sábado, 19 de dezembro de 2009



19 de dezembro de 2009 | N° 16191
NILSON SOUZA


Quase Nada

Um homem passou nove meses e cinco dias preso na Penitenciária Industrial de Caxias do Sul por falhas burocráticas do sistema prisional. Embora tenha cometido um delito no passado, ele estava com a pena prescrita, mas ninguém atualizou o seu registro de foragido.

Como tem problemas mentais, acabou ficando em cana até que a juíza da cidade se desse conta da irregularidade. Não chega a ser um caso raro.

De vez em quando, aparece um inocente preso, alguém que foi para a cadeia no lugar do irmão ou que tem o mesmo nome de algum delinquente. Mesmo assim, muitas pessoas defendem a pena de morte, sem considerar que, ao autorizar a execução de um só inocente, igualam-se aos piores criminosos. Mas o tema desta crônica é outro, o apelido do homem que ficou preso por engano: Quase Nada.

Nada mais emblemático nestes tempos em que tantos enjeitados perambulam pelas ruas das grandes cidades como zumbis. O que é um ser humano que dorme sob marquises, revira cestos de lixo em busca de restos de alimentos e vive para o álcool e para as drogas?

Um quase nada. O apelido não surgiu por acaso. Assim como o infeliz prisioneiro caxiense, incontáveis criaturas com sinais de insanidade habitam esquinas e praças deste país, sem que se vislumbre uma saída digna para o brete em que a vida os arremessou.

É grande e dispersa a tribo dos Quase Nada. Eles já não habitam só as áreas centrais, atraídos pelo movimento e pela perspectiva de moedas e sobras. Estão nos bairros, nas vilas periféricas, nos grotões. Antes eram raridade, viravam atração: o louquinho da zona, o ermitão da cidadezinha, o alienado da rua.

Agora são dezenas, talvez milhares. Não sei se tem a ver com a legislação que abriu manicômios ou com a disseminação de drogas destruidoras de cérebros. Mas não tenho dúvida de que vem aumentando a tripulação desta verdadeira nau de insensatos à deriva.

Não quero ser catastrófico. Sempre há quem se preocupe com os marginalizados, pessoas que providenciam alimentos e agasalhos, organizações que tentam encaminhá-los para abrigos e até mesmo órgãos públicos bem-intencionados.

Mas não temos sido capazes de conter a expansão do problema. É como esta questão da degradação do planeta. Todos vemos o que está acontecendo, mas não conseguimos evitar. Aliás, outro dia alguém disse que não são as fábricas nem os automóveis que estão condenando a humanidade: é o crescimento populacional.

Somos muitos. E somos, também, quase nada.

Um gostoso sábado e um lindo fim de semana para vc

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009



16 de dezembro de 2009 | N° 16188
MARTHA MEDEIROS


À Jennifer Moyer

Abri um livro e, antes de começar a lê-lo, me fixei na dedicatória da primeira página. Dizia: À memória de Jennifer Moyer, que deixou tudo melhor do que havia encontrado. É o que todos nós gostaríamos de ver escrito no nosso obituário, imagino.

Desconheço quem seja Jennifer Moyer, mas simpatizei com essa moça (garanto que ela nunca deixou de ser moça, mesmo que tenha morrido aos cem). Só as pessoas de alma jovem e sadia é que entendem que a gente não vem ao mundo para sugá-lo, para retirar dele o suco possível e deixar para trás o nosso lixo. Encontramos o mundo de um jeito, ao nascer. É uma questão de honra que ele esteja melhor ao partirmos.

Mas não é tarefa fácil. Eu desanimo quando vejo a quantidade de pessoas grosseiras que se reproduzem feito gremlins. Nem mesmo nosso chefe de Estado anda conseguindo manter a compostura.

Não é porque todo mundo fala palavrão – e todo mundo fala mesmo – que Lula precisa usar o mesmo recurso para se expressar em público. Aliás, vale para todos os que ocupam alguma hierarquia, sejam diretores de empresa, professores, pais. “Menino, vá estudar, ou quer ficar na merda pra sempre?”

Esse exemplo de elegância no tratamento é comum nos lares brasileiros, e com aval presidencial, tende a se perpetuar.

Se a gente quer que nossos netos herdem um mundo melhor, é preciso arregaçar as mangas agora e aqui, Copenhague fica muito longe. Então vamos lá: ninguém morre se caminhar três quadras em vez de usar o carro ou se procurar uma lixeira em vez de jogar a lata de refrigerante no meio da rua.

E não é só consciência ambiental que precisamos exercitar, mas também uma consciência básica sobre a arte de conviver. Não é possível que as pessoas sigam sendo tão maldosas e ariscas, sempre alfinetando os outros, sempre interpretando erroneamente os bons atos e cultivando um complexo de perseguição que mina as relações.

Ninguém mais acredita em ninguém, ninguém confia, todos vivem com a faca entre os dentes, temendo passar por otários.

E é o que acabam sendo. Se tivessem uma visão um pouco mais pacifista, iriam facilitar muito as relações humanas. Esperar o melhor dos outros é uma atitude contagiante, mas, infelizmente, esperar o pior também é. E fica essa guerra de nervos no ar.

