sábado, 15 de março de 2008



Por que o Brasil pode vencer a corrupção

Declínio, devassidão e indecência. as palavras mais usadas pelos dicionários para definir corrupção envolvem um incômodo tipo de decadência moral.

Pesquisas recentes revelam que a corrupção é o principal motivo de vergonha dos brasileiros, acima da violência e da pobreza. Essa grande vilã é ainda mais nefasta por ajudar a perpetuar a miséria e a criminalidade.

Com a corrupção, interesses pessoais se sobrepõem aos coletivos. O bem comum dá lugar ao enriquecimento ilícito de poucos.

Experiências internacionais mostram que combater a corrupção é o primeiro passo para conter o crime organizado e também para criar instituições sólidas em todos os países. É fato que o Brasil progrediu nesse campo. Desde a Constituição de 1988, os procuradores do Ministério Público podem agir de forma independente na fiscalização de políticos e funcionários públicos.

O Congresso também tem ampla liberdade para investigar o governo. Há órgãos atuantes na fiscalização das contas públicas, como a Controladoria-Geral da União (CGU) ou os tribunais de contas. Já flagramos parlamentares, governadores, prefeitos e até um presidente – Fernando Collor, que sofreu impeachment.

Esse avanço institucional se dá de modo gradual. À medida que as denúncias iluminam o submundo da política e da burocracia estatal, a descoberta de novas brechas para a corrupção permite aperfeiçoar ainda mais as instituições.

Nesta primeira edição de ÉPOCA Debate, procuramos entender como o Brasil tem avançado no combate à corrupção e o que falta para que o país consiga debelar esse problema secular.

Investigar, identificar e prender suspeitos é o primeiro passo no combate aos corruptos

A maior novidade dos últimos anos no combate aos corruptos tem sido a ação da Polícia Federal. Com operações de nomes estrepitosos – como Gafanhoto, Gato de Botas, Cavalo de Tróia, Sanguessuga ou Navalha–, a PF foi a instituição que mais avançou no combate à corrupção.

Entre 2003 e 2006, foram desbaratadas organizações criminosas que movimentaram mais de R$ 50 bilhões e fizeram o país perder, em desvio de dinheiro e sonegação fiscal, mais de R$ 18 bilhões, o equivalente ao orçamento anual do Estado do Paraná. Em muitos casos, a PF foi acusada de cometer exageros e de transformar suas operações em espetáculos televisivos.

Mas o salto institucional é indiscutível. “Rompemos com a inércia do imaginário do cidadão. Hoje, todos estão conscientes de que podem ser alcançados pelo Estado”, diz o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa.

Esquemas de desvio de dinheiro público, antes considerados um aspecto inerente à burocracia estatal, passaram a ser investigados, denunciados e desbaratados, sem poupar empresários, juízes ou políticos.

O retrato da impunidade

Investigar, identificar e prender suspeitos é, porém, apenas o primeiro elo da corrente de combate aos corruptos. Condená-los a penas severas na Justiça é o passo seguinte – e é nesse ponto que o Brasil tem falhado. É isso o que mostra o mais completo levantamento já realizado no país sobre as investigações da Polícia Federal nos últimos anos.

Durante três meses, ÉPOCA pesquisou, uma a uma, todas as 292 operações realizadas pela Polícia Federal entre junho de 2003 e dezembro de 2006. Dessas, 216 se referiam a casos de corrupção, com o envolvimento de agentes e órgãos públicos (são esses os casos apresentados no quadro que percorre as próximas páginas).

O levantamento não incluiu as operações realizadas a partir de 2007 – o critério foi averiguar apenas as operações com intervalo de tempo suficiente para que os processos na Justiça chegassem, pelo menos, ao fim de julgamento na primeira instância. Para medir o resultado das operações da PF, a reportagem entrevistou mais de uma centena de delegados, procuradores e juízes envolvidos nessas ações.

Decantou cada inquérito entregue pela PF ao Ministério Público e as denúncias remetidas para os tribunais de Justiça. O objetivo era descobrir quantos presos, afinal, foram efetivamente condenados e punidos com cadeia. As conclusões foram as seguintes:

nas 216 operações, a Polícia Federal prendeu 3.712 pessoas para averiguação entre elas, havia 1.098 funcionários públicos (107 da própria PF) apenas 432, ou 11%, tinham sido condenados pela Justiça em primeira instância até o fim do ano passado
dos condenados, só 265 realmente estavam cumprindo pena de prisão até o fim do ano passado – 7% de todos que foram detidos.

Tradução: de cada cem suspeitos detidos pela polícia, apenas sete acabaram na cadeia. Esses números revelam a ineficiência da Justiça em punir com rapidez. Eles sugerem que o Brasil, no combate à corrupção, vive a clássica situação do copo cheio pela metade: ele está meio cheio, mas também meio vazio.

Avançamos, é verdade. Mas não o suficiente para derrotar o principal motor da corrupção: a impunidade. Quando apenas sete de cada cem suspeitos de corrupção vão para a cadeia, fica difícil para um corrupto imaginar que ele poderá ser punido por seus crimes.

O Brasil perde a cada ano 5% do PIB por causa da corrupção, segundo um estudo da FGV

“A certeza da punição é o que diminui o crime, e não uma pena mais ou menos dura”, diz a cientista política Maria Tereza Sadek, professora da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores especialistas brasileiras em Justiça (clique aqui e leia a entrevista). “Os comportamentos desviantes são estimulados se as pessoas não têm a certeza de que serão punidas.”

O combate à corrupção no Brasil lembra o mito grego de Sísifo. Por ofender os deuses, Sísifo fora condenado a empurrar uma pedra montanha acima. Quando chegava ao topo, a pedra rolava montanha abaixo.

Sísifo precisava, então, refazer todo o trabalho. Se a Justiça falha na punição dos corruptos, se é a impunidade que prevalece, o país fica sempre, como Sísifo, empurrando pedras montanhas acima, num esforço inútil.

O primeiro efeito da impunidade é a lassidão moral que se abate sobre a sociedade. Os brasileiros se acostumaram a associar corrupção ao desvio de verbas públicas. Mas ela é mais que isso.

Vai do “presentinho” que a empresa oferece ao funcionário público até a compra de sentenças no Judiciário. É a propina que as quadrilhas pagam aos fiscais para extrair e contrabandear madeira ilegalmente; o suborno do policial de rua que faz vistas grossas à prostituição infantil e ao tráfico de drogas; o “ágio” pago à auto-escola para tirar a carteira de habilitação sem fazer exame.

Longe dos grandes escândalos que ganham os holofotes da mídia, a corrupção se dissemina no varejo anonimamente. Ao incorporar o suborno como inevitável – graças à sensação de impunidade –, o país incorre numa auto-sabotagem velada. O fiscal que deixa entrar mercadorias pirateadas da China permite a concorrência desleal à indústria brasileira.

O funcionário público que desvia um lote de vacinas expõe as pessoas ao risco de morrer. Onde há um servidor público corrupto, o Estado perde eficiência, a população deixa de ser atendida como merece e o crime se fortalece.

Tudo isso tem um custo econômico. O Brasil perde, a cada ano, o equivalente a 5% do PIB, ou R$ 130 bilhões, por causa da corrupção, segundo cálculos do economista Marcos Fernandes, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo. “O custo da corrupção não é só o valor do dinheiro drenado do poder público e dos indivíduos”, diz Fernandes.

“O problema grave da impunidade é que ele é sintoma de insegurança jurídica.” A segurança jurídica – um conjunto de regras claras e estáveis em que todos confiem – traz investimentos, crescimento, empregos, inovação e difusão de tecnologia. A corrupção piora os indicadores sociais porque retira dinheiro da segurança, da saúde e da educação, contribui para a manutenção da carga tributária e reduz a competitividade da economia.

De acordo com os estudos de Fernandes, o PIB do Brasil poderia crescer até 2 pontos porcentuais a mais todos os anos, se não fosse a corrupção. Por causa da impunidade, a economia brasileira comporta-se como um trem que anda mais devagar do que poderia porque uma de suas rodas está fora dos trilhos.

O que fazer para evitar que o Brasil continue a carregar as pedras da corrupção montanhas acima, apenas para vê-las cair logo em seguida? A experiência de outros países ensina que um dos caminhos mais eficientes para inibir a corrupção é tornar as ações dos governos mais transparentes. A falta de informações é uma aliada dos s corruptos.

O segredo, nesse caso, chama-se internet. No Brasil, nos últimos anos, foram desenvolvidos alguns sites que permitem o acompanhamento detalhado de gastos do governo, a conferência de despesas e receitas de campanhas eleitorais e até as declarações de bens de parlamentares eleitos.

Os mais conhecidos são o Portal da Transparência, do governo federal, o site do Tribunal Superior Eleitoral e o Projeto Excelências, mantido pela ONG Transparência Brasil.

Todos eles contêm informações que, a rigor, são públicas há muitos anos, mas eram inescrutáveis, pois estavam escondidas em cartórios eleitorais ou escaninhos do governo.

