sábado, 20 de setembro de 2008



21 de setembro de 2008
N° 15733 - MARTHA MEDEIROS


Passeio completo

Outro dia o programa Saia Justa mostrou uma reportagem sobre as bonitas e doces mulheres da Guatemala, seus hábitos e costumes. A matéria era focada em moda: elas mostravam o seu jeito de vestir, suas tranças e suas estampas.

Assim que o sol desponta, essas mulheres se preparam para o dia com muitas saias e blusas coloridas, que denunciam um astral de celebração que dura de segunda a segunda. A repórter então perguntou: “E o que vocês vestem em dia de festa”?

A resposta: “A mesma coisa”! No máximo, estréiam uma roupa nova, mas não diferente das que costumam usar em suas tarefas cotidianas.

Isso me fez lembrar de uma teoria que eu defendo e que não sei se serve apenas para mim ou se as companheiras concordam: em dia de festa, nunca ficamos tão bonitas quanto no dia-a-dia.

Quando eu chego numa festa, geralmente penso: que trabalhão deu para cada uma de nós se enfeiar. A maquiagem é demais. A base no rosto envelhece. O brilho é vulgar. O salto nos deixa capengas. Há excesso de adereços.

Todas olhando pro celular para ver que horas são (mulher quase nunca usa relógio de pulso em festa), contando os minutos para voltar pra casa, passar um demaquilante no rosto, colocar uma pantufinha nos pés e cair na cama para, no dia seguinte, aí sim, vestir um jeans, uma camisa branca, amarrar uma echarpe em volta do pescoço, passar um blush e voltar a ser uma mulher sensacional.

Rituais, essa praga. Me convidem para uma balada mais chique e entro automaticamente no meu inferno astral. Missão: montar um personagem e deixar de ser eu mesma.

Pronta para a guerra, me olho no espelho e pergunto: quem é essa vestindo uma peça de roupa que ainda não foi totalmente paga e que daria tudo para estar com a mesma camiseta que vestia à tarde?

Não que eu seja uma vítima da moda. Em dia de festa, tomo banho e coloco uma roupa nova, ao estilo guatemalteco, mas é preciso seguir as regras da sociedade, que é carrasca: não posso ir de qualquer jeito num casamento, usar um vestidinho de algodão num jantar cerimonioso, vestir bermuda na hora de percorrer um tapete vermelho.

Tapete vermelho: de onde tirei isso? Baixou Hollywood na crônica. Mas serve como metáfora.

Estique um tapete vermelho em frente a qualquer mulher e ela arriscará um penteado que a envelhecerá 10 anos, passará um batom escarlate que a deixará igual a uma dona de inferninho, usará uma bolsa minúscula em que não caberá nem a chave de casa e se atreverá a usar uma cor inusual que afugentará qualquer candidato a marido – mas ela já tem o seu garantido, lógico.

E o coitado ainda será obrigado a dizer “você está linda”, torcendo para que aquela estranha seja mesmo a mulher dele.

O mesmo tipo de roupa para o dia, o mesmo tipo de roupa para a noite e o mesmo para festas - isso sim é personalidade e estilo. Um dia quero ser moderna como as camponesas da Guatemala.

Ronaldo Soares

A cavalaria salvou o dia

O mundo financeiro parecia derreter na semana passada quando George W. Bush e seu secretário do Tesouro, Henry Paulson, comandaram a maior intervenção da história do capitalismo. Salvaram o dia, o sistema e nossos bolsos

Montagem sobre fotos de Brian A. Vikander/Corbis/Latinstock – Mandel NGAN/AFP – Chris Kleponis/AFP

ORDEM DE ATACAR

Bush e Paulson (na montagem) usaram a riqueza e a força para impedir o desastre. Vão cobrar caro por isso



Se as novelas de televisão são sempre histórias sobre ricos com problemas que o dinheiro não resolve, a maior crise dos mercados financeiros do século XXI é uma história sobre ricos e pobres com problemas que o dinheiro resolve – pelo menos em parte.

A crise eclodiu na segunda-feira passada, quando um dos mais tradicionais bancos de investimento de Wall Street, o Lehman Brothers, foi a pique e afundou sem que seus pares ou o governo americano lhe estendessem uma mão salvadora. O naufrágio do Lehman foi fagulha no arsenal.

Outro banco tradicional, o Merrill Lynch, correu para debaixo das asas do Bank of America, vendido por 50 bilhões de dólares, dois terços do seu valor de mercado. Lehman Brothers e Merrill Lynch, para quem não é familiarizado, eram astros de primeira grandeza.

Logo outras estrelas começaram a se descolar do firmamento e cair sobre a cabeça dos investidores não mais apenas nos Estados Unidos, mas do outro lado do Atlântico. A maior hipotecária inglesa, o HBOS, foi vendida às pressas ao Lloyds.

O pânico virou terror quando a operação de salvamento pelo governo americano da maior seguradora do mundo, a AIG, teve o efeito de aumentar ainda mais a já ebuliente ansiedade geral. No meio da semana parecia que o mundo financeiro havia perdido a consistência interna e, sem as leis universais que o mantinham coeso, ameaçava derreter.

Na quinta-feira, quando as bolsas mundiais já perdiam no total quase 4 trilhões de dólares, Washington mandou a cavalaria. Henry Paulson, secretário do Tesouro americano, anunciou que os Estados Unidos estavam dispostos a "gastar centenas de bilhões de dólares" para "desintoxicar" os bancos com dívidas podres em seus balanços.

A promessa de mais dinheiro, o soar do clarim e o tremular da bandeira transformaram o pânico em euforia, e a semana terminou com as bolsas em altas histéricas em todo o mundo. O sistema voltou a acreditar em si mesmo. O capitalismo está salvo. Fim do primeiro capítulo.

Indranil Mukherjee/AFP

DESFILE NA ÍNDIA

A modernização dos países emergentes, o crescimento elevado da China e até a criação de uma nova classe média no Brasil se devem à bolha que estourou

A novela continua. Seu final depende de que os investidores também voltem a acreditar no sistema a longo prazo. Sim, porque a euforia do fim da semana passada, que deu às bolsas a maior valorização da história na sexta-feira, é apenas o reverso do pânico.

É o outro lado do mesmo sentimento. Os especialistas têm até um termo para o fenômeno – panic buying, em inglês, como é todo o vocabulário desse universo em mutação.

Nessa voracidade para comprar, exatamente como as donas-de-casa na famosa liquidação anual do Magazine Luiza, os investidores ignoram fundamentos e correm em busca das ações que eles acreditam terem se desvalorizado demais. Para vendê-las no dia seguinte, não mudam a cara. Recuperar a confiança no sistema é outra história (veja o quadro Depois da farra).

Apenas como exemplo, examine-se o ocorrido com os dois únicos bancos de investimento de primeira linha dos Estados Unidos que escaparam da crise – o Morgan Stanley (MS) e o Goldman Sachs (GS). O MS perdeu quase um quarto de seu valor em bolsa, suas ações caíram 24% e o banco agora procura furiosamente uma fusão com alguma instituição comercial tradicional.

O Goldman Sachs, o primeiro de sua classe, perdeu 14% de valor em bolsa. É o único que deve continuar existindo com o próprio nome e gerência depois da segunda-feira negra da semana passada.

Sendo o melhor, o mais sólido e o mais reputado dos bancos de investimento, o Goldman Sachs serve como base para a análise do sistema financeiro mundial atual, o que esta reportagem e as seguintes se propõem a fazer. O sistema se apóia em duas pernas.

Uma, bem fininha, chama-se liquidez – ou seja, a capacidade de devolver aos investidores o dinheiro investido e os lucros quando eles assim o desejarem.

Se um banco tem capacidade de devolver cada dólar a cada um dos investidores de uma só vez, ele tem 100% de liquidez. Um banco assim não precisa ter a segunda perna de sustentação do sistema, a confiança. O Goldman Sachs tem apenas 1 dólar para cada 25 dólares investidos.

No jargão técnico, ele tem uma alavancagem de 25 – em termos reais são 40 bilhões de dólares em dinheiro de clientes para 1 trilhão de dólares de investimentos. Relembrando, o Goldman Sachs é o mais sólido e o único que sobreviveu incólume. Imagine-se, então, a alavancagem dos que sucumbiram.

Pelos cálculos da consultora McKinsey, a alavancagem média do sistema financeiro americano é de 10 – ou seja, em caso de um colapso total cada pessoa salvaria 1 dólar de cada dez investidos.

Um gráfico desta reportagem tem vários exemplos desse tipo de alavancagem, entendida como a produção de riqueza financeira a partir de riqueza real ou a partir até de dívidas. A produção de riqueza financeira sobre dívidas, a securitização, está na base de toda a questão sobre a credibilidade do sistema e ajuda a explicar a crise de confiança da semana passada.

Em resumo, algumas brilhantes mentes de Wall Street encontraram um meio de transformar dívidas, principalmente imobiliárias, em investimentos. Até aí nenhuma ousadia especial. O pulo-do-gato, que caiu de costas na semana passada, foi misturar em um mesmo pacote "dívidas podres", ou incobráveis, com dívidas contraídas por pessoas com vontade e capacidade de honrá-las.

E, claro, empacotar e rotular tudo como dívida boa. Isso equivale a misturar água de esgoto a água filtrada e vender o volume total do líquido como soro fisiológico.

Assim, um título da dívida assinado por um comprador de casa honesto e com bom salário passou a ter o mesmo valor (ou quase, para sermos exatos) de um título de um comprador deliciosamente apelidado de Ninja (no income, no job, no assets), alguém sem salário, sem emprego e sem patrimônio.

A McKinsey mostrou que há menos de vinte anos esse universo financeiro era muito menor e bem menos complexo.

