sábado, 17 de maio de 2008


Diogo Mainardi

O lado sombrio da internet

"O anti-semitismo tem um novo meio de se difundir: a internet. Depois de Auschwitz, comentários como os recebidos por Caio Blinder tinham de restringir-se aos círculos clandestinos. Agora o anti-semitismo perdeu o pudor"

Caio Blinder recebe um monte de comentários anti-semitas por seus artigos na internet. Em vez de eliminá-los, ele os publica. Além disso, seleciona os mais selvagens e remete-os para mim:

Caio Blinder é um jornalista e apresentador de TV brasileiro de origem judaica (texto retirado da Wikipédia). Só podia, rssss, mais um judeu FDP que teve a sorte de nascer depois do Holocausto, kkkkkkk.

A mensagem é assinada por TimGP. A caricatura nazista do Der Stürmer, do judeu peludo, de orelhas grandes e nariz adunco, agora se transformou num "kkkkkkk". TimGP lamenta que Caio Blinder tenha escapado do Holocausto. Outro leitor, Antonio Aparecido, nega o próprio Holocausto:

Mais de 1 milhão de judeus mortos??... Contem outra estorinha, ou melhor, outra historinha. Não à manipulação da mídia. Sim à história verdadeira, sim aos historiadores antropologistas.

A quem ele se refere? Himmler? Ahmadinejad? Le Pen? Alguns dos maiores historiadores judeus, como Bernard Lewis, argumentam que, nas últimas décadas, surgiu uma nova forma de anti-semitismo.

Se os comentários sobre os artigos de Caio Blinder podem ser tomados como amostra, eu diria que o anti-semitismo continua igualzinho ao de 100 anos atrás, usando inclusive as mesmas fraudes dos tempos dos "pogroms":

O que estão fazendo na Palestina é o verdadeiro Holocausto. Quem não conhece que leia a verdadeira história dos sábios do Sião, que foi retirada por divulgar as reais estratégias dos judeus desde 1900 e de como dominariam o mundo.

Apesar de o anti-semitismo continuar igual, ele tem um novo meio de se difundir: a internet. Depois de Ausch-witz, comentários como os recebidos por Caio Blinder tinham de restringir-se aos círculos clandestinos.

Agora o anti-semitismo perdeu o pudor. A internet é uma espécie de Cazaquistão de Borat. Qualquer um pode pegar um porrete e malhar o judeu. De vez em quando, até a apresentadora de TV gói, por engano, é mandada para o gueto:

Está na história do povo judeu usar os meios de comunicação em massa para se passar por vítimas e conseguir o que desejam. Vejam o senhor Abravanel e a Xuxa.

No Brasil, o anti-semitismo de esquerda, que se confunde com o anti-sionismo, é muito mais forte do que o de direita. Quando Caio Blinder festejou os sessenta anos de Israel, ao mesmo tempo em que defendeu a idéia de um estado palestino nos Territórios Ocupados, seus comentaristas mandaram-lhe mensagens furiosas, legitimando os atentados terroristas da Al Qaeda e do Hezbollah.

O tom foi de "fascista e covarde" até "blitz em você, semita de boca fedida".

A internet tem esse lado sombrio: ela permite que idéias criminosas sejam propagadas abertamente. Anti-semitas e negadores do Holocausto foram condenados em tribunais dos Estados Unidos e da Europa.

Se o Ministério Público brasileiro perseguisse judicialmente um ou dois comentaristas dos artigos de Caio Blinder, a internet só teria a ganhar. Cada um tem de ser responsabilizado pelo que diz e faz. Sem isso, o totalitarismo sempre vence, e podemos acabar num gueto com Silvio Santos e Xuxa.


A vida após a morte

"Se você pretende ser imortal, cuide bem daqueles que continuarão a carregar seu DNA, com carinho, amor e, principalmente, dedicação"

Muitos cientistas, talvez a maioria, não acreditam em Deus, muito menos na vida após a morte. Os argumentos não são fáceis de contestar. Um professor de matemática me perguntou o que existia de mágico no número 2.

"Por que você não acredita que teremos três ou quatro vidas, cada uma num estágio superior?" O que faria sentido, disse ele, seriam os números zero, 1 e infinito. Zero vida seria a morte; uma vida, aquela que temos; e infinitas vidas, justamente a visão hinduísta e espírita.

Outro dia, um amigo biólogo me perguntou se eu gostaria de conviver bilhões de anos ao lado dos ectoplasmas de macaco, camundongo, besouro e formiga, trilhões de trilhões de vidas após a morte.

"Você vai passar a eternidade perguntando: ‘É você, mamãe?’, até finalmente encontrá-la." Não somos biologicamente tão superiores aos animais como imaginávamos 2 000 anos atrás. "É uma arrogância humana", continuou meu amigo biólogo, "achar que só nós merecemos uma segunda vida."

O cientista Carl Sagan adverte, como muitos outros, que vida só se tem uma e que devemos aproveitar ao máximo a que temos. "Carpe diem", ensinava o ator Robin Williams, "curtam o sexo e o rock and roll." Sociólogos e cientistas políticos vão argumentar que o céu é um engenhoso truque das classes religiosas para manter as massas "bem-comportadas e responsáveis".

Aonde eu quero chegar é que, dependendo de sua resposta a essa questão, seu comportamento em terra será criticamente diferente. Resolver essa dúvida religiosa logo no início da vida adulta é mais importante do que se imagina.

Obviamente, essa questão tem inúmeros ângulos e dimensões mais completas do que este curto ponto de vista, mas existe uma dimensão que poucos discutem, o que me preocupa. Eu, pessoalmente, acredito na vida após a morte. Acredito que existem até provas científicas compatíveis com as escrituras religiosas.

A genética mostra que você continuará vivo, depois de sua morte, no DNA de seus filhos. Seu DNA poderá ser eterno, ele continuará "vivo" em nossa progênie, nos netos e bisnetos. "Nossa" vida continua; geração após geração, teremos infinitas vidas, como pregam os espíritas e os hindus.

Mais interessante ainda, seus genes serão lentamente misturados, através do casamento de filhos e netos, com praticamente os de todos os outros seres humanos da Terra.

Seremos lentamente todos irmãos ou parentes, uma grande irmandade, como rezam muitos textos místicos e religiosos. Por isso, precisamos ser mais solidários, fraternos uns com os outros, e perdoar, como pregam todas as religiões.

A pessoa que hoje você está ajudando ou perseguindo poderá vir a ser o bisavô daquela moça que vai um dia se casar com seu bisneto.

Seremos todos um, católicos, anglicanos, protestantes, negros, árabes e judeus, sem guerras religiosas nem conflitos raciais. É simplesmente uma questão de tempo. Por isso, temos de adotar um estilo de vida "bem-comportado e responsável", seguindo preceitos éticos e morais úteis às novas gerações.

Não há dúvida de que precisaremos curtir mais o dia-a-dia, mas nunca à custa de nossos filhos, deixando um planeta poluído, cheio de dívidas públicas e previdenciárias para eles pagarem.

Estamos deixando um mundo pior para nós mesmos, são nossos genes que viverão nesse futuro. Inferno nessa concepção é deixar filhos drogados, sem valores morais, sem recursos, desempregados, sem uma profissão útil e social. Se não transmitirmos uma ética robusta a eles, nosso DNA terá curta duração.

"Estar no céu" significa saber que seus filhos e netos serão bem-sucedidos, que serão dignos de seu sobrenome, que carregarão seus genes com orgulho e veneração. Ninguém precisa ter medo da morte sabendo que seus genes serão imortais.

Assim fica claro qual é um dos principais objetivos na vida: criar filhos sadios, educá-los antes que alguém os "eduque" e apoiá-los naquilo que for necessário. Por isso, as mulheres são psicologicamente mais bem resolvidas quanto a seu papel no mundo do que os homens, com exceção das feministas.

Homens que têm mil outros objetivos nunca se realizam, procurando a imortalidade na academia ou matando-se uns aos outros. Se você pretende ser imortal, cuide bem daqueles que continuarão a carregar seu DNA, com carinho, amor e, principalmente, dedicação.