Transparência tende a inibir os corruptos. Como os dados podem ser rastreados, fica perigoso roubar. A idéia por trás do uso da internet como ferramenta de combate à corrupção é permitir que cada cidadão seja um fiscal em potencial. É um entendimento cada vez mais comum em democracias desenvolvidas.

Os órgãos de controle não têm condições de olhar tudo. Eles trabalham por amostragem ou a partir das denúncias que recebem. Ao dar transparência total às informações públicas, os sites permitem que qualquer um verifique algo que pareça estranho, a quantidade e a qualidade das denúncias aumenta.

A corrupção, conseqüentemente, diminui. Há, ainda, um segundo fator positivo na divulgação de dados públicos na internet: a transparência inibe a iniciativa dos corruptos. Como os dados podem ser rastreados, fica cada vez mais arriscado roubar.

Um avanço maior, porém, só será possível com um choque de gestão e da qualidade na atuação do Judiciário e das instituições envolvidas no combate à corrupção. O trabalho desses órgãos, em muitos casos, não costuma ser coordenado.

A Controladoria-Geral da União, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e os tribunais de contas têm pouca ligação com a PF e com o Ministério Público. A polícia e o Ministério Público travam disputas agressivas pelo comando das investigações. E os dois têm divergências com a Justiça. Quando esses litígios são superados, bons resultados aparecem.

R$ 18 bilhões(1)
Esse é o prejuízo que governo federal, Estados e municípios tiveram com as quadrilhas presas pela PF entre 2003 e 2006. Os principais crimes foram desvio de verbas e sonegação fiscal

R$ 50 bilhões
Foi o que as quadrilhas presas pela PF movimentaram até ser pegas

A Polícia Federal apreendeu R$ 298,7 milhões em jóias, pedras preciosas e dinheiro (em espécie, cheques, cheques de viagem e títulos ao portador) - (1) Cálculo feito com base nas estimativas da Polícia Federal, Receita Federal, do INSS, Ibama e Ministério Público Federal

A importância da boa gestão é a principal lição do exemplo positivo da Polícia Federal. O aumento da produtividade da PF no combate à corrupção é resultado do investimento maciço em recursos humanos, tecnologia e gestão. De 2003, primeiro ano do governo Lula, até hoje, o orçamento da PF cresceu de R$ 1,8 bilhão para R$ 3,5 bilhões por ano.

O efetivo aumentou com a contratação de quase 3 mil novos agentes, delegados e peritos. Para atrair profissionais mais qualificados, a remuneração foi melhorada. O salário inicial dos delegados, antes muito inferior ao dos promotores e ao dos juízes, passou de R$ 8.300, em 2003, para R$ 12.900.

Essas melhorias foram acompanhadas de maior autonomia nas investigações. Então comandada pelo delegado Paulo Lacerda, hoje à frente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a PF aplicou mais de US$ 35 milhões na compra de equipamentos para perícia, grande parte deles importada do exterior.

Dois prédios foram construídos para acomodar o Instituto Nacional de Criminalística de Brasília. Foram montados ou ampliados os laboratórios para exames químicos, genéticos, de balística e de análise de imagens e som.

A capacidade de produção de análises e de laudos periciais aumentou 300%, segundo a PF. Com o quadro de funcionários maior e mais bem-preparado, a PF mudou também o método de trabalho de seus agentes. Antes, o esforço era concentrado na investigação e na prisão de suspeitos. Agora, o foco passou a ser desarticular quadrilhas inteiras.

Para desatar o nó da impunidade, a melhoria da gestão tem de ser levada para dentro do Poder Judiciário, segundo reconhecem as próprias associações de magistrados e juízes. Num estudo produzido com o Banco Mundial, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) coloca o aumento da eficiência como o principal desafio para superar a crise na Justiça.

“Falta aos juízes formação de administrador. Os concursos de juízes exigem dos candidatos conhecimentos de Direito, mas nada de Administração”, diz Rodrigo Collaço, ex-presidente da AMB. Essa cultura bacharelesca, predominante até agora, é uma das causas da impunidade, como mostra a próxima reportagem.

TRABALHARAM NESTA EDIÇÃO EDITORES: David Friedlander, Celso Masson e Guilherme Evelin REPORTAGEM: Ana Carolina Prado, Andréa Leal, Belisa Frangione, Josimara Silva, Larissa Soriano, Rodrigo Turrer,Thais Arbex e Wálter Nunes FOTOGRAFIA: André Sarmento, Paula Mendanha ARTE: Marcos Marques e Ricardo Martins INFOGRAFIA: Luiz Carlos Salomão e Marco Vergotti.

Ilustração: Nílson Cardoso. Fotos: Rogério Cassimiro/Folha Imagem e reprodução
Diogo Mainardi

O esquerdismo clinicamente morto

"Li que Dilma Rousseff perdeu 12 quilos para se eleger à Presidência. Pelo que entendi, trata-se do principal ponto de sua plataforma eleitoral. Estou torcendo para que Dilma Rousseff seja a candidata do PT em 2010. Estou torcendo muito. Sem a Dilma, o PT chega em terceiro lugar. Com a Dilma, ele chega em quinto"

"Como deixei de ser um esquerdista clinicamente morto." É mais ou menos esse o título de um artigo de David Mamet no Village Voice. Para quem está boiando, David Mamet é um dos maiores dramaturgos dos Estados Unidos. Village Voice é um jornal de Nova York. E "esquerdista clinicamente morto" é todo mundo menos a patota de VEJA, considerando-se o que se diz por aí a nosso respeito.

David Mamet foi um esquerdista clinicamente morto até o dia em que se pegou imprecando contra a rádio pública americana. Ele se deu conta de que suas antigas idéias políticas já não refletiam a realidade: do preconceito contra as grandes empresas – cujos produtos ele consumia – ao ódio pelos militares – que arriscavam a vida para protegê-lo de um mundo hostil.

Ele passou a questionar o papel do governo, rejeitando o intervencionismo estatal, um dos mitos inabdicáveis dos esquerdistas clinicamente mortos: "Mas, se o governo não intervém, como é que nós, meros seres humanos, vamos fazer?

Eu li e refleti, e me ocorreu que eu conhecia a resposta, que é a seguinte: parece que nós simplesmente sabemos". Para demonstrar isso, David Mamet fez um paralelo com o teatro: "Tire o diretor de uma peça teatral e o que acontece? Em geral, menos conflitos, um período mais curto de ensaios e um resultado melhor".

O teorema de David Mamet pode ser aplicado a todas as esferas da política. Dilma Rousseff está tentando cacifar sua candidatura presidencial graças ao PAC. Tire Dilma Rousseff do PAC e o que acontece? Menos conflitos, um período mais curto de obras e um resultado melhor.

Estou torcendo para que Dilma Rousseff seja a candidata do PT em 2010. Estou torcendo muito. Sem a Dilma, o PT chega em terceiro lugar. Com a Dilma, ele chega em quinto. Quinto é bem melhor do que terceiro.

Com a Dilma é bem melhor do que sem a Dilma. Os esquerdistas clinicamente mortos parecem entusiasmados com Dilma Rousseff. Eu também. No que se refere à sua candidatura, pode-se dizer que sou esquerdista clinicamente morto.

Li que Dilma Rousseff perdeu 12 quilos para se eleger à Presidência. Pelo que entendi, trata-se do principal ponto de sua plataforma eleitoral. Quem também emagreceu um bocado no último período foi Caio Blinder. O suficiente para se eleger vereador. Caio Blinder é a Dilma Rousseff do Manhattan Connection.

Passei a semana com ele, para a festa dos quinze anos do programa. Falamos sobre o passado e sobre o futuro. O passado remete a 1993, quando o Manhattan Connection foi ao ar pela primeira vez. Em 1993, eu era um romancista sem leitores. É bom ser um romancista sem leitores.

A gente só pensa na posteridade. Agora minha vida piorou tremendamente. Eu só penso no futuro, e o futuro é muito mais aborrecido do que a posteridade. Meu futuro é tentar sobreviver aos esquerdistas clinicamente mortos.

quinta-feira, 13 de março de 2008



13 de março de 2008
N° 15539 - Nilson Souza


O primeiro imperador

Meu professor de História ficou me devendo esta: não sabia, ou não lembrava, que Dom Pedro I tinha sido tão canalha. Nesta onda de celebrações de 1808, o ano da chegada da família real portuguesa ao Brasil, a televisão mostrou outro dia um documentário sobre as peripécias do príncipe rebelde. Ele aprontou um bocado desde que chegou à colônia, com nove anos.

Era um moleque perverso, que se divertia batendo no queixo dos meninos escalados para beijar-lhe a mão. Não queria saber de estudar, passou a adolescência na noite e metendo-se em brigas, até transformar-se no mais famoso mulherengo do futuro Império.

Seus biógrafos contam que ele deixou filhos por tudo que é canto, inclusive de uma monja, até mesmo porque era considerado a única pessoa bonita da família de Bragança - o que os quadros da época parecem mesmo confirmar, tanto em relação aos homens quanto às mulheres.

