cara de Renan Calheiros, e eu gostaria de saber de alguma coisa, qualquer uma, da responsabilidade do governo, que funcione bem.

Só uma, e eu já fico feliz (a estabilidade monetária não vale, esta Lula já encontrou prontinha). Quem souber que me mande um e-mail.

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! Saiu o corno Papai Noel!

"Complexo B': remédio usado por companheiros corintianos que deve ser ingerido toda segunda

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da União! Direto do País da Piada Pronta!

Todo ano nesta data temos que celebrar aquele que vem à Terra para nos salvar. O décimo terceiro. Ops, o péssimo terceiro. E todo ano o mesmo diálogo: "O que você vai fazer com o péssimo terceiro?". "Pagar as dívidas." "E o resto?" "O resto eu pago depois."

Aliás, essa é a definição de décimo terceiro: demora doze meses pra chegar e uma hora pra gastar! Ou como disse aquele outro: "O que adianta ganhar 13 salários se a minha mulher gasta 14!?".

E a piada pronta da semana foi o novo técnico do Corinthians: MANO Menezes. Mais um mano no Timão? Um mano pra dirigir outros manos. E com esse nome não tem moral: "E aí, Mano, fiiirrmeza?". E nos estádios nenhum corintiano vai poder gritar "FORA, MANO"!

Em jogo do Timão, se gritar "Fora, Mano", o estádio fica vazio. Pior, aquele outro corintiano da Gaviões da Fiel que colou o adesivo no carro: "Deus não é Fiel"! Rarará!

E como me disse um corintiano: o Renan foi absolvido em quatro processos e o Chávez vai fazer referendo até ganhar. Se a putaria tá geral assim, exijo que cancelem a queda do Timão. Justo! Perfeito. Timão na primeira divisão!

E o ano passado foi o Natal do DVD. Fica DVDendo no cartão e DVDendo no banco. Esse vai ser o natal do iPod: iPod parcelar em dez vezes? iPod dar um desconto? iPod não dar presente pra ninguém?!

E acaba de sair o corno Papai Noel: aquele que vai embora, mas volta por causa das crianças! E tem aquele comerciante de shopping que tá tão duro, mas tão duro, que só conseguiu contratar um Papai Noel magro, fumante e com a cara do Serra! Rarará!
É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo hilário e irado de antitucanês.

É que em Marília, no interior de São Paulo, penduraram uma placa no farol: "No piscante, entre com cuidado". Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Complexo B": medicamento utilizado pelos companheiros corintianos que deve ser ingerido toda segunda. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

sábado, 8 de dezembro de 2007



09 de dezembro de 2007
N° 15443 - Martha Medeiros


Precisamos falar sobre tudo

Assassinos em série fazem parte de uma única sociedade que precisa falar sobre aquela parte da gente que fica entrincheirada, recusando-se a fazer parte do todo

Li alguns livros muito bons este ano (desde os brilhantes Homem Comum, de Philip Roth, e Na Praia, de Ian McEwan, até a estréia promissora da carioca Maria Helena Nascimento, em Olhos Baixos), mas o que me deixou com os quatro pneus arriados foi Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lionel Shriver.

Um livro obrigatório por inúmeras razões, mas vou tentar salientar duas ou três.

Pra começar, o tema é macabramente atual: a rotina de massacres em escolas (principalmente nos Estados Unidos) em que adolescentes matam colegas e professores sem motivo aparente. Aliás, nada é mais preguiçoso do que procurar um motivo aparente.

Talvez aí resida o melhor do livro: ele rejeita as versões oficiais, aquelas que engolimos facilmente, que nos descem sem esforço. Quem narra a história é a mãe do assassino, um garoto de 16 anos que nasceu perverso por natureza, mas que chegou às raias da insanidade ao atirar premeditadamente em 11 colegas escolhidos a dedo para morrer.

Se fosse um livro como os outros, a mãe faria um mea-culpa choroso, dizendo que precisou trabalhar fora e com isso a educação do filho ficou descuidada.

Ou iria falar sobre más influências. Ou então defender que ele foi excluído pela sociedade por ser asiático, ou negro, ou gay ou simplesmente por ser mais um deprimido, mas isso seria tão rasteiro quanto sonolento.

E o livro é o oposto: é uma bofetada a cada página. Nunca gostei de apanhar, mas esse livro me nocateou e ainda terminei dizendo "quero mais".

O relato não é condescendente com nada nem com ninguém.

A mãe do garoto relembra passagens da sua alegre vida de recém-casada, da sua relutância em engravidar, do susto com o nascimento daquela criança que ela não identificava como um presente dos céus, da enorme dificuldade em contornar conflitos, na distância que surgiu entre ela e o pai do bebê e do incômodo reconhecimento de que formar uma família feliz não é tão simples como anunciam por aí.

Só que a autora vai além da desconstrução do sublime. Ela desconstrói a todos nós, fazendo vir à tona nossa incompetência como controladores de vôos de nossos filhos. Nossas orientações são bem-intencionadas, mas não onipotentes.

Nosso amor é necessário, mas nem sempre é bem compreendido ou bem transmitido. Nossos cuidados podem vir a ser infrutíferos, nossas palavras podem não adiantar, nossas atitudes talvez não sirvam como exemplo.

Existe algo tão influente quanto tudo isso: a nossa dor interna. Ela contamina, ela comunica, ela desgraçadamente também educa - ou deseduca.

E tem ainda essa nossa sociedade doentia, que transforma qualquer ato estapafúrdio em espetáculo, que não dá chance aos invisíveis, que derruba antigos valores éticos e morais sem os substituir por algo que valha a pena.

Hoje a inversão é total: um pequeno gesto de bondade passa a ser assombroso, enquanto que a violência é de casa, virou um tédio.

O livro é violento não pela transcrição de cenas sanguinárias - quase não há - mas pela brutalidade dos pensamentos e diálogos. Bruto no sentido de honesto, de trazer à tona uma verdade nua, selvagem, sem retoques. O livro é brutal porque implode as fachadas. Nada fica de pé.

O leitor que for igualmente honesto consigo mesmo, que tiver o mínimo de conhecimento psicológico, que estiver disposto a enfrentar sua fragilidade da mesma maneira que se vangloria de suas virtudes, vai acusar o golpe.

Óbvio que não estamos criando assassinos em série, eles ainda são casos isolados, mas fazemos parte de uma única sociedade que precisa, sim, falar sobre o Kevin, falar sobre o João, falar sobre nossos filhos e sobre nós mesmos, entendendo por "nós" aquela parte da gente que fica entrincheirada, se recusando a fazer parte do todo. Mas que, querendo ou não, faz.

Ótimo domingo - Feliz Fim de Semana


09 de dezembro de 2007
N° 15443 - Moacyr Scliar


Grandes atrizes: a vida e o mito

A vida não tem piedade de ninguém, nem mesmo das celebridades. Daí a obsessão pelo mito

Na TV, as grandes atrizes nos convencem pela veracidade. Porque a novela é basicamente isso: a vida cotidiana, mais um pouco de imaginação. O que vemos na tela é uma projeção, um pouco enfeitada, do nosso dia-a-dia.