Tenho uma visão bem individualista sobre o que torna o mundo mais habitável: cada um fazendo a sua parte já ajuda um bocado. Não estou falando apenas de contribuir com dinheiro para entidades carentes, adotar bichos de rua, doar sangue, mas também em cuidar do nosso humor, praticar a cortesia, aplaudir, elogiar – não há submissão nenhuma em ser positivo.

Mas somos acomodados e preferimos esperar por soluções estabelecidas de cima para baixo, como se a nossa colaboração fosse inexpressiva.

Dedico esta crônica à minha musa inspiradora de hoje, Jennifer Moyer, que sei lá o que fez para ser homenageada com uma dedicatória num livro, mas pouca coisa não foi:

ou ela soube transmitir aos filhos a importância de se viver sem mágoas, ou ela soube cultivar seus amigos, ou ela sempre foi justa, ou não se deixou levar por vaidades bestas, ou simplesmente sorriu mais do que praguejou. Ou tudo isso junto, o que já é um belo lote de atos revolucionários.

Uma linda quarta-feira para vc. Aproveite o dia

terça-feira, 15 de dezembro de 2009



15 de dezembro de 2009 | N° 16186
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Ler e escrever

Leio com toda a atenção as recomendações publicadas em ZH para os candidatos à prova de redação do Enem. Sensatamente, a matéria lembra que os aspirantes a uma vaga na universidade devem escrever com letra legível, de tamanho regular.

Deve haver diferenciação entre maiúsculas e minúsculas, cada parágrafo deve ter ao menos duas frases, as novas regras de ortografia são optativas, as margem precisam estar alinhadas, pode haver rasura, desde que não comprometa a legibilidade. E o principal: o texto é desconsiderado se fugir ao tema ou à estrutura de uma dissertação, ou se o autor se identificar com a sua assinatura.

Perfeito: nada mais prudente que essas observações ajuizadas. Mas ao mesmo tempo me pergunto: por que há necessidade delas? A resposta não é bonita: porque simplesmente as pessoas desaprenderam de preencher uma folha de papel com ideias coerentes.

No meu tempo de escola, compor uma redação com um começo, um meio e um fim, ligados por um vínculo de pensamento lógico, era coisa que se aprendia no primário, hoje rebatizado de fundamental. No ginásio e no colégio, era um hábito corriqueiro, que não reclamava especial engenho e arte.

A isso se somava um hábito trivial: o de ler. Comprar ou ganhar livros, tirar volumes emprestados da biblioteca eram operações quase banais. Não se lia por causa de provas ou de exames, mas singelamente porque era um costume.

E então sobreveio um desastre. Quando eu já era adulto e tinha dado adeus aos bancos escolares, uma reforma do ensino mal formulada e pior digerida torpedeou a educação humanística. O latim, a filosofia, o francês foram banidos dos currículos. O inglês foi erigido língua única e os estudantes transformados em especialistas em minúcias.

Diminuiu-se um ano do ciclo médio e aboliu-se a divisão entre curso clássico e científico. O vestibular foi transformado numa roleta de cruzinhas e não restou o menor vestígio da redação. Uma geração inteira de alunos foi divorciada da necessidade de ler.

Hoje tudo isso está mudando novamente. É saudável que um jornal dedique uma página para explicar como se elabora uma redação. Nas cidades de tradição cultural, abrem-se grandes livrarias, como é o caso da Capital.

Mas para que esse cenário se mantenha, é indispensável conservar uma receita. Ela se resume a três palavras: ler e escrever.

Uma linda terça-feira. Para quem está de folga, aproveite a folga. Para quem não está aproveite o dia.

sábado, 12 de dezembro de 2009


MARTHA MEDEIROS

Quando os chatos somos nós

Você conhece um chato. Ou dois. Ou meia-dúzia. E até gosta deles, viraram figuras folclóricas na sua vida. Talvez seja um cunhado, um amigo de um amigo, um colega de trabalho. Os chatos são bem intencionados, não se pode negar. E é justamente essa boa intenção fora da medida que faz deles... chatos.

O chato nada mais é que um exagerado. Ele é prestativo demais, ele é piadista demais, ele leva muito tempo para contar algo que lhe aconteceu, ele fica hooooras no telefone, ele se leva a sério além do razoável, ele ocupa o tempo dos outros com histórias que não são interessantes. O chato é, basicamente, um cara (ou uma mulher) sem timing.

Estava pensando nisso quando escutei alguém citando uma das coisas mais chatas que existe. Tive que concordar: colocar um filho pequeno no telefone pra falar com a dinda, com a vovó, com o titio, é muito chato.

A gente ama aquela criança – talvez seja até o nosso filho! – mas ao telefone, esquece. Tentamos entabular um diálogo minimamente inteligível e nada rola. Ou ele não fala nada que se compreenda, ou não abre o bico, e só nos resta ficar idiotizados do outro lado da linha.