Stephen Kanitz é administrador - www.kanitz.com.br

CAMILA PATI

As belas e o velho Chico

Depois de Letícia Sabatella, Thereza Collor luta contra a transposição

MILITANTE Thereza quer mobilizar a sociedade

O movimento contra a transposição das águas do rio São Francisco – projeto do governo que promete beneficiar 12 milhões de pessoas – acaba de ganhar uma nova musa.

Na quartafeira 14, a bela Thereza Collor surpreendeu cerca de 120 pessoas, numa reunião organizada por ela para discutir a polêmica obra, quando subiu ao palco e conclamou: “Não fiquem de braços cruzados, o rio já sofreu demais.”

Em seguida, Thereza apresentou uma série de palestras ministradas por ambientalistas contrários à transposição, obra avaliada em R$ 4,5 bilhões. Antes de colocar sua imagem na linha de frente de uma luta que promete ser difícil, Thereza se preparou. Há três anos ela se debruçou sobre o tema e foi fundo.

Estudou, procurou professores ligados à Universidade de São Paulo (USP). “Eu sou nordestina, conheço bem a região e venho de um Estado que vai ser diretamente afetado pela transposição.” Durante o evento, ela mostrou as fotos que fez de trechos quase secos do rio São Francisco.

“O rio não está saudável, os recursos financeiros tinham que ser mais bem utilizados e os recursos naturais deveriam ser preservados”, diz ela. A musa garante que não entraria na luta se não estivesse cercada de conhecimento sobre o tema.

“Esta obra é um trator. Passa por cima de tudo”, afirma, inconformada. “Não é uma questão partidária, é uma questão de Brasil. Quem quiser entrar nessa está convidado, seja de que partido for”, pede Thereza.

BATE-BOCA Letíca Sabatella chegou a discutir com Ciro Gomes no Senado

Alagoana, Thereza é acostumada a batalhas contra adversários poderosos. Ela ganhou fama nacional ao usar todo o seu charme para apoiar o marido, Pedro Collor, durante a troca de acusações que culminou no impeachment do cunhado Fernando Collor de Mello, em 1992.

Atualmente, ela não ocupa nenhum cargo público e andava meio sumida dos holofotes. Agora, Thereza entrou para a lista de famosos que são radicalmente contra a obra que muda o curso do Velho Chico ao lado da não menos bela Letícia Sabatella.

A atriz esteve no Senado acompanhada de outro ator global, Osmar Prado, no final do ano passado, para pedir que se criassem entendimentos que levassem fim à greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso ficou sem comer durante 24 dias, mas as obras continuaram.

Em fevereiro deste ano, Letícia chegou a bater boca com o deputado Ciro Gomes, por conta de divergências sobre a manutenção da polêmica transposição.

“A Letícia é uma pessoa de sensibilidade, que quer ajudar, e quando você entra na questão vê o absurdo que é essa obra”, disse Thereza à ISTOÉ. “Essa história de que a obra vai levar água para 12 milhões de pessoas é uma mentira, uma piada”, protesta.


17 de maio de 2008
N° 15604 - Nilson Souza


Labirinto moderno

Uma vez fui solicitado a escrever um texto sobre o significado do automóvel para a humanidade. Pensei no prazer de dirigir, na possibilidade de deslocamento confortável por grandes distâncias, no incomparável cheirinho de carro novo.

Mas pensei, também, na poluição do ar, nos acidentes de trânsito, nos atropelamentos. E acabei fazendo uma comparação entre o automóvel e o Minotauro, o monstro da mitologia grega com corpo de homem e cabeça de touro que apavorava os habitantes da ilha de Creta.

Segundo a lenda, a fera cobrava pedágio em vidas humanas, de jovens, exatamente como faz atualmente esta máquina de velocidade pela qual somos todos apaixonados.

O curioso da história é que o Minotauro vivia num labirinto, onde quem entrava jamais encontrava a saída. Pois não é que agora a fera moderna trouxe o labirinto até nós?

O trânsito das grandes cidades está se transformando rapidamente num emaranhado de ruas sem saídas. Dia desses registrou-se em São Paulo um engarrafamento de 266 quilômetros - uma inimaginável fila de carros parados e motoristas irritados.

Onde está o fio de Ariadne - o novelo de linha que permitiu ao herói Teseu escapar da armadilha depois de ter liquidado o monstro assassino?

Sinceramente, não vejo perspectiva de saída. Ouço de gente respeitável que a alternativa é investir no transporte coletivo, metrôs, ônibus e trens que nos possibilitarão deixar o carro em casa. Pode ser até que funcione.

Mas somente com uma mudança profunda na mentalidade das pessoas que já se habituaram ao conforto e à autonomia do próprio veículo. Temo que sejamos egoístas demais para renunciar à exclusividade.

Se tivéssemos este espírito de renúncia, não estaríamos pagando um preço tão alto em vidas humanas para continuar usufruindo dos prazeres do minotauro de rodas. Por que não corremos menos? Por que não construímos automóveis que só andam devagar?

Por que não pegamos ônibus de vez em quando? Por que não andamos mais de bicicleta ou mesmo a pé? A resposta me parece óbvia: inventamos uma máquina para nos servir e nos tornamos seus escravos. Agora, ela nos arrasta para o seu labirinto.

O touro branco também chegou a Creta como um presente dos deuses e se transformou numa maldição. Mas não percamos a esperança: o monstro mitológico foi vencido por uma conjugação de coragem, amor e um prosaico novelo de linha de costura.

sexta-feira, 16 de maio de 2008



16 de maio de 2008
N° 15603 - Liberato Vieira da Cunha


O silêncio dos celulares

Algum dia ainda vou escrever uma tese sobre o silêncio dos celulares. Quando fui comprar meu primeiro, nos longínquos anos 90, o vendedor armou uma pose solene e começou a recitar todas as proezas que o minúsculo aparelho era capaz de aprontar.

Mal o ouvi. Eu estava à procura de um mínimo instrumento que executasse duas tarefas simples: chamasse determinados números e pessoas e recebesse ligações idênticas ou diversas.

É tudo o que continuo a esperar de seus sucessores. Sei hoje que um telefone desses tira fotos, anota endereços, conversa até com computadores, isto sem falar no milagre de mostrar a imagem viva da pessoa para a qual discamos.

Mas eu não sonho com nada disso. Toda a minha ambição é passar recados, se possível breves, e ouvir respostas, prontas e curtas.

Sucede no entanto que o meu celular, ou por ser antigo, ou por ser tratado com alguma indiferença, é dado a silêncios. Soa o meu número, atendo, responde uma abissal ausência de ruídos.

Transcorridos uns 20 segundos da mais absoluta incomunicabilidade, emerge um barulhinho: tu, tu, tu, tu. Não é preciso dizer que a ligação foi cortada e não resta, como desde o início, sombra de algarismos na telinha.

Minhas teorias são três.

Primeiro: me chamou alguém para participar que acertei os seis números mágicos da Mega Sena. São os próprios, reais e inconfundíveis, exatos e inimitáveis.

Mas, depois de certa reflexão, o autor da chamada se eclipsa, pois suspeita que provavelmente eu vou desperdiçar o dinheiro em banalidades como livros, viagens, uma tela de Renoir.

Segundo: me ligou alguém para dizer que fui contemplado com uma bolsa de dois anos em Paris. A passagem está carimbada com uma singela informação: Air France, primeira classe.

Mas, após segundos de suspense, não vem som nenhum, pois desconfiam que gastarei os dois anos estudando de verdade, sem nem chegar próximo às mesas de Les Deux Magots.

Terceiro: a Gwyneth Paltrow descobre que está apaixonada por mim. Disca, siderada e romântica, mas alguns instantes depois de eu atender, desliga. Um cavalheiro como eu deve ter muitas amadas, e ela não quer ser apenas mais uma. Uma lágrima escorre de seus olhos perfeitos.

Perceberam? Há muitos universos no silêncio dos celulares.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.

quarta-feira, 14 de maio de 2008



14 de maio de 2008
N° 15601 - Martha Medeiros


Gente fina, elegante e sincera

Entrei numa loja de discos - estava às moscas, só mesmo eu para ainda comprar CDs - e tocava uma música do Lulu Santos.