Prova disso é o poder decisivo do Ibope, cujo peso Aguinaldo Silva conhece bem: o texto televisivo tem de dizer aquilo que os telespectadores esperam, e estamos conversados.

O teatro não. O teatro é teatral. O teatro, Sófocles ou Shakespeare disso sendo exemplos, não precisa ser um retrato de nossa época nem precisa usar nossa linguagem coloquial.

Ao contrário, o que esperamos do teatro é aquilo que não costumamos ouvir no cotidiano. Estamos em busca de idealização, de transcendência. Resultado: o triunfo no palco catapulta atores e atrizes para uma outra dimensão, para a dimensão do mito.

Tornam-se figuras lendárias, às vezes objeto de um verdadeiro culto. Comprova-o um episódio famoso da história do Brasil, protagonizado por ninguém menos que Castro Alves e Tobias Barreto.

Baiano de nascimento, Castro Alves estudou Direito no Recife, isso por volta de 1864. A capital de Pernambuco era já uma metrópole e contava com teatros famosos, que polarizavam a vida social, freqüentados que eram pela aristocracia pernambucana, por estudantes universitários e pelas moças casadoiras.

As preferências por esta ou por aquela atriz dividiam os jovens, com a formação de torcidas tão exaltadas quanto as do futebol de hoje.

Havia dois grupos principais: um, liderado por Tobias Barreto, depois famoso jurista e poeta, venerava a atriz Adelaide Amaral; o outro, tendo à frente Castro Alves, idolatrava Eugênia Câmara.

Esse tipo de paixão só pode se manter enquanto a mulher adorada está distante, enquanto é inatingível. Mas Castro Alves acabou conquistando Eugênia Câmara, 10 anos mais velha que ele. E aí foi uma desgraça.

Os dois passaram a viver juntos. No começo, corria tudo bem; Castro Alves traduzia as peças estrangeiras que Eugênia interpretaria e até escreveu um texto especialmente para sua diva.

E aí surgiram os problemas. Ciúmes, claro. Castro Alves não podia ver a amada rodeada de admiradores, que a convidavam para festas e lhe enviavam flores.

As brigas se sucediam, e Eugênia teve de cancelar uma turnê pelo sul, que faria sem a companhia de Castro Alves. Foram morar em São Paulo; as brigas continuavam, e Eugênia terminou por deixá-lo.

Um dia, para espairecer, Castro Alves foi caçar nos arredores da cidade e literalmente deu um tiro no pé, quando a espingarda que carregava disparou acidentalmente.

A perna teve de ser amputada; o estado geral do jovem poeta, que era tuberculoso se agravou muito e ele acabou falecendo aos 24 anos de idade.

"Quero que me deixem sozinha", foi a frase de uma famosa diva das primeiras décadas do século passado, a atriz sueca Greta Garbo. Garbo não dava entrevistas, não concedia autógrafos, não ia a festas ou lançamentos.

Em determinado momento, deixou a vida pública. E isso, como se pode imaginar, só fez reforçar a mística em torno à sua figura.

Pergunta: o que faz uma mulher assim, uma verdadeira lenda viva, quando já não está mais nos palcos ou nas telas? Estará no céu ou no inferno?

Provavelmente está no limbo. Podemos imaginá-las, essas divas, nas suas gigantescas mansões, olhando seus velhos filmes, folheando álbuns de fotos esmaecidas.

A vida não tem piedade de ninguém, nem mesmo das celebridades. Daí a obsessão pelo mito. O mito é eterno; o mito não tem idade, não tem rugas, não tem frustrações. Claro, mitos não existem. Mas isso é apenas um detalhe, não é mesmo?

Diogo Mainardi

Enfim, um colunista sem estilo

"Na lista de Época, tornei-me o emblema do que o país tem de pior. O último desqualificado que mereceu um tratamento análogo por parte de Época foi o caseiro Francenildo. Meu sigilo bancário também foi violado?"

Época publicou uma lista das 100 pessoas mais influentes do Brasil. Eu estou lá. Eu e outros 99. Os outros 99 destacaram-se como "exemplos de força moral". Só eu fui eleito por minha perniciosidade.

Só eu me notabilizei por infectar meu campo de trabalho. Tornei-me o emblema do que o país tem de pior. O último desqualificado que mereceu um tratamento análogo por parte de Época foi o caseiro Francenildo. Meu sigilo bancário também foi violado?

Na lista de Época, Lula é comparado a Getúlio Vargas, "o brasileiro mais influente da história". Dilma Rousseff é "decidida, racional, entusiasmada, companheira".

Época é apartidária: bajula à direita e à esquerda. José Serra aparece como um "dos brasileiros mais preparados da atualidade, técnica e politicamente". Sérgio Cabral "sempre sonhou com um Brasil melhor". José Sarney é nosso "camisa 10". Fernando Henrique Cardoso é festejado pelo "conteúdo social" de seu governo.

Além de mim, mais seis colunistas foram selecionados por Época. Um deles é descrito como espirituoso, cáustico, douto. Outro é virulento, culto, desencantado.

De acordo com o perfil que acompanha meu nome, eu sou o contrário disso tudo: deselegante no estilo e descompromissado com os fundamentos do bom jornalismo, tenho "todas as características que deveriam levar-me à irrelevância".

Mas estarei "na lista dos jornalistas mais barulhentos e mais comentados do país" enquanto Lula permanecer no poder, por causa daqueles "que simplesmente abominam o governo petista".

O perfil de Lula foi assinado por Fernando Abrucio. O de Sérgio Cabral, por seu pai. O de Abilio Diniz, por sua filha. O de Paulo Coelho, por seu biógrafo Fernando Morais. O de Ivete Sangalo, por Gilberto Gil.

O de Oscar Niemeyer, por Lula. As 100 pessoas mais influentes do Brasil foram retratadas por seus familiares ou admiradores.

No meu caso, aconteceu algo diferente. Época pediu um artigo a meu respeito a Lucas Mendes, meu colega no Manhattan Connection. O artigo, entregue na data combinada, foi elogiado por quem o encomendou. Na última hora, porém, trocaram-no por outro, anônimo.

Paulo Nogueira, diretor editorial de Época, responsabilizou-se pela lista. Se ele fez o meu perfil, eu também posso fazer o dele. De sua passagem por VEJA, duas décadas atrás, ninguém consegue se lembrar. Sabe-se apenas que, enquanto seus colegas eram promovidos, sua carreira empacava.

Hoje em dia, como eu, Paulo Nogueira tem uma coluna. A minha é publicada em VEJA. A dele, na revista Criativa. Uma amostra de seu estilo elegante: "Me pergunto se há coisa mais fascinante para uma mulher do que atrair assovios de homens na rua".

Uma amostra de sua sabedoria: "Somos escravos da opinião dos outros. O importante é que você se respeite, não que os outros o respeitem".

A coluna de Paulo Nogueira é chamada O Homem Sincero. Apesar de tanta sinceridade, ele esconde seu próprio nome, identificando-se como Fabio Hernandez.