Todo mundo sabe que isso é chato. Mas todo mundo que já teve um filho comete essa mesma chatice com os outros. Por que? Porque pai e mãe de primeira viagem são chatos por natureza. Ninguém escapa. Se não for chato, será considerado um sem-coração. Todos irão apontar: olha lá, aquele ali esconde o filho. Põe ele no telefone!

Outra chatice é mostrar 3.487 fotos do bebê. Dá nos nervos quando o filho não é nosso. Todos os bebês são iguais, menos para seus pais. Seja bem sincero: dá pra aguentar ver foto de bebê pelo celular? Basta perguntar educadamente pra alguém: e seu filhinho, vai bem? Pronto. Num segundo o celular ou iPhone será sacado e apontado direto para seus olhos: veja você mesmo.

A gente sabe que é chato, mas toleramos com sorrisos parcialmente sinceros porque faremos a mesma coisa quando chegar a nossa vez – ou já fizemos um dia. Se você passou dessa fase, segure a onda e compreenda os que ainda não passaram. Nada de reclamar. Aqui se faz, aqui se paga.

Outras chatices? Quando alguém pergunta: lembra de mim? Se está perguntando, é porque a chance é remota. Mas já não fizemos isso diante de alguém que gostaríamos muuuuito que lembrasse?

E esticar as letras das palavras quando se está escrevendo? E quando a gente começa uma frase com “adivinha”. Adivinha pra onde eu vou nas próximas férias. Adivinha quem me convidou pra jantar. Adivinha com quem eu sonhei hoje.

Falando em sonho, tem coisa mais chata do que ouvir o sonho dos outros? Mas você já contou os seus. Váááárias vezes.

Agora adivinha qual o próximo exemplo que vou dar (rsrs). Precisamos mesmo colocar risadas entre parênteses para que os outros entendam nossas piadinhas cretinas?

Alguns menos, outros mais, chatos somos todos.

Um gostoso domingo para voce. Aproveite o dia


O pesadelo vai voltar?

A inoperância do governo e o terrorismo sindical ressuscitam o fantasma do apagão aéreo que paralisou os aeroportos do país

Sofia Krause - Alberto Takaoka/AE - PRESENTE DE NATAL


Cenas de crianças dormindo sobre bagagens podem se repetir

Há três anos, o apagão aéreo paralisou os aeroportos na véspera do fim do ano. Voos cancelados e atrasos de até trinta horas transformaram os aeroportos numa sucursal do inferno.

Agora, com a chegada das festas e das férias, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) está tomando uma série de providências para evitar que o vexame se repita. A principal delas foi estabelecer um teto de operações de pouso e decolagem por hora no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

A redução de 10% na movimentação do maior aeroporto do país numa época em que a demanda cresce até 30% é uma tentativa desesperada do governo de evitar um novo apagão aéreo.

Mas a medida talvez não seja suficiente. Funcionários das companhias aéreas, incluindo os pilotos e comissários, planejam entrar em greve nos dias 23 e 24 de dezembro caso não recebam aumento salarial. Se a greve for mesmo deflagrada, como ameaçam os aeronautas, o caos poderá voltar a se instaurar nos aeroportos brasileiros.

Um apagão aéreo, assim como uma tragédia no ar, nunca ocorre por causa de um fator isolado. No Brasil, a falta de investimentos vem transformando a infraestrutura precária dos aeroportos em parceira fixa do acaso. Há atualmente cinco obras em aeroportos previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Elas totalizam 2,5 bilhões de reais, mas apenas 20% foram de fato investidos até agora.

O Aeroporto de Guarulhos, por exemplo, deveria receber investimentos de 1,4 bilhão até o fim do ano que vem. Mas, no ritmo atual, a reforma só estará concluída em 2023. "Há uma total falta de compromisso com a infraestrutura aeroportuária. Numa situação-limite, como a que vivemos, qualquer problema menor pode desencadear um efeito cascata", diz o engenheiro Érico Santana, especialista em planejamento e operação de aeroportos.

Situação-limite, no caso, não é força de expressão. Uma pesquisa recente do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas mostrou que dez dos quinze aeroportos que receberão voos para a Copa do Mundo de 2014 já enfrentam dificuldades para estacionar aeronaves.

Prova de que muito pouco foi feito é que praticamente todos os problemas identificados pela CPI do Apagão, em 2006, permanecem à espera de solução.

A privatização dos terminais, medida adotada por países como Chile, México e Inglaterra, esbarra em resistências ideológicas do governo. Além do risco de um novo apagão, as deficiências estruturais impedem o aumento da oferta de assentos – o que significa passagens mais caras.

A estratégia de impor um teto para operações de pouso e decolagem em Guarulhos deve ser expandida para outras cidades, como Brasília e Campinas, já no ano que vem. Enquanto a principal atitude do governo for impor limites ao crescimento do setor, em vez de viabilizá-lo, os brasileiros terão de conviver com o risco do apagão sempre que o fim do ano se aproxima.