Aliás, a que que mais gosto dele, Tempos Modernos, principalmente daquela parte que diz: "Eu vejo um novo começo de era/de gente fina, elegante e sincera/com habilidade/pra dizer mais sim do que não..."

Faz um tempão que eu espero essa nova era começar, mas por enquanto ainda vejo por aí gente grossa e deselegante, que não dá a menor importância para a maneira como trata os outros.

Lembrei dessa música porque semana passada publiquei no meu blog um texto de não mais de 10 linhas falando sobre minha satisfação com a conquista do Inter no Campeonato Gaúcho e me declarando uma colorada sincera, porém meia-boca, já que foi-se o tempo em que eu ia ao estádio e sabia a escalação de cor. Hoje acompanho o time de longe, mas ainda me emociono com as grandes conquistas.

Audácia minha, declarar que sou colorada em público. Há quem considere isso um insulto, e xinga pra valer. Não importa que seja uma minoria: enquanto existir um único destemperado que parta pra ignorância por causa de algo tão saudável como o esporte, o risco de violência nos estádios seguirá existindo.

A rivalidade sempre fez parte do jogo e uma segunda-feira sem flauta não é segunda-feira. Mas há quem leve essa rivalidade a sério demais, e imagino que sejam essas as pessoas que vão aos estádios em busca de discussão e pancadaria.

Tem muita gente que ainda se sente ofendida pelas diferenças dos outros - qualquer diferença. Incapazes de levar a vida com leveza, eles espancam homossexuais, mendigos e prostitutas, discriminam os que têm tatuagens, revoltam-se com os que votam em partidos que não o deles, perseguem os que possuem outra religião e, claro, brigam feio com torcedores de outros times.

Essa é a maior bandeira que o inseguro pode dar: se há pessoas que não são como ele, talvez sejam melhores do que ele, então só lhe resta atacá-las, agredi-las, destruí-las. Conviver em paz, nem pensar.

Sigo aguardando um novo começo de era, com gente fina (que não é sinônimo de riqueza), gente elegante (que não é sinônimo de grife) e gente sincera (que não é sinônimo de brutalidade), com habilidade para cuidar do planeta não apenas no que diz respeito à ecologia, mas também em relação ao superaquecimento dos ânimos.

Gente mais cool - não necessariamente gelada - torna o ar mais respirável.

Uma ótima quarta feira para todos nós - Namore, aproveite o Dia Internacional do sofá.

segunda-feira, 12 de maio de 2008



12 de maio de 2008
N° 15599 - Kledir Ramil


Como ganhar dinheiro fácil

Abra uma empresa de prestação de serviços. Pode ser de telefonia, TV por assinatura, cartão de crédito ou qualquer outra coisa.

Tanto faz. Na seqüência, crie um sistema de telemarketing e contrate meia dúzia de garotas que saibam, pelo menos, ler.

Compre no mercado paralelo uma lista de telefones de clientes em potencial, escreva uma cartilha cheia de gerundismos e bote as gurias para "estar ligando" o dia inteiro.

Ofereça promoções. Todo mundo gosta de pensar que está pagando menos. Não precisa avisar os clientes, mas as promoções devem estar sempre vinculadas a uma armadilha chamada fidelidade.

Ou seja, depois dos primeiros três meses de descontos, o cara estará preso e amarrado aos seus serviços para o resto da vida. E pagando o dobro. É importante convencer os incautos a aceitar o débito automático, artifício que lhe permite fazer o que bem entende sem que haja a suspensão do pagamento.

Assim que você tiver conquistado uma razoável carteira de clientes, pode começar a relaxar. Não se preocupe em prestar os serviços para os quais foi contratado. O mais importante é ter uma boa central telefônica com gravações para o atendimento ao consumidor.

A idéia é deixar as pessoas penduradas, digitando opções no telefone, perdidas num labirinto de múltipla escolha. Seja qual for o assunto, o tempo de espera para quem liga deve ser o mais longo possível. É preciso torrar a paciência do cliente. Logo no início, ameace com uma gravação dizendo: "nosso tempo de espera está elevado...". Isso já elimina metade das ligações.

Quem insistir, deve passar por um interrogatório rigoroso que inclui números de RG, CPF, CEP, telefone residencial e data de nascimento. É a arte da embromação, um esquema capaz de sustentar uma chamada ad infinitum.

Mas se alguém cumprir todas as tarefas dessa gincana e quiser ser atendido, não tem jeito. Uma de suas garotas terá que recitar o capítulo de teleatendimento da cartilha e prometer que "vai estar providenciando", "vai estar transferindo", "vai estar" fazendo um monte de coisas. Mesmo que não faça.

Para o caso extremo de aparecer um chato, aquele tipo de sujeito que perde horas no telefone, leva tudo às últimas conseqüências e não desiste nunca, há um recurso infalível que é deixar cair a ligação.

E por aí vai. Se precisar de um sócio, me liga.

Ótima segnda-feira e uma excelente semana para todos nós, com temperaturas baixas por este Sul.

sábado, 10 de maio de 2008



11 de maio de 2008
N° 15598 - Martha Medeiros


A culpa e a desculpa

Quando pequena, costumava ir à missa, e na hora de confessar eu tirava da cartola alguns pecados só para ter algo pra dizer, porque a verdade é que eu não sentia culpa por nada. Eu inventava culpas! Tem algo mais perverso?

Como é que se permite que uma criança chegue a esse ponto, no que isso ajudará a torná-la uma adulta com a mente sadia? Por isso me afastei da Igreja e hoje rezo do meu jeito, para um Deus que há muito já me absolveu do que não fiz.

O assunto voltou a mim por duas vias. Uma foi através do filme O Sonho de Cassandra, de Woody Allen, uma tragédia em que culpa e inocência se mesclam.

Dois irmãos a caminho do fracasso vendem a alma por dinheiro - o preço é assassinar um homem. Matar alguém, sabemos, é o pecado maior. Mesmo apavorados diante do inusitado da proposta, eles topam e aí o filme vira um thriller sobre a consciência humana. A culpa ganha o tamanho da nossa ingenuidade. Uma coisa não existe sem a outra.

No caso do filme, há um remorso corrosivo que se justifica, existe um fato que está na contramão dos nossos valores e princípios. Mas o que fazer com a culpa existencial que trazemos dentro, cuja única vítima somos nós mesmos?

Lendo o excelente livro dos psiquiatras Paulo Sergio Guedes e Julio Walz, que se chama justamente O Sentimento de Culpa, deparamos com uma quantidade infinita de perdões absurdos que pedimos a toda hora: perdão por estar sofrendo, perdão por amar, perdão por não amar, perdão por estar feliz em meio ao caos.

Praticamente pedimos perdão por existir. Mas o que é isso?? De novo, estamos inventando culpas que não temos.

O livro mostra o quanto é paralisante essa culpa intrínseca que nos impede de tocar a vida de uma forma mais tranqüila e liberta. Nossos sofrimentos psíquicos são criados por nós. Nossa martirização é falta de amizade conosco.

Querer estar no controle de tudo é absolutamente estéril: nossa compreensão do mundo é limitada e as coisas acontecem a nossa revelia.

Por que assumir a responsabilidade sobre algo que não temos domínio? Que tenhamos, isso sim, a responsabilidade social de viver com integridade, com amor e com a aceitação do que nos é possível absorver.

Paulo Sergio Guedes, que além de psiquiatra é poeta, tem um verso que define a importância de abandonar nossa onipotência e de aceitar quem somos. Ele diz: "Ser melhor o que se é/ vale mais que ser melhor do que se é".

É tão simples que parece confuso. Mas culpa é basicamente isso: desejar ser alguém que não somos. O nirvana está em aceitar nossa incapacidade de domar sentimentos e entregar-se a eles sem resistência.

Mas vê lá, não vá matar ninguém, que aí é outra história.

Quando Charles Aznavour esteve aqui, ouvi muita gente dizendo que iria ao show "só para levar minha mãe". As mães adoram Aznavour, como adoram Frank Sinatra e qualquer outro intérprete que lhes toque o coração com elegância e canções de amor.

São ícones de uma geração anterior a nossa, mas não significa que não possamos gostar deles também, já que não são antigos, e sim clássicos - e classudos, coisa rara hoje em dia.

