sábado, 19 de abril de 2008



19 de abril de 2008
N° 15576 - Nilson Souza


A outra menina

Todos estamos sofrendo com este episódio horroroso da menina lançada pela janela do edifício em São Paulo. Tudo é doloroso no caso: a crueldade do crime, as suspeitas sobre as pessoas que deveriam amá-la e protegê-la, as acusações, as defesas, os testemunhos e também as notícias em torno da tragédia.

Muitas notícias. Notícias demais. Repetitivas. Extenuantes. Revoltantes, até. Como costuma acontecer em casos policiais que se arrastam em ritmo de novela, já tem muita gente querendo matar o mensageiro.

Todo dia ouço alguém responsabilizando a mídia por fazer sensacionalismo, por explorar o sentimento de morbidez do público, por manter o assunto nas manchetes supostamente para vender jornais.

Até parece que algumas pessoas, inconformadas com a falta de explicação para a insanidade cometida contra uma criança, tentam transformar a imprensa no bode expiatório de suas dúvidas e aflições.

Ora, vamos devagar. Se todos corremos para a frente da TV quando o apresentador fala no caso, ou se procuramos nos jornais e revistas os detalhes que ainda não conhecemos, é porque nós estamos alimentando esse monstro midiático que nos assusta e nos causa desconforto. Claro que a mídia comete seus erros e exageros.

Pior do que isso: na ânsia de informar rapidamente e de interpretar, muitas vezes opera injustiças, condena inocentes, arranha reputações e atua de forma irresponsável. Mas a mídia é uma hidra de muitas cabeças - e é injusto considerá-las uma coisa só.

Quem erra, quem faz sensacionalismo e quem age de forma leviana geralmente paga caro por isso, seja pela via judicial, seja pela mais justa e eficiente das punições, que é a rejeição do público. Numa democracia, o poder está com os indivíduos, que podem trocar de canal, escolher outra publicação, acessar a informação pela maneira que melhor lhes convier.

Mas é injusto condenar à execução sumária o mensageiro da má notícia.

Alguém tem que fazer esse trabalho. Nós, jornalistas, não gostamos de dar notícias ruins, até mesmo pelo fato de que somos os primeiros a conhecê-las e a sofrer com elas. Esse episódio da menina paulista é daqueles que todos preferiríamos não relatar.

Porém, uma suposta omissão nesse caso seria quase uma cumplicidade com quem cometeu o crime e um descaso com outra menina extraviada que precisa urgentemente ser encontrada para ser protegida. Ela se chama Verdade.

sexta-feira, 18 de abril de 2008



18 de abril de 2008
N° 15575 - Liberato Vieira da Cunha


Universos opostos

Entrei numa livraria e pedi uma caneta. A moça do balcão me serviu um variado sortimento de exemplares de plástico e eu desisti na hora da compra.

Me bateu uma estranha sensação de pertencer a um outro tempo. Era como se eu estivesse em busca de um chapéu, de uma bengala, de um par de polainas. A senhorita que me atendeu, percebi logo, não tinha remota noção do objeto do meu desejo.

Eu não estava atrás de uma Parker 51, de uma Crown, de uma Compactor, delicadas esculturas mecânicas com as quais aprendi a escrever e que não dispensavam o competente vidro de tinta. Queria não mais do que uma esferográfica que as imitasse, revestida de metal, se possível dotada de uns ares dos anos 50.

Tenho a impressão de que pessoas como eu estão ficando obsoletas.

Esses dias me surpreendeu na rua uma dessas súbitas chuvas de outono. Chuvas pedem guarda-chuvas. Tudo o que encontrei, aliás sem muita procura, o que atesta a ampla aceitação do modelo, foram uns exemplares frágeis e chineses, só absolvidos pelo preço.

Não esperava nada de seda ou finamente lavrado em bambu. Queria apenas algo sólido, que me protegesse da intempérie. Pois bastou uma rajada de vento mais forte para que o produto oriental se desfizesse.

Adquiri, depois de demorada pesquisa, um rádio portátil que esperava me servisse o trivial variado: a temperatura, os noticiosos, os jogos de fim de semana.

Não durou um mês. Logo começou a apresentar uma repentina rouquidão, uns assovios esquisitos, quando não um silêncio obstinado. Era um voraz consumidor de pilhas e da paciência do próximo.

Acho que as coisas estão ficando provisórias.

Mas há nisso um paradoxo difícil de deslindar.

Ao mesmo tempo em que objetos são desenhados para uma curtíssima vida, outros são projetados para uma existência complicada e sofisticada.

Um aparelho de som, um forno de microondas, uma televisão são hoje dotados de tantas teclas, que o comum dos mortais nunca chega a abarcar sua inteira finalidade.

Se você liga para uma organização de algum porte, logo surge a voz da senhorita da múltipla escolha. Quer um conserto? Aperte no botão 2. Vai fazer uma reclamação? Pressione o botão 4. Quer uma informação? Comprima o botão 6.

É a convivência de dois universos opostos. Um concebido para durar menos do que as rosas de Malherbe. Outro desenhado com a vocação da Esfinge.

Ótimo fim de semana e um excelente feriadão para todos vocês. Aproveitem que eu terei que estudar.

quarta-feira, 16 de abril de 2008



16 de abril de 2008
N° 15573 - Martha Medeiros


Antes e depois de João Hélio

A expressão "banalização da violência" tem sido usada há anos para designar crimes estarrecedores que não estarrecem mais, brutalidades fora do comum que viraram comuns, casos inacreditáveis em que passamos a acreditar fácil, fácil. Com isso, a expressão caducou. Dizer que hoje há uma banalização da violência também virou banal.

Eu não sei em que momento a morte passou a ser nada. Nada. Acho que foi a partir do João Hélio, aquele menino de sete anos que foi arrastado pelas ruas por um carro conduzido por assaltantes, preso a um cinto de segurança.

Aquilo foi um divisor de águas, ao menos pra mim. O tempo passou a se dividir entre A.J.H. e D.J.H. (Antes e Depois de João Hélio).

Depois de João Hélio, tudo poderia acontecer. E acontece. Crianças entre oito e 10 anos planejam assassinar uma professora porque ela deixou de castigo um aluno indisciplinado (não fosse um coleguinha dedurar, o assassinato teria acontecido, numa escola dos Estados Unidos - atenção: crianças entre oito e 10 anos!).

E tem o discutidíssimo caso da menina Isabella, jogada viva do sexto andar por causa de quê? De algum surto de raiva, de algum destempero, alguma falta de controle, essas oscilações de humor que a gente costuma ter normalmente.

Normalmente, a morte virou rotina.

O que é que ainda surpreenderia você? Consegue imaginar algo que o deixaria boquiaberto, incapacitado de entender? Eu, não. Nada mais pode me deixar de queixo caído, estarrecida.

Um pai abusar sexualmente de seu bebê de dois meses, um padre esquartejar uma moça que não rezou o pai-nosso direito, um adolescente se matar porque não ganhou um carro ao passar no vestibular.

O que é que faria você pensar que esse mundo está perdido? O mundo não está perdido, a morte é que deixou de ser uma exceção. A morte não veste mais preto, não é mais trágica, perdeu a importância e o respeito.

A morte é apenas um acidente de percurso, como um tombo, um atraso, um descuido. Ops, estrangulei minha filha num acesso de loucura, me excedi, desculpe.

Isso não é exatamente novo. Esses "acidentes de percurso" acontecem desde o big bang, quando deu-se o início da vida e da morte. O instinto humano é animal, somos bichos domesticados que às vezes esquecem as lições de casa e põem-se a agir feito feras. Até aí, sociologia, psicologia, tudo explica.