A lista de Época reflete um desejo difuso de ter uma imprensa domesticada, subalterna, colaboracionista. O Homem Sincero corresponde perfeitamente ao papel. Só lhe falta uma coisinha: leitores.

Ruth de Aquino
07/12/2007 - 23:41 | Edição nº 499


A metamorfose ambulante de Lula

Lula tenta explicar a sua mudança de opinião sobre a CPMF

O“muso” do presidente brasileiro é, quem diria, o cantor Raul Seixas. Na semana passada, defendendo com paixão a CPMF, Lula disse sentir-se como uma “metamorfose ambulante”, uma alusão ao hino do compositor maldito nos anos 70. Raul Seixas cantava: Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes/ Eu vou desdizer aquilo tudo que eu disse antes.

Lula, durante o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, foi a Brasília criticar a CPMF. Ele achava o imposto um roubo. Agora, apela até à contracultura para que os senadores aprovem a prorrogação do imposto.

No desespero da reta final, o presidente ameaça os senadores relutantes: “Se os senadores não tiverem juízo, votam contra. Se votarem contra, temos de ir para cada casa mostrar quem é o responsável de deixar milhões de pessoas sem os benefícios desse programa (Bolsa-Família).

Se eles tiverem juízo, aprovam, e posso dizer ao povo que graças a eles aprovamos recursos para ajudar o povo”. Se Lula tem um mérito indiscutível, é saber falar com o povo. Os senadores que se cuidem.

A votação da CPMF foi adiada. Na noite da quarta-feira 5, o presidente Lula reuniu o comando do governo para fazer contas. Concluiu que faltavam votos. Desanimou.

Tinha apostado nas promessas de cargos, nos R$ 500 milhões de verbas liberados a pedido de senadores e no apoio dos governadores tucanos. Lula trabalharia no fim de semana caitituando votos para prorrogar o imposto até 2011.

Uma idéia seria destinar cada vez mais dinheiro para a Saúde até que a CPMF retornasse a sua origem nobre. Toda a arrecadação iria para hospitais, ambulâncias, remédios. A CMPF se tornaria, enfim, um imposto “do bem”.

Presidente, o senhor diz que “se fosse para ajudar rico, ninguém votava contra a CPMF”. Diz também que “cada centavo que se quer usar para favorecer os pobres é uma guerra”. Em sua ânsia de não perder os R$ 38 bilhões da CPMF, o senhor afirma que “a campanha contra o imposto é a campanha daqueles que gostam de sonegar”.

Sonegadores devem abominar, sim, o imposto do cheque. Mas seria injusto e preconceituoso chamar de “sonegador” todo brasileiro que desconfia da CPMF. Ninguém agüenta mais a carga tributária extorsiva no Brasil. A qualidade dos serviços essenciais é baixíssima, de Terceiro Mundo, incompatível com a mordida de país de Primeiro Mundo.

Se a CPMF fosse toda para a Saúde, poderia ser enfim um imposto “do bem”

Quando estive na Colômbia, no início do ano, fiquei surpresa ao saber, de professores, arquitetos e profissionais liberais, que eles pagavam mais imposto do que era cobrado pelo governo. Por iniciativa própria.

Eles mesmos definiam a área a ser beneficiada pela contribuição voluntária: Educação, Saúde ou Habitação. Muita gente no Brasil é contra a CPMF por não saber em que ralo, em que saco ou em que bolso o dinheiro vai parar.

Em sã consciência, quem acredita que os impostos no Brasil ajudam de verdade os pobres?

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

Guerras simbólicas

"Há baronatos ideológicos que se digladiam

com obstinação. Examinemos um caso presente: educadores versus economistas"

Os livros de história estão abarrotados de guerras entre impérios. E há as guerras puramente simbólicas, como o choque entre o mundo ocidental e os muçulmanos, sugerido por Samuel Huntington. Mas há também pequenos baronatos ideológicos que se digladiam com obstinação.

Examinemos um caso presente: educadores versus economistas. Tenho participado de inúmeras conferências de educadores em que borbulham sempre as acusações ao neoliberalismo e outras palavras do mesmo naipe (como FMI, Banco Mundial etc.).

Além das erupções tupiniquins, já ouvi isso na Argentina, na Colômbia, no Chile e até na Inglaterra. Aliás, "neoliberalismo" é puro xingamento, pois ninguém se classifica como neoliberalista.

Vejamos as colisões no caso brasileiro, cujas origens já têm quase meio século. Antes disso, os educadores (de múltiplas origens profissionais) eram donos da educação e falavam de pedagogia.

Na década de 60, os economistas ganharam visibilidade, sobretudo os do Ipea, pregando idéias tão heréticas quanto calcular custos do ensino, avaliar, medir a eficiência das escolas e estimar taxas de retorno do investimento, como se educação fosse uma fábrica de pregos.

Enfim, tudo quantificado e medido. Pior, passaram a elaborar os orçamentos do MEC, tentando alocar recursos de acordo com princípios de eficiência.

Provocaram a ira incontida e diuturna dos pedagogos puros-sangues, pois essas heresias colidem com as visões do "homem integral", do "saber pedagógico", da primazia do "afeto", e reivindicações de um monopólio de tudo o que tem a ver com educação e escolas.

Mais tarde, apareceram as teorias construtivistas engalanadas em linguagem hermética e os slogans em prol de um ensino puramente artesanal. Muitas vezes, vem tudo mesclado ao marxismo e flertando com Gramsci.

Ilustração Atômica Studio

Eis os exércitos simbólicos dos dois baronatos. Quem terá razão? A revolução científica, iniciada por Francis Bacon, desembocou na ciência contemporânea tradicional.

Segundo essa linha, mais cedo ou mais tarde é preciso consultar o mundo real para ver se a observação empírica conflita com a teoria. Ou seja, a sobrevida da elaboração teórica está condicionada à sua aderência ao que se observa coletando sistematicamente dados, números e fatos. Se falha o teste da realidade, a teoria vai para o "paredón".

O novo credo é "educação baseada em evidência". Portanto, a ciência contemporânea é teórico-empírica. Desdenha quem não demonstra com dados as suas teorias. Porém, muitos educadores (não todos!) rejeitam os avanços das medidas quantitativas.

Em vez de tentarem mostrar os limites dos números, que existem, refugiaram-se em formulações que se bastam na elaboração de teorias. Reagem com adjetivos ("neoliberal"), e não com ciência moderna.

Persistem os economistas com seus números. Na companhia de alguns educadores, quantificam o conhecimento, criam testes, avaliam a eficiência das escolas, publicam os seus "rankings", pregam a concorrência entre elas e propõem prêmios para os melhores. Avaliam também os procedimentos de sala de aula e a eficiência dos materiais didáticos.

Resolve-se tudo com amostras aleatórias e testes estatísticos. A julgar pelo que acontece no mundo e mesmo no Brasil, ganha terreno a visão teórico-empírica, sempre acompanhada de números, mesmo dentro de ministérios com sabores de esquerda.