Por exemplo, se Burt Bacharach viesse tocar em Porto Alegre, eu levaria minha mãe e, caso ela tivesse o azar de estar em férias no Taiti, eu iria sozinha, levaria a mim mesma feliz da vida, sem precisar arranjar nenhuma desculpa.

Bacharach completará 80 anos amanhã, ou seja, metade dos meus leitores nunca ouviu falar dele, mas eu tive a sorte de ser de um tempo (nem tão remoto assim) em que não existia "música para criança" - os pais tocavam pros filhos aquilo que eles próprios ouviam, no único aparelho de som da casa, então fui praticamente ninada por Janis Joplin, Astor Piazzolla, Beatles e muito Burt Bacharach. Só o nome dele já invocava respeito.

E que homem lindo. Bacharach tinha um charme casual, era o contrário do engomadinho. Há um clipe de 1971 em que ele canta Close to You com Barbra Streisand e ela quase derrete diante do seu olhar. Acho que foi nesse dia que ficou definitivamente estrábica. Eu ficaria.

Burt Bacharach é compositor. Nos anos 60 e 70, emplacou um sucesso atrás do outro, gravados por nomes como Aretha Franklin, Tom Jones e especialmente Dionne Warwick. Foi casado quatro vezes, sendo que sua esposa mais famosa foi a atriz Angie Dickinson.

Dez anos atrás, gravou um álbum com Elvis Costello e agora, sinceramente, não sei o que mais anda fazendo, além de 80 anos.

Mas não precisaria fazer mais nada, a não ser um show de despedida em Porto Alegre, como fez Aznavour.

Fica aqui a idéia para os promotores de eventos para o Dia das Mães de 2009. Se ele vier, prometo levar a minha, que merece essas finezas musicais. É o que desejo, aliás, a todas as mães: longa vida e momentos de puro êxtase, que sempre foram os melhores presentes do mundo.

Have a happy mothers Day

Diogo Mainardi

As escravas das Farc

"Marco Aurélio Garcia já garantiu a ‘neutralidade’ do Brasil na guerra contra as Farc. No caso das escravas sexuais dos terroristas, é como manter uma postura de neutralidade diante de Josef Fritzl, o austríaco que prendeu a própria filha por mais de vinte anos, servindo-se dela como sua escrava sexual. Josef Fritzl? Nem simpatia, nem antipatia"

Rocco Cotroneo, correspondente do Corriere della Sera na América Latina, fez uma reportagem sobre uma escrava sexual das Farc. Aos 11 anos, ela foi arregimentada pelos terroristas colombianos para montar minas.

Essa tarefa costuma ser desempenhada por crianças para evitar o risco de perder um terrorista num acidente. Aos 12 anos, ela se tornou escrava sexual de um alto comandante das Farc, um dos mais procurados do país. Ele tinha 45 anos. Algum tempo depois, ela engravidou.

É comum que as escravas sexuais das Farc – as "ratas" – tenham de abortar com pontapés na barriga. Como ela pertencia a um dos chefes do bando, conseguiu ter o filho, que lhe foi tomado aos 2 meses de idade e entregue a um parente. Ela fugiu do acampamento terrorista e foi acolhida num instituto do governo, onde Rocco Cotroneo a encontrou.

O assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, já garantiu a "neutralidade" do Brasil na guerra contra as Farc. Quando lhe perguntaram se seu grupo tinha simpatia pelos terroristas, ele respondeu simplesmente: "Nem simpatia, nem antipatia".

No caso das ratas, é como manter uma postura de neutralidade diante de Josef Fritzl, o austríaco que prendeu a própria filha por mais de vinte anos, servindo-se dela como sua escrava sexual. Josef Fritzl? Nem simpatia, nem antipatia.

O general Augusto Heleno Pereira advertiu que os traficantes de drogas ligados às Farc representam o maior perigo para a Amazônia. A seguir, ele disparou contra a reserva indígena Raposa Serra do Sol, que pode facilitar a entrada de traficantes de drogas no Brasil.

O general Augusto Heleno Pereira se recusa a admitir que 19.000 índios precisem de uma área daquele tamanho. Eu me recuso a admitir que, podendo dispor de uma área daquele tamanho, os índios continuem a morar em choupanas comunitárias junto com suas sogras.

Na última terça-feira, um plantador de arroz foi preso na reserva Raposa Serra do Sol. De acordo com o ministro Tarso Genro, ele tomou posse de "terras indígenas". A rigor, até Ipanema é terra indígena. Todos os dias eu olho pela janela e penso alegremente: isto aqui é uma aldeia macuxi. É tolice tentar separar os índios do resto dos brasileiros. Nós somos todos iguais.

Eles fazem o que a gente faz: derrubam a mata e tacam fogo nela. Eles gostam do que a gente gosta: bebida fermentada. Eles acreditam no que a gente acredita: que o subsolo é habitado por Wanabaricon, seres de pequena estatura que plantam, pescam e constroem aldeias.

Quando o índio Serenkato foi gravar um CD, o que ele fez? Arranjou um patrocínio público, igualzinho aos nossos artistas. Duvido que a música de Serenkato seja pior do que a de Caetano Veloso, que também arranjou um patrocínio público para seu próximo espetáculo.

Os traficantes de drogas assassinos e pedófilos tomaram conta da floresta. Todos os dias eu olho pela janela e penso alegremente: aquele ali é um deles?

Ponto de vista: Lya Luft

Por que se calam

"Quando a linguagem é simples ou até supérflua, porque o sentimento é real, podemos escutar a alma do outro na sua respiração"

A dificuldade de comunicação nos relacionamentos me fascina. A palavra não dita quando deveríamos ter falado, a palavra negada quando falar teria sido importante. O drama está em que, nos dois casos, a gente não sabia. Se adivinhava, não conseguiu agir.

Os amantes a que me refiro – também num livro sobre o tema, que acaba de sair – não são apenas o casal amoroso, mas quaisquer pessoas ligadas (ou supostamente ligadas) por afeto. Isso inclui a família, meu tema recorrente: lá nem sempre reinam o afeto e o respeito.

Alguém pode cobrar: "Aquela vez, naquele lugar, você me disse isso, e até hoje me dói". A gente pensa, repensa, mas não se lembra: "O que foi, quando foi? Eu jamais teria dito isso, sobretudo se ia te ferir". Mas o outro insiste na sua dor.

A incomunicabilidade é quase um estado habitual de muitas pessoas: como nascer com algum defeito físico do qual não se tem culpa, mas que chateia ou atormenta. Saber se comunicar, no trabalho, no cotidiano e na vida pessoal, é uma dádiva.

Abre portas e janelas, promove generosidade e acolhimento. Mas é raro. Em geral somos enrolados, somos tímidos, guardamos velhas mágoas ou somos arrogantes, outra face da insegurança e do medo.

Ilustração Atômica Studio

Trágicos desencontros podem nascer de situações aparentemente simples: pessoas comuns em sua vida sem graça, durante anos e anos de convívio sem grande conflito, pensam estar tudo bem. Então, sem nenhum sinal, uma palavra sequer, irrompe a violência, que pode ser física, ou moral, como uma traição. Uma insatisfação que já não se deixa controlar.

O ressentimento explode como um vulcão de lama. Ou alguém comete a mais traiçoeira e punitiva das ações: mata-se um marido, uma mãe, um filho adolescente. Para o sempre do sempre, o peso da culpa permanece sobre os demais.

Em que momento ele quis pedir ajuda e não percebi? Quando ela pensou em se abrir comigo, mas eu estava com pressa? Ontem, ainda, ele jogava bola comigo, e hoje vem a notícia de que se enforcou: o que eu poderia ter feito? A resposta pode ser um silêncio maligno que não vai se calar nunca mais.

Mas existe também o silêncio bom, que, em lugar de erguer muros, abre espaços. É a não-necessidade de falar, entre pessoas seguras do seu carinho mútuo. Elas ficam perfeitamente felizes sentadas juntas, cada uma lendo seu livro, seu jornal, fazendo seu trabalho.