O que não se explica é que tenha se tornado tão corriqueiro. Fico tentada a dizer que isso pode ser conseqüência de estímulos cinematográficos demais, porém corro o risco de ser linchada - vai condenar a tevê, o cinema, os jogos de computador?

Vou. Nunca defenderia a censura, mas proponho mais consciência por parte dos realizadores. Chega de tanto catastrofismo a título de diversão. Parafraseando Rimbaud, por falta de delicadeza, estamos perdendo a vida.

domingo, 13 de abril de 2008



13 de abril de 2008
N° 15570 - Martha Medeiros


A mulher banana

Não sei se você já conhecia a Mulher Melancia e a Mulher Jaca. Eu só soube da existência dessas criaturas na semana passada. São duas dançarinas de funk que ganharam notoriedade por possuir quadris avantajados (respectivamente, 121cm uma, 101cm a outra). Essa é toda a história, com começo, meio e fim.

Tem também a Mulher Rodízio, forma bem-humorada que a onipresente Preta Gil se autobatizou, justificando que ela tem carne pra todo mundo.

Pois agora vou apresentar pra vocês a grande novidade desse mercado tão nutritivo: a Mulher Banana.

A Mulher Banana, se tivesse um quadril de 120cm, correria três horas por dia numa esteira. Se isso não adiantasse, correria para uma mesa de cirurgia a fim de tirar uns cinco bifes de cada lado, porque ela considera bundão uma coisa muito vulgar.

Faria isso por vaidade, pois acredita que, na prática, não faz a menor diferença para os homens se a mulher tem 90cm ou 120cm. Eu avisei que ela é banana.

Essa questão da vulgaridade quase a deixa doente. Ela não se conforma de que a rafuagem ganhe tanto espaço na imprensa, incentivando um monte de menininhas a também rebolarem no pátio da escola.

Ela morre de vergonha ao ver a mãe da Mulher Melancia dizer para um repórter que sente muito orgulho de ter uma filha vitoriosa. Ela se pergunta: pelamordedeus, não existe ninguém pra avisar essa gente que eles perderam o senso do ridículo? A Mulher Banana é totalmente sem noção, coitada.

A Mulher Banana não se dá conta de que há pouco assunto para muito espaço na mídia. Não há novidade que chegue para preencher tanto conteúdo de internet, tanta matéria de revista, tanto programa de tevê, e é por isso que qualquer bizarrice vira notícia.

Sem falar que, hoje em dia, tudo é cultura de massa, tudo é passível de análise para criarmos uma identidade nacional. Não, não, não pode ser!! Pode, Mulher Banana.

A Mulher Banana, como o próprio nome diz, é ingênua, inocente, tolinha. Ela acredita que o discernimento nasceu para todos e que ser elegante vale mais do que ser ordinária. É boba, mesmo. Não no mercado das mulheres hortifrutigranjeiras, minha cara. Aliás, mercado ao qual você também pertence. Banana.

A Mulher Banana ainda se choca com certas imagens, com certas fotos. Não que ela não acredite no que está bem diante do seu nariz (já sondei e não tem parentesco algum com a Velhinha de Taubaté).

Ela vê, ela sabe, ela está bem informada. Só que não consegue tirar isso pra piada, não leva na boa, não passa batido: ela é tão banana que se importa!!

Aviso desde já que a Mulher Banana não tem empresário, não posa para sites eróticos, não dá entrevistas e muito menos aceita sair de dentro de um bolo gigante usando só um tapa-sexo. Ela é banana. Vai morrer sem dinheiro, só é rica em potássio.

E não pense que é movida à inveja. Se fosse, invejaria a bundinha da Gisele Bündchen, que também andou à mostra esta semana e tem um tamanho bem razoável.

A Mulher Banana, tadinha, ainda sonha com um padrão estético razoável e um comportamento social menos nanico. Não pode ser brasileira! Mas é, conheço-a como a mim mesma.

sábado, 12 de abril de 2008


Diogo Mainardi

É Créu neles! É Créu nelas!

"Para proteger a imagem de Lula, todas as maiores figuras do PT foram sacrificadas. E as menores também. Dou um conselho aos mais aflitos: pendurem na parede uma fotografia do primeiro ministério lulista, de 2003. A mortalidade entre seus membros foi maior do que a do politburo de Stalin"

Dilma Rousseff encolheu. Sua candidatura presidencial durou menos de duas semanas. Foi logo ceifada pelo bando de José Dirceu. Ou pelo bando de Marta Suplicy.

Ou por seu próprio bando. Eu, que defendia ardorosamente a candidatura da princesinha do Créu, terei de escolher outro nome do PT. Qualquer um é pior do que ela. Qualquer um tem mais chance de ser eleito.

Fala-se muito sobre a popularidade de Lula. É espantoso que o eleitorado ainda o apóie desse jeito. Mas ninguém contabiliza o ganho que isso pode representar para o futuro. Para proteger a imagem de Lula, todas as maiores figuras do PT foram sacrificadas. E as menores também.

Dou um conselho aos mais aflitos: pendurem na parede uma fotografia do primeiro ministério lulista, de 2003. A mortalidade entre seus membros foi maior do que a do politburo de Stalin. A velha-guarda petista sumiu do cenário político.

Agora só pode agir às escondidas, nos bastidores. De José Dirceu a Humberto Costa, de Luiz Gushiken a Miguel Rossetto, de Antonio Palocci a – qual era o nome dele? – José Fritsch.

Lula é o Ricardo III de Garanhuns. Só falta a corcunda. E o pé manco. Nos últimos seis anos, para conseguir manter-se no poder, ele se desfez de fosse quem fosse. Os herdeiros do trono foram degolados um a um, sem o menor remorso, sem a menor piedade. Lula tem até aquele ar insolente de Ricardo III. Seu mote shakespeariano:

Consciência é apenas uma palavra que os covardes usam.

A inescrupulosidade de Ricardo III foi premiada por algum tempo, garantindo-lhe o poder absoluto. Mas tudo se perdeu depois de sua morte. Ele foi o último rei da casa de York. Assim como Lula será o primeiro e último presidente eleito pelo PT.

O aniquilamento que ocorreu na política se estendeu também às outras áreas. O lulismo se tornou um estigma. Quem se associou a Lula está condenado para sempre.

Os lulistas do cinema, os lulistas da música, os lulistas da academia, os lulistas da imprensa – o engulho que a gente sente por eles jamais poderá passar. Lula canibalizou todos os seus aliados, em particular os do PT. Ele é a bolha que engole o que está por perto. Os lulistas ganharam um bocado de dinheiro nestes anos.

Uns se transformaram em lobistas. Outros receberam financiamento estatal ou renegociaram suas dívidas com o BNDES. Mas um dia isso passa. Porque a imunidade que os brasileiros concederam a Lula é limitada a ele. Só a ele.

Se o Ricardo III shakespeariano é elaborado demais para Lula, ele pode recorrer a outro mote, ligeiramente menos refinado:

É Créu! É Créu neles! É Créu nelas!

Olhe a fotografia pendurada na parede. Olhe aquele ministro. Olhe aquele outro. Repito: um dia isso passa, garanto que passa.

Ponto de vista: Lya Luft

Diagnóstico: Alzheimer

"Como sempre nas doenças graves, devemos lembrar que a vítima não somos nós: é o outro. Nesse processo não há nada de bom, de belo, a não ser o exercício da ternura, sem esperar muito retorno"

Ilustração Atômica Studio

Almocei com um amigo semanas atrás e, quando perguntei a razão de seu abatimento, ele me disse sem rodeios: "Esta manhã recebi o diagnóstico de minha mãe: é Alzheimer". Imaginei essa senhora, alegre e vital, enveredando pelas sombrias trilhas de uma enfermidade diabólica, e entendi a tristeza de meu amigo como se fosse minha.