Para um PIB real global de 10 trilhões de dólares em 1980, havia de ativos financeiros no planeta cerca de 12 trilhões de dólares. Em 2006, enquanto o PIB real mundial chegava a 48 trilhões de dólares, os ativos financeiros batiam em 170 trilhões de dólares – a maior parte desse valor fabricada com aquela mistura de dívidas boas e dívidas ruins de que se falou acima.

O planeta finanças tornou-se gigantesco e formado por gases tóxicos misturados a gases respiráveis. Não por acaso, a expressão usada pelo secretário Henry Paulson foi "desintoxicar" os balanços dos bancos de modo a identificar as dívidas podres.

O governo americano vai bancar essas dívidas e procurar devolver ao sistema não apenas sua credibilidade, mas sua liquidez, além de, no processo, tentar que essas duas características não andem mais tão separadas.

Com o mundo salvo pela ação do governo americano, tem-se folga para calcular quanto vai custar a operação "desintoxicação" do sistema, imaginar como ele vai funcionar daqui para a frente e refletir sobre que efeitos positivos no mundo real teve a farra financeira.

Comecemos pela última questão. Bolhas destroem riquezas quando estouram, mas também criam, e muitas, quando são infladas. É justamente o caso da bolha que estourou na segunda-feira passada.

Na sua fase de crescimento, essa mesma bolha, esse mesmo sistema tóxico e demonizado da semana passada, foi o que produziu a liquidez mundial capaz de tirar da miséria centenas de milhões de pessoas na China e no Brasil, principalmente. Graças ao sistema financeiro, quase meia centena de países antes estagnados hoje cresce a taxas de 7% ou mais por ano.

O aumento do nível e da qualidade de consumo no Brasil, a economia pujante do país e, por conseqüência, a popularidade recorde do presidente Lula se devem a cabeças brilhantes e maquiavélicas de Wall Street que inventaram esses gigantescos instrumentos de liquidez mundial.

Por esse prisma, é uma pena que a bolha tenha estourado. Limpar a bagunça vai custar cerca de 1 a 2 trilhões de dólares – o mesmo custo de cinco a dez anos de guerra no Iraque. Quem vai pagar? O contribuinte americano.

Mas boa parte disso será recuperada pelo Tesouro americano no mercado – e, a se fiar em operações salvadoras anteriores, com lucro. Finalmente, como vai funcionar o sistema daqui para a frente? Será menor, sem dúvida. No começo, com mais cautela e mais regulação.

Depois, ninguém sabe. Com a palavra, Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, o banco central americano: "Se um banco concede um empréstimo sem saber se o cliente pode pagar, quem vai saber? O governo? Impossível".

Depois da farra



O americano Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, sugere quatro ajustes para evitar que os mercados produzam novas bolhas de irracionalidade financeira.

Seu ensaio "Dinheiro, ganância, tecnologia" foi publicado no Braudel Papers, jornal do instituto, acessível no site www.braudel.org.br.

Qual é o papel dos governos nessa crise?

Os bancos centrais precisam eliminar os juros negativos, para refrear o excesso de demanda e parar a inflação. Segundo indicadores financeiros publicados semanalmente pela The Economist, 24 de 41 países listados mantêm taxas de juros negativas, liderados pelos Estados Unidos, Japão, China, Índia, Rússia, Chile e Arábia Saudita.

Cinqüenta países já têm inflação anual acima de 10%. A eliminação dos juros negativos pode ser politicamente difícil para as nações individualmente, mas uma ação coletiva e cuidadosamente explicada de vários governos e bancos centrais a facilitaria.

E as taxas de câmbio?

As taxas de câmbio subvalorizadas têm de ser eliminadas. Se as taxas de juros se tornassem positivas, as taxas de câmbio subvalorizadas subiriam para níveis mais realistas, reduzindo as distorções no comércio mundial e nos fluxos financeiros e refreando a escalada da inflação mundial.

Apesar da valorização recente, a taxa de câmbio da China ainda estaria entre um terço e metade abaixo do que seria necessário para o equilíbrio com seus parceiros comerciais. Outros exportadores asiáticos relutam em elevar seus juros, temendo perder competitividade se a China não agir primeiro.

Como regular o mercado financeiro?

É preciso livrá-lo de atividades perigosas e frívolas, como a securitização irresponsável e a proliferação cancerosa de derivativos exóticos.

Os contratos de derivativos que podem ser implementados devem ser limitados a instrumentos padronizados, comercializados em bolsas de compensação reconhecidas que assumam a responsabilidade pela execução final dos contratos.

O que os governos dos países afetados pela crise devem fazer?

Respondendo às adversidades econômicas, os governos deveriam lançar programas de modernização da infra-estrutura comparáveis ao New Deal de Roosevelt nos anos 30, para consolidar a estabilidade política no momento em que os tempos difíceis se aproximam, mostrando preocupação com os setores que enfrentam adversidade e projetando esperança para o futuro.

O New Deal não foi capaz de pôr fim à Grande Depressão, mas seus projetos de obras públicas ajudaram a sustentar o sistema político. As grandes economias, como Estados Unidos, Brasil, Rússia e Índia, e muitas menores também, precisam urgentemente de melhorias em infra-estrutura.


Claudio de Moura Castro

Quem entendeu a nova avaliação do ensino?

"Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa"

Um médico que ficasse sabendo que seu paciente tem 88 batidas cardíacas por minuto, 39 graus de febre e um índice de 380 de colesterol teria os elementos iniciais para fazer um diagnóstico. Imaginemos agora que somássemos esses três índices e mostrássemos apenas o total. Seria um número sem sentido.

É tal espécie de soma que o MEC acaba de fazer, com o seu novo indicador de qualidade dos cursos superiores, o Conceito Preliminar de Avaliação. Ao somar três indicadores, deixa o público igualzinho ao médico do parágrafo acima.

Pior, junta conceitos individualmente pouco conhecidos. Como o professor Simon Schwartzman havia partido antes na empreitada de entender essa química, juntei-me a ele na preparação do presente ensaio.

O primeiro número levantado pelo MEC é baseado em prova aplicada a uma amostra de alunos de cada curso. É o Enade (a nova versão do Provão), que mede quanto os alunos sabem ao se formar.

É um conceito tão simples e poderoso quanto o resultado de um jogo de futebol. Só que não podemos comparar profissões, como faz o MEC, pois a dificuldade das provas não é a mesma. Se o Grêmio ganhou do Cruzeiro, isso não significa que é melhor do que o Real Madrid que perdeu do Chelsea.

Ademais, o MEC introduziu um complicador. Soma aos resultados da prova aplicada aos formandos a nota dos calouros na mesma prova.

Ou seja, premia o curso superior que atrai os melhores alunos (a maioria deles oriunda de escolas médias privadas). Portanto, soma a contribuição do curso superior à do médio.

Em uma pesquisa de que participei, 80% do resultado do Provão se devia à qualidade dos alunos aprovados no vestibular. Assim sendo, ele favorece as universidades públicas, pois sendo gratuitas atraem os melhores candidatos.

Ilustração Atômica Studio

O segundo ingrediente do teste é o Índice de Diferença de Desempenho (IDD). O Enade mostra quais cursos produzem os melhores alunos.

Contudo, um desempenho excelente pode resultar apenas de haver recebido alunos mais bem preparados. Em contraste, o IDD mede a contribuição líquida do curso superior.

A idéia é boa. Em termos simplificados, calouros e formandos fazem a mesma prova. Subtraindo das notas dos formandos a nota dos calouros, captura-se o conhecimento que o curso "adicionou" aos alunos.

Portanto, mede a capacidade do curso para puxar os alunos para cima, ainda que não consigam atingir níveis altos. É o que faltava na avaliação. Exemplo: na Farmácia temos uma escola com 5 no Enade e 2 no IDD.

Temos outra com 2 no Enade e 5 no IDD. Embora a média seja a mesma, esconde mundos diferentes. A primeira forma os melhores profissionais, porque recruta bem, mas ensina pouco. A segunda produz alunos medíocres, mas oferece muito a eles. Cada indicador tem seu uso.

Finalmente, há o terceiro elemento, o Índice de Insumos. Trata-se de uma lista de descrições do processo de ensino, incluindo o número de doutores, docentes em tempo integral e outros.

Pensemos no famoso Guia Michelin, que dá estrelas aos restaurantes franceses. O visitador vai anônimo ao restaurante e atribui estrelas se a comida e o ambiente forem muito bons.

Jamais ocorreria pôr ou tirar estrelas por conta da marca do fogão, dos horários dos cozinheiros ou do número de livros de culinária disponíveis. Depois que a comida foi provada, nada disso interessa – exceto para algum consultor da área. Para escolher um restaurante, só interessam as estrelas, refletindo a qualidade da sua mesa.

A avaliação da excelência de um curso é como as estrelas do Michelin. Para o público, conhecidos os resultados, os meios ou processos se tornam irrelevantes. Se o aluno aprendeu, não interessa como nem com quem – a não ser aos especialistas.

Mas há outras tolices. Um curso de filosofia em que todos os professores são doutores em tempo integral pode ser ótimo. Mas seria medíocre um curso de engenharia, arquitetura ou direito em que isso acontecesse, pois as profissões estariam sendo ensinadas por quem não as pratica.

Esse curso ganha pontos pelo perfil dos docentes, justamente quando deveria perdê-los. Há outros desacertos técnicos que não cabe aqui comentar.

Mas, como dito, a falha mais lastimável é a decisão de somar três indicadores que mal sabemos como interpretar individualmente. Louvemos a coragem do MEC de gerar e divulgar avaliações. Mas nos parece inapropriado entregar ao público uma medida tão confusa.

Claudio de Moura Castro é economista (claudio&moura&castro@cmcastro.com.br)

Roseli Loturco

O risco do subprime brasileiro

O crédito para a compra de carros tem sistema similar ao que originou a crise nos EUA

HORA DE FREAR?

Pátio da fábrica da Renault, em Curitiba. Longos financiamentos têm ajudado a manter as vendas em altaEm novembro de 2006, a nutricionista Laís Leiros Barone, com 23 anos, comprou seu primeiro automóvel.