Na França, o último reduto de muitos educadores, o ministro declara que todos os pais receberão os escores de seus filhos em testes padronizados. Ganha vigência a percepção de que a sociedade tem o direito de saber a quantas anda a educação.

No ardor das batalhas, os economistas exageram, medem sem entender o que está sendo medido e subestimam o peso do que não admite números. Educadores perdem a oportunidade de mostrar as falhas de certas pesquisas quantitativas. Ademais, não basta mostrar números.

É preciso ir além e oferecer explicações, entender o porquê do encadeamento de causas e efeitos, complementando com boas análises qualitativas o que dizem os números.

Em vez de gastar energia perseguindo moinhos de vento, seria melhor concentrar os esforços para melhorar a educação. Perdem todos. Sobretudo, os alunos.

Claudio de Moura Castro é economista - Claudio&Moura&Castro@attglobal.net
Como seduzir uma japonesa

Diante da escassez de noivas, solteiros fazem curso para aprender a conquistar mulheres

[PRIMEIRA LIÇÃO]

Combinar as cores e "parar de comprar roupas no supermercado", diz a instrutora

Estendida na parede da sala de aula, uma faixa com letras grandes convida: "Vamos polir o homem que mora dentro de você: as chaves para fazer sucesso nos encontros". Na platéia, estão quatro homens com idade entre 29 e 35 anos, todos solteiros. É a terceira palestra que o professor Kiyoharu Ohashi, diretor da Escola de Noivos de Nagoya, faz na cidade de Ikeda a convite da prefeitura local.

Há quatro anos, Ohashi dá cursos em que ensina a homens ansiosos por deixar o celibato noções de moda e "técnicas de conversação" – o ponto fraco dos japoneses em matéria de sedução, segundo ele.

Dessa vez, Ohashi trouxe instrutoras para ajudá-lo. A platéia, minúscula, está muda e tensa. A primeira instrutora começa por relacionar temas que podem render "boas conversas".

De acordo com o professor Ohashi, escolher sobre o que vai falar é uma das principais dificuldades relatadas pelos alunos. "Ao contrário das mulheres, que lêem revistas e vão a restaurantes da moda com as amigas, os homens japoneses só trabalham.

Na hora de um encontro, não têm assunto." A instrutora sugere que os alunos comecem por perguntar às mulheres em que cidade nasceram. Para efeito de treino, propõe simular diálogos com os participantes. O primeiro se recusa. O segundo desiste logo no início.

O terceiro segue a sua orientação e começa perguntando de onde ela é. "Kioto", responde a instrutora. Ele leva a mão ao queixo e permanece vários segundos em silêncio balançando afirmativamente a cabeça, até que, finalmente, diz: "Ah, Kioto... Tem muita violência em Kioto, não?".

A instrutora salta da cadeira, levando as mãos à testa: "Não, não!", exclama, enquanto os demais riem. "O comentário deve ser agradável!" O participante enrubesce.

Outro exercício consiste em aprender a sorrir no momento de cumprimentar uma mulher – tarefa que pode ser das mais complicadas para um japonês.

Parte por timidez, parte por tradição, muitos homens costumam apresentar-se às mulheres com a cara mais fechada possível. "Isso assusta", informa a instrutora.

Depois de distribuir espelhos aos participantes, ela pede a eles que exercitem alguns músculos faciais, de modo a "relaxá-los e aprender a dar um sorriso natural". I. Matsuoka – 32 anos, funcionário de uma empresa de construção que, como os demais participantes, afirma ter-se inscrito no curso "por curiosidade" – concentra-se diante da própria imagem, move alguns músculos do rosto para baixo e para cima e logo desanima: "Muzukashi" ("difícil"), diz. Ohashi concorda.

"Assim como não foram treinados para sorrir, os japoneses não foram ensinados para atrair uma mulher e nem mesmo para ser agradáveis com ela", diz. Agora, diante da concorrência apertada, correm o risco de ficar para titios.

Floresta de néons



Luzes, telões, letreiros – e gente, gente, gente por todos os lados: na capital japonesa, a cidade mais populosa do mundo, é impossível parar para amarrar os sapatos na rua sem ser soterrado pela multidão.

A Grande Tóquio abriga 33 milhões de habitantes e sua população, ao contrário do que ocorre no Japão como um todo, não pára de crescer.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007



06 de dezembro de 2007
N° 15440 - Nilson Souza


Minha história de Natal

As festas de dezembro me deixam em pânico. Sou tão avesso a celebrações obrigatórias que uma de minhas melhores amigas já sugeriu que eu devo ter fobia social.

Talvez tenha, mas a minha ansiedade é seletiva. De vez em quando, rompo minhas próprias barreiras e cumpro a parte que me cabe no universo das convenções.

Foi o que fiz na semana passada ao comparecer ao jantar do 40º aniversário de minha formatura em Contabilidade - em tempos pretéritos, um curso técnico equivalente ao segundo grau de hoje.

Fui, mas fiz uma exigência à anfitriã, a dedicada colega Maria Eloisa Almeida, que se deu o trabalho de pesquisar nomes, endereços, contratar o local e convocar alunos e professores separados por quatro décadas:

- Antes de qualquer coisa, pede para as pessoas se apresentarem, pois não conheço mais ninguém.

Assim ela o fez. Tínhamos que dizer nossos nomes, o que fazemos hoje, quantos casamentos, filhos, netos etc. Difícil não ter fobia social numa hora dessas, não é mesmo?

Mas a idéia fora minha. E acabou sendo bem divertido. Aproveitei o meu minuto de exposição para lembrar aos antigos colegas que, embora diplomado como eles, eu acabara me tornando não um contabilista, mas sim um contador - só que de histórias.

Jornalismo é isso, é contar histórias que toquem as pessoas, que informem, que emocionem, que as enriqueçam culturalmente e as façam pensar.

E naquele momento exato eu tinha uma história pessoal para contar, sobre o estudante pobre que só chegou à universidade porque um generoso professor pagou-lhe a inscrição para o vestibular, sob o pretexto de que era um presente de Natal.

Aproveitei que a turma estava reunida depois de 40 anos para fazer um agradecimento público justamente ao nosso professor de História, Harry Bellomo, também presente.

Foi graças a ele que segui adiante nos meus estudos e descobri o meu rumo profissional. Mestre competente, exemplo de integridade e humanismo, ele passou a vida ensinando e prestando ajuda desinteressada a jovens que mal conhecia.

Fiquei feliz com a oportunidade de fazer aquela manifestação. Foi o resgate histórico de uma dívida de gratidão.

Tenho certeza de que, naquele momento de superação da fobia social, estava falando em nome de muitos outros estudantes que tiveram a sorte de cruzar os seus destinos com o professor Bellomo. Por eles também faço agora este registro.

Dezembro também é um bom mês para quem gosta de contar histórias.

Uma ótima quinta-feira com friozinho por aqui mas pelo menos a previsão é de tempo bom.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007


JOSÉ SIMÃO

Socuerro! Chegou o Péssimo Terceiro!

Este vai ser o Natal do iPod. iPod parcelar? iPod dar um desconto? iPod não dar presente?

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Ueba! Ueba ou Socuerro?!