Minha própria mãe morreu aos 90 anos, depois de bem mais de uma década sendo paulatinamente envolvida na mortalha mental e emocional do Alzheimer. Uma bela mulher ativa tornou-se inexoravelmente uma estranha, raramente ostentando uma vaga semelhança com a que fora minha mãe.

A doença se manifesta em geral muito sutil: um esquecimento aqui, uma confusão ali. Uma atitude estranha aqui, outra ali, intercaladas por fases de aparente normalidade. A sociabilidade muda, os bons modos parecem esquecidos, o controle do dinheiro se torna caótico, e é dificílimo interferir. Há enorme resistência dos familiares em aceitar essa enfermidade.

Para mim, minha mãe sofria episódios naturais de esquecimento. Só o choque de um dia a encontrar com uma pintura bizarra no rosto, ela tão recatada, me fez cair na duríssima realidade. Ela já não sabia – ou em longos períodos não sabia – o que estava fazendo. Algumas pessoas mais chegadas tinham me avisado: eu havia me recusado a ver.

O que eu disse a meu amigo, disse a mim mesma nos muitos longuíssimos anos daquela jornada: o doente em geral não sofre. A família, sim. O que se pode fazer? Muito pouco, além de cuidar para que ele esteja bem alimentado, bem abrigado, medicado e tratado com carinho. Nada de criticar quando não sabe mais quem somos, porque no fim não sabe mais quem ele próprio é.

Quando já não se porta à mesa como antes, quando faz "artes" às vezes perigosas, ele precisa ser protegido, não mais ensinado.

Não vai mesmo aprender. Como sempre nas doenças graves, devemos lembrar que a vítima não somos nós: é o outro. Nesse processo, que em geral dura muitos anos, não há nada de bom, de belo, de encantador, a não ser o exercício da ternura, da paciência e dos cuidados, sem esperar muito retorno, pois em breve seremos chamados de senhor, senhora, moça, não mais de filha, filho, meu querido.

O ser amado se distancia, sem volta, sem saber, sem querer e sem que nada possa evitar: agora havia ali uma velhinha da qual eu cuidava como podia. Por fim, para a proteger de si própria, por insistência dos médicos ela foi posta na melhor clínica que pude assumir. Jamais esquecerei a dor e a culpa que me assaltaram, contrariando qualquer raciocínio.

Milhares de vezes tentei me convencer de que minha mãe nem existia mais, era apenas uma velhinha de quem eu tinha de cuidar. Como ficção, funcionava; como realidade, a cada uma das centenas de visitas meu coração se partia outra vez.

Cuide de sua doente, eu disse a meu amigo, da melhor forma. Não alimente nenhuma esperança vã, pois tudo é triste, infinitamente desalentador.

Uma coisa que ajuda, um pouco, é tentar entrar no universo do doente, em lugar de querer que ele retorne ao nosso. Mas cuide também de si mesmo.

Tente pegar-se no colo, proteja-se da culpa insensata que nos espreita, siga sua vida.

Na natureza morrem árvores jovens, e velhas árvores tortas vivem muito além da última floração. Estamos mergulhados no mistério: isso torna a vida possível mesmo quando não a entendemos.

Lya Luft é escritora


O quebra-cabeça se fecha

Libertados na sexta-feira, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni devem ser indiciados pela morte de Isabella. As últimas descobertas sobre o caso - algumas, ruins para o casal - deixaram a polícia mais próxima da solução

SOLANGE AZEVEDO E JULIANO MACHADO

EM LIBERDADE
A madrasta de Isabella, Anna Carolina (foto acima), e o pai, Alexandre, ao serem soltos.
Os dois colaboraram com a polícia

Na manhã da sexta-feira passada, o desembargador Caio Canguçu de Almeida decidiu soltar Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni. Presos desde o dia 3, são suspeitos do assassinato de Isabella, de 5 anos, enteada de Anna e filha de Alexandre, jogada do 6º andar de um edifício em São Paulo. A libertação do casal era esperada.

Segundo a decisão do desembargador, nenhum dos dois deu, “ao menos até aqui, prova alguma de deliberado propósito de comprometer, dificultar ou impedir a apuração dos fatos”. Isso não significa, porém, que a situação deles tenha melhorado ao fim da segunda semana de investigações.

Os indícios colhidos por meio de recursos científicos (leia o quadro abaixo) e depoimentos de testemunhas levavam a polícia a considerar inevitável o indiciamento dos dois como únicos acusados pelo crime.

É possível que eles acompanhem o processo em liberdade, pois têm bons antecedentes e têm colaborado com a Justiça. “Eles dizem categoricamente ser inocentes”, afirma Marco Polo Levorin, advogado do casal. O promotor Francisco Taddei Cembranelli disse haver “vinculação” entre “o casal” e “os ferimentos de Isabella”.

As últimas revelações sobre o caso reforçaram o foco no papel da madrasta, Anna Carolina, na noite do crime. Uma blusa preta da marca Young Connection e um par de sapatilhas Adidas azul que estavam com ela na delegacia foram levados para perícia.

A polícia quer saber se eram as roupas que a madrasta usava na noite da morte de Isabella e verificar se foram essas sapatilhas, com solado de borracha, as que deixaram uma pegada na cama do quarto de onde a menina foi jogada.

Aparentemente, Anna Carolina trocou de blusa na noite do assassinato. Imagens do circuito interno de um supermercado em Guarulhos, onde ela esteve com Alexandre, Isabella e os filhos cinco horas antes do crime, mostram-na de blusa preta, a mesma com que teria chegado ao prédio.

Depois do crime, Anna usava uma blusa verde-água. Nas roupas dele haveria manchas “semelhantes a sangue”, segundo os peritos. Só exames suplementares poderão determinar se é mesmo sangue, e de quem.


12 de abril de 2008
N° 15569 - Nilson Souza


Retratos de nós

Por imposição didática de minha teacher, com quem ando em falta, terminei de ler na semana passada O Retrato de Dorian Gray, na língua do próprio Oscar Wilde. Já conhecia a história da pintura que envelhece enquanto o modelo envilece, mas permanece jovem - resultado de um pacto não explícito do homem com a própria perversidade.

Confesso que na juventude esta fantástica história não me tocou tanto. Agora, que tenho uma bagagem maior de observações sobre o comportamento humano, incluindo evidentemente o meu próprio, tudo passou a fazer mais sentido.

Dorian Gray e sua obsessão pela beleza física e pela imortalidade continuam atuais, especialmente nestes tempos em que homens e mulheres fazem qualquer sacrifício para espichar um pouco mais a juventude. Outro dia não pude evitar uma comparação com a história ao ver a foto de uma mulher com o rosto totalmente deformado por sucessivas cirurgias e pela aplicação descontrolada de botox.

Na antevéspera do último Carnaval, uma dama carioca fez a sua 41ª cirurgia plástica para repuxar os olhos e transformar-se numa japonesa quase legítima, personagem adequado à temática de sua escola. Um dia o corpo cobra o preço de tanta intervenção.

Há também um efeito Dorian Gray gerado pela tecnologia. Não faz muitos dias, recebemos na Redação deste jornal o telefonema de uma senhora entrevistada numa reportagem sobre sua comunidade. Ela queria agradecer pelo destaque que recebeu, mas não resistiu a fazer uma observação de natureza estética:

- Vocês deviam ter fotochopado a minha fotografia!

O photoshop, programa de computador que permite alterar fotografias, inverte a lógica do romance. Permite que um modelo trintão, por exemplo, apareça na foto com um rosto adolescente.

Funciona a mil nas campanhas eleitorais. Basta conferir os chamados "santinhos" de candidatos com os originais nos palanques ou neste novo alcagüete da idade que é a tevê de alta definição.