Fez e refez as contas e concluiu que conseguiria pagar os R$ 560 por mês do financiamento, durante 48 meses, para ter seu Corsa Wind 1.0. Era mais de um terço de seu salário, mas Laís, casada e mãe de uma criança de 3 anos, se dispôs ao esforço.

Um ano e meio depois, o marido perdeu o emprego. “Não teve jeito. Vendi o carro por R$ 500 e passei a dívida para a frente. Perdi tudo o que já havia pago.” Há dois meses, Laís pegou outro financiamento. “Hoje estou pagando por mês R$ 502 por um Gol 1.0, ano 2001.”

Luciana Maria Dualibi tem uma situação parecida. Comprou um Corsa 1.0 em maio, financiado em 48 meses. Em suas contas, o que importava não era o valor total do carro, e sim se as mensalidades cabiam em seu bolso.

Cabiam. Mas o carro foi roubado três dias depois da compra. “Hoje ando com um Furgão velho para quebrar um galho até conseguir comprar outro carro”, diz.

Laís e Luciana não estão sozinhas. Só neste ano, até julho, foram financiados R$ 133 bilhões para a compra de carros. Esse tipo de crédito ajudou o setor automobilístico a faturar R$ 71,4 bilhões em 2007 – um quinto da receita de toda a indústria e 5,4% de toda a riqueza produzida no país no ano passado.

Só há um pequeno problema: esses créditos estão sendo vistos por especialistas como um modelo simplificado de subprime, o crédito de alto risco que levou ao colapso o sistema de hipotecas nos Estados Unidos e detonou a atual crise financeira mundial.

A primeira a dar o alerta foi a consultoria americana A.T. Kearney, há pouco mais de dois meses. Ela afirmou que a expansão do crédito passou a incluir consumidores com menos condições de honrar seus compromissos. Na maioria das vezes, isso não é um problema.

O próprio bem comprado a crédito funciona como garantia. Se o comprador não consegue pagar, o vendedor retoma o bem e o revende.

Mas essa lógica deixou de funcionar com os carros brasileiros pelo mesmo motivo que nas hipotecas americanas: com prazos de financiamentos muito longos, o bem perde seu valor de mercado e já não serve de garantia.

A expansão do crédito inclui consumidores com menos condições de honrar seus compromissos

No caso dos carros, um ano após a compra ele vale, em média, 78% do preço original. “Em cinco anos, o valor cai a menos da metade”, afirma Silvana Machado, vice-presidente de Prática de Serviços Financeiros da A.T. Kearney no Brasil.

A expansão do mercado tem ocorrido justamente com o aumento do prazo. Só assim as prestações mensais baixam para dar possibilidade de compra a quem antes não conseguia.

Em 2003, os prazos de financiamento oscilavam entre 24 e 36 meses. Hoje, o padrão são 60 meses. Financeiras mais ousadas fazem contratos de 72 até 99 meses. Com o alongamento das dívidas, o volume de financiamentos quase quadruplicou.

Esse modelo de aumentar as vendas com apoio de financiamentos faz sentido num ambiente de crescimento, como o que o país tem vivido nos últimos anos.

Uma economia que cresce a taxas próximas de 5% ao ano oferece mais oportunidades de emprego e aumento de salário para seus cidadãos. Isso garante que casos como o de Laís e Luciana, que tiveram problemas com sua dívida, sejam exceções, não uma tendência.

A armadilha é que, tal como aconteceu no subprime americano, a sanidade do mercado passa a depender de um único cenário econômico. Lá, a valorização imobiliária constante; aqui, o crescimento econômico constante.

Nos Estados Unidos, a bolha imobiliária estourou. Aqui, o crescimento econômico ainda garante os negócios. Mas a previsão dos economistas, agora, é que dificilmente o Brasil manterá seu crescimento no mesmo patamar. Fala-se em 3,5% do PIB, em vez de 5%.

Mesmo sem esse impacto negativo, a inadimplência no mercado automobilístico já tem crescido. Passou de 3,22% para 3,68% nos últimos 12 meses, até julho. Se o nível do calote crescer muito, poderá afetar a capacidade das financeiras de emprestar.

O resultado seria menos vendas e crescimento menor na indústria automotiva e no setor de autopeças, que afetam a economia como um todo.

Não é o mesmo efeito da crise das hipotecas nos Estados Unidos, porque lá os créditos imobiliários estavam espalhados por todo o sistema financeiro. No Brasil, o problema é mais localizado. Mas nem por isso deixa de ser preocupante.

De certa forma, as correções já começaram a ser feitas. As ações do Banco Central contra a inflação têm um efeito no mercado de carros.

A elevação das taxas de juro e a criação de novos impostos sobre operações financeiras ajudam a conter a alta acelerada do crédito. Também as financiadoras começam a se precaver: os prazos de pagamento caíram um pouco. O teto tem sido 72 meses para financiar o carro – ainda considerado alto pelos analistas de risco.

Os bancos começaram a limitar a concessão de crédito para quem prova que ganha de quatro a cinco vezes mais que o valor da prestação. Até pouco tempo atrás, aceitava-se que o candidato comprometesse 30% de sua renda com a prestação.

“Os bancos devem se preparar e fazer a lição de casa para evitar riscos. Alguns já estão fazendo”, diz Rafael Guedes, diretor-executivo da Fitch Ratings, uma agência de classificação de riscos, no Brasil.

O mesmo aviso faz o diretor-executivo para mercados emergentes do banco WetLB, Ricardo Amorim.

“Cuidado com os prazos muito longos, pois a garantia oferecida (o carro) é inexistente”, afirma. “É bom corrigir possíveis vícios agora, enquanto essa carteira ainda não representa risco sistêmico.”


20 de setembro de 2008
N° 15732 - NILSON SOUZA


O piazinho

O ladrão de Passo Fundo roubou a cena esta semana. Depois de furtar um carro na madrugada do Planalto Médio e de rodar alguns quilômetros com o veículo, o homem se deu conta de que havia um menino de cinco anos dormindo no banco de trás.

Ficou furioso. Ligou para a polícia, confessou o crime, comunicou a localização do carro e excomungou o proprietário pela irresponsabilidade de ter deixado uma criança só e desprotegida.

– Eu vou ser bem sincero – disse o amigo do alheio para o policial. – Eu roubei um carro e não vi que tinha um piazinho dentro.

E, na seqüência, mandou um recado ameaçador para o descuidado cidadão:

– Da próxima vez que eu pegar esse auto e estiver o piá lá, eu vou matar ele.

Referia-se ao dono, não ao menino. Quem ouve a gravação da inusitada ocorrência percebe que o meliante refere-se à criança até com certo carinho.

“Piazinho”, diz ele, usando uma expressão bem nossa e bem adequada a estes dias em que celebramos a guerra que nossos antepassados promoveram contra o Brasil imperial.

Fomos derrotados, é verdade, mas conquistamos uma identidade própria que ninguém mais nos tira. E, em bom gauchês, piazinho é mais do que um tratamento descompromissado. Tem um quê de afetividade.

Em sua origem, contam os estudiosos do nosso dialeto, o termo faz parte de uma expressão de ternura com que as índias guaranis tratavam os filhos e as crianças em geral.

Piazinho virou piazito, na conhecida canção campeira que fala do menino condutor de carretas. “Piazito carreteiro, do cusco amigo e companheiro, que nunca teve infância, pois não pôde ser criança porque a vida não deixou”.

E ainda não deixa para muitos deles, seja nos rincões profundos da campanha, seja nas periferias miseráveis das grandes cidades.

Muitas vezes, nossos negligenciados piás sequer têm direito a um sono tranqüilo na madrugada de suas vidas. Mas não ficam completamente desamparados.

Nos momentos difíceis, como acaba de comprovar esta fantástica fábula dos tempos modernos, sempre aparece um Anjo da Guarda Farrapo para vigiar-lhes os sonhos e para arrancar da garganta de seus improváveis algozes expressões surpreendentes como esta:

– Tem um piazinho dormindo no banco de trás!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008



19 de setembro de 2008
N° 15731- LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Do medo e da esperança

Tanto quanto eu saiba – e há dois livros de genealogia atestando – sou descendente de imigrantes portugueses, espanhóis e italianos. Ou seja: de gentes que abandonaram a certeza de suas aldeias e cidades pela absoluta incerteza do Novo Mundo.

Nada disso aconteceu agora: são travessias do oceano de duzentos e tanto a cem anos atrás. Ainda assim leio sobre elas como epopéias, pois construídas do medo e da esperança de pessoas que trocavam vidas previsíveis pelo desafio do desconhecido.

Pois não é que agora venho acompanhando o caminho reverso? Sigo na internet a aventura de jovens brasileiros que vão povoar a Austrália, a Nova Zelândia ou o Canadá.

O que mais me impressiona é a multidão de candidatos. São centenas, são milhares. Nada os intimida, nem mesmo a muralha absurda das exigências burocráticas.

Para alguns desses destinos são requeridos desde o domínio da língua a extensos exames de saúde. Se você for estudar, em certos casos não poderá trabalhar mais do que 20 horas semanais.

Há prazos para tudo, desde a validade de sua carteira de motorista até a extensão de seu contrato de aluguel. E não faltam listas de transgressões – para nós naturais e simples – punidas com a cassação do visto de permanência.

É claro que, apesar dos severos requisitos, ou talvez mesmo por causa deles, aventureiros solitários ou casais teimosos acabam vencendo todas as dificuldades e hoje já nem pensam em retornar ao Brasil. Acharam bons empregos. Moram em apartamentos e casas confortáveis.

São bem pagos e encontram excelentes perspectivas de trabalho. Os filhos falam o idioma da terra. Fizeram amigos entre outros imigrantes ou entre os naturais do país.