De vez em quando uma palavra, um gesto de afeto, e ao redor delas abre-se um círculo de harmonia. Na vida nem tudo é sofrimento, esterilidade e solidão. A dor faz parte, mas há momentos de magia para todos.

Da pessoa mais simples ao mais refinado intelectual, qualquer um pode descobri-los, ou persegui-los, quando a correria, os compromissos, as pressões lhe derem um pouco de paz. Ou ela terá de ser conquistada usando-se garras, dentes, cotovelos.

Quando a linguagem é simples ou até supérflua, porque o sentimento é real e assim entendido, podemos escutar a alma do outro na sua respiração.

Todo ruído, toda agitação, e até mesmo a fala, serão secundários. Os amantes não vão se calar por mágoa ou impotência, mas por que algo os expressa melhor do que as mais contundentes palavras.

Lya Luft é escritora


Brasil sobe um degrau
OCTÁVIO COSTA

Agência americana muda classificação de risco do País e abre caminho para grandes investimentos

EUFORIA A Bovespa subiu 6,3%, maior alta em cinco anos



Anotícia já era aguardada pelo governo Lula, mas veio antes do esperado. Pela primeira vez na história, o Brasil foi alçado ao grau de investimento por uma agência de classificação de risco internacional.

Na tarde da quarta-feira 30, a tradicional Standard & Poor’s (S&P), de Nova York, comunicou ao mercado que elevou a cotação do risco soberano do Brasil para a nota BBB-, o que eleva o País ao conceito de investment grade, a melhor classificação para receber investimentos estrangeiros.

A boa nova foi imediatamente transmitida pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao presidente Lula, que se encontrava em Maceió, em Alagoas, na cerimônia de posse do novo conselho diretor da Sudene. Lula exprimiu em público sua euforia. “Nós acabamos de ter a notícia de que o Brasil passou a ser investment grade.

Não sei nem falar direito a palavra, mas, se formos traduzir para uma linguagem que todos os brasileiros entendam, poderia dizer que o Brasil foi declarado um País sério, que cuida de suas finanças com seriedade”, comemorou o presidente.

No mercado financeiro, a repercussão foi igualmente exuberante. A Bolsa de Valores de São Paulo subiu 6,3%, sua maior alta dos últimos cinco anos, e o dólar despencou para R$ 1,66, a menor cotação desde 14 de maio de 1999.

Meirelles e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, também festejaram. Afinal, todas as honras cabem aos responsáveis pela política econômica.

Na verdade, eles não se surpreenderam. Há muito tempo, os dois vinham cobrando das agências internacionais de rating mais coerência em relação ao status da economia brasileira.

No final de fevereiro, a presidente da S&P no Brasil, Regina Nunes, chegou a dizer que o País estava no caminho certo, mas precisava melhorar os números da dívida interna e realizar a reforma tributária. Há duas semanas, Mantega desembarcou em Nova York e manteve encontros com a firme disposição de corrigir o que considerava uma injustiça.

Levou na pasta dados que comprovavam a solidez dos fundamentos da economia nacional e, pelo visto, conseguiu convencer os interlocutores. O Brasil, finalmente, juntou-se ao México, Peru e Chile, na América Latina.

Outro ponto ganhou ênfase nas análises sobre a decisão da S&P: o Brasil foi promovido ao grau de investimento num momento de crise na economia mundial. O que serviu para comprovar a boa quadra que o País atravessa. Nas palavras eufóricas do presidente Lula, o Brasil “vive um momento mágico”.

Em linguagem mais técnica, Meirelles afirma que, ao ser concedido em dias de incerteza e instabilidade, o investment grade “mostra o aumento da resistência da economia brasileira a choques externos”.

Ele acredita que, como efeito do novo status, vai aumentar significativamente o fluxo de investimento para o Brasil, com conseqüências importantes na capacidade de gerar crescimento. “Esse dado é inquestionável”, disse Meirelles.

Desta vez, Mantega concordou integralmente: “Vamos atrair mais investimentos, o risco Brasil vai diminuir e um dos efeitos será a redução das taxas de juros, do custo financeiro, da taxa de captação para o Brasil”.

Fora da esfera oficial, a avaliação também foi bastante positiva. Paulo Godoy, presidente da Abdib, entidade que reúne a indústria de base, previu que a nova classificação do País vai impulsionar a participação dos investidores internacionais, sobretudo fundos institucionais, em investimentos nos setores da infra-estrutura.

“O grau de investimento criará grandes oportunidades de captação para as empresas brasileiras, com perfil e custo melhores”, disse ele. E completou: “Além disso, o Brasil ficará mais atrativo para o investimento direto em setores produtivos, e não somente em aplicações financeiras”.

Até mesmo o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que nos últimos tempos vem pisando no calo do governo Lula, deu uma breve trégua e reconheceu os méritos da conquista. Segundo ele, o novo status atrairá investidores institucionais de todo o mundo e possibilitará a queda das taxas de juros.

Skaf, porém, não deixou de dar uma alfinetada no Planalto. Lembrou que, quando a CPMF foi derrubada, comentou- se que a decisão iria atrasar a promoção a investment grade. “A classificação alcançada hoje e a evolução da arrecadação da Receita Federal desautorizam aqueles que pregavam o caos para a economia brasileira”, critica Skaf.

Ele não deixa de ter razão. Mas a hora é de festejar. Tudo indica que outra agência de risco de peso, a Moody’s, prepara-se para também elevar o Brasil ao grau de investimento.

Isso aumentará ainda mais a confiança dos investidores estrangeiros. E certamente significará, em linguagem direta, mais emprego e renda para as famílias brasileiras.



10 de maio de 2008 | N° 15597
Nilson Souza


Vidas no sótão

O ciclone que causou estragos no Estado me prestou um grande favor no último sábado: sem computador nem televisão, por falta de energia elétrica, aproveitei o dia para organizar parte de minha biblioteca, que fica no sótão da casa.

O sótão é o porão de cima, aquele lugar pouco freqüentado dos sobrados onde a gente costuma depositar coisas supérfluas.

O meu, porém, é habitado por fantasmas vivos e mortos - os personagens imaginados por García Márquez, Vargas Llosa, Isabel Allende, Erico Verissimo, Jorge Amado, Herman Hesse, Somerset Maugham, Anatole France e vários outros inquilinos de múltiplas nacionalidades.

Sentei num banquinho de madeira, daqueles de tomar mate em galpão, e passei horas pincelando a poeira das páginas, parando de vez em quando para reler um ou outro trecho antes de devolver o volume à estante. Meus livros contam muitas vidas, inclusive a minha.

Ainda tenho o Coração, de Edmundo de Amicis, que ganhei aos 11 anos graças à generosidade dos meus colegas de quinta série, que me escolheram o Melhor Companheiro da turma, numa antiga promoção do Rotary Clube.

Guardo com carinho um Clarissa, de Erico, comprado em sebo para confirmar a leitura que fiz na biblioteca da Base Aérea, onde prestei serviço militar.

Na mesma época conheci Sidarta e Demian, de Hesse, encantos da Juventude. Já na faculdade li As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, e, coisa obrigatória daqueles anos 70, As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Ainda não fecharam.

Cada livro me lembra uma fase da minha vida, da minha carreira. Realinhei obras didáticas do Curso de Contabilidade, todos os manuais da minha atual profissão até chegar no imperdível Elementos do Jornalismo, de Bill Kovack e Tom Rosenstiel, e folheei com saudades meus compêndios de Educação Física, passando pelo fichário das aulas de recreação que preparei para o meu estágio numa escolinha de periferia.

Depois vieram as paixões adultas - Casa dos Espíritos e demais Allendes, Cem Anos de Solidão e outros Márquez, Memorial do Convento e todos os Saramagos que consegui reunir.

Todos eles receberam um lustro de carinho e voltaram para seus lugares no porão de cima do meu sobrado azul. Já escurecia quando devolvi o sótão aos seus verdadeiros donos - os amoráveis fantasmas da literatura e alguns construídos à imagem e semelhança de minhas vidas passadas.

terça-feira, 6 de maio de 2008



06 de maio de 2008
N° 15593 - Cláudio Moreno


Vale a pena

Cantado e exaltado por todos os poetas, o amor, alvo da busca incessante de qualquer homem ou mulher que esteja vivo, sempre foi visto como um perigo incontornável. Ninguém o considera inofensivo; todos respeitam o seu poder, pois sabem o quão facilmente ele pode se transformar em dor e sofrimento.