Mas o livro de Oscar Wilde, publicado pela primeira vez em 1890, não trata apenas da vaidade. Seu foco central é a alma humana e suas angústias diante da inexorável ação do tempo e das marcas deixadas pela vida. O que você escolheria, a juventude eterna ou a amizade e o amor?

Ainda bem que inventaram o tal photoshop.

sexta-feira, 11 de abril de 2008



11 de abril de 2008
N° 15568 - Liberato Vieira da Cunha


Viver não é fácil

Tem vezes em que penso que a vida seria mais simples se as pessoas dissessem o que estão pensando. Mas seria mesmo?

Um dia desses encontrei um cavalheiro que me cumprimentou cordialmente, perguntou por parentes, comentou uma de minhas crônicas. Enquanto isso, eu fazia um esforço danado para me lembrar quem era ele, coisa que não consegui.

Eu poderia ter confessado que não recordava dele, mas isso seria ofendê-lo. Despedimo-nos com mútuos protestos de estima e consideração, mas até agora não faço noção de sua identidade.

Recebo muitos livros e nem sempre tenho vagar para lê-los. Um dos autores me escreveu faz tempo cobrando uma opinião sobre o ensaio histórico que me enviara. Tive de desculpar-me, explicando-lhe que ainda não conseguira abri-lo.

O escritor tinha montanhas de razão. Fizera-me uma gentileza e eu não lhe mandara duas linhas com uma apreciação, ainda que breve, sobre sua obra. Faltou confessar-lhe que não sou um crítico, mas um mero leitor comum, desprovido de engenho e arte para analisar estudos alheios.

Uma dama submeteu-me há alguns anos uma coletânea de versos, na companhia de um pedido para que compusesse um prefácio. Ela estava me fazendo uma distinção. Entre tanta gente importante do território das letras, escolhia justamente a mim para apresentá-la ao público.

Tive de remeter-lhe um e-mail explicando que andava ocupado, que tentasse escribas de superior categoria e valimento. Tudo seria menos constrangedor se eu houvesse usado de franqueza: seus poemas eram densos, herméticos demais para a minha vã filosofia.

Vivo da arte de comunicar-me e no entanto volta e meia não consigo sintonizar com minha circunstância. É um pecado grave para quem se entrega ao ofício de juntar letrinhas.

As gentes, contudo, são demasiado sensíveis. Se admito a alguém, que me trata com intimidade, que não o reconheço, ele há de julgar-me no mínimo indelicado.

Se não leio um livro que me submeteram à espera de algumas palavras de estímulo, sou injusto.

Se não componho um prefácio por julgar a tarefa superior à minha capacidade, termino por magoar quem me encomendou o favor.

Viver não é fácil. E não sei se seria menos difícil se todos nós só disséssemos a verdade.

quarta-feira, 9 de abril de 2008



09 de abril de 2008
N° 15566 - Martha Medeiros


Muito barulho por tudo

Tem uns que acabaram de completar 30 anos de idade e já começam a falar coisas como: "no meu tempo" isso, "no meu tempo" aquilo. Imagina então quem está fazendo 40. Ou 50. Ou mais. Está todo mundo em pânico, com medo de envelhecer. O que é um medo mais razoável do que ter medo da morte: essa virá a qualquer hora e crau.

Com sorte, a gente não vai nem perceber o que está acontecendo. Já envelhecer é um processo lento e com muitos dissabores. A perda da energia. A perda do pique. A perda do charme. A perda da saúde física.

Por essas e outras, recomendo a quem ama bossa nova, chorinho, jazz, música clássica, música barroca, música instrumental, pagode, samba e bolero que vá assistir imediatamente ao documentário Rolling Stones - Shine a Light.

Você pode odiar rocknroll, mas se ama a vida e anda sendo rondado pelo fantasma da decrepitude, o filme é um tratamento de choque da melhor qualidade. Você sai do cinema com uma visão renovada da terceira idade.

Mick Jagger fará 65 anos em julho. Keith Richards, 65 em dezembro. O baterista Charlie Watts tem 67, e o caçula Ron Wood, 61. Não dá para dizer que eles possuem uma pele de anjo - seus rostos mais parecem o Grand Canyon.

O brilhante Martin Scorsese (66 anos), que dirigiu Shine a Light com o talento que a gente conhece não é de hoje, simplesmente não teve condescendência alguma com os quatro rapazes da banda: dá pra enxergar até suas cáries.

Mas não é um filme de terror. Assistir por duas horas a Mick Jagger no palco é a prova inconteste de que lá adiante, ou ali adiante (não sei em que idade você se encontra) não há, necessariamente, perda de energia, nem perda de pique, nem perda de charme. Perda nenhuma de charme, aliás.

O homem é um dínamo.

Aparece uma cena de Jagger bem garoto, recém começando a fazer sucesso, com aparência de quem cheirava a leite (mas já com ar de quem cheirava outra coisa). Um jornalista pergunta a ele: "Você se imagina fazendo a mesma coisa aos 60"?

Resposta: "Fácil". Era provocação, mas o fato é que ele chegou a 2008 fazendo exatamente a mesma coisa. Só um pouquinho mais ofegante, mas menos do que muito quarentão que faz meia hora de esteira na academia.

Além de um registro histórico da banda mais longeva e mais importante depois dos Beatles, esse documentário é de tirar o fôlego.

Dá um tapa na cara do nosso cansaço, nos envergonha pela nossa falta de atitude (palavrinha manjada, mas é a que define os Stones, não tem outra), e nos avisa: velhice? Sem essa! Nós também temos um palco: aqui, este. A vida.

Também temos platéia, luz, figurino, a não ser que você tenha optado por virar ermitão. Um resfriado violento pode nos jogar na cama e nos fazer nos sentirmos velhos aos 20 anos, mas se, temos saúde, não há velhice que nos detenha, a não ser que tenhamos, por vontade própria, deixado de usar o cérebro.

Vá assistir ao documentário mesmo gostando apenas de canto gregoriano. É uma injeção de adrenalina. E se você gosta de rock como eu, bom, então nem preciso recomendar nada: você já deve ter ido e está aí, fazendo planos para quando se aposentar aos cem.

Dia Internacional do sofá - Que tenhamos todos uma excelente quarta-feira.

sábado, 5 de abril de 2008



06 de abril de 2008
N° 15563 - Martha Medeiros


Erro favorito

O que me conforta é que o apego aos meus erros me inspira versos, crônicas e ficção. Me ajuda a construir personagens, a dar-lhes uma vida que parece de verdade

Essa coisa de que a maturidade nos ensina a viver melhor é mais ou menos verdade. Ao entrarmos na segunda metade da vida, realmente ficamos mais espertos, não perdemos mais tempo à toa, compreendemos melhor nossas escolhas e renúncias, enfim, a vida se torna mais ágil, mas quanto aos erros e acertos, fica tudo na mesma. Acertamos onde já acertávamos antes, e erramos igualzinho como sempre erramos.

Nem mesmo se consegue trocar erros antigos por erros novos.

Eu cometo os mesmos erros desde que me conheço por gente. Desde guriazinha. Meu erro maior é a impaciência. Eu não sei esperar as pessoas darem o passo em minha direção, eu avanço e atropelo, porque a ansiedade não me permite atitudes civilizadas tipo "aguardar o momento do outro". Que aguardar, que nada.

- "Já tem a resposta?"

- "Você já está vindo pra cá?"

- "Leu meu e-mail?"

Logo eu, a defensora número 1 da placidez humana. A que considera a coisa mais notável do mundo ser calma e respeitar o ritmo natural da vida. A que faz poesia sobre o magnificência do tempo. A que estimula a meditação e a contemplação do universo. Balela. Sou uma fominha.