Mas a curta e intensa história do herói da nossa Independência, que viveu apenas 36 anos, tem duas versões. Uma é esta que referi acima, o lado irreverente do nobre português.

A outra é a história a oficial, que o retrata como ousado, valente e até como um estadista de idéias avançadas, no seu retorno a Portugal, onde morreu tuberculoso sob a vigilância do Dom Quixote pintado na parede do mesmo quarto em que nascera.

Na reportagem televisiva, o primeiro imperador do Brasil é mostrado como um homem extremamente autoritário, que abusava do poder e não tinha o mínimo respeito pela esposa. Aparece, inclusive, como suspeito de sua morte.

Depois de transformar a amante em dama de honra da imperatriz, o nosso príncipe de 18 nomes (Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon) teria agredido a mulher, que estava grávida e se recusava a participar de um baile na corte.

Não sou dos mais influenciáveis, mas este relato me revoltou o estômago. Certo, eram outros tempos, a história pode estar mal contada, talvez seja intriga da imprensa panfletária da época.

Mas cheguei a ter ímpetos de pichar o viaduto que leva seu nome em Porto Alegre, por irônica coincidência conhecido como Viaduto da Marli.

Torço até para que o meu professor de História, meu ídolo no tempo de estudante, abandone temporariamente sua aposentadoria e me procure para reposicionar o príncipe na sua verdadeira dimensão.

Talvez eu tenha faltado alguma aula. Ainda assim, não sei como vou reagir no próximo 7 de Setembro.

Excelente quinta-feira e tropeços ocorrem mesmo com máquinas infalíveis como estavam dizendo do Inter. E hoje é a vez do Grêmio mostrar sua Garra.

quarta-feira, 12 de março de 2008



12 de março de 2008
N° 15538 - Martha Medeiros


Bom humor

Em fevereiro, Paulo SantAna escreveu uma crônica falando das dificuldades que os mal-humorados sofrem no seu dia-a-dia e recomendou que as pessoas que padecem dessa maldição passem a sorrir mais, porque assim suas vidas automaticamente mudariam para melhor. Parece simplista, mas eu concordo com essa tese em gênero, número, grau, altura e largura.

Eu só acrescentaria que esse "sorrir" não significa sair por aí feito um bobalhão. O sorriso nem mesmo precisa ser aparente. Basta que a pessoa possua uma alegria interior e que a manifeste através das suas atitudes no dia-a-dia.

Ao ler a coluna, me vieram dois comediantes à cabeça. Não conheço nenhum dos dois pessoalmente, só sei deles o que a imprensa revela. Estou falando de Chico Anysio e Jô Soares, dois gênios.

Chico talvez seja até superior na criação de tipos, mas não vem ao caso. Ambos são absolutamente talentosos. Mas só um deles me parece bem-humorado.

Daqui de longe, apenas observando o que leio e ouço por aí, me parece que um continuou amigo de suas ex-mulheres, enquanto o outro parece ter cultivado uma mágoa relacionada a todo o seu passado. Um parece se divertir com o que faz, o outro parece estar cumprindo contrato.

Um se sente à vontade para experimentar coisas novas e se dedica a atividades diversas, o outro enjaulou-se e espera até hoje por um reconhecimento que julga não ter.

Um se sente agraciado pela vida, o outro sente que a vida ainda lhe deve honras. Um parece não ter preconceitos, o outro parece julgar todos que cruzam seu caminho.

Um tem um sorriso gaiato, o outro tem um sorriso contido. Tudo isso pode não corresponder ao que eles são de verdade, mas estou falando de imagem, de impressão causada. E é a impressão que tenho deles.

Essa percepção não merece ser desprezada. Você pode ter o mesmo talento que um colega seu, as mesmas condições para realizar-se, e no entanto a rabugice pode ser decisiva para que um deslanche e o outro fique pra trás.

Existe alguém que seja mal-humorado porque quer? Até tem, mas muitos simplesmente nasceram assim e fizeram do seu mau humor um traço de caráter.

Se quisessem, poderiam aliviar-se um pouco desse ranço, mas não se esforçam, não percebem o redemoinho em que vivem, a falta de horizonte, a limitação de seus atos. São pessoas bacanas e generosas, mas que, sem se darem conta, tornaram-se blindadas.

Falta-lhes inteligência emocional, uma habilidade que despertou o interesse científico há poucos anos, mas que já é considerada essencial para as relações interpessoais, a fim de que se evitem conflitos desnecessários.

É através dessa inteligência que um gordo pode parecer leve, enquanto um magro pode pesar tanto a ponto de não sair do lugar.

Hoje, Dia Internacional do sofá, aproveite para aqueles amassos e tenhamos todos uma excelente quarta-feira, ainda que com chuva por aqui.

terça-feira, 11 de março de 2008



11 de março de 2008
N° 15537 - Liberato Vieira da Cunha


Ilha de lembranças

Que lembranças eu levaria para uma ilha deserta?

Começaria pelas notas de um piano que nunca descobri de onde vinham, mas que acalentavam minhas noites e embalavam meus sonhos de adolescente. Eram um mistério perfeito e tudo o que é perfeito não precisa ser decifrado.

Não esqueceria o som do bonde subindo devagar a Rua Duque, um pedaço de luz rompendo a escuridão, um compasso lento pautando o tilintar das moedas, as conversas dos últimos passageiros, o suspirar de uma menina cujo nome era solidão.

As pedras azul e rosa da Rua João Manoel eram um livre, cambiante território, ora pavimento de campeonatos de futebol, ora a passarela por onde desfilavam os casais de enamorados. Mas aí veio o asfalto e cobriu tudo e já não se ouviram nem gritos nem sussurros.

As reuniões dançantes de sábado à tarde, os bailes da Reitoria constituíam um ritual romântico que culminava num gesto de ternura explícita: a face colando-se com a face. E o mundo girava então em azul profundo.

Os discos de vinil e as músicas que eles continham, de The Platters a Appassionata. Havia neles algo de sólido e de delicado, como um livro ou uma tela, e exerciam um tipo de fascínio a que só se sobrepunha o das próprias melodias.

As férias de julho em Cachoeira, quando nasciam amizades que iriam se prolongar por toda a vida e eclodiam paixões súbitas como as que só podem acontecer aos 16 anos na cidade que reunia as mais belas garotas do universo.

As primeiras visitas a Montevidéu, uma metrópole em plena florescência, que a cada quadra e esquina tinha um gosto que depois se perdeu. Ali era o Exterior. Ali era a civilização, em cada vitrine e confeitaria e loja e nas pessoas que se vestiam como se vivessem em Madrid.

As crônicas da revista Manchete. Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos produzindo a cada semana pequenas obras-primas que tornavam a literatura um artigo de primeira necessidade.

E os filmes da Grace Kelly.

E mais não digo porque a ilha se tornaria pequena para o tamanho de minha nostalgia.

Ainda que com chuva, mas com temperatura bem mais amena, que tenhamos todos uma excelente terça-feira.

segunda-feira, 10 de março de 2008



Lances por encontro com Scarlett Johansson no eBay ultrapassam U$ 38 mil
Publicidade - da Folha Online

Os lances para ganhar um encontro com a atriz Scarlett Johansson, 23, no site de leilões eBay já ultrapassam os US$ 38 mil (cerca de R$ 64 mil).

O valor inicial do leilão era de US$ 0,99, e o prêmio dá direito a conhecê-la pessoalmente na estréia de seu próximo filme, "He's Just Not That Into You".

O leilão termina na próxima quarta-feira (12). Quem ganhar também receberá duas entradas para assistir à estréia mundial do filme, em qual Johansson divide cena com astros como Jennifer Aniston, Drew Barrymore e Ben Affleck.

Max Morse/Reuters

Lances por encontro com Scarlett Johansson no eBay ultrapassam US$ 38 mil

O prêmio inclui também um passeio de carro com chofer, que levará o felizardo ao cinema onde ocorrerá a estréia. O lançamento acontecerá em julho em Los Angeles ou Nova York. O vencedor também receberá serviço de cabeleireiro e maquiagem.

O leilão foi divulgado pela própria atriz de "Encontros e Desencontros" em um vídeo no YouTube. No vídeo, Johansson afirma que o que o dinheiro obtido será destinado à ONG Oxfam América.

A atriz colabora com a Oxfam desde 2005 e, em 2007, viajou para Sri Lanka e Índia para conhecer os programas contra a pobreza da organização.

Além de Scarlett, outros artistas já participaram deste programa de leilões organizado pela ONG, entre eles Tom Hanks e Shakira.

Ao fim da disputa pela intérprete de "Match Point - Ponto Final", haverá um leilão com Kristin Davis na estréia mundial do filme "Sex and the City".

sábado, 8 de março de 2008



09 de março de 2008
N° 15535 - Martha Medeiros


A obsessão por ser perfeita

Pergunte a si mesma: assumir tantos compromissos e ser tão tirânica em relação ao seu desempenho está fazendo de você uma mulher mais feliz?