Ao longo de incontáveis milênios, a espécie humana aprendeu muito bem essa lição, e não é por acaso que todas as línguas do mundo falem nas "feridas do amor", que doem demais, custam muito a fechar e deixam cicatrizes para sempre.

Os gregos, com sua incomparável imaginação, expressaram tudo isso no belo mito de Psiquê e de Eros, o jovem deus do Amor.

Psiquê era tão bonita que os próprios poetas não tinham palavras para descrevê-la. Embora seu pai e sua mãe fossem mortais como nós, as pessoas que a viam ficavam tão estupefatas com sua beleza que a tomavam por uma filha da própria deusa Afrodite.

Tanto sua fama se espalhou que começaram a chegar, de toda a parte, peregrinos que vinham prestar devoção àquela nova divindade.

Quando Afrodite percebeu que seus santuários estavam ficando vazios, sua cólera foi terrível: convocou seu filho, Eros, o belo deus de asas brancas, que vivia percorrendo os palácios e as aldeias para semear, com suas flechas invisíveis, a desconcertante loucura do amor.

"Vais castigá-la por mim; faz com que ela se apaixone pelo mortal mais desprezível", disse a deusa, sem imaginar a surpreendente reviravolta que sofreria seu plano: ao ver a linda Psiquê adormecida, Eros ficou tão perturbado que deixou cair sobre o próprio pé a flecha que ia lançar. O feitiço tinha atingido o feiticeiro, e ele se apaixonou perdidamente pela princesa.

É claro que, no fim de tudo, depois de muitas peripécias, a jovem vai se tornar imortal e os dois vão viver felizes para sempre. Antes disso, porém, houve um momento em que Psiquê pensou que jamais iria casar. Intimidados por sua beleza, os homens a admiravam à distância, mas não ousavam se aproximar.

O pai, preocupado com a filha, foi perguntar ao oráculo de Apolo se ela teria marido; a resposta o deixou aterrorizado: "Não é com um homem que Psiquê vai casar, mas com um monstro cruel, feroz e traiçoeiro, que voa pelos ares e a todos queima com sua chama e fere com suas pontas aguçadas.

Ninguém está livre dele, nem mesmo os próprios deuses". Nós, que conhecemos o desfecho da história, sabemos que o oráculo estava falando de Eros - e não estranhamos as sombrias palavras que ele usou para se referir ao amor, porque sabemos que é assim mesmo.

Amar é tão perigoso e fascinante quanto caminhar pela borda de um vulcão; é um risco terrível, mas, como diz muito bem Edgar Morin, é sempre um belo risco a correr.

domingo, 4 de maio de 2008


DANUZA LEÃO

A vida a dois

E os amigos? A mulher implica com os dele, e ele com os dela, o que é um dos problemas do casamento

O GRANDE problema da vida é que, mesmo quando duas pessoas são muito próximas, uma delas quer, com freqüência, exatamente o oposto do que quer a outra -e isso nos mais variados campos.

A mãe quer que o filho vá para a cama às dez horas -razão suficiente para que ele queira ir às três da manhã. E como resolver esse problema, a não ser usando da autoridade no que ela tem de mais antipático e antidemocrático?

Ponderar, explicar que a aula no dia seguinte começa cedo, tentar entrar num acordo, é apenas uma ilusão; cada um quer fazer o que quer e bem entende, e ceder, em nome do bom senso e da civilidade, deixa uma das partes -a que cede- de péssimo humor.

Com toda a razão, aliás. Existe coisa mais insuportável do que ir ver o filme que o namorado quer quando a vontade é ver um outro?

Jantar no restaurante que o amigo escolheu, fazer a viagem que o marido achou mais interessante, na época que ele decidiu ser a melhor? Mas para não ficar só é preciso ceder, e geralmente quem cede é sempre o mesmo -uma grande injustiça, aliás.

A marca e a cor do carro, o bairro onde vão morar, o tipo de comida que a empregada faz, as frutas que são compradas na feira, tudo costuma ser decidido sempre pelo gosto de um dos dois -e o outro que se habitue.

Só num ponto não há acordo: quem não gosta de alho não vai tolerar, jamais, que o outro chegue em casa com a prova do crime cometido no almoço; este é um tema sem nenhuma esperança de solução.

E os amigos? A mulher costuma implicar com os dele, e ele com os dela, o que é um dos grandes problemas do casamento.

Mas como estão os dois apaixonados e dispostos a qualquer coisa para que dê certo, cada um cede -olha aí a palavra de novo- um pouco; um dia saem com os dela, no outro com os dele, o que significa que sempre um vai estar com um certo mau humor quando chegar em casa -mas tudo pelo amor.

Ah, mas por que não se pode fazer apenas o que se quer? Poder até pode, mas para isso é preciso abrir mão de um marido, namorado ou caso -o que tem sido, aliás, a escolha de muita gente, nos últimos tempos. Mas será esta a solução?

sábado, 3 de maio de 2008



04 de maio de 2008
N° 15591 - Martha Medeiros


Doidas e santas

"Estou no começo do meu desespero/e só vejo dois caminhos:/ou viro doida ou santa". São versos de Adélia Prado, retirados do poema A Serenata.

Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo o ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?".

Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente?

Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões - e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?

Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???

Nem ela, caríssimos, nem ela.

Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.

Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do).

Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar "the big one", aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?

Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.

Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos.

Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.

Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe.

Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

Ótimo domingo...Excelente iníco de semana para você.

Diogo Mainardi

Eu sou BBB- Você é BBB-

"Pelos critérios da Standard & Poor’s, o Brasil é um bom pagador. O fato de ser classificado como BBB- equivale a ter o próprio cadastro aprovado no crediário do Ponto Frio. Já dá para comprar um freezer a prazo no mercado financeiro mundial"

Gilberto Freyre chegou perto. Bem mais perto do que Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda. Em todas as suas obras, eles se dedicaram a interpretar o Brasil. Mais do que isso: eles se empenharam em definir o Brasil. E fracassaram. Quem finalmente realizou o feito foi a Standard & Poor’s. Seus analistas acabam de definir o Brasil como BBB-.

O país cabe inteirinho nessa nota. Pode jogar fora aquela sua cópia surrada de Casa-Grande & Senzala. O debate nacional está encerrado. O Brasil é BBB-. Eu sou BBB-. Você é BBB-. Um dia, com certa dose de sorte, poderemos nos tornar BBB+.

Pelos critérios da Standard & Poor’s, o Brasil é um bom pagador. O fato de ser classificado como BBB- equivale a ter o próprio cadastro aprovado no crediário do Ponto Frio.

Já dá para comprar um freezer a prazo no mercado financeiro mundial. Depois de obter o reconhecimento internacional, o Brasil foi tomado por uma onda de euforia. O assunto contaminou todos os debates. Um professor de medicina da Universidade Federal da Bahia declarou que o batuque do Olodum é um exemplo de primarismo musical.

O presidente do Olodum reagiu comparando-o a Adolf Hitler, e acrescentou que o grupo, como o Brasil, tem sua "qualidade reconhecida internacionalmente". Isso significa que, numa hipotética Standard & Poor’s da música, o primarismo do Olodum estaria na categoria BBB-.

Se o risco de tomar um calote por aqui diminuiu, o risco de tomar um tiro na testa continuou igual. No mesmo dia em que os jornais comemoravam o BBB-, conferido pela Standard & Poor’s, O Globo publicou uma reportagem sobre os 18.000 cadáveres recolhidos todos os anos das ruas do estado do Rio de Janeiro.

Em média, cada cadáver demora sete horas para ser recolhido pelo Corpo de Bombeiros. Esse também é um bom critério para classificar os países: o grau de naturalidade com que se relatam os horrores cotidianos. Em 23 de abril, O Globo deu a seguinte notícia, escondida numa página interna, num bloco de 7 por 7 centímetros:

"Parte do corpo de uma mulher foi queimada ontem em plena Avenida Brasil, na altura de Guadalupe. Segundo testemunhas, homens trouxeram o corpo da Favela da Eternit. A mulher teve cabeça, braços e pernas arrancados. O tronco, então, foi colocado dentro de pneus para que os bandidos ateassem fogo".