E claro que, depois de receber minhas respostas - meio capengas, por causa da minha pressa - eu fico me martirizando. Por que não esperei? Por que dei bandeira? Por que forcei a barra?

Por que fui tocar naquele assunto espinhoso? Teria sido tão mais elegante ficar na minha. Prometo que da próxima vez ficarei de bico calado.

A próxima vez! Que piada. Nunca fui boa aluna, não vai ser agora que vou aprender alguma coisa.

Eu anuncio em primeira mão todos os meus atos e todos os meus sentimentos, extra, extra! Eu me jogo, me disponibilizo, me dispo, me coloco a serviço de deus e do diabo, eu não me economizo!

Sou controladora, mas não controlada, enfio os 10 dedos na tomada, levo choque, e mais tarde repito a dose, novo choque: sou uma viciada em arrependimentos emocionais.

O que me conforta é que esse apego aos meus erros me inspira versos, crônicas e ficção, me ajuda a construir personagens, a dar-lhes uma vida que parece de verdade, e enriquece minha própria história, dá a ela credibilidade, já que ninguém confia muito em quem apenas acerta. Qual o seu erro favorito? Pode ser um homem que lhe despreza.

Uma mulher que nunca retorna as ligações. Você se expõe demais. Ou de menos. Fala muito de você mesmo. Acredita nas mentiras que inventa. Em que erro você se apegou com tamanho carinho que nunca mais conseguiu abandonar?

Eu sei que a gente acerta muito, e os acertos nos transformam em alguém melhor, alguém que evolui, que sobe degraus no conceito da humanidade.

A cada acerto somos reinaugurados, ficamos mais longe das nossas imperfeições. Mas é a reincidência nas bobeadas que autentica nosso lado mais verdadeiro, humano e normal.


06 de abril de 2008
N° 15563 - Paulo Sant'ana


Pedestres escorraçados

Estou impressionado, na qualidade de eventual pedestre que tenho sido nas ruas e avenidas de Porto Alegre, com a fúria, que poderia chamar de assassina, dos motoristas que comigo cruzam.

Aqui na Avenida Erico Verissimo, basta que eu arranque para a travessia de uma das pistas, estimulado porque os carros vêm muito longe, os motoristas aceleram suas máquinas e quase passam por cima de mim, não fosse eu aligeirar meus passos, às vezes até um esforço supremo para a minha energia muscular, fugindo dos malfeitores.

É impiedosa a caçada que faz, a mim e aos outros pedestres, a maioria dos motoristas porto-alegrenses, sendo desanimador que os taxistas se dediquem também a esta sanha desumana.

Desse jeito com que me têm tratado, vão acabar me matando. Porque é só eu tropeçar e estarei frito.

Não há qualquer pudor em violar a lei e exceder em velocidade proibida nos motoristas da cidade.

São assassinos em potencial. E também não há qualquer fiscalização que os reprima. O pedestre ou é inimigo deles ou simplesmente eles o ignoram.

Por isso é que os índices de atropelamentos em Porto Alegre são assustadores.

E tenho sido também escorraçado nesse mesmo sentido pelas motos. Elas avançam contra mim furiosamente, desrespeitando que as antecedo com meu início de travessia das pistas, sob o cálculo da velocidade delas, acelerando para me espantar ou até mesmo sem ligarem para a possibilidade ilustre de que possam me atingir.

Chego a cogitar, tal é a minha revolta, de carregar comigo um peso de aço de dois quilos e arremessá-lo contra os que pretendem me atropelar, usando esse meu recurso de violência como legítima defesa.

E a prosseguir esse verdadeiro ataque de velocidade que sofro como pedestre por parte das motos, é bem possível que eu qualquer dia atire contra uma delas, no embate que se fere entre mim e elas nas ruas e avenidas - eu sempre me defendendo pela pressa em fugir e elas apressando na aceleração para me intimidar ou me atropelar - , a bolsa cheia de utensílios que sempre carrego aonde vou.

Qualquer dia eu arremesso minha bolsa contra um deles.

E tenho certeza de que a Justiça me dará ganho de causa por legítima defesa, tal o escândalo de suas atitudes agressivas.

Falta vergonha na cara desses patifes. E falta principalmente fiscalização.

Nunca foi autuado na história de Porto Alegre um motorista por tentar atropelar pedestre.

Por isso é que eles deitam e rolam nessa perversidade.

Recebo e publico: "Caro SantAna. Tuas palavras foram as pás que impediram de se varrer mais uma vez as bactérias para debaixo do tapete. Nós, médicos, temos muito pouca oportunidade de dizer as verdades sobre saúde.

Eu ainda sou um pouco privilegiado: tenho um comentário há 30 anos na Rádio Osório, intitulado Saúde para o Povo e a ZH e o Correio me dão oportunidades. Mas a maioria dos médicos não pode dizer a verdade.

São proibidos pelos diretores de hospitais (diretores políticos) e outras autarquias, todos politiqueiros. Portanto, a verdade sobre saúde pública ninguém fica sabendo, somente os engodos. Tais como os que disse nosso presidente da República, no Hospital Conceição, que a saúde estava chegando à perfeição.

Isso foi a maior mentira que já se ouviu de um presidente até hoje. Pois esse mesmo hospital está cheio de infectações e as filas aumentando e o povo acreditando na mentira. Somos um dos países com a pior qualidade de saúde e educação do mundo! Pode isso?

Pior vai ficar quando o feijão e o arroz acabarem, pois eucaliptos, acácia e pínus ninguém come. Portanto, SantAna, rogamos para que tua saúde continue forte e te ajude e te dê poderes para nos ajudar a tornar a verdade amarga em doçuras da vida.

Com um fraternal abraço, (ass.) Dr. Valdaí (José Valdaí de Souza), médico, Cremers 6701, Av. Carlos Gomes, 328/501 cjvaldai@terra.com.br, fone 3328-4928".

Ótimo domingo e uma excelente semana especialmente para você.

Diogo Mainardi

De volta ao escambo

"A compra da Brasil Telecom pela Oi está sendo

calculada em 8,5 bilhões de reais. Resta saber de onde sairá o dinheiro. Eu chutaria que sairá dos bancos estatais. Escambo é assim mesmo. O homem branco dá um espelho, o cacique tremembé entrega todos os bens da tribo"

A Oi está engolindo a Brasil Telecom. Chega ao fim aquela que Luiz Gushiken chamou grandiosamente de "a maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro". O resultado mostra qual é o atual estágio do nosso capitalismo: com Lula, regredimos à economia do escambo.

Eu sei que metade dos leitores foi embora depois de ler "Oi". Eu sei que a outra metade foi embora depois de ler "Brasil Telecom". Na primeira linha do artigo, perdi todos os leitores.

Sem contar os que se enforcaram depois de ler "Luiz Gushiken". Lamento muito. O assunto é aborrecido. A disputa pelo controle da telefonia nacional foi manchete dos jornais por dez anos seguidos. Um espionou o outro. Um se aliou ao outro.

Um traiu o outro. No fim, chegou-se a um acordo nebuloso que satisfez todos os lados. Os processos judiciais que poderiam emperrar o negócio foram suspensos. Só sobraram os meus.

Minhas colunas sobre o tema me renderam dezoito processos. O que eu dizia nelas? Em primeiro lugar, que o lulismo se intrometera na disputa pelo controle da telefonia nacional, tomando o partido de alguns de seus maiores financiadores. Em segundo lugar, que a Oi acabaria engolindo a Brasil Telecom, com o apoio de Lula.

Isso é o que conta: o apoio de Lula. A compra de uma operadora pela outra é ilegal. Para que ela possa ser realizada, Lula tem de mudar a lei que regulamenta a telefonia.