Sou perfeccionista demais!", costumam exclamar algumas mulheres, sem deixar claro se estão se auto-elogiando ou se autocriticando. Por via das dúvidas, saio de perto. Já não tenho paciência para essa busca desenfreada pela perfeição.

Quem disse que, ao assumirmos certas atribuições outrora masculinas, teríamos que virar as mestras em eficiência, as PhD em produtividade?

Atualmente, mulheres tripulam foguetes, presidem países e são autoras de descobertas científicas. Mas você, que não é astronauta, nem presidente de nada, nem candidata a Einstein, anda se cobrando insanamente por quê?

A independência feminina era pra ser divertida, onde é que deu errado? Sua agenda está mais cheia do que a da Condoleeza Rice.

Você não consegue se conceder meia hora para fazer as unhas. Está tão estressada que quase cai em prantos quando seu patrão dá uma bronca.

E você não dorme, criatura. Você acredita mesmo que cinco horas por noite é suficiente? Você passa seu creme anti-rugas antes de se deitar e, quando acorda, elas estão todas lá, triplicadas pelo cansaço.

E nem adianta tentar encontrar uma horinha para aplicar botox porque sua dermatologista está sem hora livre até agosto - ela é mulher como você, portanto, outra maluca viciada em agenda cheia. Estamos todas perdendo feio para este que deveria ser nosso aliado, mas virou um inimigo: o tempo.

Pergunte a si mesma: assumir tantos compromissos e ser tão tirânica em relação ao seu desempenho está fazendo de você uma mulher mais feliz? Se a resposta é não, pare tudo e troque por um cotidiano mais realista.

Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista o Culpa Zero. Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo de vida para os outros.

Seu pai e sua mãe, se tinham juízo, também não se apegaram a esta expectativa. Você não é Nossa Senhora. É, humildemente, uma mulher. E se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, diga adeus ao melhor dos luxos.

Porque luxo não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é encarar qualquer trabalho por dinheiro, não é atender a todos e criar para si mesma a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.

Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem.

Tempo para receber as amigas em casa. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Para fazer um curso. Engravidar. Ou para conhecer uma cidade bem longe.

Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem precisar deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.

A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.

Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Phillipe Starck e o batom da Mac, mas se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.

E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica a beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres 5 estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, ter um luxo de vida.

Ótimo domingo, com muito sol por aqui e de céu completamente azul neste Rio Grande do Sul.

Diogo Mainardi

Imbecilidades imobiliárias

"Lula se desmoralizou nos últimos anos. O que lhe resta é tentar pegar uma carona com Barack Obama. Mas Lula é pior do que Obama.

Pior em tudo. E o Brasil é pior do que os Estados Unidos. O que mais diferencia os dois países: no Brasil,a imbecilidade compensa"

Lula e Barack Obama têm um ponto em comum. Apenas um: o jeito para os negócios imobiliários.

Na última segunda-feira, começou em Chicago o julgamento do empresário Antoin Rezko. Ele é acusado de corromper funcionários de um fundo estatal.

Antoin Rezko ajudou a financiar a carreira política de Obama. Pior: ajudou-o a comprar sua casa, arrematando o terreno adjacente e repassando-o em seguida, a um precinho camarada, ao próprio Obama.

Cobrado pela imprensa, Obama declarou que, ao aceitar a ajuda de Antoin Rezko, cometeu uma "imbecilidade".

O caso de Lula é mais antigo e mais conhecido. A sua imbecilidade foi ter morado por nove anos numa casa de propriedade do advogado Roberto Teixeira, sem pagar aluguel.

O assunto surgiu quando um antigo dirigente do PT acusou algumas prefeituras petistas de favorecer uma empresa ligada a um familiar de Roberto Teixeira.

O PT abriu um inquérito para apurar a denúncia. Interrogado pela Comissão de Ética do partido, Lula contou que, depois da campanha eleitoral de 1989, chamou Roberto Teixeira e lhe comunicou o seguinte:

"Roberto, você não precisa dessa casa, não precisa, tem muitos imóveis aqui, eu vou ficar nessa casa". E, de fato, ficou. Nove anos. Sem pagar aluguel.

Como se trata de Lula – e a gente sabe como ele é –, um bom negócio acabou emendando em outro bom negócio. Quando ele saiu da casa de Roberto Teixeira, comprou um apartamento de cobertura. Quem lhe ofereceu a oportunidade?

Sim: Roberto Teixeira. Lula deu alguns detalhes sobre o negócio aos comissários do PT: "Eu falei: ‘Roberto, eu não tenho dinheiro.

Estou pedindo para o Paulo Okamotto vender meu carro e estou querendo vender um terreno’. Roberto falou: ‘Eu compro o teu carro’. Aí eu vendi o terreno por 72 paus e comprei o apartamento".

Isso tudo é velharia. É velharia o fato de que o carro de Lula foi vendido por um valor acima do de mercado. É velharia o fato de que ninguém registrou em cartório a venda de seu terreno por 72 paus.

Os protagonistas dos dois negócios imobiliários prosperaram. Lula se tornou presidente da República. E Roberto Teixeira se tornou um advogado com acesso ao presidente da República.

Lula se desmoralizou nos últimos anos. O que lhe resta agora é tentar pegar uma carona com Barack Obama. O DIP lulista já fez a patetice de associar um ao outro.

Mas Lula é pior do que Obama. Pior em tudo. E o Brasil é pior do que os Estados Unidos. Pior em tudo. O relacionamento de Obama com seu financiador está sendo escarafunchado pela imprensa e pela promotoria pública dos Estados Unidos.

Obama sentiu o efeito disso na semana que passou, com os primeiros sinais de esvaziamento de sua candidatura a presidente. É o que mais diferencia os dois países: no Brasil, a imbecilidade compensa.

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

A guerra dos alfabetizadores

"Vós, investigadores, não deveis confiar em autores que, apenas pelo emprego da imaginação, se fazem intérpretes entre a natureza e o homem, mas somente naqueles que exercitaram seu intelecto com os resultados de experimentos."
Leonardo da Vinci

Atômica Studio

Antes mesmo de Francis Bacon, Da Vinci já mostrava o caminho da ciência experimental, cujos avanços mudaram a face da Terra. Alguns ramos da ciência embarcam em naves espaciais. Mas, entre nós, há educadores que, nessa matéria, continuam refestelados em seus uivantes carros de boi.

As discussões sobre como alfabetizar uma criança ainda não seguiram os conselhos de Da Vinci: se há dúvidas, é preciso buscar os "resultados de experimentos". Os vôos da imaginação só cobrem a decolagem do processo científico. A aterrissagem é no solo do mundo real.

Circulam pelo menos quatro escolas de pensamento. Há uma que afirma ser a leitura um processo global. Aprende-se a ler frases inteiras, blocos de palavras. Ao lidar com um assunto palpitante, tudo dá certo.

Esse é o método exaltado pelos gurus e adotado quase universalmente. Outra escola afirma que o melhor é metodicamente aprender sons e letras. É o método fônico, neto do velho bê-á-bá. Uma terceira seita fica entre as duas anteriores.

Adota o processo fônico, mas acha necessário contar uma história interessante, em paralelo à tarefa mecânica de aprender a associar sons e garranchos no papel.

Por último, há um grupo agnóstico, que afirma que, não importa o método, tudo depende do professor. Cada grupo cita seu guru favorito, e a discussão patina.

Como a capacidade de ler e entender é algo eminentemente mensurável, estamos falando de números. Por sorte, há números em abundância. Isso porque, como os Estados Unidos e a Inglaterra passaram por dilema semelhante, foi criado um Literacy Panel, encarregado de juntar todas as pesquisas sérias feitas sobre o tema (veja-se Diane McGuinness, O Ensino da Leitura, editora Artmed). Apareceram cerca de 100 000 artigos científicos.

Passando o pente-fino, sobreviveram menos de quarenta. Pelas mesmas razões que não é necessário ser engenheiro automobilístico para ver quem chegou em primeiro numa corrida, podemos medir qual método alfabetiza melhor sem entender suas teorias.

Os resultados são bastante claros e se aplicam ao português – por ser também uma língua fonética. Nem uma só pesquisa confiável mostrou vantagens para o método global.

A disputa foi entre variantes do método fônico. A combinação do fônico com uma contextualização ou enredo não mostrou bons resultados.

Ao que parece, a historinha que acompanha o aprendizado de letras e sons desvia a atenção e consome tempo dos alunos. É melhor primeiro aprender a ler bem e depois dedicar-se a entender o que está escrito. Observou-se também que, quanto mais fraco o aluno, mais o método fônico traz vantagens.

Tais resultados puseram uma pá de cal na controvérsia. Todos os países de Primeiro Mundo que haviam abandonado os métodos fônicos voltaram a adotá-los. Faz pouco, o ministro francês Gilles de Robien proibiu o global.

As pesquisas mostram vantagens sistemáticas para o fônico. Portanto, a hipótese dos agnósticos é negada. De fato, se o método fosse irrelevante, tais diferenças não existiriam.

Mas os agnósticos podem ter alguma razão quando se comparam professores que não conhecem bem nem um método nem outro. Nesse caso, as comparações não mostram nada.