Chegou o décimo terceiro. Ops, o Péssimo Terceiro! Aquele que a gente demora 12 meses pra ganhar e uma hora pra gastar!

E um leitor me disse que vai pegar o décimo terceiro e investir em gado: comprar um quilo de alcatra. E um outro disse que vai gastar tudo em amendoim. Pra ver se pelo menos o pingolim sobe!

E um outro ainda me disse que não adianta nada esse décimo terceiro: eu ganho 13 salários, a minha mulher gasta 14! Rarará! E o ano passado foi o Natal do DVD: fica "dvdendo" no banco, "dvdendo" no cartão.

E este vai ser o Natal do iPod. iPod parcelar em dez vezes? iPod dar um desconto? iPod não dar presente pra ninguém?
Rarará!
E eu acho que o Timão devia mudar logo o nome do time pra CHORINTHIANS. Nunca vi chorar tanto! Rarará!

E um palmeirense enviou uma mensagem de solidariedade aos corintianos: podemos indicar o motorista que levou o time do Palmeiras quando na segunda divisão, conhece todos os campos, sabe onde estacionar, debaixo daquela árvore pra pegar uma sombra! Rarará!

E essa piada pronta de última hora: "Iphan decide tombamento do Congresso nesta quinta". Rarará.

E a CANSAÇÃO do Renan? Ele é acusado de tantas coisas que já nem sei mais por que ele tá sendo julgado. Rarará! É mole? É mole, mas sobe! OU como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo hilário de antitucanês.

É que em Amaraji, Pernambuco, tem um inferninho chamado Boate Mulher Sem Vergonha. Rarará. Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Tutor": companheiro especializado em tutu de feijão. Quando o Lula quer um tutuzinho pra acompanhar o churrasco, ele grita: "Chama o tutor". Rarará.

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br


05 de dezembro de 2007
N° 15439 - Martha Medeiros


Vende-se esperança

Estive em Belo Horizonte semana passada. Bonita cidade, não conhecia. Tive pouco tempo para desfrutá-la, mas deu para fazer um giro rápido, de carro, acompanhada de uma simpática cicerone.

Rua vai, rua vem, passamos por um prédio enorme, luxuoso, imponente, que ocupava uma quadra inteira. Chamou minha atenção. "É um shopping?", perguntei. "É a Igreja Universal do Reino de Deus", foi a resposta.

Uau.

Coincidentemente, ao retornar para Porto Alegre dei com uma matéria na revista Veja falando sobre esses templos suntuosos onde se reúnem fiéis para cantar, rezar e pagar o dízimo, que, como se sabe, é investido em construção civil, em tecnologia e em redes de comunicação - e na conta bancária particular de uns e outros.

A Igreja Católica também nunca foi muito barata, mas, nossa, Deus agora está custando os tubos.

Fico pensando: será preconceito meu? É bem provável. Analisando por um ângulo mais benevolente, conclui-se que é muito melhor reunir fiéis numa igreja confortável do que deixá-los vagando sem fé pelo submundo.

É preferível que as pessoas acreditem em alguma coisa - qualquer coisa - do que não acreditar em mais nada. É melhor rezar do que praguejar.

É melhor seguir as diretrizes de um bispo da Igreja Universal do que as diretrizes de, sei lá, um traficante que também tem liderança e tampouco sai barato. Religião é uma escolha.

As pessoas aderem por vontade própria e o objetivo é a conquista da paz. Bom, há aqueles fiéis que querem conquistar também alguns milagres, como voltar a enxergar, encontrar um marido, curar um tumor, para os quais há, imagino, uma tabela de preços, mas quem pode contra a fé? Paga quem quer e não há lei que enquadre isso como estelionato.

Estou quase convencida de que não há fanatismo algum, nem exploração da ignorância, nem nada que macule as boas intenções de quem funda uma Igreja, enriquece e ostenta.

É um fenômeno, desculpe o trocadilho, universal. Dízimo não é CPMF, é doação espontânea. Passa-se o chapéu e dá-se em troca uma esperança. Alguém vai dizer que esperança não vale nada? Que é coisa fácil de adquirir? Onde?

Uai, em shoppings.

Dia Internacional do sofá - Que tenhamos todos uma ótima quarta-feira com chuva por aqui.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007



04 de dezembro de 2007
N° 15438 - Liberato Vieira da Cunha


Um tango para Gardel

A profissão mais livre do mundo não é a de quem conduz um monoplano, driblando as nuvens. Não é também a de quem comanda um veleiro, domando as águas.

Não é ainda a de quem acelera um bólido a 300 quilômetros numa pista como a de Monza, ou a de Montecarlo. Ninguém é mais livre do que quem escreve.

A reflexão me veio ao percorrer as páginas de Un Tango para Gardel, um dos muitos livros que comprei na última Feira. O autor, Pedro Orgambide, já partiu, e sua obra chegou a Porto Alegre com quatro anos de atraso, pois não existe Mercosul para a literatura. Trata-se de uma biografia do Morocho del Abasto com um detalhe: na verdade é uma novela.

Assim Orgambide, multipremiado narrador, dramaturgo e ensaísta, lida com os fatos como se fossem lendas, ou veste de realidade o que é pura fantasia.

Perdi a conta das biografias de Gardel que li, desde que comprei, em Buenos Aires, seu primeiro disco, num glorioso outono de minha primeira juventude. Esta última no entanto entrelaça de tal forma ficção e verdade que é melhor não perguntar onde principia a vida ou onde começa a invenção.

Não vou falar aqui das amadas do Zorzal Criollo. Creio que nunca foram tão bem descritas como agora, em seus mais íntimos detalhes de entrega e posse. Não vou comentar o acidente de Medellín, El Quemado ou o Hombre de Tacuarembó.

Me limitarei apenas aos encontros de Gardel com figuras que todos nós conhecemos. Caruso cantou para ele a ária de uma ópera e o aconselhou a conservar a voz de barítono.

Pirandello o ouviu quase uma noite no Café Tortoni. Charles Chaplin lhe falou pela primeira vez na fábrica de sonhos, enquanto caminhavam pela praia de Nice.

Tudo isso aconteceu ou se deve ao talento de Orgambide? O que é a veracidade, o que é o espírito?

Sucedeu mesmo um duelo à bala ou uma noite de amor sob a luz das estrelas? Astor Piazzolla conheceu Gardel em Nova York?

Os artistas semeiam sonhos nos caminhos do mar, como queria Caruso? Gardel contracenou com Bing Crosby e Maurice Chevalier?

Ninguém sabe, só Orgambide. Pois só os escritores são homens livres.

Ótima terça-feira com temperatura elevada e previsão de chuva por aqui.

sábado, 1 de dezembro de 2007



02 de dezembro de 2007
N° 15436 - Martha Medeiros


Britney

Ela está fazendo 26 anos hoje, e a impressão que eu tenho é que está se suicidando em público. Essa guria vai morrer em breve

A imprensa séria não se ocupa dela. Logo, quem apenas lê jornais sérios e assiste a programas sérios de TV mal sabe quem é a moça. Mas eu sei. Quer dizer, sei mais ou menos.