Lya Luft

O que devemos aos jovens

"Tratando dos jovens e de suas frustrações, falo sobre nós, adultos, pais, professores, autoridades, e em quanto lhes somos devedores"

Fiquei surpresa quando uma entrevistadora disse que em meus textos falo dos jovens como arrogantes e mal-educados. Sinto muito: essa, mais uma vez, não sou eu. Lido com palavras a vida toda, foram uma de minhas primeiras paixões e ainda me seduzem pelo misto de comunicação e confusão que causam, como nesse caso, e por sua beleza, riqueza e ambiguidade.

Escrevo repetidamente sobre juventude e infância, família e educação, cuidado e negligência. Sobre nossa falha quanto à autoridade amorosa, interesse e atenção. Tenho refletido muito sobre quanto deve ser difícil para a juventude esta época em que nós, adultos e velhos, damos aos jovens tantos maus exemplos, correndo desvairadamente atrás de mitos bobos, desperdiçando nosso tempo com coisas desimportantes, negligenciando a família, exagerando nos compromissos, sempre caindo de cansados e sem vontade ou paciência de escutar ou de falar.

Penso sobretudo no desastre da educação: nem mesmo um exame de Enem tranquilo conseguimos lhes oferecer. A maciça ausência de jovens inscritos, quase a metade deles, não se deve a atrasos ou outras dificuldades, mas ao desânimo e à descrença.

De modo que, tratando dos jovens e de suas frustrações, falo sobre nós, adultos, pais, professores, autoridades, e em quanto lhes somos devedores. O que fazem os que de maneira geral deveriam ser líderes e modelos?

Os escândalos públicos que nos últimos anos se repetem e se acumulam são para deixar qualquer jovem desencantado: estudar para quê? Trabalhar para quê? Pior que isso: ser honesto para quê, se nossos pretensos líderes se portam de maneira tão vergonhosa e, ano após ano, a impunidade continua reinando neste país que tenta ser ufanista?

Tenho muita empatia com a juventude, exposta a tanto descalabro, cuidada muitas vezes por pais sem informação, força nem vontade de exercer a mais básica autoridade, sem a qual a família se desintegra e os jovens são abandonados à própria sorte num mundo nem sempre bondoso e acolhedor.

Quem são, quem podem ser, os ídolos desses jovens, e que possibilidades lhes oferecemos? Então, refugiam-se na tribo, com atitudes tribais: o piercing, a tatuagem, a dança ao som de música tribal, na qual se sobrepõe a batida dos tantãs. Negativa? Censurável? Necessária para muitos, a tribo é onde se sentem acolhidos, abrigados, aceitos.

Escola e família ou se declaram incapazes, ou estão assustadas, ou não se interessam mais como deveriam. Autoridades, homens públicos, supostos líderes, muitos deles a gente nem receberia em casa. O que resta? A solidão, a coragem, a audácia, o fervor, tirados do próprio desejo de sobrevivência e do otimismo que sobrar.

Quero deixar claro que nem todos estão paralisados, pois muitas famílias saudáveis criam em casa um ambiente de confiança e afeto, de alegria. Muitas escolas conseguem impor a disciplina essencial para que qualquer organização ou procedimento funcione, e nem todos os políticos e governantes são corruptos. Mas quero também declarar que aqueles que o são já bastam para tirar o fervor e matar o otimismo de qualquer um.

Assim, não acho que todos os jovens sejam arrogantes, todas as crianças mal-educadas, todas as famílias disfuncionais. Um pouco da doce onipotência da juventude faz parte, pois os jovens precisam romper laços, transformar vínculos (não cuspir em cima deles) para se tornar adultos lançados a uma vida muito difícil, na qual reinam a competitividade, os modelos negativos, os problemas de mercado de trabalho, as universidades decadentes e uma sensação de bandalheira geral.

Tenho sete netos e netas. A idade deles vai de 6 a 21 anos. Todos são motivo de alegria e esperança, todos compensam, com seu jeito particular de ser, qualquer dedicação, esforço, parceria e amor da família.

Não tenho nenhuma visão negativa da juventude, muito menos da infância. Acho, sim, que nós, os adultos, somos seus grandes devedores, pelo mundo que lhes estamos legando. Então, quando falo em dificuldades ou mazelas da juventude, é de nós que estou, melancolicamente, falando.


Por que nós os amamos

Mesmo que, em troca, eles apenas nos suportem. É difícil resistir ao encanto dos gatos, ao vivo ou no YouTube. E existe até uma explicação científica: eles usam o "fator fofura" para nos dominar

Suzana Villaverde - Jill Johnson/divulgação

Quem entrar no YouTube e digitar "gatinhos" terá material suficiente para passar umas sete vidas assistindo a vídeos de aventuras protagonizadas pelos seres mais graciosos do planeta. Nem os adoráveis cães, os mais populares animais de estimação, nem os poderosos leões, o símbolo universal da vida selvagem (embora sejam, basicamente, uns gatos grandes), competem com os felinos domésticos em matéria de acessos.

Conhecidos pelo distanciamento filosófico que mantêm em relação ao mundo dos humanos, os bichanos têm se mostrado celebridades bem acessíveis: tocam piano, enfiam-se em lugares impossíveis, atacam impressoras e demais objetos semoventes com total naturalidade diante das câmeras.