Desconhecem o que é o sentimento de violência policial ou social. E se alguém me perguntar onde esse panorama é mais comum eu diria – baseado não mais do que em rápidas leituras – que é no Québec.

Mas se alguém não me perguntar eu ainda assim deixaria aqui o que mais me impressiona nessa busca por céus distantes. É uma simples indagação. O que deu errado no Brasil para tanta gente querer ir embora?

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008



17 de setembro de 2008
N° 15729 - MARTHA MEDEIROS


A falta que faz a abstração

Em 1983 (em outra vida, portanto), eu iniciava carreira como publicitária e consegui marcar um gol importante para me firmar na profissão: criei um comercial para o digestivo Olina em que aparecia um Frankenstein comendo uma farta refeição em seu castelo, e depois tomando o produto para garantir que tudo seria digerido sem esforço.

Só que, ao terminar de tomar o digestivo, ele devorava também o copo que tinha em mãos.

Percebeu a genialidade? Olina era tão eficiente, que você podia até engolir um copo de vidro que tudo bem. Hoje acho essa idéia totalmente estapafúrdia, mas na época fez um sucesso danado e até prêmio o comercial ganhou.

Pois eu estava toda boba com minha “sacada”, quando um dia abro o jornal e leio na primeira página: “Menina morde copo imitando propaganda e vai parar no pronto-socorro”. Era só o que me faltava.

Eu queria esganar a guria: nunca ouviu falar em efeito especial? (o “efeito especial”: o copo tinha sido feito com uma geléia endurecida). E de mais a mais: Frankenstein lá existe? Fiquei possessa. Claro, estava com medo de ir para a cadeia.

Não é comum, mas acontece: alguém salta da janela crente que é o Super-Homem ou dispara contra estudantes porque viu fazerem isso num jogo de computador. Dã.

Recentemente, um rapaz produziu notas falsas de dinheiro dizendo que havia se inspirado no filme O Homem que Copiava, de Jorge Furtado. E aí fica a pergunta no ar: qual a responsabilidade dos criadores frente às atitudes de quem consome suas obras?

A resposta deveria ser: nenhuma. Se alguém não sabe abstrair, tem que nascer de novo e começar do zero. O problema é que muita gente, em vez de refletir sobre o que vê, simplesmente imita o que vê, e aí saem a dirigir feito loucos, como num filme de ação, ou se comportam de forma vulgar, a exemplo de alguma personagem de novela.

Absorver o mundo de forma literal é falta de cultura e de inteligência.

Uma criança sabe que não pode voar, que não pode escalar paredes e que não pode mastigar copos de vidro. Já tem alguma noção do que é realidade e do que é fantasia, já sabe que dragões e duendes não existem, já descobriu que ninguém na sua família e na escolinha tem superpoderes.

Se ela ainda confunde esses universos, é porque não teve acesso ao mundo espetacular da arte e do nonsense, que serve justamente para a gente abstrair. E seguirá confundida pela vida afora.

Nessa sociedade high-tech e imediatista, muitos se perguntam: para que serve a leitura? Pois é, pra quê? Tem tanto CD-ROM estimulante, tanto programa sexy e violento, tanta facilidade de aventura nas ruas da cidade, tanta besteira aceita como cultura, pra que ler?

Literatura talvez não tenha mais serventia nenhuma, a não ser para evitar o surgimento de gente tola.

Levar tudo literalmente a sério é um sintoma gravíssimo da falta de imaginação, da falta de raciocínio e da robotização de uma galera que não sabe mais pensar.

Ótima quarta-feira a você - Aproveite o Dia Internacional do sofá.

sábado, 13 de setembro de 2008



14 de setembro de 2008
N° 15726 - MARTHA MEDEIROS


O sempre no nunca

Vivemos num mundo de variados prazeres mundanos, sensoriais, transcendentais, mas poucos são tão valiosos quanto ler um livro bom. O que vem a ser tal coisa?

Cada um tem seu conceito sobre livro bom. Os meus livros bons são aqueles em que eu não consigo parar de sublinhar trechos. É aquele que me faz ter vontade de voltar logo pra casa e me enfiar na cama com ele. É o livro que já começa a me dar saudades antes mesmo de acabá-lo.

E quando termino, em vez de pegar outro, quero começar a lê-lo outra vez. Fantasma Sai de Cena, de Philip Roth, não foi pra mim um livro bom, foi fora de série.

O que escolher para ler em seguida e não deixar o êxtase se esvair? Peguei A Elegância do Ouriço, da francesa Muriel Barbery. Não chega a ser um Roth, mas é um livro especial.

Duas narradoras que moram num mesmo prédio elegante de Paris: uma é a zeladora, que é culta, mas para os inquilinos se faz de ignorante, porque é isso que os esnobes que moram lá esperam de uma zeladora (são impagáveis os momentos em que ela se esforça para falar errado de propósito,

pra não dar pinta da sua erudição), e a outra é uma espertíssima menina de 12 anos, filha de um deputado e de uma dondoca, e que despreza o universo fútil em que vive.

Em algum momento, claro, essas duas avis raras que habitam o mesmo endereço francês irão se cruzar, mas, até lá, nos oferecem uma narrativa deliciosa, cada qual na sua. Quando finalmente se encontram na história, bom, aí fazem a festa do leitor.

É um livro filosófico, inteligente e engraçado. Desconstrói certas verdades estabelecidas e, de lambuja, ainda reserva um pouco de poesia nas últimas páginas.

Ou muita poesia. Diante da dor dilacerante, o que buscar? O belo. Diante do impossível, diante de uma vida inútil, diante daquilo que não aconteceu nem acontecerá, o que nos compensará?

Um único instante sublime. Em todo “não”, há um filete de “sim”. Em toda descrença, há uma possibilidade de certeza. É o que a autora chama, no livro, de “o sempre no nunca”.

Basta a lembrança de um piano que tocava em determinado momento de angústia, basta um pedaço de pano colorido que se destacou na hora de reunir as roupas de um morto, basta uma frase especial de uma amiga quando a noite prometia ser um suplício, e a nossa desilusão eterna se atenua.

Para a maioria das pessoas, os dias correm e parece que os sonhos nunca se realizarão. Nunca.

Mas em meio a esse nunca, há de ter um pedacinho afetivo de sempre. Aquela lembrança, aquela foto, aquela música, aquele instante que ficou alheio ao tempo, imortal.

O sempre no nunca. Há em tudo, basta um pouco de doçura para reconhecê-lo.

Giuliano Guandalini

As defesas da supereconomia

O Brasil resiste de maneira inédita aos choques da crise externa e festeja o aumento do crescimento e o recorde nos investimentos



Desde que eclodiu, há um ano, a crise dos mercados financeiros freou a atividade econômica nos países ricos e contagiou as bolsas em todo o planeta. A despeito dessa tormenta, no entanto, a economia brasileira segue inabalável.

De acordo com números divulgados na semana passada, o PIB (produto interno bruto, soma de todas as mercadorias e serviços produzidos pelo país) cresceu num ritmo forte de 6,1% no segundo trimestre deste ano.

O país, assim, deve completar dois anos consecutivos com aumento do PIB acima de 5%, o que não ocorria havia mais de duas décadas.

O que é melhor: o crescimento foi puxado por um avanço recorde de 16,2% nos investimentos produtivos, ou seja, está-se diante de um crescimento sadio e, ao que tudo indica, sustentável.

Como o país prospera em meio à turbulência dos mercados mundiais? São várias as razões. Uma delas, como mostra a Carta ao Leitor desta edição, é a ascensão de 20 milhões de novos consumidores no Brasil. Esse contingente veio das classes D e E e atingiu os níveis de consumo de classe média, mesmo que ainda nos primeiros degraus.

Eles não emergiram por motivos fortuitos. O país teve de arrumar a casa antes. Desde 1994, a economia foi se cercando de escudos protetores que lhe permitem hoje navegar com mais segurança e capacidade em momentos de tormenta externa, como agora.

Pois é essa imunidade ao contágio externo, ainda que imperfeita e não testada em situações de gravidade máxima, que permite ao Brasil comemorar recordes de investimentos e de consumo privado, a despeito da crise nas bolsas do mundo – com reflexo no nosso próprio mercado acionário. Alguns desses escudos são amplamente conhecidos.

Entre eles, a manutenção de políticas econômicas previsíveis e responsáveis há mais de uma década. O país beneficia-se do fato de ter aderido ao que se faz de mais sensato no mundo, em termos de condução da política econômica.

Ricardo Stuckert/PR

O AÇÚCAR DO PRÉ-SAL

O presidente Lula e a ministra Dilma dão largada à exploração das novas reservas de petróleo: mais dólares para o país

O pilar dessa política é a defesa constante do poder de compra da moeda, por meio do combate à inflação e do controle do déficit público. Outro escudo fundamental, menos conhecido, porém, dá a maleabilidade necessária para que a economia possa se auto-ajustar diante das intempéries. Esse mecanismo é o câmbio flexível.

Quando os preços do petróleo e de outras commodities começaram a subir rapidamente nos mercados internacionais, o dólar perdeu valor no Brasil. A queda da moeda americana torna os produtos importados mais baratos, contribuindo, assim, para o combate à inflação.

Por outro lado, quando as importações começam a crescer de maneira excessiva, o dólar volta a ganhar valor, desestimulando um avanço ainda maior das compras externas e incentivando as exportações.

Esse mecanismo de auto-ajuste permitiu ao país livrar-se de seu histórico desequilíbrio nas contas externas. Favorecido pela demanda internacional por alimentos e minérios – e beneficiado pela sua competência na produção dessas mercadorias –, o país tem batido recordes atrás de recordes em suas exportações.

Os dólares obtidos pela balança comercial foram guardados e depositados nas reservas internacionais. Essa poupança externa supera atualmente 200 bilhões de dólares.