Sei que ela é cantora, apesar de eu não conseguir fazer um lalalá rápido de nenhuma de suas músicas. Ignoro de onde ela veio, como surgiu, por que emplacou.

Mas sei que seu nome é Britney Spears e, como não leio e vejo apenas os veículos de comunicação sérios, mas tudo o que me cai no colo, inclusive fofocas, estou verdadeiramente preocupada com essa moça.

Cada vez que abro a página do meu provedor na internet, há uma notícia sobre ela. Uma página de provedor é como uma banca de camelô: tem de tudo ali. E Britney Spears não falta. Ao contrário, sobra. Já ninguém fala nos milhões de discos que ela vendeu no início de carreira.

Agora só se comenta sobre suas entradas e saídas em clínicas de desintoxicação, em suas brigas com paparazzi e em seus divórcios tumultuados - aliás, ela entrou para o Guinness Book por ter tido o casamento mais rápido do mundo: durou 55 horas. O outro durou a eternidade de dois anos.

Mais: fala-se muito sobre a perda da guarda dos filhos, sobre suas aparições sem calcinha, suas bebedeiras em boates, sua apresentação sofrível não sei onde. Fala-se do seu cabelo raspado, do seu cabelo reaplicado, de sua barriga fora de forma, do seu consumismo doentio. Ela não tem sossego - e provavelmente nem quer.

Houve um tempo, não faz muito, em que eu a desprezava justamente por causa dessa superexposição que nada tem a ver com carreira artística, e sim com narcisismo. Só que agora a coisa está fugindo do controle.

Ela é tratada como uma mercadoria mas, puxa, tem alguém dentro daquela embalagem. Ela está fazendo 26 anos hoje e a impressão que eu tenho é que está se suicidando em público. Essa guria vai morrer em breve.

Devo estar em fase de delírio extremo por, aqui em Porto Alegre, Brasil, me preocupar com a vida da Britney Spears, mas fico intrigada por não haver ninguém que tire essa criatura de circulação.

Não serei eu nem você a salvá-la do próximo constrangimento, mas essa loira deve ter uma mãe, uma amiga, um psiquiatra que possa protegê-la dela própria. Será mesmo que tudo isso é apenas uma grande diversão, um bem bolado plano de marketing?

Ok, prometo que na próxima crônica eu voltarei com um assunto mais razoável. Porém, deixe-me concluir: Britney Spears já teve seu momento de big bang: explodiu e formou seu próprio universo.

E agora ruma para o big crunch: está se contraindo, consumindo a si própria, e vai desintegrar-se diante dos nossos olhos.

Não, não pretendo lançar uma ONG, algo como um S.O.S. Britney. Tem gente bem mais perto precisando de ajuda. Mas certas celebridades também me despertam compaixão.

Ótimo domingo excelente início de semana


Diogo Mainardi

Quando a liberdade faz puf

"Retiraram a propaganda do meu livro das TVs dos aeroportos. Sem querer espernear demais, o que aconteceu com o meu livro tem
um cheirinho azedo de censura.

Falta saber de onde partiu a ordem para retirá-la do ar. Talvez de um funcionário da Infraero. Talvez
de um membro de quinto escalão do governo"

Entre no YouTube. Digite: Lula É Minha Anta. Vai aparecer uma vinheta de catorze segundos anunciando meu livro. Ela foi encomendada por minha editora. É tudo muito simples e direto.

Da esquerda para a direita, uma anta vem trotando estupidamente. Ela é uma imagem do passado, regressiva, arcaica – foi desenhada por um naturalista francês do século XVII. Surge na tela um letreiro grandiloqüente: "Chantagem, corrupção, intrigas e muita polêmica".

A essa altura, meu livro cai do céu, como as Tábuas da Lei no Monte Sinai. O letreiro diz: "Os escândalos que sacudiram o país pela ótica de Diogo Mainardi. Já nas livrarias e nas listas dos mais vendidos". Fim.

Entre 15 e 19 de novembro, a vinheta foi exibida nas TVs dos aeroportos. Depois, inesperadamente, puf. Retiraram-na do ar. Tentei descobrir o motivo. Estou intrigado até agora.

A empresa que administra a publicidade em Congonhas alegou que a Infraero proíbe qualquer tipo de propaganda de cunho político. Como é que é? Cunho político? No meu caso, trata-se simplesmente de propaganda de uma antologia de crônicas publicadas na maior revista do país.

Não sou candidato a vereador. Não estamos em período eleitoral. Se a vinheta tivesse sido recusada logo de cara, quando foi apresentada pela primeira vez, me pareceria apenas um sinal de obtusidade. Um dos muitos sinais de obtusidade com os quais nos defrontamos todos os dias.

Mas, sem querer espernear demais, o que aconteceu com meu livro foi bem pior: tem um cheirinho azedo de censura. Afinal, a vinheta foi veiculada regularmente por cinco dias. Até alguém tomar a iniciativa de proibi-la. Até alguém mandar cassá-la.

Quem? A empresa que administra a publicidade nos aeroportos assumiu a culpa por veicular a propaganda "proibida". Falta saber de onde partiu a ordem para retirá-la do ar. Talvez de um funcionário da Infraero.

Talvez de um membro de quinto escalão do governo. Isso eu nunca vou conseguir descobrir. Só posso fazer conjecturas, todas elas levemente persecutórias.

O Brasil não é a Venezuela. Não estamos à beira de um golpe de estado. Em particular, Lula não é Hugo Chávez. Em vez de reprimir, como o saltimbanco bolivariano, Lula se especializou no conchavo, na barganha, na compra e venda.

Além disso, de um ponto de vista puramente comercial, mais mesquinho, duvido que a ausência de publicidade nos aeroportos prejudique o desempenho do meu livro.

Mas o episódio da vinheta publicitária tem um aspecto alarmante: é com esse tipo de mentalidade abrutalhada que se forma uma sociedade autoritária. O arbítrio não se manifesta apenas através dos gestos de seus tiranetes iletrados ou de seus pelegos rapinadores.

Ele se manifesta também através da selvageria censória de seus sabujos e de seus peões. A liberdade, de um dia para o outro, pode fazer puf.


Dedo no gatilho

"Entre nós, cidadãos que usamos a canga, puxamos a carroça e pagamos as contas, o valor da vida pode ser uma bala, o mínimo
movimento de um dedo no gatilho"

Da primeira vez em que estive nos Estados Unidos, a trabalho, no começo da década de 80, hospedada com minha tradutora e amiga, comentei com ela e suas filhas adolescentes que estranhava que lá, bairro residencial bastante isolado em Athens, na Geórgia, praticamente no meio de um bosque, nem ao menos trancavam a porta a chave.

Minha casa no Brasil tinha grades nas janelas. Uma das meninas me olhou, espantada: "Nossa! Eu teria medo de ficar numa casa gradeada. Ia pensar: de que tenho de me proteger dessa maneira?".

Atômica Studio

Não sei como andam as coisas por lá. Aqui, estão inimagináveis. Não existe segurança nas ruas, não há bairros tranqüilos nem condomínios ou edifícios à prova de assalto.