Com a proliferação dos vídeos e dos admiradores – no Brasil, são 16 milhões de bichanos de estimação –, o negócio de gatos também exibe fôlego. Uma de suas variantes mais bizarras, embora igualmente irresistível, é a dos gatos de peruca: você pega uma cabeleira falsa, implora que o bicho condescenda em participar e, nos poucos segundos que se passam antes que o acessório voe no ar, fotografa-o.

A americana Julie Jackson, 45 anos, foi pioneira do ramo. Há dois anos, criou um site de fotos de gatos de peruca em cores engraçadas. Hoje, vender perucas para gatos é fonte de renda. "Sempre gostei de fotografar gatos. As perucas vieram naturalmente, para ficar mais engraçado", diz Julie, que comercializa as peruquinhas a 50 dólares cada uma e tamanho único ("tamanho de gato"). Nesta época do ano, com o Natal chegando, as vendas aumentam.

"Gatos são vaidosos e adoram saber que estão lindos. Mas nem todos aceitam a brincadeira." Dos que aceitaram, 25 foram selecionados como modelos para o livro Glamourpuss.

"Três ficaram de fora porque não entenderam a ideia", brinca Julie, dona de dois gatos com personalidades opostas: Boone, exibido, está na capa do livro e também dentro, de peruca encaracolada e óculos quadrados; já Tito "não quis aparecer por ser muito tímido". A propósito: Chicken, o carismático bichano de peruca rosa, com presença comparável à de uma Naomi Campbell, já não está entre nós – foi para o céu felino antes mesmo do lançamento do livro.

Os gatos fascinam os humanos, e não é apenas pela aura de mistério (ou, na definição de Jorge Luis Borges: "Por obra indecifrável de um decreto / divino, te buscamos inutilmente / mais remoto que o Ganges e o poente / tua é a solidão, teu é o segredo").

Com olhos grandes e puxados, cara pequena, focinho achatado e corpo macio, eles se encaixam num conjunto de características chamado de "esquema bebê" pelo biólogo austríaco e prêmio Nobel Konrad Lorenz, que nos anos 40 traçou e explicou pela primeira vez a semelhança.

O "fator fofura", como é chamado, é formado por um conjunto de feições que lembram as de um bebê e que, por ditames autoexplicativos da sobrevivência da espécie, apareça onde aparecer, sempre desperta nos humanos imediata sensação de afeto e impulsos protetores.

"O cérebro humano responde de maneira positiva a essas feições. Estejam elas num bebê, num gato ou num filhote de panda, todos vão estimular proteção e cuidados", explica a bióloga Melanie Glocker, especialista em neurociência social do Instituto de Biologia Comportamental da Universidade de Münster, na Alemanha. Por desencadear reações irresistíveis, o "fator fofura" desponta em toda parte (inclusive naquelas que envolvem o uso de cartões de crédito) e vai além de um simples conjunto de feições.

"Qualquer objeto ou mesmo uma palavra fofinha ativa o sistema de recompensa do cérebro que libera dopamina e imediatamente nos faz sentir bem. É uma felicidade instantânea", diz a bióloga alemã. É esse princípio que comanda as reações positivas diante de coisinhas miúdas (e caras) como o Beetle, da Volkswagen, ou o 500, da Fiat.

Em nenhum outro país o apego à fofurice chegou tão longe quanto no Japão de Pokémon e Hello Kitty (esta, por sinal, uma gatinha). O conceito de kawaii, nome dado a tudo o que é fofo e meigo, é a mola propulsora da inesgotável cultura pop japonesa.

"Quando a pessoa se torna adulta no Japão, existe muita pressão social. A cultura kawaii, o fascínio pelas coisas fofas, as mascotes, tudo o que é colorido, permite esquecer um pouco a realidade e prolongar a infância", avalia a bailarina Akemi Matsuda, que morou no Japão até os 18 e hoje vive em São Paulo, sempre guiada pela fofurice.

Nada mais normal, portanto, que felinos japoneses dominem o YouTube. Maru, o gato que fica entalado numa embalagem de latas de refrigerante, entre outras estripulias, tem mais de 100 vídeos. E seu próprio site, é claro.

É difícil resistir ao ser descrito como "pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria, mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas", nas fascinadas palavras do poeta chileno Pablo Neruda em sua Ode ao Gato, citada na ponta da língua por todos os felinomaníacos. A elegância, a agilidade e a capacidade de se meter em todo tipo de situação absurda – e sair dela com ar de solene superioridade – alimentam o star power dos gatos.

"São bichos extremamente curiosos que desenvolvem várias manias e, por isso, são tão engraçados de observar", diz a veterinária Luciana Deschamps, dona de uma clínica especializada em felinos e anfitriã, em casa, de nove bichanos. "Gatos dificilmente aprendem truques, porque são muito independentes. Se fazem alguma coisa, é porque querem", explica. A quem assiste, resta se render e achá-los a coisa mais fofa do mundo.