São recursos suficientes para honrar todos os débitos internacionais do país e, graças a eles, o Brasil deixou de ser devedor para ser credor externo. Contra essa couraça protetora, o ataque dos especuladores tem poder de fogo reduzido.

Nos números do PIB divulgados na semana passada, dois setores aparecem com destaque: o financeiro e o imobiliário. Diz o economista Sérgio Vale, da consultoria MB Associados: "Ambos refletem os avanços institucionais e legais alcançados nos últimos vinte anos e que, agora, começam a dar resultados".

O setor imobiliário é um bom exemplo disso. Antigamente, os bancos enfrentavam obstáculos para reassumir imóveis de clientes inadimplentes.

A lei anterior, supostamente destinada a proteger os mutuários, fez com que, na prática, os bancos parassem de financiar a compra de residências. Com o fim desse obstáculo e a diminuição nas taxas de juros, os empréstimos deslancharam – houve um crescimento de 59% no primeiro semestre do ano.

Houve ainda outras reformas importantes, ainda que executadas pela metade, que também ajudaram no aumento da produtividade da economia. "Sem a abertura econômica e as privatizações, não estaríamos nesse novo patamar de crescimento", conclui Vale.

Leo Feltran

PILAR DO MERCADO

Construção residencial no litoral de São Paulo: em crise nos EUA, os setores imobiliário e de crédito lideram o crescimento do PIB brasileiro

Uma reportagem nesta edição de VEJA mostra que, graças à economia aberta e à estabilidade, o Chile terá padrão de renda de Primeiro Mundo em 2020.

O Brasil, que só deverá chegar lá em 35 anos, poderá encurtar esse tempo pela metade se mantiver o ritmo de elevação da riqueza verificado no primeiro semestre. Isso é possível? Sim, desde que o país enfrente seus fantasmas remanescentes.

Segundo o economista Alexandre Marinis, diretor da consultoria Mosaico Economia e Política, o gigantismo do estado ainda joga contra. "Os investimentos privados deveriam se somar àqueles feitos pelo setor público, mas não é o que vem ocorrendo.

O governo tem privilegiado outras despesas, como a contratação de servidores e o aumento salarial do funcionalismo. Deveríamos ter o estado parceiro do crescimento, mas ele tem sido um obstáculo."

A redução dos gastos da manutenção da máquina pública seria essencial para ajudar a conter a inflação e, assim, evitar que o Banco Central (BC) suba ainda mais a taxa básica de juros, a Selic.

"Como o governo não faz sua parte, o BC terá de elevar os juros um pouco mais, e assim conter o excesso de demanda", afirma o economista Alexandre Schwartsman (leia no quadro abaixo).

Nesse ambiente interno favorável, de forte crescimento e retomada dos investimentos, a queda recente na Bovespa deve ser entendida, fundamentalmente, como um fenômeno importado, decorrente da crise no centro do capitalismo mundial e de um reequilíbrio no valor dos investimentos.

Os bancos e fundos de investimento europeus e americanos têm registrado perdas bilionárias. Para taparem o rombo em sua contabilidade, essas instituições financeiras vendem parte dos ativos lucrativos de que dispõem – incluídas aí as ações das empresas brasileiras.

Além disso, como observa o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, as commodities haviam se valorizado excessivamente, o que inflou o preço das ações de empresas brasileiras do setor. Agora esse fenômeno passa por um ajuste.

Afirma Mendonça de Barros: "Vivemos hoje a ruptura de uma nova bolha, representada pelas aplicações financeiras em ações de países emergentes, entre eles o Brasil".

Na avaliação de Alexandre Póvoa, diretor da firma de investimentos Modal Asset Management, após a queda dos últimos dias, há muitas ações com preços atraentes. "Mas o investidor brasileiro, sozinho, não consegue sustentar a bolsa", diz Póvoa.

"Enquanto os estrangeiros não voltarem a comprar ações brasileiras, dificilmente a Bovespa voltará ao pico de alta registrado em maio passado." E quando isso ocorrerá? Ninguém sabe ao certo.

Pick Imagem

INFERNO BUROCRÁTICO

Funcionários da área tributária da fábrica de pães Wickbold: a dura tarefa de lidar com o pagamento de dezessete tributos

Olhando à frente, o Brasil conta com uma grande oportunidade (as reservas de petróleo do pré-sal), um desafio (retomar as reformas) e uma vulnerabilidade (a gastança do setor público).

Na semana passada, a Petrobras informou que o Campo de Iara, na Bacia de Santos, possui até 4 bilhões de barris de petróleo. Somados aos estimados 8 bilhões de Tupi, apenas essas duas jazidas guardam o potencial de praticamente dobrar as reservas conhecidas do país – hoje em 13 bilhões.

A expectativa é que, a partir de 2012, o país passe a ser um grande exportador de petróleo e derivados. Isso é importante porque reforçará ainda mais as reservas em moeda forte do país, ao mesmo tempo em que atrairá uma nova onda de investimentos – isso, lógico, desde que a exploração seja feita de maneira inteligente e transparente.

O grande desafio para o Brasil nos próximos anos será acelerar as reformas, como a melhora na educação e a racionalização do sistema tributário. Esses avanços são necessários para assegurar os ganhos de produtividade.

A grande vulnerabilidade que paira sobre a economia nacional é a gastança pública. Se, de um lado, o país soube poupar os dólares obtidos com o aumento das exportações, por outro gastou cada centavo arrecadado a mais com o aumento da carga tributária ocorrido na última década.

O governo federal tem concedido ao funcionalismo os maiores reajustes reais de que se tem notícia na história republicana, além de ter contratado mais de 200 000 servidores nos últimos cinco anos. É uma conta pesada, que será deixada para o próximo governo.

O avanço dessas despesas impede que a dívida pública diminua mais rápido, o que permitiria juros mais baixos, e exige que a arrecadação tributária permaneça em alta.

Essa receita venenosa pode não ser suficiente para aniquilar a pujança econômica – nem mesmo nesse momento de elevado pessimismo internacional –, mas impede o país de acelerar a velocidade e alçar vôos mais altos, estreitando mais rapidamente o fosso que ainda o separa das nações desenvolvidas.

Lya Luft

Setenta anos, por que não?

"Hoje em dia, fazer 70 anos é uma banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer aquela festona nos 80"

Acho essa coisa da idade fascinante: tem a ver com o modo como lidamos com a vida. Se a gente a considera uma ladeira que desce a partir da primeira ruga, ou do começo de barriguinha, então viver é de certa forma uma desgraceira que acaba na morte.

Desse ponto de vista, a vida passa a ser uma doença crônica de prognóstico sombrio. Nessa festa sem graça, quem fica animado? Quem não se amargura?

O tempo me intriga, como tantas coisas, desde quando eu tinha uns 5 anos. Quando esta coluna for publicada, mais ou menos por aqueles dias, estarei fazendo 70. Primeiro, há meses, pensei numa grande festa, eu que sou avessa a badalações e gosto de grupos bem pequenos.

Mas pensei, bem, 70 vale a pena! Aos poucos fui percebendo que hoje em dia fazer 70 anos é uma banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer aquela festona nos 80. Ou 90.

Ilustração Atômica Studio

Pois se minhas avós eram damas idosas aos 50, sempre de livro na mão lendo na poltrona junto à janela, com vestidos discretíssimos, pretos de florzinha branca (ou, em horas mais festivas, minúsculas flores ou bolinhas coloridas),

hoje aos 70 estamos fazendo projetos, viajando (pode ser simplesmente à cidade vizinha para visitar uma amiga), indo ao teatro e ao cinema, indo a restaurante (pode ser o de quilo, ali na esquina), eventualmente namorando ou casando de novo.

Ou dando risada à toa com os netos, e fazendo uma excursão com os filhos. Tudo isso sem esquecer a universidade, ou aprender a ler, ou visitar pela primeira vez uma galeria de arte, ou comer sorvete na calçada batendo papo com alguma nova amiga.

Outro dia minha neta de quase 10 anos me disse: "Você é a pessoa mais divertida que conheço, é a única avó do mundo que sai para comprar mamão e volta com um buldogue". Era verdade.

Se sou tão divertida não sei, mas gosto que me vejam não como a chata que se queixa, reclama e cobra, mas como aquela que de verdade vai comprar a fruta de que o marido mais gosta, anda com vontade de ter de novo um cachorro e entra na loja quase ao lado do mercado.

Por um acaso singular, pois não são cachorros muito comuns, ali há um filhotinho de buldogue inglês que voltou comigo para casa em lugar da fruta. Foi batizada de Emily e virou mais uma alegria.

E por que não?

Por que a passagem do tempo deveria nos tornar mais rígidas, mais chatas, mais queixosas, mais intolerantes, espantalhos dos afetos e da alegria?

"Why be normal?", dizia o adesivo que amigos meus mandaram fazer há muitos anos para colocarmos em nossos carros só pela diversão, pois no fundo não queria dizer nada além disso:

em nossas vidas atribuladas, cheias de compromissos, trabalho, pouco dinheiro, cada um com seus ônus e bônus, a gente podia cometer essa transgressão tão inocente e engraçada, de ter aquele adesivo no carro.

Não precisamos ser tão incrivelmente sérios, cobrar tanto de nós, dos outros e da vida, críticos o tempo todo, vendo só o lado mais feio do mundo. Das pessoas.

Da própria família. Dos amigos. Se formos os eternos acusadores, acabaremos com um gosto amargo na boca: o amargor de nossas próprias palavras e sentimentos.

Se não soubermos rir, se tivermos desaprendido como dar uma boa risada, ficaremos com a cara hirta das máscaras das cirurgias exageradas, dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a "beleza".

A alma tem suas dores, e para se curar necessita de projetos e afetos. Precisa acreditar em alguma coisa.

O projeto pode ser comprar um vaso de flor e botar na janela ou na mesa, para contemplarmos beleza.

Pode ser o telefonema para o velho amigo enfermo. Pode ser a reconciliação com o filho que nos magoou, ou com o pai que relegamos, quando não nos podia mais sustentar.