Quem pode investe em proteção particular, cara, melancólica e também duvidosa. Antigamente, narcotráfico e bandidagem eram coisa remota, aconteciam em outros estados, em grandes cidades.

Meus filhos, há trinta e poucos anos, no bairro onde ainda moro aqui no Sul, jogavam bola com a meninada da vila próxima até o escurecer, e ninguém se preocupava. Eram amigos: pobres e remediados, brancos, pretos e pardos, os filhos do verdureiro ou do professor, como os meus.

Eram apenas "a turma". Entre outras razões, os movimentos contra a discriminação racial ainda não tinham começado a promover o ódio racial, e a politicagem ainda não fomentava o rancor de classes como se faz agora – pelos piores motivos.

Bandos de jovens desempregados, drogados e bandidos não vagavam por nossas ruas, crianças pedintes não rolavam em nossas esquinas, nossa meninada brincava na calçada e as casas não tinham cerca. Os primeiros que botaram cerca ou muro em torno de sua casa, no meu bairro, foram considerados antipáticos.

Compramos a nossa já com janelas gradeadas. Plantamos uma sebe florida anos depois, por razões de privacidade. Hoje, eu possivelmente teria cerca, e eletrificada. Com mais grana, até um guarda no portão. Que tristeza.

Vivemos numa Idade Média higienizada e cibernética: os feudos são os edifícios e condomínios fechados, guardas nas cabines, bandidagem rondando.

Cada dia mais gente com carros blindados, crianças com motorista que tem curso de direção defensiva, gente armada sempre por perto. Nós que não temos dinheiro para esses recursos andamos mais do que inquietos. Outro dia, o neto de uma amiga foi assaltado.

Seu carrinho foi fechado por um carrão (roubado, claro): três homens armados saltaram, revólver na cabeça dele e de seus dois amigos. As vítimas eram estudantes tranqüilos, saudáveis, tipo "família". Os bandidos levaram carro, celulares, carteiras. (A vida, ah, essa lhes deixaram.

A gente ainda tem de agradecer?) No almoço do dia seguinte, na casa deles, tensos e tristes comentaram o assunto, e alguém disse: "Bastava um deles ter dobrado um pouco o dedo, apertado o gatilho, e em lugar de almoço em família estaríamos num velório". É verdade. Teria bastado um pequeno movimento de um dedo indicador na noite para que tudo fosse destroçado.

Alguma coisa mudou nessa família, e mais uma vez se acendeu em mim o doloroso alerta: não podemos colocar filhos e netos debaixo de nossa asa protetora. Não há como erguer uma cerca, nem metafórica, de amor e cuidados.

Não podemos – nem devemos – tentar impedir que vivam, cresçam, saiam pelo mundo, batalhem suas batalhas, construam sua família. É bom que façam isso. Mas, ao mesmo tempo, ficamos mais vulneráveis diante deste mundo nosso.

Mundo besta: por um lado produz esses jovens que fazem a vida valer mais a pena, por outro lado cria uma sociedade na qual não valemos nada.

Quer dizer: às vezes temos um preço. No cenário (e no Senado) brasileiro, neste momento em que escrevo, um homem pode valer 40 bilhões, pode valer a CPMF (que só para os muito bobos é imposto de rico).

Entre nós, cidadãos que usamos a canga, puxamos a carroça e pagamos as contas, o valor da vida pode ser uma bala, o mínimo movimento de um dedo no gatilho. É a total banalização da morte, que se tornou um mero incidente cotidiano. E ninguém faz nada?

Lya Luft é escritora


O centenário do gênio das formas

Às vésperas dos 100 anos, o arquiteto que influenciou várias gerações no Brasil e no mundo contabiliza mais de 600 projetos e segue produzindo

ELIANE LOBATO E CLAUDIA JORDÃO
Festa Niemeyer decidiu comemorar seu aniversário numa reunião com amigos

A passagem da idade faz com que as paixões percam a tensão e abre espaço para muita paz e liberdade. Mas a velhice não é um passe de mágica, não muda o caráter dos homens, e será pacífica e libertária apenas para quem já carrega virtudes desde a juventude.

É, em linhas gerais, o que diz Sócrates no Livro I da República, de Platão, e se encaixa perfeitamente no perfil de Oscar Niemeyer, que completa 100 anos no próximo dia 15.

O Arquiteto do Século, seu título internacional, é homenageado agora e será eternamente pelas obras que realizou, a maioria desafiando a gravidade com tijolo e cimento – como fez no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói, no Rio –, retorcendo o que teimava ser uma reta – vide o sinuoso edifício Copan, em São Paulo –, abrindo rasgos em tetos para deixar o céu entrar no ambiente, levando junto lirismo e beleza, a exemplo da Catedral de Brasília.

Seus projetos são únicos; o que não significa unanimidade. Basta citar Brasília, a cidade cujos prédios nasceram em sua prancheta. Porém, quem tem o privilégio de conhecer seu pensamento na idade avançada há de comemorar, também, outras virtudes menos badaladas. Como a dignidade, temperança, tolerância, decência, honra, sobriedade e simplicidade.

Na hierarquia social, Niemeyer é um soberano. Mas se comporta como súdito. Este é o centenário de quem sabe edificar – nos mais variados e amplos sentidos desta palavra.

Reconsiderar decisões também é um gesto de grandeza do qual ele é capaz. Embora tenha anunciado que não comemoraria o aniversário este ano, cedeu aos apelos e revela a ISTOÉ que fará “uma reunião muito simples” na Casa das Canoas, sua antiga residência, em São Conrado, no Rio, e que hoje é aberta ao público.

O arquiteto esclarece que “não haverá nenhuma festa especial nem fanfarras”. Para ele, fazer 100 anos não é especial. “Quem viveu um tempo considerável, como eu, teve, infelizmente, muitos momentos tristes, como a experiência de perder entes queridos”, explica.

À pergunta sobre o que acha que fez de mais louvável para ser alvo de tantas homenagens, ele reafirma: “Sintome feliz com o reconhecimento de minha obra de arquiteto. Mas, para mim, a vida é mais importante do que a arquitetura.

A vida, a mulher, a família, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar.” Sua utopia da vida inteira é uma revolução socialista no Brasil. Niemeyer é tão carioca quanto comunista.

O número exato de projetos concebidos por ele é desconhecido. Seu neto, o fotógrafo Carlos Eduardo, o Cadu, diz que a lista mais atualizada, mas não completa, contabiliza 600.

Ele organiza as exposições sobre os 100 anos do avô, no Brasil e fora dele, e as mais recentes são a de Moscou e a que será inaugurada dia 8 no MAC, em Niterói, chamada Oscar Niemeyer Arquiteto Brasileiro Cidadão.

E ele segue produzindo. O ousado centro administrativo do governo de Minas Gerais, previsto para ficar pronto em 2009, terá uma laje de quase 150 metros apoiada em apenas dois pilares. E em Avilés, na Espanha, até 2010, será erguido o Centro Cultural Oscar Niemeyer.