Estrelas do YouTube

Alguns dos vídeos mais populares protagonizados por felinos
Fotos divulgação

A PIANISTA
O dono diz que não é truque – desde pequenininha, Nora "toca" piano quase todo dia. Já foi vista por 16 milhões de pessoas

O EMBRULHADO
Maru tem mania de se enfiar em embalagens. Foi visto por 5,4 milhões

O SONOLENTO
Durante 28 segundos, tudo o que se vê é um gatinho persa pegando no sono. Visto por 9,5 milhões de pessoas

O SEDENTO
Woody bebe água na torneira aberta e ao mesmo tempo faz o impensável: toma uma ducha. Visto por 1,5 milhão de pessoas

O MANHOSO
Quando o cafuné para, ele abre as patas pedindo mais. Visto por 10 milhões

PROFESSOR SABICHANO

Freud disse que os donos de gatos os escolhem na tentativa inconsciente de adquirir suas características. Aqui, dez coisas que podemos aprender no convívio com eles, apontadas pela veterinária e gatófila Luciana Deschamps

1 Relaxar "Gatos adoram uma preguiça e sabem aproveitar cada minuto em que ficam sem fazer nada"

2 Aproveitar o momento "Gatos fazem coisas divertidas mesmo quando não têm plateia"

3 Explorar "Eles querem saber tudo, ver tudo, mexer em tudo, e assim descobrem o que preferem"

4 Ter autossuficiência "Para o gato, ser independente não significa amar menos o dono, mas apenas não ser radicalmente dependente dele"

5 Mover-se "Não há andar mais elegante no reino animal que o jeito silencioso e suave dos felinos"

6 Alongar-se "Saber se esticar é fundamental para quem quer desbravar o espaço ao seu redor"

7 Comer com prazer "Gatos aproveitam ao máximo o alimento. Cheiram, brincam e só depois comem. É o gosto de experimentar coisas novas"

8 Ocupar espaços "Por que se deitar num cantinho, se você pode ocupar a cama inteira?"

9 Observar "Humanos acham que eles não prestam atenção, mas quase tudo o que os gatos aprendem é observando os donos"

10 ter vontade própria "O gato não se submete. Deve pensar: ‘Pobre bípede, acha que vou fazer isso só porque ele quer’. E não faz"


34,8% dos brasileiros já acessaram a internet

Pesquisa do IBGE revela o crescimento do acesso à web no Brasil, principalmente entre os jovens. E-mail e sites de relacionamento são os serviços mais usados
Redação Época, com Agência Estado

O número de brasileiros que já usaram um computador com acesso a internet cresceu quase 15 pontos percentuais entre 2005 e 2008. Uma pesquisa divulgada nesta sexta-feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que a quantidade de internautas com dez anos ou mais de idade já chegou a 56 milhões - o equivalente a 34,8% da população nessa faixa etária.

O aumento no acesso a web se deu tanto para os homens (de 21,9% em 2005 para 35,8% em 2008) quanto para as mulheres (de 20,1% para 33,9%). As regiões Sudeste (40,3%), Centro-Oeste (39,4%) e Sul (38,7%) registraram os maiores porcentuais de usuários, e as regiões Norte (27,5%) e Nordeste (25,1%), os menores.

Entre os Estados, Distrito Federal (56,1%), São Paulo (43,9%) e Rio de Janeiro (40,9%) tinham os maiores porcentuais de pessoas que acessaram a internet, enquanto Alagoas (17,8%), Piauí (20,2%) e Maranhão (20,2%) apresentaram os menores porcentuais.

O crescimento foi maior entre os mais jovens. O grupo de 15 a 17 anos registrou o maior porcentual (62,9% da população dessa idade) de pessoas que acessaram a rede e teve o maior aumento em relação a 2005, quando era de 33,7%.

A partir dessa faixa etária, o porcentual de usuários diminui com a idade, chegando a 11,2% das pessoas de 50 anos ou mais. Esse grupo representava, em 2008, 24,8% da população total, mas correspondia a apenas 8% do total dos internautas.

A proporção de pessoas que acessaram a internet no grupo de 10 a 14 anos de idade (51,1% da população dessa faixa etária) ficou acima das porcentagens de usuários em todas as faixas etárias a partir de 25 anos, em todas as regiões.

Hábitos

Segundo o IBGE, o ambiente doméstico ainda é o local mais utilizado para acessar a internet: 57,1% das pessoas que acessaram a web pelo menos uma vez afirmam ter usado um computador em casa. As lan houses vêm em seguida com 35,2%, seguidas pelo local de trabalho.

O principal motivo apontado para uso da internet é a comunicação com outras pessoas, por e-mail ou sites de relacionamento. De acordo com a pesquisa, 83,2% dos brasileiros que já acessaram a internet usaram ou usam serviços desse tipo.

O segundo motivo mais citado foi o lazer, com 68,6%. A educação ficou em terceiro lugar (65,9%), embora tenha registrado uma queda de quase seis pontos percentuais em relação a 2005.

A pesquisa aponta ainda que os usuários são mais escolarizados (10 anos de estudo em média) que aqueles que nunca acessaram a internet (5,5 anos de estudo), e a porcentagem de internautas é proporcional à escolaridade.