Em ciência não há conclusões definitivas ou finais. Mas, até que se refutem as conclusões do Literacy Panel, o que sabemos hoje nos obriga a aceitar a superioridade do método fônico.

A sociedade brasileira tem o direito de fazer duas exigências aos que recebem salário (pago pelos contribuintes) para cuidar de alfabetização.

Que superem suas cruzadas ideológicas e se ponham de acordo. Que para isso se valham dos princípios da ciência empírico-dedutiva, que, desde Bacon, todos os cientistas aceitam (ou seja, o que valida uma hipótese são experimentos, não os gritos de seus defensores).

Claudio de Moura Castro é economista - (Claudio&Moura&Castro@cmcastro


E Gabriela ainda espera

Ao adiar o julgamento sobre o uso de embriões em pesquisas, o STF frustra os pacientes que não têm outra opção a não ser crer no potencial das células-tronco

CRISTIANE SEGATTO, DE BRASÍLIA

A FLOR NO COLO

Católica e defensora das pesquisas com células de embriões, Gabriela Costa diz ter rezado para iluminar os ministros do STF. E levou uma gérbera ao plenário, como forma de pressão

Gabriela costa é uma moça notável. Deixou de andar há cinco anos por causa da distrofia muscular do tipo cinturas, uma doença genética que rouba a força dos músculos. Nem por isso se lamenta. Trabalha, namora, se diverte.

Quando vê portadores de formas mais graves da moléstia, tem certeza de que está bem. A maioria vive um ciclo sem volta.

Primeiro, as pernas enfraquecem e os braços ficam imobilizados. Depois, falar e comer se torna impossível. Por fim, os pulmões e o coração entram em colapso. Quem vai discordar de Gabriela?

Na semana passada, ela era a mais clara expressão da vida durante a sessão do Supremo Tribunal Federal que pretendia dar um veredicto sobre a polêmica do uso de embriões humanos em pesquisas.

Uma manobra jurídica adiou a decisão por tempo indeterminado. O sonho de Gabriela ficou mais distante. Mas ela não desiste.

Antes da sessão, a brasiliense de 32 anos subiu a rampa do STF com uma confiança visível. Um amigo empurrava sua cadeira de rodas.

A moça manteve o rosto erguido, os longos cabelos soltos e, na mão direita, levava uma gérbera laranja. A flor é o símbolo da luta dos pacientes que ela coordena no Movimento em Prol da Vida (Movitae).

Na véspera, Gabriela escolheu seu melhor terninho e, antes de dormir, rezou. Católica e defensora das pesquisas com células de embrião – condições que, na visão dela, não são incompatíveis –, pediu a Deus que iluminasse a mente dos 11 ministros.

Do fundo do plenário, na fila reservada aos cadeirantes, Gabriela foi testemunha de um momento marcante. Segundo o ministro Celso de Mello, o tema em discussão “é o assunto mais importante da história do STF”.

Como raramente acontece na mais alta corte de Justiça brasileira, os ministros estão diante de uma questão de princípios. Têm a missão de examinar valores que se contrapõem: o direito à vida, o direito à saúde, a livre manifestação do progresso científico, o respeito à fé religiosa.


08 de março de 2008
N° 15534 - Cláudia Laitano


Direito

Se o leitor, como eu, trabalha em um ambiente em que há sempre um aparelho de televisão ligado é possível que tenha interrompido sua rotina por alguns minutos esta semana para acompanhar pela TV Justiça a votação da ação de inconstitucionalidade contra o artigo da Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas com células-tronco embrionárias.

E, se parou diante da televisão, talvez tenha vibrado com o relatório do ministro Carlos Ayres Britto - justificando seu voto favorável à pesquisa com um texto em que Shakespeare, Fernando Pessoa e, por essa ninguém esperava, Tom Zé foram chamados a contribuir na argumentação.

Ficar empolgado diante da TV Justiça já seria um momento histórico, mas a votação desta semana foi memorável porque obrigou o país a pensar não somente a respeito dos imprevisíveis rumos da ciência, mas também sobre algo bem mais concreto e imediato: as leis que queremos obedecer.

O interesse de boa parte da opinião pública por esse debate, de gente como eu e você, que não sabe de genética muito mais do que as regrinhas para saber se os olhos do filho vão ser verdes ou castanhos, talvez não tenha a ver exclusivamente com um apoio genérico a todo tipo de pesquisas científicas que acenem com alguma esperança para quem não tem outra saída a não ser confiar nos avanços da ciência.

Em toda essa discussão, o pano de fundo evidente é a queda de braço velada entre uma visão religiosa e uma política de Estado.

É claro que faz parte da brincadeira democrática que todos tenham direito de dar o seu pitaco diante dos temas de interesse público. Nesse sentido, a Igreja Católica não só pode como deve deixar suas idéias bem claras para seus fiéis e também para quem vai tomar as decisões políticas.

O problema é a sensação de que, no Brasil, as convicções da Igreja Católica sobre determinados assuntos vêm sendo historicamente superdimensionadas. Como cidadã, me incomoda imaginar que uma posição religiosa chegue ao ponto de influenciar temas como a pesquisa científica em um Estado que se diz laico desde a Constituição de 1891.

Minha torcida diante da TV Justiça, portanto, não era apenas pelas pesquisas com as células-troncos embrionárias, mas principalmente pela independência das leis diante do lobby de um dogma religioso.

Como membro da União dos Juristas Católicos, o ministro Menezes Direito, que atrasou a bola para o goleiro pedindo vista da ação, obviamente já tem uma opinião formada sobre a Lei de Biossegurança, em vigor no país há três anos - caso contrário, falha como católico e, infelizmente, também como jurista. Resta saber o que motivou sua atitude, a posição religiosa ou a responsabilidade como ministro da mais alta corte do país.

E para não dizer que não falei em Dia das Mulheres, vai aqui minha homenagem à heroína da semana: a ministra Ellen Gracie, que deu um banho de lucidez no encerramento da votação no STF, abrindo o voto e aproveitando para dar um pito elegante - como só uma mulher poderosa sabe fazer - no colega que provocou a interrupção da votação:

"O motivo que me leva a adiantar o voto é que essa ação entrou no STF em 30 de maio de 2005. São passados três anos.

Tenho certeza de que será trazido dentro em breve pelo senhor (dirigindo-se a Menezes Direito). Sabe-se que as pesquisas em geral, se não ficaram paralisadas, pelo menos sofreram sensível desestímulo nesse período". Nada mal, dona Ellen.

quinta-feira, 6 de março de 2008



06 de março de 2008
N° 15532 - Nilson Souza


Elas

Elas chegaram ao mundo mais tarde, provavelmente porque se demoraram diante do espelho do tempo até ter certeza de que estariam apresentáveis aos trogloditas que as esperavam.

Por isso, coube-lhes cuidar da caverna, manter o fogo aceso, alimentar as crias e marcar com risquinhos na parede os dias de solidão, enquanto os companheiros não voltavam da guerra e da caça.

Assim, tornaram-se hábeis para ocupar espaços, exímias no manejo das chamas da alma, inigualáveis moldadoras de personalidades e pacientes estrategistas de sentimentos.

Elas sempre foram consideradas frágeis. Mas enquanto eles exercitavam a musculatura abatendo mamutes, trocando o pneu do carro ou jogando futebol, elas desenvolviam a força oculta da sedução, o poder das artimanhas do bem e do mal, a arte de preparar os mais deliciosos venenos do prazer. Tornaram-se, assim, no decorrer dos séculos, senhoras de seus senhores.

Elas nunca esconderam o medo. Porém, enquanto eles exibiam a duvidosa coragem do combate, elas aprenderam a curar feridas, a conviver abnegadamente com as doenças, a encarar com inexplicável destemor o rosto da morte e a chorar em silêncio as mais sofridas perdas. Tornaram-se, assim, sem ocultar as lágrimas, modelos de coragem.

Elas só conseguiram ingressar há pouco tempo no mercado de trabalho, porque o outro lado do portão era domínio deles, que tinham a exclusividade das máquinas e ferramentas, sabiam se localizar no mapa das esquinas desconhecidas, dirigiam carruagens e veículos motorizados, construíam pontes e muros.

Também era deles o monopólio do conhecimento, das ciências, das letras e da travessia de mares e nuvens.

Então elas abriram delicadamente a porta do calabouço, insinuaram-se pelas vielas da modernidade e passaram a ocupar seus lugares no trem que as levaria ao futuro.

Elas só não assumiram ainda o comando do planeta por astúcia, pois sabem o quanto eles são sensíveis à idéia de perda de controle.

Mas já conquistaram espaços inimagináveis em séculos de supremacia masculina - e continuam buscando, pacientemente, o direito à igualdade total. E tudo isso sem renunciar à beleza, à maternidade, à vocação para a paz.

Elas têm um dia especial para reverenciar esta história bonita que elas vêm escrevendo dia a dia - com talento, com sensibilidade, com intuição, com inteligência e com o mais sublime dos sentimentos de suas indecifráveis almas: o amor incondicional.