O plano era mudá-la em 2005, mas tudo desandou quando se soube que a Oi dera uma bolada ao filho de Lula, para a compra de sua empresa de fundo de quintal. Agora ninguém mais se preocupa com isso.

O Brasil piorou. O Brasil se abastardou. Lula faz o que bem entende. O caciquismo aplicado à economia resultou num retorno à prática do escambo.

Por enquanto, o negócio está confinado nas páginas de economia dos jornais. A imprensa pegou bode do assunto. Muitos jornalistas se emporcalharam trabalhando para um lado ou para o outro.

Agora todos temem ser associados a uma das partes em disputa. Só para dar uma idéia de como isso funciona, um dos sócios da Oi, dois anos atrás, chegou a me acusar de beneficiar Daniel Dantas, embora eu sempre tenha responsabilizado o mesmo Daniel Dantas pelo pagamento dos mensaleiros.

Mas o que realmente importa nessa história – bem mais do que seu aspecto comercial ou a sordidez de alguns jornalistas – é o papel desempenhado pelo lulismo.

A compra da Brasil Telecom pela Oi está sendo calculada em 8,5 bilhões de reais. O mercado avaliou quanto deve sobrar para cada sócio: Citibank, 1,5 bilhão de reais; Daniel Dantas, 1 bilhão de reais; Previ, 1 bilhão de reais. Agora resta saber de onde sairá o dinheiro.

Considerando o atual estágio do nosso capitalismo, eu chutaria que ele sairá dos bancos estatais. Escambo é assim mesmo. O homem branco dá um espelho, o cacique tremembé entrega alegremente todos os bens da tribo.

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

"Educação não é mercadoria!"

"Das empresas bem administradas afloram conselhos proveitosos para as escolas. Nada disso fere a sacrossanta nobreza da educação nem a complexidade e a delicadeza dos seus processos. De fato, as melhores escolas
seguem tal figurino"


Aluno não é "matéria-prima". Nem "cliente"! Escola não é empresa! O "produtivismo" é inaceitável. E por aí afora. Educadores fervorosos não se cansam de denunciar a mercantilização do ensino. As palavras são usadas como tacapes, na esperança de abater os infiéis. Existem tais assombrações?

Há escolas que se declaram empresas (e ninguém demonstrou se são melhores ou piores do que as demais). Porém, o presente ensaio não se dirige a elas. Em vez disso, considera a "empresa" como uma metáfora para entender o "processo produtivo" (mais uma heresia!) de qualquer escola.

Tais conceitos se revelaram úteis na economia e podem ser aplicados na educação pública, mesmo sem considerá-la como atividade empresarial.

As empresas têm toda a liberdade de definir o seu "produto". Rolls-Royces? Ladas? Cirurgias cardíacas? Rolex? Relógios de camelô? As escolas também: ensino para poucos? Ou para muitos? Ensino de violino? Uma vez definido o produto, faz todo o sentido obter o máximo resultado com o mínimo de gastos.

Isso vale na "fabricação" de hóstias, seminaristas, doutores ou macarrão. Igualmente, é preciso controlar a qualidade e avaliar os resultados. Para isso, há inspetores de qualidade na fábrica e a Prova Brasil na educação. Nas artes, consideram-se os prêmios. Se isso é "produtivismo", três vivas para ele.

Das empresas bem administradas afloram conselhos proveitosos para as escolas: clareza ao definir (poucas) metas e assegurar que sejam compartilhadas (por diretores, alunos e professores); avaliação dos processos; e a regra pétrea de que é preciso tomar providências quando os resultados não correspondem ao esperado.

Nada disso fere a sacrossanta nobreza da educação nem a complexidade e a delicadeza dos seus processos. De fato, as melhores escolas seguem tal figurino.

Mas podemos ir mais longe, tomando como metáfora o mais poderoso motor da economia de mercado: o lucro ou sua nêmesis, o prejuízo. É fenomenal o poder de prêmios para quem faz melhor e puxões de orelha para quem pisa na bola.

À primeira vista, trata-se de uma heresia a ser afastada das escolas públicas. Mas o lucro é apenas uma das manifestações de bons resultados. A metáfora sugere o vínculo entre desempenho e recompensa.

Em vez de lucro, o sucesso pode ser mais pontuação na Prova Brasil. Ou menos deserção. Ou mais alunos aprovados na OAB.

De fato, não é preciso que haja mercados para que existam incentivos. Dentro da empresa não há mercados. O montador do automóvel não compra as peças do almoxarife e depois vende o carro. Por essa razão, as empresas criam incentivos e penalidades para os funcionários, visando a motivar seu comportamento.

Está nas livrarias o livro 1001 Maneiras de Premiar Seus Colaboradores.Tais regras internas não são desconhecidas das escolas e vão das medalhas até as medidas drásticas de expulsão.

Obviamente, errando nos prêmios provocamos impactos desastrados. Se apenas penalizamos a repetência, isso pode gerar a aprovação indiscriminada e uma degradação do ensino. É preciso recompensar também a qualidade (como faz o Ideb).

Não se trata de um mercado no sentido convencional, mas do que foi chamado (pelo economista Albert Hirschman) de "quase-mercado". Onde ele não existe, cria-se uma metáfora do mercado, com metas concretas, prêmios e penalidades para que os desvios sejam automaticamente corrigidos.

Até mesmo os incentivos financeiros podem estar presentes no ensino público. Em menos de meio século o Brasil saiu de uma produção científica próxima de zero e tornou-se hoje o 15º maior "fabricante" de ciência.

Sua pós-graduação passou a produzir anualmente quase 10 000 doutores e 40 000 mestres, uma das maiores colheitas do globo. O segredo? Prêmio ou puxão de orelha, acoplados a uma avaliação para decidir quem ganha qual. Há bolsas da Capes e do CNPq, há amplo financiamento da Finep, da Fapesp e de outras agências.

Quem brilha ganha mais. Quem tropeça perde. A pós-graduação (que não foi privatizada) opera em um "quase-mercado" criado com inteligência, e que tem apresentado bons exemplos para o restante da educação.

Claudio de Moura Castro é economista


Isabella

Nossa flor tão amada
Nunca vamos entender o porquê minha Peta
A Saudade será pra sempre
O amor é eterno
Minha princesinha que sonhava aprender a ler
Lia historinhas pra madrinha, adorava dançar e assistia tanto desenho
Quantas vezes nós duas ficavamos comendo salgadinho e assistindo Monstros S.A.,
Pequena Sereia, Lilo e Stitch
Madrinha ligava e vc contava td o desenho do Tom e Jerry (Chuva de Ovos)
Tão inteligente: falava o português perfeito, sem errar plural, nem nada...
Dizia tanto: calma madrinha, sou uma só!
Pedia pra madrinha buscar vc na escola, era o meu maior prazer te levar e te buscar na escola...
Preguiçosinha... não queria ir pra escola só ia qndo dizíamos q só assim vc aprenderia a ler
Chegava em casa e lá estava, vc e o Titi escondidos, madrinha achava e vc saia correndo...
Madrinha eu não sou Isabella, sou princess
E é princess msm, nossa princesa e que agora é nosso anjinho.
Madrinha nunca deixará vc sozinha, vc está no meu coração e rezo pr seu anjinho
tds os dias, ele esta c vc e vai cuidar de vc pra gnt...
Agradeço a Deus por papai e mamãe ter me escolhido pra ser sua madrinha. (...)
Amo vc para sempre! Que Deus te abençoe e te ilumine! Que vc esteja em um lugar
cheio de passarinhos, cachorrinhos pq vc amava os bichinhos.