Depois disso, nada mais. A mulher esquartejada e incinerada sumiu do noticiário. Ninguém se espantou com sua morte. Ninguém tentou interpretá-la. Pode jogar fora seu Gilberto Freyre.

Pode desmembrá-lo, colocá-lo dentro de pneus e atear-lhe fogo. O Brasil é ainda mais rudimentar do que ele supunha. Nosso primarismo é ainda mais bestificante. Aqui só resta um Olodum mental, um dum-dum-dum mental.


Diamantes descartados

"Países vencedores são os que operam bem na nova economia do conhecimento. Nessa nova economia, a riqueza mais preciosa são os cérebros bem lapidados. Lamentavelmente, jogamos no lixo essa matéria-prima"

Imaginem uma empresa cuja especialidade é receber cristais para lapidar. Quando aparece um diamante no meio, como não sabe lapidá-lo, ela o joga fora. Essa empresa existe? Infelizmente, existe. O seu nome: escola.

Ocasionalmente, despontam alunos muito mais talentosos que os demais. Estima-se que somem 3% da população. São diamantes em meio ao cascalho e ao cristal.

Como faz sentido dar um tratamento apropriado ao tipo de talento (e à idade própria para a intervenção), todos os países de educação bem-sucedida criam programas especiais para os talentosos. Na Inglaterra e na França, eles ganham acesso às melhores escolas.

Nos Estados Unidos, há escolas destinadas a eles (magnet schools) ou programas especiais dentro das escolas regulares (honors programs). Na Rússia (e em Cuba, por sua influência), há colégios para os talentosos nas artes, nos esportes e nas áreas acadêmicas.

No Brasil, quando vêm de famílias mais ricas, os talentosos são identificados e recebem a educação apropriada. Mas e quando são de famílias pobres? São ignorados pela escola.

Tanto na teoria tupiniquim quanto na prática, eles devem ser "integrados" aos demais. No entanto, como já foi demonstrado pela boa pesquisa, os talentosos são impedidos de desabrochar no tipo de escola que o Brasil oferece. Desajustam-se ou fingem ser medíocres, a fim de evitar conflitos e embaraços. São diamantes descartados.

Ilustração Atômica Studio

Diante da recusa dos sistemas públicos em lapidar esses diamantes, algumas organizações empresariais resolveram tomar o problema em suas mãos. Já faz tempo, a Fundação José Carvalho recrutava jovens talentosos no Recôncavo Baiano, para que freqüentassem o seu próprio colégio.

O Bom Aluno, no Paraná, também recebe alunos talentosos de escolas públicas, dando a eles bolsas para que estudem em bons colégios privados. O Ismart também seleciona alunos pobres da rede pública, oferece um programa de reforço escolar durante dois anos e concede bolsas de estudos para os melhores colégios do Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza.

A escola da Embraer (operada pelo Pitágoras) recruta todos os seus alunos nas escolas públicas das vizinhanças de São José dos Campos, mediante concurso. Como o sistema de seleção mostrou-se muito competitivo, os aprovados são alunos extraordinários.

Embora seja cedo para apresentar resultados definitivos, os alunos do Ismart tendem a se colocar acima da média de seus colegas, nos colégios freqüentados (que, segundo o Enem, estão entre os vinte melhores do Brasil). A escola da Embraer é a 17ª melhor do Brasil.

Ou seja, são alunos pobres ou muito pobres cujo excepcional desempenho escolar prenuncia uma carreira profissional brilhante.

Não obstante, além de praticamente não haver programas para os mais talentosos, as autoridades não gostam de ver tais alunos pescados de suas péssimas escolas públicas.

Acham errado premiar alguns poucos com uma educação compatível com o seu talento. Assim sendo, esses programas encontram problemas quando tentam aplicar os testes que permitem identificar os diamantes que vão lapidar.

Os diamantes não devem ser lapidados, isso seria injusto para com o simples cascalho, que, quando lapidado, tende a ser mais opaco. É o princípio da igualdade forçada de resultados, aplicado pelo expediente de tolher os mais talentosos. É uma justiça social muito caolha, pois os ricos mais talentosos não são desperdiçados.

Hoje, os países vencedores são aqueles que operam bem na nova economia do conhecimento. E, nessa nova economia, a riqueza mais preciosa são os cérebros bem lapidados. Lamentavelmente, jogamos no lixo essa matéria-prima.

Segundo o geneticista russo Wladimir Efroimson, "o talento não é uma propriedade privada, é uma propriedade pública e ninguém tem o direito de desperdiçá-lo".

De fato, é uma espantosa burrice jogar fora o único recurso que nos daria acesso à economia do conhecimento. É cometer o haraquiri do desenvolvimento. Está na hora de refletir sobre as nossas políticas públicas, para que não continuemos a perder essa riqueza.

Claudio de Moura Castro é economista (Claudio&Moura&Castro@attglobal.net)

CARINA RABELO

Revel@dos pela web

A rede se tornou um poderoso instrumento para artistas se lançarem e olheiros encontrarem novos talentos

PRECOCE Mallu Magalhães, 15 anos, estourou com apenas quatro canções no MySpace, em dezembro do ano passado. Em três meses, já recebia propostas de gravadoras e convites para shows. Foi um dos sucessos da Virada Cultural, em São Paulo, em abril

Ela só precisou de um violão para ficar famosa. Depois de colocar sua primeira música no site MySpace, composta por ela e gravada na sua própria casa em dezembro do ano passado, Mallu Magalhães se tornou uma referência no cenário nacional de rock alternativo.

Em apenas três meses, a garota de 15 anos e quatro canções já estava na agenda de festivais de música independente de São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Desde então, não pára de receber ligações de gravadoras que batalham contratos de exclusividade. Na última semana de abril, a jovem consolidou seu sucesso repentino. Mallu foi uma das atrações da Virada Cultural, festival gratuito anual na capital paulista, que reuniu 3,5 milhões de pessoas neste ano.

“É maravilhoso poder cantar para uma multidão a céu aberto”, diz a menina, de voz doce e atitude madura, que desde os cinco anos ouve Beatles e Led Zeppelin, tocados no violão ou assobiados pelo seu pai, um engenheiro apaixonado por música.

“Meus pais me apóiam muito e entendem que às vezes preciso faltar às aulas para ensaiar”, diz Mallu, que passa cerca de seis horas por dia nas lojas à procura de CDs raros e, no resto do tempo livre, pesquisa na internet sobre artistas de canções folk.

Histórias semelhantes à de Mallu pipocam pelo Brasil. Nem em seus mais distantes sonhos a paulista Laura Neiva, 14 anos, que nunca fez aulas de teatro, imaginava receber um papel importante no filme À deriva, de Heitor Dhalia, diretor do longa O cheiro do ralo.

Através de uma despretensiosa página no Orkut, a menina foi localizada pela equipe de produção do filme em setembro do ano passado e convidada para testes. “Achei uma loucura.

Como alguém podia achar que eu aceitaria um convite feito pela internet?”, conta a garota. Numa coincidência do destino, uma das suas amigas conhecia um professor de teatro que reconheceu a pessoa que deixou o recado no Orkut.

Três meses depois, Laura aceitou o convite. Após três dias de oficina de teatro, ela esbanjou talento e ganhou o papel de filha da atriz Débora Bloch com o ator francês Vincent Cassel.

“Ela superou as nossas expectativas. Procurávamos apenas uma menina bonita, desconhecida do público. Achamos mais do que isso. Uma futura grande atriz”, garante Chico Acioly, preparador de elenco do filme.

REVELAÇÃO Laura Neiva, 14 anos, foi descoberta no Orkut pelos produtores do filme À deriva, de Heitor Dhalia. Após três dias de oficina de interpretação, a garota, que nunca estudou teatro, ganhou o papel de filha de Débora Bloch e do ator francês Vincent Cassel na produção

A indústria cultural precisa se reciclar e apresentar “caras novas” ao mercado todos os anos, o que fomenta uma rede de “olheiros” (caçadores de talentos), ávidos por novas possibilidades de investimento. São profissionais que navegam diariamente por sites, blogs, fotologs e comunidades em busca de artistas desconhecidos.