O afeto pode incluir uma pequena buldogue chamada Emily, para alegrar ainda mais a casa, as pessoas, sobretudo as crianças, que estão sempre por aqui, o maior presente de uma vida de apenas 70 anos.

Lya Luft é escritora


Por que é preciso fazer as reformas

As mudanças estruturais no sistema de impostos e da Previdência são essenciais para corrigir os erros dos constituintes – e para quebrar as amarras que limitam o crescimento da economia brasileira
Murilo Ramos

SEM ESTRUTURA

Uma rodovia federal no Pará (à esq.) e um trecho da Ferrovia Norte–Sul, no Maranhão, que foi projetada há 20 anos e ainda não está pronta. Apesar da arrecadação maior, o Estado não tem como investir em infra-estrutura



Um ano antes de a Constituição ser promulgada, o economista e ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen estava preocupado.

Num artigo memorável, construído à base de erudição, críticas irônicas e idéias lógicas, expressou o temor de que o texto então em elaboração pelos parlamentares pudesse comprometer o futuro do Brasil. Simonsen vislumbrava que a futura Constituição confiaria ao governo o papel de grande provedor da nação.

“É precisamente na preservação desse sistema de favores, pelo qual o Congresso finge acreditar na possibilidade de o Estado resolver todos os problemas nacionais, que está o mais sério risco para o país”, escreveu. Simonsen dizia que o Brasil andava na direção errada. Para nosso azar, estava certo.

Os receios de Simonsen se confirmaram no decorrer das últimas duas décadas. Se deu um passo fundamental para estabelecer direitos e lançar as bases da necessidade de investimentos na área social, a Constituição de 1988 colocou um peso financeiro insuportável sobre o Estado brasileiro.

Por causa das obrigações de gastos sociais criadas pela Constituição, as despesas do governo – sem contar o pagamento de juros – passaram de 14% para 24% do PIB entre 1991 e 2006. No mesmo período, os gastos sociais cresceram de 6,3% para 14% do PIB.

A Previdência Social é um caso exemplar da prodigalidade dos constituintes. Na ânsia de ampliar os direitos sociais, eles puseram no texto não só o direito à aposentadoria até mesmo para quem não contribuíra, como estabeleceram que as aposentadorias seriam reajustadas junto com o salário mínimo.

Resultado: o Brasil, país de população jovem, gasta cerca de 12% do PIB com despesas previdenciárias, padrão similar ao de países de população bem mais velha, como a Alemanha. Em dez anos, o déficit previdenciário somou quase meio trilhão de reais.

“Fizemos as escolhas erradas. Em vez de ensinar a pescar, demos o peixe a todos, sem distinção”, afirma o economista Fábio Giambiagi, diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Ele é autor do livro As Raízes do Atraso, uma crítica arrasadora dos efeitos das políticas sociais introduzidas a partir de 1988 e das opções econômicas feitas pelo Brasil. “Nos próximos 50 anos, os historiadores vão julgar a Constituição de 1988 com extrema severidade”, diz.

Não por acaso, foi a partir da Constituição que o governo começou a correr em busca de mais dinheiro para bancar suas obrigações. A carga tributária, que estava na casa dos 20% do PIB em 1988, começou a subir. Hoje está em 37% do PIB, um dos níveis mais altos do mundo.

O problema é tão agudo que a Associação Comercial de São Paulo criou até mesmo um contador de impostos, o Impostômetro. É uma espécie de relógio, exposto no centro de São Paulo, que conta, em tempo real, a entrada de reais nos cofres do governo.

PREMONIÇÃO

Simonsen, um ano antes da promulgação da Constituição, previu seus efeitos desastrosos para a economiaA alta arrecadação reduz a capacidade de investimentos das empresas e enche os cofres do governo. Mas não tem sido suficiente para bancar os investimentos necessários para elevar o padrão da precaríssima infra-estrutura brasileira.

De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), de cada 10 quilômetros de estradas, 3 são ruins ou péssimos. Isso produz custos maiores no transporte – que são repassados aos preços – e prejuízos. Só na safra agrícola, o desperdício em virtude de perdas no escoamento é de R$ 4 bilhões por ano.

O Brasil caiu numa armadilha: não tem dinheiro para investir em infra-estrutura, – condição necessária para um crescimento maior e para reduzir a pobreza – justamente porque gasta em benefícios sociais para aliviar os efeitos dessa pobreza.

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, a Constituição de 1988 refletiu o desejo da sociedade brasileira em reparar dívidas sociais antigas, assunto preterido pelos governos militares enquanto estiveram no poder. “O modelo adotado foi o aumento da arrecadação para financiar os gastos públicos”, afirma Velloso.

Essa opção, segundo ele, explica as taxas de crescimento medíocres, não superiores a 3%, nos anos posteriores à publicação da Constituição. “Foi uma opção diferente da chinesa. Em 30 anos, a partir de 1978, a economia da China cresceu quatro vezes”, diz ele.

Os princípios econômicos básicos não foram levados em conta na elaboração do texto constitucional. Além dos gastos criados sem pensar nas receitas, a Constituição foi publicada com artigos irreais.

Um deles fixava um limite de 12% ao ano para os juros – algo incompatível com a realidade de uma economia de mercado.

Se fosse seguido à risca, todos os últimos presidentes do Banco Central deveriam ser presos. Na prática, o país ignorou a determinação por meio de uma interpretação jurídica peculiar do texto constitucional.

Willian Andrade/TV Globo - Publicidade - da Folha Online

Sandy se casa com vestido de renda branco "envelhecido" e véu cobrindo os olhos

A cantora Sandy casou-se hoje com o violinista Lucas Lima, em Campinas, em uma cerimônia fechada para cerca de 250 convidados, sem presença da imprensa. A noiva usou um vestido off-white, uma espécie de branco "envelhecido", feito de uma mistura de rendas.

Sandy se casou nesta sexta com o músico Lucas Lima em Campinas

Abaixo do corpo do vestido, uma saia de renda com leve volume. Atrás, uma cauda que toca o chão, com camadas sobrepostas de tecido leve, com transparência.

O vestido foi desenhado pela estilista Emannuelle Junqueira.

Na cabeça, Sandy usou apliques de renda e um véu de tule cobrindo os olhos. Nos cabelos, mechas claras.

A mãe de Sandy, Noelly, usou um vestido em seda dourada com detalhes em vermelho rubi. A mãe do noivo estava com vestido azul royal com bordados no mesmo tom e detalhes com brilho.

Durante a cerimônia religiosa católica, madrinhas e padrinhos ficaram separados no altar. As mulheres, ao lado de Sandy, usavam tons de rosa velho, roxo e vermelho.

O local da cerimônia, em um condomínio, estava decorado com flores brancas e pequenos espelhos.

O bolo branco em andares tinha detalhes em tom de rosa claro.

Well, casou-se a namoradinha do Brasil... e ele ficou sem a namoradinha, até que surja uma outra..


13 de setembro de 2008
N° 15725 - NILSON SOUZA


Onde você estava?

Eu estava numa vulcanizadora. Naquele tempo, sete longos anos atrás, os pneus ainda furavam. Agora não furam mais. Acabei de fazer uma viagem de quase 2 mil quilômetros na direção de meu carro e em nenhum momento me preocupei em revisar os pneus.

Mas naquele 11 de setembro de 2001 – o dia em que o mundo se tornou ainda mais inseguro do que já era – eu estava esperando o conserto de um pneu furado.

Sempre morro de medo quando o borracheiro pressiona a mangueira do ar para a borracha se ajustar ao aro. Parece que aquilo vai explodir. Então, naquele dia fatídico, fui para o carro e liguei o rádio: a explosão chegou pelas ondas médias da Gaúcha.

Uma explosão de perplexidade, primeiro. Ninguém sabia bem o que estava acontecendo, se era um simples acidente aéreo ou um atentado.

Logo se transformou numa explosão de pânico, parecia que todos os aviões que voavam naquele momento estavam sentenciados a explodir contra prédios.

Em poucos minutos, eu já estava na minha mesa do jornal, com todos os sentidos aguçados para captar o maior número de informações possível sobre o terrível acontecimento.

Hoje quase ninguém mais tem dúvidas de que o mundo mudou para pior depois dos atentados sobre o World Trade Center.

A reação norte-americana foi igualmente irracional, os atentados passaram a justificar tudo, inclusive a invasão de outros países e o uso da força como medida preventiva.

No rastro das mortes da inusitada ação terrorista, milhares de outras pessoas também perderam a vida e outras tantas continuam sendo exterminadas nos dias atuais. Naquele ano previsto pela ficção científica como o da Odisséia no Espaço, o mundo ingressou definitivamente na Era do Medo.

Sete anos já se passaram. Sempre que baixa a poeira de um grande acontecimento histórico, as pessoas costumam se perguntar onde estavam e o que estavam fazendo quando o fato ocorreu.

Nem sempre são datas negativas, embora o calendário da história humana tenha mais terças trágicas do que domingos gloriosos.

Já me perguntaram, por exemplo, onde eu estava quando o homem pisou na Lua pela primeira vez. Boa pergunta. Só tenho certeza de que estava na Terra.

E já me perguntaram, também, se o homem realmente pisou na Lua. Tem gente que duvida de tudo. Os pneus ainda furam?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008



10 de setembro de 2008
N° 15722 - MARTHA MEDEIROS


A escola da vida

Conforme comentei na coluna de quarta passada, estive em Londres.

Para quem ficou curioso sobre meu encontro às escuras com a Eneida, aquela estranha com quem eu cruzava num parque aqui do meu bairro, confirmado: fomos feitas uma para a outra. Entre papos e risadas, ela me contou sobre algo que começa a ser implantado lá na capital inglesa.