NA ESPANHA Projeto do Centro Cultural que ficará pronto em 2010

“A mais forte marca que meu avô deixou em minha vida é a obsessão em buscar uma sociedade mais igualitária”, diz. Mas os cerca de 300 e-mails enviados mensalmente a seu escritório não buscam lições como essa.

São jornalistas e arquitetos do mundo inteiro pedindo encontros com o mestre, além de convites e homenagens.

A aproximação do centenário fez o assédio chegar “a um nível assombroso”, diz Luiz Otávio Ferreira Barreto Leite, professor universitário que cuida da revisão de textos e ajuda na correspondência.

Niemeyer segue a mesma rotina há anos: sai de seu apartamento, em Ipanema, bem cedo e dedica a parte da manhã, em seu escritório, em Copacabana, a essas “chatices”, como disse Leite. A parte da tarde é somente para a criação e acompanhamento dos projetos.

A seu lado, Vera Lúcia Cabrera, que foi sua secretária por 15 anos e com quem se casou há pouco mais de um ano. Niemeyer ficou viúvo em 2004, depois de 76 anos de casamento com Annita Baldo, com quem teve uma filha, Ana Maria, que lhe deu cinco netos, desdobrados em 13 bisnetos e 5 trinetos.

Não surpreende que defenda o matrimônio: “Agrada-me muito a vida a dois, a possibilidade de ter sempre ao lado a companheira preferida.” Sobre sua convivência com Vera, resume: “Somos muito felizes.”

BELEZA, OUSADIA E LEVEZA


O MAC, Em Niterói (RJ), de 1996 (à esq.), e o Auditório Ibirapuera (SP), de 2005, último prédio projetado para conjunto do parque


Palácio do Itamaraty (DF), de 1960, um dos mais belos edifícios de Brasília, e o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (PR), de 2002

Entre os netos, a arquiteta Ana Elisa, ciente do peso de ter a mesma profissão e sobrenome de um gênio. “Não posso me atrever a fazer projeto, vai ser sempre comparado a ele, é assim desde a faculdade. Não seria um Niemeyer...

Até porque, Oscar Niemeyer só tem um”, diz ela, que trabalha no desenvolvimento das criações do avô. A genialidade é exemplificada pelo arquiteto Ruy Ohtake: “Ele fez o croqui do Memorial da América Latina, em São Paulo, em uma noite.

É rápido, consegue resolver as questões com muita simplicidade. É natural nele.” Ohtake acredita que todos os arquitetos brasileiros sofrem sua influência.

Isso vale para grifes estrangeiras também: “As obras que Corbusier (o franco- suíço de quem Niemeyer foi aluno) fez nos últimos dez anos têm uma influência enorme de Oscar. A sede da Renault, na França, à primeira vista, é Oscar Niemeyer.”

Entre as obras que receberam críticas está o Memorial da América Latina, “acusado” de muito árido e sem verde. Segundo o arquiteto José Magalhães Jr., curador da 7ª Bienal Internacional de Arquitetura (BIA), que homenageia este ano Niemeyer, ele responde assim: “Imagine a praça de São Marcos (em Veneza, na Itália) cheia de árvores!”

Para Luiz Recaman, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, em São Carlos, não há o que discutir: “Oscar Niemeyer é o principal nome da arquitetura moderna brasileira e sua obra faz parte da história da arquitetura mundial.

” O Arquiteto do Século agradece as homenagens e, humildemente, avisa que pretende apenas seguir a vida, dedicando- se a seus projetos e na companhia de sua mulher, de amigos e familiares.

Perto dos 100 anos, ele diz que a grande sabedoria da vida “talvez seja permanecermos modestos, evitarmos encontrar defeitos nas outras pessoas, sermos mais tolerantes”. E manda um lembrete: “A vida é um sopro.”


01 de dezembro de 2007
N° 15435 - Paulo Sant'ana


Um crime bárbaro

Ainda ressoa no Brasil e no mundo o mais revoltante dos crimes que já se cometeram na história recente do país.

A menina L.A.B., com idade de 15 anos, com apenas 35 quilos, foi encarcerada numa cela em que havia 30 homens que se satisfizeram sexualmente nela durante 24 dias.

Aconteceu em outubro passado numa cadeia da cidade de Abaetetuba, a 89 quilômetros de Belém, no Pará.

O crime encheu de desilusão e tristeza os brasileiros e diminuiu mais ainda o conceito do Brasil no estrangeiro.

Meia dúzia dos 30 detentos exigiu que a menina fizesse sexo com eles durante os 24 dias.

Inicialmente, ela resistiu à investida das feras. Mas os presos queimaram seu corpo com pontas de cigarros e as plantas de seus pés com isqueiro.

Como ainda resistia às torturas, foi-lhe confiscada a comida, só deixariam que ela se alimentasse depois de se satisfazerem de seu corpo.

Por dois dias, a menina resistiu sem água e sem comida. Até que em troca de uma pequena ração de alimentos cedeu a um dos maiores dramas já conhecidos na crônica policial mundial.

Há um filme feito de celular em que a menina é possuída por um dos presos e uma fila de detentos aguarda a sua vez de se relacionar com ela.

Um coito, uma ração de comida, mais um intercurso, um pedaço de pão.

Foram 24 dias presa numa furna sob a maldição do medo e da dor.

Essa menina foi condenada àquele inferno, talvez por furto simples não confirmado, por uma delegada de polícia. Uma autoridade.

Cinco ou seis dias depois, foi levada à frente de uma juíza de Direito, que a interrogou e incrivelmente permitiu que ela fosse levada novamente para a cela do terror.

O promotor que tinha de atuar no caso para proteger a menor ficou envolto no manto do silêncio e da omissão.

Ou seja, aparentemente a Justiça estava funcionando, mas para fazer injustiça.

Não se compreende como é que tenha passado pelo crivo de autoridades o atentado de uma mulher presa entre homens, o que já é insustentável, mais ainda com uma menor.

Começam a vir à tona agora no Pará as barbáries nas cadeias. Surgiu o caso de uma mulher de 24 anos que foi recolhida a uma cela com dezenas de homens por ter-se recusado a massagear os pés de um delegado.

Isso tudo sob a vigência no Brasil da Constituição de 1988, que se diz redentora dos direitos individuais e protetora contra os excessos policiais.

Este fato, que representa e acoberta milhares de outros análogos Brasil afora, mostra que vivemos em um país banhado por um charco terrível de desrespeito aos direitos humanos e à civilização.

Vivemos uma sociedade animalesca, e o pior é que posamos arrogantemente de nação em que os direitos são respeitados e há instituições que os preservam e defendem.

Nada disso, somos um arquipélago desorganizado de instituições esfarrapadas, habitado por tribos de bárbaros em que os crimes mais hediondos são permitidos pelas autoridades, ou seja, cometidos pelas autoridades.

Não há diferença, no Pará, como em tantos outros locais brasileiros, entre bandidos e autoridades.

Não há dúvida de que a sociedade dos índios, que viviam no Brasil antes do Descobrimento, era mais superiormente humana que a nossa. Este crime foi horripilante.