No entanto, o crescimento no número de usuários entre 2005 e 2008 foi mais intenso na população com menos escolaridade, o que pode indicar uma tendência de democratização do acesso.


Você tem um cérebro de líder?

Os cientistas descobriram que a mente do bom chefe funciona de jeito diferente. Agora querem “programar” qualquer pessoa para ser assim
Marcos Coronato - Mike Groll
DOUTRINADOS


Uma turma de formandos na Academia Militar de West Point, nos EUA. Os aspirantes participam de testes para “ensinar” o cérebro a liderar

Ficou pior do que já era a rotina dos alunos da Academia Militar de West Point, a elite dos aspirantes a oficial do Exército dos Estados Unidos. Eles vêm participando de uma experiência que parece extraída de um filme B de Hollywood. Com fios conectados à cabeça e fones de ouvido, cada jovem militar é confrontado com problemas hipotéticos variados, que envolvem o comando de um grupo de soldados e exigem concentração e capacidade de tomar decisões.

Dependendo da resposta, o aspirante pode ouvir pelo fone um desagradável ruído de alerta. O alerta não significa que houve uma resposta “errada”, nem o sistema se preocupa com “erros” e “acertos”. Ele busca detectar algo muito mais profundo – o jeito de o cérebro de cada um começar a avaliar uma questão.

A experiência vem sendo conduzida pelo psicólogo Pierre Balthazard, professor na Universidade do Estado do Arizona. Ele acredita ter encontrado um jeito “certo” de pensar para coordenar bem equipes, fazer boas escolhas e tomar decisões acertadas.

O Exército americano aceita que seus jovens estudantes sirvam de cobaia, na esperança de que aprenderão a pensar “certo” antes de liderar grupos em situações de combate. Segundo Balthazard, já há empresas interessadas em participar das experiências com seus funcionários em cargos de chefia.

O método de Balthazard ainda enfrentará um campo minado de dúvidas e saudável ceticismo, por parte de neurologistas, psicólogos e especialistas em treinamento. Ele evoca dúvidas muito comuns, existentes em qualquer organização e que já devem ter passado pela sua cabeça: seu chefe merece o cargo que tem?

(Não que essa dúvida passe pela minha, é claro.) A organização em que você trabalha sabe identificar as melhores cabeças? Quais deveriam ser promovidas? Quem é chefe foi treinado devidamente para isso? Mais importante ainda: sua cabeça funciona do jeito certo, para que você possa ser promovido e coordenar outras pessoas com facilidade e eficiência?

O jeito como a cabeça de cada um lida com situações diversas já vinha sendo mapeado desde os anos 80, graças ao advento de métodos como ressonância magnética, eletroencefalografia e tomografia (também chamada PET scan, ou “escaneamento por tomografia por emissão de pósitrons”).

Não se trata de ler pensamentos, mas de detectar padrões de atividade elétrica e circulação sanguínea, e perceber quais porções do cérebro atuam mais nessa ou naquela situação. Tornou-se possível enxergar claramente o que acontece no cérebro de uma pessoa quando ela negocia, desconfia, pechincha, se esforça para manter a calma, reage impulsivamente, compara preços, sofre prejuízos ou pensa em si mesma ou nos outros.

Quando os médicos e os neurologistas passaram a ler o que ocorria na cabeça praticamente em tempo real, uma multidão de especialistas de outras áreas os procurou, a fim de aproveitar esse conhecimento. Esse encontro de especialidades, embora promissor, resultou em dois discursos bem diferentes.

Enquanto parte dos profissionais (principalmente os neurologistas) trata o funcionamento do cérebro de maneira cerimoniosa e cheia de dúvidas, especialistas de outras áreas – como psicólogos, administradores, economistas, teóricos de marketing e carreira – passaram a falar do tema sem embaraço algum.

“Neuroadministração”, “neurocontabilidade”, “neuroempreendedorismo”, “neuromarketing” e “neuroeconomia” são algumas das áreas de estudo nascidas dos novos conhecimentos sobre o cérebro humano – e da vontade de muita gente de faturar com eles.

Enquanto a lista das “neurotendências” aumenta, cresce também o coro dos céticos. Entender o que se passa no cérebro é uma empreitada ambiciosa. Ensiná-lo a funcionar dessa ou daquela forma parece muito mais difícil. “Liderança envolve experiência, aprendizado, é um tema amplo demais.

Quem se entusiasma muito com essas ideias pode se decepcionar”, diz o neurologista Armando da Rocha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que realiza pesquisas em neuroeconomia com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

O cientista, que já estudou padrões cerebrais de crianças com dificuldade de aprendizado, vem avaliando como funciona a cabeça de investidores enquanto negociam na Bolsa. Por enquanto, ele só quer entendê-los melhor, e não modificá-los.

O empenho das Forças Armadas americanas tampouco significa que a teoria de reeducar mentes funcione. Os militares nos Estados Unidos são famigerados consumidores de novidades na área da administração, testam muitos métodos ao mesmo tempo, para depois abandonar a maioria.