Mensagem de Cristiane, tia e madrinha de Isabella Nardoni, publicada no Orkut (grafia original)

Ela gostava de ser chamada de “princess”, ou princesa, pela madrinha Cristiane, a autora do texto acima. Gostava de assistir a desenhos de Tom e Jerry e da Pequena Sereia. Gostava de dançar balé.

De passarinhos, cachorrinhos e bichinhos. Gostava de brincar na piscina de bolinhas plásticas e de almoçar na escola com crianças da mesma idade. Tinha dois irmãos que adorava. Falava um português perfeito para sua idade.

Adorava os livros, e seu sonho era aprender a ler. Mas a menina Isabella de Oliveira Nardoni morreu sem realizá-lo, 20 dias antes de completar 6 anos, depois de cair do 6o andar do prédio onde morava seu pai, na zona norte de São Paulo.

Sua morte prematura, em condições até agora não esclarecidas, foi manchete de jornais, tomou conta do noticiário da televisão, tornou-se tema de discussões e homenagens na internet e comoveu o país.

O motivo: os principais suspeitos de ter cometido o crime são seu pai, Alexandre Alves Nardoni, de 29 anos, e sua madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, de 24.


05 de abril de 2008
N° 15562 - Nilson Souza

Metamorfoses

A menina dos meus olhos está completando 15 anos neste sábado em que descarrego minha mudança de letrinhas num novo dia e numa nova página.

Quem acompanha há mais tempo esta crônica despejada das quintas-feiras sabe que a anônima jovenzinha já foi personagem de outros relatos neste espaço em que - a custa de auto-análise e contrariando o catecismo da objetividade jornalística - ouso exercitar a primeira pessoa do singular.

Mas o "eu", como ensina o mestre Scliar, só tem sentido quando significa "nós". Assim, sempre que registro alguma experiência pessoal ou falo de meus afetos mais caros, esforço-me para torná-los universais, de modo que ao menos alguma palavra toque o coração de quem lê.

Pois hoje volto a falar de Daniele, que é loira, linda e está passando pela metamorfose do seu 15º outono. Acompanho-a desde o seu nascimento. Carreguei-a no colo muitas vezes, embalei seus sonos e seus sonhos outras tantas.

Vi-a crescer, dar os primeiros passos, pronunciar as primeiras palavras, aprender a ler e a escrever. Na condição de padrinho desta filha do coração, fui testemunha diária e privilegiada de sua infância rica de descobertas.

Também tive a bênção de vê-la transformar-se, do dia para a noite, numa adolescente sensível, determinada e vaidosa. Passou a vestir-se com apuro, a pintar unhas e lábios, a fazer suas próprias escolhas, felizmente para os que a amam, quase sempre sensatas.

Mesmo em meio ao turbilhão de hormônios e fantasias da idade, jamais descuidou-se, por exemplo, de suas obrigações escolares. Acompanhei, com indisfarçável orgulho, seu crescimento intelectual e emocional.

E sempre que julguei oportuno, compartilhei com meus leitores alguns passos de sua caminhada, supondo que assim estaria retratando infâncias e adolescências semelhantes.

Hoje encaro outra transformação. Percebo, inquieto, no cristal esverdeado de seu olhar, uma mulher bela e misteriosa preparando-se para alçar vôo da plataforma dos seus sapatos de festa.

Cumpre-se, assim, a inexorável previsão. Eu já sabia, por alertas e também por intuição, que um dia a borboleta criaria asas para voar no rumo de seu próprio destino. Não posso nem quero retê-la.

Posso, apenas, seguir seu vôo com estes olhos que já há muito lhe pertencem.


05 de abril de 2008
N° 15562 - Cláudia Laitano


Casamentos

No ano em que se comemora o centenário do nascimento de Simone de Beauvoir, o tipo de casamento que ela e Sartre tornaram mundialmente famoso ainda não emplacou.

Relacionamento aberto, casas separadas, tolerância máxima para polígonos amorosos, todo o kit formatado por um dos casais mais célebres do século 20, permanecem como uma teoria interessante que raramente encontrou uma prática satisfatória - mais ou menos como o marxismo, com a diferença de que este foi testado por uma considerável fatia do planeta ao longo do século que passou.

Livros, cartas e depoimentos de pessoas que foram próximas (ou mais do que próximas) do casal lançam algumas luzes sobre esse relacionamento tão sólido e fluido ao mesmo tempo. Alguns dizem que Simone apenas acatou a idéia ousada de Sartre - e sofreu como qualquer mulher, antes e depois dela, ao dividir o homem amado.

Outros lembram que ela também teve muitos casos e que havia entre eles um pacto de honestidade e cumplicidade que jamais foi ameaçado pelos respectivos amantes e muito menos pelos olhares desconfiados da classe média bem-comportada.

Talvez fazer um balanço de prós e contras, colocar lado a lado os dias de céu e de inferno para descobrir se foram mais ou menos felizes do que um casal convencional, não seja a melhor abordagem da questão - que casamento não tem céu e inferno?

O fato é que eles fizeram história e hoje repousam, lado a lado, no cemitério de Montparnasse. Se o casamento "a la Sartre" não vingou é porque as relações amorosas são tão complexas que a maioria das pessoas, homens e mulheres, ainda prefere a privação de liberdade ao excesso de variáveis para equacionar.

Jornalista e filósofo nascido em Viena, André Gorz (1923 - 2006) foi um marxista-existencialista fortemente influenciado pelas idéias de Sartre. Nas décadas de 60 e 70, tornou-se referência para a chamada Nova Esquerda e foi um dos principais inspiradores do Maio de 68.

Gorz ficou conhecido pelos livros de filosofia política, mas seu testamento literário, o último texto que assinou, narra uma história de amor - um amor tão profundo e transformador, de ambas as partes, que parece ainda mais excepcional que o de Sartre e Simone. Carta a D., lançado há pouco no Brasil, tem um dos melhores começos de livro que eu já li: "Você está para fazer 82 anos.

Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que 45 quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz 58 anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca".

"D" é Dorine, a mulher com quem ele foi casado durante toda a vida e ao lado da qual se suicidaria, três meses depois de colocar o ponto final nessa comovente carta de amor - Dorine estava doente, e André não conseguia conviver com a idéia de sobreviver a ela. O livro é ao mesmo tempo uma homenagem e um acerto de contas.

A impressão que se tem é de que ele passou a vida inteira tão absorvido pelo trabalho que nunca teve tempo para render a esse amor o tributo que ele merecia.

Sartre e Gorz foram mestre e discípulo, partilharam convicções e garrafas de vinho até romperem, por motivos políticos, no início dos anos 70. É curioso que tenham inventado casamentos "existencialistas" tão distintos.

O existencialismo valoriza a autonomia do indivíduo e nega as correntes teóricas que dão prioridade às instituições e estruturas sociais, de onde podemos concluir que cada um tenha tentado fundar um modelo de relacionamento a sua imagem e semelhança - o que, no fim das contas, talvez seja o segredo do sucesso de qualquer casamento. Quando ambos os lados estão de acordo.

sexta-feira, 4 de abril de 2008



04 de abril de 2008
N° 15561 - Liberato Vieira da Cunha


Como vai você?

Tem pessoas a quem você pergunta: como vai? - e elas contam. Não dizem: tudo bem; ou: tocando o barco. Desfiam um rol de infortúnios, queixam-se de uma gripe, de um mau negócio, das perfídias de uma dama, do presidente George W. Bush.

Gripes são acidentes de percurso, aos quais estou sujeito eu, uma vizinha que espirra há dias no elevador e, suspeito, o próprio inventor da vacina contra esse prosaico desconforto.

Maus negócios são tropeços da sorte, às vezes devidos a excesso de confiança no próximo. Conheço senhoras tão pérfidas quanto lindas, em especial as que me negam cinco segundos de sua sedutora atenção. Já o presidente Bush é um trágico clown da História.