É meio odara, mas interessante: chama-se The School of Life. Quem está por trás disso é o escritor Alain de Botton, que está fazendo um barulho para lançar seus cursos sobre “melhor curtir a vida”.

Enquanto as escolas tradicionais seguem ensinando coisas que, em sua maioria, não nos serão úteis, “A Escola da Vida” tenta dar uma sacudida nos nossos pensamentos prontos e, com arte, filosofia e bom humor, ajuda a encontrar respostas para perguntas mais provocativas, tipo “Preciso mesmo de um relacionamento amoroso?”,

“Como aproveitar de forma mais inteligente e criativa o meu tempo livre?”,

“Trabalho precisa ser algo chato e repetitivo?”, “De onde saem nossos conceitos sobre política?”, “Dá para extrair mais proveito de visitas a museus, cinemas e teatros?”, “A minha família é tão estranha como as outras?”.

Resumido dessa forma, dá ares de charlatanismo, mas quem conhece os livros de Alain de Botton (pelas minhas contas, há sete lançados no Brasil) sabe que ele é mestre em misturar os departamentos (viagens, amores, arquitetura, tudo tem a ver com tudo) e que se ampara nas obras de famosos intelectuais para explicar o mundano.

Enfim, ele encontrou um nicho e o está explorando com muito senso de oportunidade, porque estamos vivendo uma época em que ter um diploma, uma carreira e uma família bonitinha não tem bastado para preencher nossas almas inquietas.

Queremos mais prazer, mais independência, mais beleza e, de preferência, sem o ônus da culpa. Quem pode ensinar isso?

Se você não tem talento para ser um autodidata, Alain de Botton convida a sentar num banco escolar e ter como professores Proust, Baudelaire, Churchill, Lao Tsé e mais uma turma da pesada, todos dispostos a desanuviar a sua mente.

Eneida Serrano esteve com Botton, conversou com ele, sabe mais sobre tudo isso do que eu. Está disposta a divulgar o projeto dele: entrem em contato com essa fotógrafa esperta e agendem uma matéria. Eu mesma quero ler mais sobre o assunto.

Esta semana foi comemorada a inclusão de algumas universidades gaúchas no ranking das melhores do Brasil. Bárbaro!

Mas fica aqui uma sugestão extracurricular: vamos tratar de nos especializar também em viajar, em nos relacionarmos melhor, em consumir cultura, em ter uma visão menos ortodoxa de tudo que nos cerca.

O material é farto e os resultados podem ser aplicados no dia-a-dia. Bem viver também deve fazer parte da educação de um país.

Uma excelente quarta-feira para voce.

sábado, 6 de setembro de 2008



07 de setembro de 2008
N° 15719 - MARTHA MEDEIROS


O dia da independência

Nossa liberdade é parcial, todos sabem. Não me refiro ao país, e sim à nossa liberdade individual, minha e sua. Sempre que toco nesse assunto me vem à cabeça aquela frase que citei outras vezes:

O máximo de liberdade que podemos almejar é escolher a prisão em que queremos viver. É isso aí. E quais são essas prisões? Pode ser um casamento ou, ao contrário, um compromisso com a solidão. Pode ser um emprego ou uma cidade que não conseguimos abandonar. Pode ser a maternidade.

Pode ser a política. Pode ser o apego ao poder. Enfim, todas as nossas escolhas, incluindo as felizes, implicam em algum confinamento, em alguma imobilidade, e não há nada de errado com isso, simplesmente assim é a vida, feita de opções que nos definem e nos enraízam.

Mas, às vezes, exageramos. Costumamos nos acorrentar também a algumas certezas e pensamentos como forma de dizer ao mundo quem somos.

É como se redigíssemos uma constituição própria, para através dela apresentar à sociedade nossos alicerces: sou contra o voto obrigatório, sou a favor da descriminalização das drogas, sou contra a pena de morte, sou a favor do controle de natalidade, sou contra a proibição do aborto, sou a favor das pesquisas com célula tronco.

Este é apenas um exemplo de identidade que forjamos ao longo da vida. Você deve ter a sua, eu tenho a minha.

Dá uma segurança danada saber exatamente o que queremos e o que não queremos, no que cremos e no que desacreditamos. Mas onde é que está escrito, de fato, que temos que pensar sempre a mesma coisa, reagir sempre da mesma forma?

Ao trocar de opinião ou de hábitos, infringimos nossas próprias regras e passamos adiante uma imagem incômoda: a de que não somos seres confiáveis.

As pessoas a nossa volta já haviam aprendido tudo sobre nós, sabiam lidar com nossos humores e nossos revezes, estava tudo dentro do programa, e, de repente, ao mudarmos de idéia ou fazermos algo que nunca havíamos feito, subvertemos a ordem natural das coisas.

Quando visito algumas escolas, encontro estudantes um pouco assustados com as escolhas que farão e que lhes parecem definitivas.

Tento aliviá-los: pensem, repensem, mudem quantas vezes vocês quiserem, é permitido voltar atrás. Digo isso porque eu mesma já reprimi muito meus movimentos, minhas alternâncias, numa época em que eu achava que uma pessoa séria tinha que morrer com suas escolhas.

Ainda há quem considere leviana a pessoa que se questiona e se contradiz, mas já bastam as prisões necessárias – para que cultivar as desnecessárias?

Optei pelas medidas provisórias. Por isso, todos os anos eu faço uns picotes na minha constituição imaginária e jogo os pedacinhos de papel pela janela: é assim que comemoro o dia da independência. Da minha.


McCain é palmeirense

Quando Sarah Palin foi escolhida para fazer dobradinha com John McCain, um colunista do New York Times, republicano, citou Nasce uma Estrela, e outro colunista do New York Times, democrata, comparou-a a Miss Simpatia.

Dois dias depois, com o anúncio da gravidez da filha adolescente de Sarah Palin, os filmes com Judy Garland e Sandra Bullock foram abruptamente retirados de cartaz, e a campanha republicana ganhou ares de Juno.

O cinema americano já esgotou todos os temas. Qualquer que seja o acontecimento, há sempre algum filme - bom ou ruim, antigo ou recente - para ilustrá-lo. Hollywood é onisciente: ninguém escapa ao seu olhar.

A disputa presidencial é uma boa amostra disso. Cada passo dos candidatos remete a alguma imagem cinematográfica. John McCain, nesse ponto, dá um banho em Barack Obama. Ele tem um filme só dele: Fé em Meus País. Sim: trata-se de um filme para a TV.

Sim: trata-se de uma das piores obras de todos os tempos, estrelada por Shawn Hatosy, que até hoje só conseguiu fazer uma ponta num episódio do seriado My Name is Earl. Mas quem se importa?

O fato é que ele, John McCain, está lá, em HD, em sua cela em Hanói, com diarréia, brutalmente torturado pelos vietnamitas. Lula declarou que, por ser corintiano, só podia torcer para os torturadores vietnamitas. Além de ser personagem de filme, John McCain deve ser palmeirense.

O filme sobre John McCain foi baseado em seu livro de memórias. Barack Obama foi mais longe do que ele: imodestamente, em vez de um, foi logo escrevendo dois livros de memórias, embora ninguém saiba dizer com certeza o que ele fez de tão memorável assim. Um período de sua vida foi como uma comédia de Cheech and Chong.

Certo dia ele descobriu que, comportando-se como Sidney Poitier, poderia fazer uma fulgurante carreira política. E fez. É manjado o paralelo entre Barack Obama e o personagem interpretado por Robert Redford em O Candidato.

Redford protagoniza também Todos os Homens do Presidente, sobre Watergate, mas nesse caso a gente é obrigado a retornar ao Brasil, com o episódio de espionagem do presidente do STF, que contou até com um Garganta Profunda da Abin, que entregou o grampo à VEJA.

Ivan Lessa é meu guia cinematográfico. Na verdade, ele é meu guia em todos os assuntos, até em matéria de pastéis de nata.

Ivan Lessa é meu Barack Obama. Ele me lembrou de citar The Best Men, de Gore Vidal, com Henry Fonda, traduzido no Brasil como Vassalos da Ambição, e O Enviado da Manchúria, com Frank Sinatra, que narra a história de um prisioneiro de guerra que sofreu uma lavagem cerebral dos comunistas (John McCain?) para assassinar o presidente dos Estados Unidos (Barack Obama?).

Ainda tem mais um: A Mulher Faz o Homem, de Frank Capra. E outros que pretendo guardar apenas para mim.

O cinema americano cobre todos os aspectos da campanha presidencial. Ele cobre todos os aspectos da vida. Acho que é isso: um DVD é melhor do que a vida.

Stephen Kanitz

O petróleo não será mais nosso

"Mais uma vez vão prejudicar os jovens do Brasil, vendendo a ‘preço de mercado’ o que seria deles"

É assustador como neste país nossos recursos naturais são rapidamente loteados. O caso do pré-sal é ilustrativo de como pensam os brasileiros, e de como nós, brasilianos, faríamos diferente.

Nós, brasilianos, acreditamos que o petróleo é nosso, que deveria ser usado em benefício dos brasilianos desta nação, que ele é estratégico para o desenvolvimento.

Os brasileiros que se manifestaram até agora acham que o pré-sal deve ser exportado para outras nações, que o lucro deve ser investido num fundo soberano off-shore, para não pressionar o câmbio e não prejudicar os brasileiros que exportam outros produtos para essas mesmas nações.

Ilustração Atômica Studio

Antigamente, isso seria chamado de entreguismo. Exportar petróleo para conseguir uma receita extra em dólares é um erro monumental. Daqui a dez anos o petróleo poderá custar em torno de 290 dólares o barril, e os dólares colocados no fundo soberano não nos permitirão sequer recomprar o mesmo petróleo exportado.

Esses brasileiros acham que somos uma Arábia Saudita, uma Noruega ou uma Venezuela, onde o petróleo é a única fonte de receita externa. Esquecem que temos uma economia bastante diversificada, que já exporta o suficiente.