Com ar seco e muito sol por aqui, que tenhamos todos uma excelente quinta-feira.

quarta-feira, 5 de março de 2008



05 de março de 2008
N° 15530 - Martha Medeiros


Antes de partir

Um filme cujos protagonistas são Jack Nicholson e Morgan Freeman, com diálogos bem construídos e um humor inteligente (mesmo tratando de um assunto difícil como a finitude da vida) já entra em cartaz com vantagem, mesmo que o roteiro não seja lá muito surpreendente.

Antes de Partir não é mesmo surpreendente, mas isso também pode ser uma coisa boa. Ficamos sempre correndo atrás de fórmulas novas quando deveríamos nos dedicar mais a reforçar certas verdades.

E a verdade do filme, se pudesse ser resumida numa frase, seria: aproveite o tempo que lhe resta. Nada que você já não tenha escutado mil vezes.

Nicholson e Freeman interpretam dois sessentões que descobrem estar com uma doença terminal. Os prognósticos apontam seis meses de vida para cada um, no máximo um ano. E agora? Esperar a extrema-unção numa cama de hospital ou buscar a extrema excitação?

Sem piscar, eles aventuram-se pelo mundo praticando esportes radicais, conhecendo lugares exóticos, desfrutando todos os prazeres de uma vida bem vivida - claro que um deles é milionário e banca tudo, detalhe que nos falta na hora de pensar em fazer o mesmo. Você não pensa em fazer o mesmo?

Você, eu e mais 6 bilhões de homens e mulheres também estamos com a sentença decretada, só não sabemos o dia e a hora.

Está certo que é morbidez pensar sobre isso quando se é muito moço, mas alcançando uma certa maturidade, já dá pra parar de se iludir com a vida eterna, amém. Com dinheiro ou sem dinheiro, faça valer a sua passagem por aqui. Não sei se você percebeu, mas viver é nossa única opção real.

Antes de nascermos, era o nada. Depois, virá mais uma infinidade de nada. Essa merrequinha de tempo entre dois nadas é um presentaço. Não seja maluco de desperdiçar.

Ok, quantos de nós podem sair amanhã para um safári na África, para um tour pelas pirâmides do Egito, para um jantar num restaurante cinco estrelas na França?

Ou teria coragem de saltar de pára-quedas e pisar fundo num carro de corrida numa pista em Indianápolis? Se não temos grana nem dublês, então que a gente se divirta com outro tipo de emoção, que o filme, aliás, também recomenda.

Reconheçamos o básico: uma vida sem amigos é uma vida vazia. O mundo é muito maior que a sala e a cozinha do nosso apartamento. A arte proporciona um sem-número de viagens essenciais para o espírito. Amar é disparado a coisa mais importante que existe.

Que mais? Desmediocrize sua vida. Procure seus "desaparecidos", resgate seus afetos. Aprenda com quem tiver algo a ensinar, e ensine algo àqueles que estão engessados em suas teses de certo e errado.

Troque experiências, troque risadas, troque carícias. Não é preciso chegar num momento limite para se dar conta disso.

O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.

Uma ótima Quarta-Feira - Dia Internacional do Sofá. Aproveite para aqueles amassos.

terça-feira, 4 de março de 2008



04 de março de 2008
N° 15529 - Liberato Vieira da Cunha


Uma freira no bar

Logo que comecei no jornalismo me mandaram entrevistar um expoente das artes. Foi uma conversa agradável, mas dela lembro uma única frase. À saída, fui apresentado à sua vasta pinacoteca e meu anfitrião deteve-se ante um desenho.

Dizem que é de Rembrandt; comprei em Amsterdã logo depois da II Guerra, de um vendedor de rua, por 50 dólares.

Desde então a minúscula tela freqüenta meus sonhos. É bom, volta e meia, dar corda à imaginação, já que a realidade, neste país e no mundo, se revela de momento pouco inspiradora.

Você está folheando, distraído, a edição de Os Lusíadas que herdou de seu bisavô. E então tropeça numa página marcada por um velho pedaço de envelope. E de repente percebe que o gasto selo que o decora é nada menos do que um Olho de Boi de 1843.

Você está se livrando de uns papéis que encontrou na gaveta oculta da cômoda que arrematou num Brique. E aí cai em suas mãos uma carcomida partitura, ao pé da qual se lê a assinatura de um certo Ludwig van Beethoven.

Você colide com uma arca, no porão da casa que lhe tocou no testamento de sua tia Viridiana.

Por mera curiosidade, examina o conteúdo e dá com uma silente caixa de música. Mas logo escuta uma sinfonia: a dos 37 perfis do Rei Luís XIV, esculpidos em moedas de puríssimo ouro.

Não sei o Rembrandt. Os vendedores de rua de Amsterdã não te entregam um Rembrandt por 50 dólares, ainda que em ásperos tempos. Mas o Olho de Boi, o autógrafo de Beethoven, os ducados do Rei Sol te converteriam instantaneamente num eleito da fortuna.

Todas essas são fantasias improváveis.

Uma vez porém me vi face a face com um tesouro incalculável. Estava hospedado, naturalmente que a convite, no Atlantic, de Hamburgo. Havia senhores de casaca e de cartola no passeio fronteiro à recepção, que abriam a porta de teu táxi e te protegiam da neve.

À noite, no bar, cavalheiros e damas, trajados de smokings e de vestidos longos, dançavam na pista de sândalo, ao som de um Steinway.

A certa altura, no entanto, surgia naquele ambiente ostentoso uma sóror descalça, que suplicava ao distinto público uns trocados para o asilo que mantinha. Indiferente ao frio, aos olhares altivos, recolhia migalhas e tornava aos ventos glaciais do Alster.

Até hoje me pergunto se haverá no universo fortuna maior que a de sua fé, sua solidariedade e seu coração.

Ainda que com chuva por aqui, que tenhamos todos uma ótima terça-feira.

domingo, 2 de março de 2008


DANUZA LEÃO

As prioridades

Nós costumamos tratar melhor as pessoas a quem conhecemos pouco, e mais: que nos dão pouca bola

QUAL É A pessoa que você trata melhor neste mundo? Não vale dizer assim, sem nem pensar -"meu pai, minha mãe, meus filhos".
Feche os olhos e faça uma reflexão profunda:

quando você chega em casa e tem um monte de recados na máquina, para quem você liga primeiro? Para sua mãe, que está em ótima saúde, ou para aquela pessoa que ficou de dar a resposta sobre um projeto?

Para seu pai, que joga vôlei todos os dias, ou para aquela mulher maravilhosa, seu sonho de consumo há anos? Bem, respondidas essas perguntas, vamos em frente.

É doloroso, mas é verdade: cada um de nós procura primeiro pelo que mais o está interessando naquele momento, e que pode até ser o pai ou a mãe -mas quase nunca é. A não ser, claro, quando esse pai ou essa mãe ficaram de responder a algum pedido, seja de que tipo for, para o filho querido.

Mas se, no fundo do seu coração, você detectar que o telefonema é só para saber se você melhorou da gripe, pensando bem, dá perfeitamente para fingir que foi do trabalho direto para o cinema e ligar amanhã de manhã, não é mesmo?

E por que será que as mães têm a mania de saber da evolução da gripe de seus filhos?

Com filho é diferente. Não há pai ou mãe -mãe, sobretudo- no mundo que não interrompa a mais importante das reuniões de trabalho para atender a um telefonema do filho, e ainda está para nascer uma que tenha coragem de mandar dizer que naquele momento está ocupada. Aliás, é só saber que é ele que está chamando para dar um aperto no coração; será que está bem?

Será que está precisando de alguma coisa? Será que caiu e quebrou a perna?

Não há uma só que consiga pensar que, se ele está telefonando, tão mal assim não pode estar.

Voltando aos recados: se for aquela pessoa bem famosa, que você conhece mas que não chega a ser um amigo, você liga correndo, não liga? E se for sua antiga babá, que te segurava no colo e contava histórias para você dormir?

Você adora ela, claro, mas depois de um dia tão duro -ah, dá para ligar amanhã, claro que dá. Tem mais: você já reparou como são bem tratadas as pessoas com quem a intimidade é pouca?

É duro de admitir, mas costumamos tratar melhor as pessoas a quem conhecemos pouco, e mais: que nos dão pouca bola.

E isso em todos os níveis, sobretudo quando se trata de amor. Por que a maior parte das pessoas ama tão apaixonadamente quem não aparece, quem trata meio mal, quem não ama direito?

Esses são absolutamente irresistíveis, enquanto daqueles que nos amam de paixão a gente pode até gostar, mas com uma mal disfarçada indiferença. Nada mais desestimulante do que ter certeza; aliás, certeza seja do que for, sobretudo do amor de um homem.

Nada deixa você mais viva, digamos assim, do que estar na corda bamba, sem saber o que vai ser do seu amanhã. Será que ele vem? Essa falta de segurança -exatamente a tal segurança que se busca em todos os momentos- é que move o mundo.