É melhor responder, quando perguntam como vai?, que tudo bem, que tocando o barco. Pois se a cada tempo incumbem seus pesares, não faltam também momentos de branda plenitude.

Por um sábio conselho, não lembro de quem, penso sempre à noite, nas horas quietas que precedem o sono, em algo de bom que me tenha sucedido.

Nada de grandioso. Podem ser três ou quatro palavras atenciosas, partidas exatamente de quem menos se esperava, um trecho esquecido de música que se redescobre ao acaso, uma boa notícia há muito aguardada.

Ou então um brando coquetel de tudo isso, mais dois ou três amenos episódios triviais, que te aquecem o coração de súbita ternura pela espécie humana.

Desconfio que haja leitores percorrendo este canto de página com uma ponta de descrença. É natural e compreensível. Não, não sou médico da alma, nem conheço os segredos da paz de espírito.

Há contudo pequenos truques que ajudam a conviver com a dura lida da sobrevivência. E é próprio do ofício dos cronistas dividir com sua variada, múltipla circunstância desimportantes retalhos de suas opacas singraduras.

A mim conforta inventariar memórias amenas, hábitos banais, receitas de bem-viver.

Talvez seja pouco. Mas há milênios constatei que me falta uma inclinação: a de semear amarguras.

Ainda bem que faltou essa vocação para o Liberato. Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.

quarta-feira, 2 de abril de 2008



02 de abril de 2008
N° 15559 - Martha Medeiros


Trilhas sonoras

Há quem não goste de teatro (muitos) e quem não goste de cinema (muito poucos), mas não gostar de música é grave: eu não compraria um carro usado dessa criatura.

Não abro mão de uma boa trilha sonora, e hoje vou indicar duas: justamente uma de cinema e outra de teatro. E cruzar os dedos para que tenhamos o mesmo gosto, que é algo muito subjetivo e pessoal.

Comprei um CD (sim, eu ainda compro CDs) e, assim que acabei de ouvi-lo, deu vontade de correr pro computador e indicá-lo privadamente para no mínimo 20 amigos. Mas tendo uma coluna no jornal, estou aqui indicando publicamente para milhares deles, até porque é um disco belo e sofisticado, e assim faço minha parte pra tentar diminuir a deselegância do mundo.

Estou falando da trilha sonora do filme My Blueberry Nights, que estreará no Brasil dia 11 de abril com o título Um Beijo Roubado e que já chega com jeito de cult. É dirigido pelo chinês Kar Wai Wong, que deu ao mundo uma jóia cinematográfica chamada Amor à Flor da Pele, um dos filmes mais delicados e marcantes de 2001.

My Blueberry Nights destaca a estréia como atriz da cantora Norah Jones, que contracena com Jude Law - deve ter sido um sacrifício. Todo rodado nos Estados Unidos, já há uma boataria de que é realmente um filme especial.

Mas, enquanto ele não chega aos cinemas, aguarde-o escutando a própria Norah na sensual faixa de abertura do CD, e também Cat Power, Cassandra Wilson e, entre outros, Ry Cooder - quem não lembra da trilha de Paris Texas?

Bote-o pra tocar num volume um pouquinho acima do razoável, num momento só seu, quando estiver "por aqui" de tudo e de todos, e com um cálice de vinho na mão - se não estiver dirigindo, é claro.

A outra dica é uma peça de teatro baseada em um texto alemão, com elenco gaúcho e música majoritariamente britânica. Estou falando de Homens (último final de semana no Instituto Goethe). Preste atenção em como Beto Suman conseguiu montar uma trilha moderna e clássica ao mesmo tempo - e extremamente pop.

A seleção destaca David Bowie (seis músicas dele!) e ainda tem Kraftwerk, Beastie Boys, Kasabian e um Rolling Stones de lambuja.

Aliás, sexta-feira estréia o documentário sobre os Stones filmado pelo grande Martin Scorsese. Programa obrigatório. Nesse caso, a trilha sonora é o filme.

Uma ótima quarta-feira, aproveite o Dia Internacional do Sofá.

sábado, 29 de março de 2008



30 de março de 2008
N° 15556 - Martha Medeiros


Aventureiros

Ter uma família não é nada ruim para quem tem espírito de aventura.

Mas, para quem não lida bem com o imponderável, o melhor é deixar pra lá

Você está na dúvida se quer ter filhos, então resolve visitar um casal de amigos que tem duas crianças.

É a oportunidade de observar a rotina de uma família bem constituída e descobrir se é um modelo de vida que você e seu marido gostariam de reproduzir. A grande noite chega. O menino tem 6 anos, e a menina, 3.

A casa está um circo, há um pano amarelado aparecendo por baixo do sofá e na televisão está passando o DVD do Shrek. "Ninguém mais ouve música aqui em casa, só trilha sonora infantil", comenta sua amiga com um sorriso perturbado. Aliás, sua amiga não senta, está sempre em pé, de um lado para o outro.

A menina não quer comer nada. O menino diz que está sem sono, apesar de tropeçar nas próprias pernas. A menina abre sua bolsa (não a dela: a sua!), tira de dentro o celular e aperta em todas as teclas.

O menino chora porque não quer ir pra cama: não quer, não quer, não quer. A menina dança no meio da sala e não deixa ninguém conversar, exige a atenção todinha pra ela. O garoto passa voando por um copo e o quebra.

A menina pede para você emprestar a pulseira que você está usando, aquela feita de delicadíssimos cristais que podem arrebentar por qualquer coisinha.

Ao sair do jantar, você e seu marido olham um para o outro, se beijam no elevador e, sorrindo, decidem: claro que vamos ter os nossos! Vai ser totalmente diferente!

Não adianta. Quem nunca teve filho projeta um futuro mirabolante: "Os meus serão calmos, estudiosos, comerão só alimentos saudáveis, dormirão cedo, não fumarão, serão sociáveis, esportistas, gostarão de livros, viverão junto à natureza, terão muitos amigos e irão à missa".

Amém. Você pode evitar de ter uns pestinhas, educação funciona. Mas é bom estar preparado para imprevistos. Filho é uma incógnita.

Pode odiar tudo o que você adora, pode ter um humor diferente do seu, pode querer morar numa comunidade no meio do mato, pode não ser chegado aos estudos, pode ser um gênio:

nosso controle é relativo. Muitíssimo relativo. Quem acha que ser mãe e pai é criar alguém à sua imagem e semelhança, começa mal.

Ter filhos é um ótimo projeto pra quem não é egoísta e entende o significado das palavras responsabilidade, respeito, adoração e liberdade. Filhos são outras pessoas, não são nós.

Não querê-los é um desejo tão legítimo quanto querê-los, encontra-se felicidade em qualquer situação, não obrigatoriamente nas convenções.

Mas creiam-me: vale a pena. Uma filha quer ser médica, a outra quer trabalhar com moda. Uma anda com saias curtíssimas e pinta as unhas de rosa-choque, a outra não tira o jeans e o All Star.

Uma sonha em conhecer o mundo todo, a outra reclama de almoçar fora. Uma toca guitarra, a outra é um projeto de patricinha. E ambas odeiam o verão!! Fazer o quê, internar?

Me divirto com as minhas duas. Ter uma família não é nada ruim, mas sempre vai ser muito diferente do que se imaginou.

Portanto, pra quem tem espírito de aventura, bem-vindo a bordo, mas quem não lida bem com o imponderável, melhor mesmo deixar pra lá. Ou é um prazer, ou melhor não ter.

Um excelente domingo especialmente para você. Vá na Redenção ou ao Moinhos de Vento, ou ao Marinha, não importa. Respire ar puro, caminhe e divirta-se neta Semana de Porto Alegre.