“A gente está sempre de olho no que rola pela internet, e usa como critério o que é bem feito e o que pode render um retorno do público”, afirma Luiz Pimentel, gerente de conteúdo do MySpace Brasil. A internet, vista no passado como uma ameaça às gravadoras, se tornou parceira das empresas.

“A rede virtual facilita a divulgação de produtos e o encontro de novos talentos, além de democratizar a comunicação com o público”, opina Marcelo Soares, diretor de novos negócios da Som Livre.

Com a rede, a resposta do mercado é rápida e pode surpreender até mesmo os mais talentosos. Fechar contratos com grandes empresas e fornecer conteúdos para sites de marcas consolidadas não estava nos planos de André Czarnobai, 28 anos, quando ele estudava jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Durante uma greve da faculdade em 1997, ele decidiu se comunicar com os amigos via e-mail através de um tipo de publicação informal de baixo custo, conhecida entre jornalistas como fanzine. Os textos agradaram tanto que, em quatro meses, André e oito colaboradores transformaram o fanzine na revista eletrônica Cardosonline, em homenagem ao apelido que o autor tinha na faculdade.

Em 2001, a revista tinha cinco mil assinantes e mais de 300 colaboradores. Em 2002, o jovem inquieto descobriu o mundo dos blogs e, desde então, percebeu que as suas idéias poderiam render bons contratos.

O sucesso dos seus textos humorísticos, que mesclam ficção e realidade em narrativas literárias, levou uma editora gaúcha a propor a compilação dos contos num livro.

Em 2005, foi publicada a obra Tavernas e concubinas, que levou Czarnobai a fechar parcerias com agências de publicidade no Brasil, México, na Colômbia e Argentina. Há um mês produziu um documentário para a GNT, presta “consultoria criativa” para o mercado audiovisual e já prepara um novo blog.

“Sempre procurei fazer tudo por conta própria em vias alternativas, sem esperar que as coisas aconteçam”, comenta. Com tantos bons exemplos de sucesso e possibilidades no mercado, cabe aos novos artistas usar, e abusar, da internet. É de graça e funciona.


03 de maio de 2008
N° 15590 - Cláudia Laitano


Da amizade

Um dos textos mais delicados já escritos sobre a amizade foi publicado no finzinho do século 16 por um autor que, ainda hoje, qualquer um lê com imenso gosto e interesse.

No ensaio Da Amizade, Montaigne (1533 - 1592) descreve sua relação com o filósofo e escritor francês La Boétie (1530 - 1563) ao mesmo tempo em que reflete sobre um sentimento que, segundo ele, supera em duração e profundidade o amor. A afeição pelo sexo oposto, segundo ele, "é mais ativa, mais aguda, mais áspera; é uma chama temerária e volúvel".

Já o valor da amizade "estende-se a todo o nosso ser: é geral e igual; temperada e serena; soberanamente suave e delicada, nada tendo de áspero nem de excessivo". Um trecho desse ensaio de Montaigne, transposto para o contexto amoroso, é citado por Chico na canção Porque Era Ela, Porque Era Eu.

Tentando explicar por que sua amizade com La Boétie havia sido tão intensa e lhe fazia tanta falta (a convivência estreita dos dois foi de apenas quatro anos, até a morte precoce de La Boétie, aos 33 anos), Montaigne explica da forma mais simples e profunda possível: "Porque era ele, porque era eu".

Se vivesse nos tempos de hoje e ainda por cima trabalhasse (na remota hipótese de poder conciliar a rotina de escrever seus ensaios com a obrigação de trabalhar), Montaigne talvez dedicasse algumas linhas ao ambiente de trabalho e ao tipo de relações de amizade que ali se estabelecem.

Relações que surgem não por escolha, mas por circunstâncias mais ou menos aleatórias, e que ainda assim ocupam na nossa vida um espaço central - quem consegue dedicar à família ou aos amigos por eleição oito horas diárias de convívio além de incontáveis almoços e cafezinhos?

Conhecemos profundamente um colega próximo de trabalho. Sabemos sua opinião sobre quase tudo, antecipamos suas reações, reconhecemos dias bons e dias ruins, sem, muitas vezes, chegarmos ao nível de intimidade que nos faz freqüentar sua casa ou trocarmos as confidências, que, em geral, guardamos para os amigos de eleição.

Por essa intimidade que nem sempre se completa, os colegas de trabalho entram e saem de nossa vida sem muita solenidade, como turistas que voltam para casa depois de um longo período de estada em um país estrangeiro.

Às vezes, a convivência se encerra nela mesma, e o ex-colega entra naquele rol indistinto de pessoas que passaram pela nossa vida: colegas de escola, amigos de amigos, ex-amantes.

Às vezes, a camaradagem no ambiente de trabalho, mesmo quando não chega à mesa de bar ou à festa de aniversário, impõe uma marca que ultrapassa a própria convivência. Como se chama esse tipo de amizade? Cadê Montaigne para falar sobre ela?

Convivi com o jornalista Tuio Becker (1943 - 2008) durante 10 anos, os primeiros da minha vida profissional. Ao longo de tantos almoços, cafezinhos e dias aparentemente iguais de rotina de trabalho, fui aprendendo com o Tuio não só as lições básicas, e indispensáveis, de cinema, teatro, música e dança, mas a essência do próprio jornalismo cultural - que é respeitar (e procurar conhecer) a tradição sem nunca perder o entusiasmo pela novidade.

Tuio distribuiu generosamente sua cultura e seu bom humor até o último dia de trabalho no jornal, há sete anos, quando se aposentou.

Formou e informou todos os que tiveram o privilégio de conviver com ele ao longo de mais de 30 anos de jornalismo. Por que ele fez tanta diferença na minha vida? Porque era ele, porque era eu.

sexta-feira, 2 de maio de 2008



02 de maio de 2008
N° 15589 - Liberato Vieira da Cunha


Hotel do Luar

Tem uma pousada em Porto Alegre, fronteira à Catedral Metropolitana, ao Palácio Piratini, à Assembléia Legislativa, ao Tribunal de Justiça, ao Theatro São Pedro, ao Memorial do Ministério Público.

É amplamente arejada, não dispõe de recepção, nem cobra diárias. Chama-se Marechal Deodoro e seus únicos leitos são os bancos de madeira e os canteiros gradeados.Trata-se de um estabelecimento de alta rotatividade.

De dia hospedam-se ali senhoras levadas a passeio por elegantes cães de sua particular estima e consideração, crianças que se divertem no rústico playground, namorados, funcionários das repartições vizinhas, fregueses de seu gratuito solarium, ruidosas delegações dos movimentos sociais, grevistas, filósofos, pichadores de estátuas, skatistas, jogadores de pelada, vendedores, políticos que cumprimentam conhecidos e desconhecidos com essa efusão tão própria da aproximação das eleições.

O grupo mais constante, no entanto, é o dos deserdados de esperança. À noite são praticamente os únicos que mantêm suas reservas nesse singularíssimo albergue risonho e franco - ou nem tanto.

No tempo das novelas de rádio, havia uma que se chamava Hotel do Luar. Não há mais novelas de rádio, mas a denominação é adequada ao vasto abrigo sob as árvores. Dizem que em Porto Alegre os moradores de rua não passam de umas poucas centenas.

Pois então a comissão de frente deve viver na Praça da Matriz. Dormem, em especial nesta época de ensaio de outono, transidos de frio. Preparam magras refeições em gastos utensílios de latão. Bebem, o que não raro os torna agressivos. Suplicam moedas aos passantes.

Há clochards em Paris, outsiders em Londres ou em Nova York, andarilhos em Roma ou em Madri. Mas, salvo engano, são pessoas que escolheram, por íntima vocação, esse tipo de hospedagem na vida. Não creio que seja o caso da mui leal e valorosa.

Aqui, os humilhados e ofendidos foram sentenciados sem culpa ao abandono no Hotel do Luar. Não é preciso preencher ficha de registro. E eles não tiram o sono dos múltiplos poderes que os rodeiam.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.