É ela a responsável pelas academias de ginástica, pelos salões de cabeleireiro, pela indústria da moda, e mente quem diz que quer ficar bonita "para ela mesma". Pois sim.

As mulheres fazem tudo para ficarem desejáveis para um homem em particular ou para todos em geral, e se conseguem um dia ter certeza da estabilidade no amor, ai do outro.

Feliz ou infelizmente, as pessoas que mais nos amam são as que tratamos com mais displicência.

Tratamos assim nossos pais, e assim nos tratam nossos filhos, pela certeza desse amor eterno e incondicional. Não é justo que seja assim, mas desde quando a vida é justa?

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 1 de março de 2008



02 de março de 2008
N° 15527 - Martha Medeiros


Aonde é que eu ia mesmo?

Às vezes estou no meu quarto e penso: vou à sala buscar meus óculos. Quando estou no corredor, já esqueci o que ia fazer na sala

Uma vez escrevi uma crônica que se chamava "Coisa com coisa". Era sobre a minha vexaminosa tendência de trocar o nome das pessoas. Não apenas nomes de pessoas que mal conheço, mas também nomes de parentes.

Parentes próximos, como filhos. Com o tempo, comecei a trocar também nomes de objetos, a me embaralhar com os verbos e a perder palavras que estavam na boca da língua. Desculpe, quis dizer na ponta da língua. Ou seja, passei a não dizer mais coisa com coisa.

Pois tenho novidades: piorei muito.

Às vezes estou no meu quarto e penso: vou à sala buscar meus óculos. Quando estou no corredor, já esqueci o que ia fazer na sala. Quando chego à sala, olho em volta e tento descobrir o que fui fazer ali. Não recordo.

Fico feito uma barata tonta: "O que era mesmo?". Volto pro quarto de ré, pra ver se a memória é resgatada no rewind, feito fita rebobinada, mas não adianta. Dali a dois minutos, lembro: ah, eu ia pegar os óculos! Onde mesmo?

Tenho comentado isso com alguns amigos, na esperança de que me olhem com piedade e me recomendem um bom médico, mas o que mais escuto é: "Comigo tem sido a mesma coisa".

Pesquisei com conhecidos dos 19 aos 90 anos. Com todos tem sido assim. Alzheimer geral. Tem alguma coisa errada, e não é só comigo.

Li recentemente uma matéria que associa a falta de memória com a falta de sono. É uma teoria. Os especialistas entrevistados para a matéria recomendam que a gente não abra mão de dormir oito horas seguidas.

Dizem que isso não é balela, que ajuda mesmo o cérebro a descansar e a retomar as tarefas do dia seguinte com funcionamento pleno. Maravilha. Oito horas de sono. Me explique como.

Eu apago a luz cedo. Antes da meia-noite. Às vezes às 22h30min. Tenho perdido o Saia Justa por causa disso. O Manhattan Connection. A minissérie Queridos Amigos. Meu sono está me emburrecendo, mas quando os olhos pesam, não há outra saída a não ser capitular.

Desligo o abajur e apago junto na mesma hora. Só que às 4h da matina minha cabeça acorda sozinha! A cabeça, essa maldita. Ela então faz um apanhado geral dos problemas a serem resolvidos no dia seguinte.

Na verdade, nem problemas são, mas durante a madrugada qualquer unha encravada vira um câncer terminal. Você sabe como é, a noite potencializa o drama. Então fico eu ali fritando nos lençóis, pensando, pensando. Verbo desgraçado: pensar.

Quando consigo pegar no sono de novo, o despertador faz o seu serviço: me desperta. Cedíssimo: hora de levar os filhos (o nome deles, mesmo?) ao colégio. Há quem tenha reunião no escritório.

Outros, massagem. Outros precisam ir para a parada de ônibus. Quem consegue hoje em dia dormir oito horas de sono cravado? Os milionários, e nem eles, eu acho.

Tampouco tenho sonhado. Não há sono suficiente para criar uma historinha com começo, meio e fim. Freud teria dificuldade em trabalhar hoje em dia: dorme-se pouco. E lembra-se menos ainda. Fim de era para o descanso e a memória. Do que eu estava falando mesmo?

A solução é mudar a rotina. Ver menos televisão. Ter menos obrigações. Morar em lugares mais silenciosos. Ter menos vida noturna. Menos compromissos. Menos agenda.

Menos e-mails. Menos contatos profissionais, mais amigos. Menos trabalho, mais férias.

Menos filhos: é difícil decorar dois nomes. Filho único é mais fácil. E deixar de frescura e pendurar logo aquele troço medonho que prende as hastes dos óculos ao nosso pescoço.

Ainda que com chuva nesta Porto, que por isso, não está nada alegre, tenhamos todos um ótimo domingo.

Diogo Mainardi

A minha enxaqueca

"O aspecto que mais me intrigou nos relatos sobre a enxaqueca é que gente de talento conseguiu transformar o sofrimento debilitante em literatura, em arte, em filosofia.

O segundo aspecto foi seu exato oposto: como eu nunca tirei nada do sofrimento, como eu sou um macaco"

Eu sofro de enxaqueca. Oliver Sacks sofre de enxaqueca. Lewis Carroll sofria de enxaqueca. Isso é o que a gente tem em comum. O que muda radicalmente é a forma de reagir aos sintomas.

Oliver Sacks usou sua enxaqueca para refletir sobre a geometria neural. Lewis Carroll inspirou-se em sua enxaqueca para imaginar Alice no País das Maravilhas, com a protagonista que cresce e encolhe.

Eu, quando tenho um ataque, limito-me a cambalear até o banheiro, abrir a torneira da pia e engolir um comprimido de cloridrato de naratriptana.

É raro conseguir delinear com tanta clareza a diferença entre a mentalidade científica (Oliver Sacks), a mentalidade artística (Lewis Carroll) e a mentalidade simiesca (Eu).

O New York Times tem um blog sobre enxaqueca. Oliver Sacks é um de seus cinco colaboradores. Ele se interessa particularmente pelos delírios visuais produzidos pela enfermidade. Compara-os aos mosaicos árabes. Há também quem os compare à arte pontilhista de Georges Seurat, outro enxaquecoso ilustre.

Segundo Oliver Sacks, as figuras geométricas que perturbam a vista, durante os acessos de enxaqueca, refletem uma espécie de faxina que ocorre no córtex cerebral, quando todo o conhecimento adquirido é guardado no devido lugar: as meias escuras na gaveta de cima, as camisas azuis penduradas nos cabides, as calças apertadas na cintura separadas para dar ao zelador.

A teoria de Oliver Sacks é que as células cerebrais se reorganizam simetricamente, e que essa simetria celular corresponde aos nossos conceitos mais elementares de beleza.

Eu sou um neófito da enxaqueca. Meu primeiro ataque aconteceu apenas dois anos atrás. Foi igual ao da maioria das pessoas: dor paralisante de um lado do rosto, náusea, sensibilidade ao ruído, formas geométricas piscando nos olhos.

Naturalmente, fui ler sobre o assunto. Olha Nietzsche entrando no sanatório para tratar da enxaqueca! Olha Nietzsche passeando no Lago Maggiore para se distrair da enxaqueca!

Olha Nietzsche comentando a enxaqueca em Ecce homo! O aspecto que mais me intrigou nos relatos sobre a moléstia foi aquele que já adiantei no primeiro parágrafo: como tanta gente de talento conseguiu transformar o sofrimento debilitante em literatura, em arte, em filosofia.

O segundo aspecto que mais me intrigou foi seu exato oposto: como eu nunca tirei nada do sofrimento, como eu sou um macaco.

Num tempo dominado pela mais absoluta demagogia intelectual, em que todas as idéias parecem se equivaler, em que qualquer macaco pode abrir um blog e opinar sobre Lewis Carroll e Georges Seurat, a história da enxaqueca ajuda a restabelecer alguns valores.

Ela dá ordem e simetria ao pensamento humano, como acontece, em escala microscópica, com as células cerebrais, de acordo com a teoria de Oliver Sacks. Meias escuras na gaveta de cima. Camisas azuis penduradas nos cabides.

Ponto de vista: Lya Luft

Por que nos mutilamos?

"Uma maturidade tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura em que nos tornamos na busca da juventude eterna"

Numa página de revista, deparo com um espetáculo deprimente: uma mi-lionária americana de 62 anos entra num restaurante expondo a fotógrafos e freqüentadores um rosto tão desfigurado por plásticas, preenchimentos e outros processos que não era só feio e disforme, mas assustador.

Nada mais ali combinava, as sobrancelhas em alturas diferentes, os olhos artificialmente enviesados estavam desemparelhados e o nariz sumia num rosto de lua cheia, fruto de inadequados esticamentos e exageradas invasões.

Há poucos dias vi por acaso uma conhecida que não encontrava fazia anos. Reconheci-a de longe, de costas para mim, e quando ela se virou na cadeira senti um choque. O corpo elegante de uma mulher madura era o mesmo.

O rosto era uma coisa redonda e intumescida, lisa, com pouco das verdadeiras e simpáticas feições de que eu me lembrava tão bem.