Querem repetir 500 anos de história econômica, quando brasileiro era a profissão daqueles que exportavam matérias-primas e não uma cidadania daqueles que, como eu, querem criar empresas para processar essas matérias-primas no Brasil.

Enquanto o governo dos Estados Unidos fortalece as suas empresas de petróleo, fazendo até guerras por elas, nós estamos deliberadamente enfraquecendo a Petrobras, dividindo-a em duas. Seus engenheiros serão conhecidos como os que se esforçam e pesquisam, mas não levam.

Enquanto os Estados Unidos mantêm seu petróleo debaixo do solo como estoque estratégico, comprando o que precisam do México e da Venezuela, nossos acadêmicos preparam a venda do nosso petróleo para os americanos, dizendo que isso beneficiaria a saúde e a educação. Trouxeram até um professor de Harvard, Ricardo Hausmann, que deixou bem claro o que ele quer que façamos.

"Há apenas dois destinos para as receitas de petróleo: usá-las ou poupá-las, num fundo no exterior. É o modelo usado na Noruega." Ele escondeu habilmente um terceiro e óbvio destino possível: não gerar receitas já, retirando o petróleo somente à medida que necessitarmos dele de fato.

Não precisamos do lucro rápido que estão propondo, como precisam a Venezuela e o Equador. Não precisamos vender petróleo para o professor Ricardo Hausmann encher o tanque de seu carrão.

Se já sabemos que consumiremos esse petróleo nos próximos cinqüenta anos, por que então vendê-lo a nações estrangeiras, como sugere o professor de Harvard?

Uma vez exaurido o nosso recurso estratégico e não renovável, será que os Estados Unidos nos venderão petróleo? E a que preço?

O México vendeu quase todas as suas reservas aos Estados Unidos por 2 dólares o barril, em vez de deixá-las como uma reserva estratégica nacional, como estou sugerindo.

Hoje, suas reservas estão no fim e o país não terá petróleo para manter sua própria economia durante os próximos cinqüenta anos.

A questão do pré-sal é outra, que nada tem a ver com criar um fundo soberano, gastar em saúde ou em educação. A questão é se deveríamos exportar o nosso pré-sal para outros países ou não, se deveríamos poupar dólares ou poupar petróleo.

Se eu fosse mais jovem, diria que a CIA está por trás dessa orquestração, mas hoje sei que são intelectuais brasileiros e seus admiradores de sempre que estão tramando vender nosso petróleo, já que somos "auto-suficientes". Mas por quanto tempo?

Corremos o risco de esse petróleo não ser mais nosso, de não ser mais do povo brasiliano, de ver esses investimentos em dólares num fundo soberano serem mal aplicados, como sempre, e de ver nossas futuras gerações sem petróleo, sem saúde e sem educação.

Mais uma vez vão prejudicar os jovens do Brasil, vendendo a "preço de mercado" o que seria deles. O pior é que não há nada que nós, brasilianos, silenciados, sem espaço e em franca minoria, possamos fazer.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)


"Agora todo mundo tem bocão"

"Agora todo mundo tem bocão" - Alinne Moraes, atriz, reclamando que virou moda entre as mulheres aumentar os lábios com batons especiais ou Botox

"Se eu quiser entrevistar a Madonna, eu entrevisto. Ela é da mesma gravadora que eu. Não vai custar muito" - Belo, cantor, recém-saído da prisão

"Ficou todo mundo neurótico no Brasil. Dá medo de telefonar até para a mãe"
Gustavo Fruet, deputado federal (PSDB-PR), sobre a onda de grampo telefônico no Brasil

"Sou meio machinha, talvez a diferença entre mim e o homem seja o pênis"
Adriane Galisteu, apresentadora

"Por isso que a água é salgada. É por causa do pré-sal? Eu pensei que fosse por causa do xixi que as pessoas fazem na praia, no domingo"- Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, na primeira extração simbólica de petróleo do pré-sal, no Espírito Santo

"Eu defendo, na verdade, o fumo em qualquer lugar. Só fuma quem é viciado. Na minha sala, sou eu que mando" - Lula, fumando durante coletiva na sala da Presidência, ao ser indagado sobre o projeto federal que proíbe o fumo em lugares fechados


"Britney começou a beber aos 13 anos, perdeu a virgindade aos 14 e entrou no mundo dasdrogas aos 15" - Lynne Spears, mãe da cantora Britney Spears, em sua autobiografia

"Tem um lado meu que adoraria interpretar uma drag queen. Vai ver é só desculpa para usar muita maquiagem nos olhos "
Daniel Radcliffe, ator que interpretou Harry Potter no cinema.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008



05 de setembro de 2008
N° 15717 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Dos cinco sentidos

Dos meus sonhos, nenhum é tão dramático quanto o de me achar em meio a uma grande cidade sem poder ver. Isto é, vejo silhuetas, sombras, traços, de vez em quando os faróis de um carro me ferem os olhos, mas é tudo.

Tento falar com as pessoas sobre minha aflição, mas nenhuma delas presta atenção no que digo.

E então me pergunto se essa não será a forma mais cruel de solidão.

Estou na mesma cidade e caminho entre as gentes. É quando me surge uma mulher dotada de tão esplendente beleza que, encantado, decido tocá-la.

Nada mais do que um afago em seus braços, um beijo em sua face, um abraço em seu corpo. Mas a mulher, lindíssima, se desvia de mim com graça e eu fico tateando o ar.

E aí me pergunto se esse não será o modo mais completo de incomunicabilidade.

Ainda na grande cidade. Existe um aroma de mistério no ar. Uma dama exala um perfume que me cativa. Busco me aproximar e no entanto ela se esquiva. E a cada passo que se distancia, maior é a suavidade de sua fragrância. É quando percebo que será assim para todo o sempre.

Pois a essência de que está envolta é a chave do teorema do distanciamento.

Ouço uma música suave, em que parecem se conter todas as músicas, mas não atino de onde me chega. Do grande café da esquina? Da janela do terceiro andar daquele palácio gris? Do quarto onde uma menina e moça inaugura seu primeiro diálogo com as teclas de um piano?

Nada sei, a não ser a noção ou o sentimento de que esta música foi composta para mim em uma oferenda de amor.

Em um mínimo cálice, me servem um mágico licor. É tão inebriante que o universo se transforma ao meu redor e conheço as profundezas de cada enigma, e nenhuma região da sabedoria me é vedada e domino as respostas a cem mil questões.

E de repente me bate uma iluminação do mundo, a chave que decifra todos os mistérios, mas descubro que me encontro em meio a uma grande cidade sem poder ver, a não ser as sombras e os silêncios de nossa comum aventura pela vida.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana ainda que com chuva neste sul do Brasil.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008



03 de setembro de 2008
N° 15715 - MARTHA MEDEIROS


Atravessando fronteiras

Anos atrás, quando eu malhava em academia, sempre cruzava com uma fotógrafa que eu conhecia de vista. Eu dizia oi, ela dizia oi. Depois parei de freqüentar a academia e comecei a caminhar no parque. De vez em quando, ela caminha por ali também.

Quando a gente se cruza, ela diz oi, eu respondo oi. Essa emocionante troca de ois constitui toda a nossa “relação”.

No entanto, temos uma querida amiga em comum. Contei para essa amiga que eu estava indo para Londres. Tiraria uma semana de férias, sozinha. Essa minha amiga então me disse: “Você vai estar lá no mesmo período que a Eneida, a fotógrafa. Quer o e-mail dela?”

Encurtando a história: escrevi para a Eneida, que já se encontrava em Londres. “Você vem para cá? Ótimo! Vamos jantar juntas? Combinado”. Trocamos endereços, telefones e afeto.

E isso tudo me fez pensar no seguinte: nós duas moramos na mesma cidade e possivelmente no mesmo bairro, dada a relativa freqüência com que nos cruzamos. E, no entanto, nenhuma das duas jamais pensou em convidar a outra para jantar, por uma razão muito simples e compreensível: somos duas estranhas.

Ela tem a vida dela, eu tenho a minha. Ela tem uma agenda apertada, eu tenho a minha. Ninguém convida para jantar alguém que só conhece de vista, a não ser que seja cantada, o que não é o nosso caso.

O nosso caso é outro: somos um exemplo de como uma cidade estrangeira pode anular cerimônias e estranhamentos. Na cidade da gente, nos agarramos aos nossos hábitos e aos nossos vínculos.

Estando fora, viramos uns desgarrados e, naturalmente, nos abrimos para conhecer novas culturas, novos costumes e novas pessoas, mesmo pessoas que já poderíamos ter conhecido há mais tempo – mas que não víamos necessidade.

Viajando, ficamos mais propícios ao risco e à experimentação. Encaramos bacon no café da manhã, passeamos na chuva, vamos ao súper de bicicleta, dormimos na grama, comemos carne de cobra, dirigimos do lado direito do carro, usamos banheiro público, fazemos confidências a quem nunca vimos antes.

O passaporte nos libera não só para a entrada em outro país, como também para a entrada em outro estilo de vida, muito mais solto do que quando estamos em casa, na nossa rotina repetitiva.

No momento em que você lê essa crônica, estou dentro do Eurotunnel, ou seja, no trem que percorre o Canal da Mancha.

É, embaixo d’água. Saí de Londres e estou indo para Paris, de onde embarcarei de volta para o Brasil no próximo final de semana. A esta altura, já jantei com a Eneida. Já nos tornamos amigas de infância ou cada uma decidiu trocar de parque nas próximas caminhadas.

O que importa é que atravessamos a barreira do oi, esse cumprimento protocolar que tão raramente progride para uma proximidade de fato.

Eu teria uma dúzia de razões para explicar por que gosto tanto de viajar, mas por hoje fico apenas com esta: pela alegria de viver e pela falta de frescura.

Embora com chuva e com o calor que teima em sobrepor-se ao inverno, que tenhamos todos uma ótima quarta-feira.