Os lábios estavam enormes, com algo de genital, os olhos pareciam pequenos demais, e seu nariz adunco, em lugar de ter sido corrigido para um pouco menos adunco – embora nunca tivesse sido feio –, era uma pobre batatinha perdida numa paisagem hirta e inexpressiva.

Ilustração Atômica Studio

Sei que no folclore a meu respeito consta entre outras coisas que sou "contra cirurgia plástica". Nada mais incorreto e tolo.

Eu mesma, viúva pela primeira vez aos 49 anos, de maneira súbita e brutal, aos 51 tinha o rosto tão devastado pelo abalo que um amigo, excelente cirurgião, fez um lifting discretíssimo e pequeno, que não me rejuvenesceu – nem eu quereria –, mas talvez tenha tirado um pouco do ar cansado e triste demais.

Portanto, sou a favor de recursos, não para enganar o tempo, o que em geral acaba em resultados desfavoráveis e patéticos, pedindo sempre mais e mais intervenções, mas para abrandar, eventualmente corrigir.

A fim de que a pessoa, homem ou mulher, se sinta bem na própria pele. Não para que aos 60 a gente pareça ter 30 anos, e aos 80 viva a melancólica ilusão de ter 50.

Não é a juventude que interessa, mas a felicidade e a alegria. Olhar-se no espelho e poder dizer: bem, esta sou eu, aqui está a minha história, o que for excessivo vou corrigir, mas não quero ser uma adolescente eterna, a não ser que minha alma permaneça infantilóide.

Observo uma atriz importante dando entrevista e na contraluz estão evidentes as marcas impiedosas de cirurgias, fios de ouro, ou seja lá o que for, e outras intrusões que aos poucos vão se manifestando.

Logo virão novas intervenções para corrigir aquilo, e assim será, talvez, até o fim da vida. A não ser que um amigo, um familiar ou um médico piedoso lhe diga para parar, em lugar de se torturar numa busca irracional fadada ao fracasso. A angústia por manter-se jovem muito além dessa fase pode levar aos maiores desatinos.

Como os modelos que se nos apresentam em nossa cultura superficial indicam que o bom é ter sempre 15 anos, se não tivermos alguma bagagem interior (o que inclui a cultural) para remar contra a correnteza, em breve faremos parte da legião de mutiladas, as quais têm pouco delas mesmas, peles fanadas expostas em decotes ousados de precários vestidinhos.

Nem todo mundo vai gostar do que escrevo aqui e digo em muitas palestras: dirão que madureza e velhice implicam doença e deterioração. Uma maturidade tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura em que nos tornamos na busca do paraíso perdido, que é também uma ilusão.

Pois a juventude nunca foi a melhor época da vida nem a única época interessante, embora possa cintilar e ferver mais. A cada fase da vida seu próprio encanto e, claro, suas próprias dores.

Então, quem sabe a gente – homens e mulheres – procure gostar de si um pouco mais, trocando a fatal tentativa de negar o tempo por saúde, equilíbrio, beleza real e alegria, que fazem um bocado de falta neste mundo nosso.

Lya Luft é escritora

O valor da felicidade

Um estudo questiona a eficácia dos antidepressivos. E novas pesquisas mostram que a infelicidade pode ser boa para nós

david cohen, amauri segalla, kátia mello e martha mendonça

Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 03/março/2008.Assinantes têm acesso à íntegra no leia mais no final da página.

Quando foi lançado nos Estados Unidos, em 1987, o mais famoso medicamento antidepressivo do mundo chegou a ser apontado, pela revista Scientific American, como um “anjo que ilumina as trevas da alma”.

O Prozac foi o primeiro de uma série de remédios que visam alterar o nível de serotonina, uma substância química do cérebro relacionada à sensação de prazer. Com as mudanças das últimas duas décadas no modo como a ciência médica encara a depressão, esses medicamentos se tornaram campeões de venda.

O número de pílulas consumidas no mundo inteiro pulou de 4 bilhões, em 1995, para 10 bilhões, em 2004, um aumento de 150%. No Brasil, também se registrou um salto. Há três anos, 20,6 milhões de comprimidos foram vendidos no país. No ano passado, foram 24,4 milhões (um aumento de 18,5%).

Por isso, um estudo lançado na semana passada na Public Library of Science Medicine (Biblioteca Pública da Ciência Médica) causou grande impacto.

O pesquisador Irving Kirsch, da Universidade de Hull, no Reino Unido, e seus colegas revisaram os estudos clínicos de vários antidepressivos e concluíram que, nos casos de depressão leve, seus efeitos não são melhores que os de placebos.

(Os placebos, pílulas sem substância ativa, são usados em um grupo separado de pacientes para avaliar quanto da melhora se deve ao remédio e quanto apenas ao efeito psicológico de ser atendido e medicado.)

Kirsch utilizou estudos que a indústria não havia divulgado. Os laboratórios foram obrigados a liberá-los pela Food And Drug Administration, o órgão regulador de medicamentos dos Estados Unidos. A indústria rebateu a conclusão, dizendo que Kirsch analisou poucos estudos.

Além disso, outro estudo, lançado também na semana passada pelo Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos, afirma que o uso de antidepressivos ajuda a diminuir a taxa de suicídios.

Essa discussão provavelmente terá vida longa. E dá força a uma questão de fundo: por que buscamos com tamanha avidez a felicidade?


01 de março de 2008
N° 15526 - Cláudia Laitano


Três trilhas não triviais

1) A trilha do mês - Todos os dias da semana já foram cantados. Tem música de quem odeia segunda-feira, música de quem dá graças a Deus porque é sexta, música que conta a trágica história de um sangrento domingo de guerra. Os meses, me parece, são menos inspiradores.

Cadê as músicas sobre junho, novembro, agosto? O momesco fevereiro talvez seja o mês mais celebrado na música brasileira, mas a canção definitiva sobre uma determinada época do ano você sabe bem qual é.

O músico e crítico gaúcho Arthur Nestrowski, autor de uma das mais brilhantes análises da obra-prima de Tom Jobim, costuma dizer que ninguém sabe de cor a letra inteira de Águas de Março - mas todo mundo sabe cantar.

É como um hino nacional, uma melodia gravada no código genético musical da nação. "Tom Jobim escreveu canções alegres e tristes, nostálgicas e utópicas, de introspecção, de sedução, de exaltação.

Águas de Março parece tudo isso ao mesmo tempo. Só poderia ter sido escrita por ele, mas toca no limite de uma arte sem autor, que cai no ouvido como uma fruta cai do galho, perfeita", observa Nestrovski no livro Três Canções de Tom Jobim, que tem ainda ensaios de Lorenzo Mammi (Sabiá) e Luiz Tatit (Gabriela).

Porque hoje é sábado, um sábado de março - e ainda por cima deve chover - seus ouvidos merecem esse agrado: bote Elis e Tom a cantar Águas de Março para você.

2) A trilha da semana - Julio Iglesias e Iron Maiden fazem show em Porto Alegre na semana que vem. Fico pensando se existe alguma pessoa que vai aos dois espetáculos - não a trabalho ou contra a vontade (para levar alguém, por exemplo), mas movido por um genuíno, ainda que exótico, ecletismo musical. Cartas para o e-mail ali em cima.

3) A trilha do afeto - Março mal começou e um dos melhores filmes do ano já passou por Porto Alegre, dentro da programação do Festival de Verão.

O documentário Jogo de Cena (que tem uma imperdível sessão de pré-estréia ainda hoje à noite) é daqueles filmes que ficam se desdobrando na memória horas depois que você sai do cinema.

O ponto de partida de Eduardo Coutinho é aparentemente simples: com um anúncio no jornal, o diretor convidou mulheres com mais de 18 anos para contar suas histórias diante de uma câmera. Oitenta e três se apresentaram, 23 foram escolhidas.

O filme tem os depoimentos de algumas delas e a interpretação de atrizes (Fernanda Torres, Marília Pêra e Andrea Beltrão, entre elas) para alguns desses relatos reais.

O resultado é uma reflexão profunda sobre a complexa arte de interpretar histórias alheias e as próprias, sobre falso e verdadeiro, documentário e ficcção, mas é também uma tocante homenagem ao universo feminino, mostrando como essas mulheres (todas as mulheres?) vivem experiências como maternidade, luto, desejo e frustração. Uma das cenas mais emocionantes mostra uma das personagens cantando uma cantiga de ninar.

É a canção que ela cantava para a filha, e também a que ela ouvia na infância - juntando as pontas de uma história familiar que ela ainda não foi capaz de resolver.

A história dessa personagem é única, mas não é difícil entender por que todos saem do cinema tocados pela cena. Porque uma cantiga de ninar é sempre uma certidão de nascimento do afeto, uma trilha sonora amorosa, impressa na nossa memória, à qual recorremos instintivamente quando a marcha do tempo dispara e transforma a criança embalada na mãe que embala seu filho.

A cantiga de ninar nos inventa, nos sobrevive e ultrapassa. Como o amor de uma mãe por um filho - e desse filho pelos seus.