O próprio Balthazard apresenta suas dúvidas. “Ainda é cedo para prever nossa habilidade de usar esse conhecimento para desenvolver líderes melhores”, diz. Ele e outros otimistas se diferenciam da maior parte da comunidade científica, porém, por confiar em obter bons resultados com uma técnica usada no tratamento de hiperatividade, epilepsia e formas brandas de autismo, chamada neurofeedback.

As experiências em andamento na Academia de West Point nasceram de um estudo feito na Escola de Administração W. P. Carey, no Arizona, por Balthazard e pelo psicólogo Jeffrey Fannin. Primeiro, os pesquisadores foram buscar indivíduos que pudessem ser considerados bons líderes, entre empresários, banqueiros, advogados, médicos (e um guia de montanhismo).

“Líder”, no caso, é o sujeito que podemos considerar bom chefe ou merecedor do cargo, por conseguir coordenar um grupo e fazê-lo atingir objetivos determinados, deixando os liderados satisfeitos enquanto perseguem uma meta comum.

Como parecem existir muitas formas de liderar bem (e muitas mais ainda de liderar mal), os pesquisadores tentaram medir essa habilidade de maneira objetiva, dando notas para os entrevistados. Para isso, aplicaram dois testes (um deles, chamado CAL, ou Liderança Complexa Adaptativa, é usado por militares nos EUA).

O avanço na pesquisa sobre o cérebro deu origem a áreas de estudo como o “neuromarketing”


12 de dezembro de 2009 | N° 16183
NILSON SOUZA


Planeta Tecnologia

Tem um brinquedinho novo circulando pela Redação de Zero Hora. Outro dia estive com ele nas mãos e até me diverti um pouco procurando notícias e artigos para ler numa tela do tamanho da página de um livro.

É um aparelhinho de simples manuseio e que também facilita a leitura de textos, pois permite até mesmo ampliar o tamanho das letras. Chama-se kindle, que em inglês significa acender, brilhar, iluminar.

Trata-se do leitor eletrônico fabricado pela empresa norte-americana Amazon, com a pretensão de que logo se torne o substituto do livro. Ou de muitos livros, pois nele cabe uma biblioteca inteira. E pode-se consultar também todos os jornais do dia.

Porém, depois de manuseá-lo por alguns minutos sob a orientação do nosso especialista em tecnologia Renato Santos, concluí que o livro de papel vai sobreviver por muito tempo ainda.

Eu, pelo menos, jamais leria uma obra de 300 ou 400 páginas naquele equipamento. Mesmo nos computadores maiores, a leitura longa me parece uma tarefa impossível. Desconheço alguém que tenha lido um livro inteiro no monitor. Mas admito que o tal leitor eletrônico é apropriado para consultas e leituras rápidas. Jornais e revistas talvez estejam mesmo ameaçados pelo novo aparato.

O livro, não!

No meu entender, a ameaça ao livro é outra: a ansiedade da vida moderna. São cada vez mais raros os leitores com paciência para folhear páginas e páginas apenas pelo prazer de conhecer o fim de uma história ou pela satisfação de adquirir um novo conhecimento. Estamos todos viciados em coisas que reagem, que nos dão respostas prontas, que nos oferecem retorno imediato para nossas dúvidas e angústias.

O celular popularizou-se porque é um objeto mágico, fala conosco, coloca amigos e parentes ao nosso alcance, oferece-nos som e imagem, permite trocar mensagens e dados com outras pessoas. O computador e todos os seus congêneres miniaturizados possibilitam a informação instantânea, mas invariavelmente dão acesso apenas ao superficial, à parte visível do iceberg.

A profundidade ainda está nos livros.

E o livro, embora não pareça, também pode ser interativo. Só que, para isso, exige dos seus usuários uma habilidade que a maioria dos habitantes do Planeta Tecnologia talvez já não necessite exercitar: a imaginação.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009



09 de dezembro de 2009 | N° 16180
MARTHA MEDEIROS


O trem das onze e cinquenta e dois

Eu já tinha a crônica de hoje pronta. Era sobre o atraso da classe política e sobre a nossa imobilidade diante da corrupção, mas me incomodava a sensação de estar chovendo no molhado. Foi então que li ontem na Zero Hora um depoimento sobre outro tipo de atraso, feito pela torrense Nilda de Jesus Silva, que declarou: “Estranho os jovens se atrasarem para a prova do Enem.

Se fosse jogo de futebol, estariam esperando por várias horas, e para shows, vão para as filas dois ou três dias antes, mas quando o assunto é colégio...”. Acabei postando o texto sobre corrupção no meu blog e resolvi dedicar esta coluna à observação perspicaz da Nilda.

Costumo dizer que sou a pessoa mais impontual que conheço: chego sempre 10 minutos antes do horário, e às vezes espero dentro do carro até que os minutos passem, a fim de não ficar sozinha na mesa do restaurante ou mofando na sala de espera.

Mas como os manuais de segurança pública não recomendam que se fique dentro de um carro estacionado, acabo exercitando minha paciência em mesas de restaurantes e salas de espera, fazer o quê? Sem falar em quando me esforço em chegar numa festa um pouco depois do que pede o convite, e mesmo assim pego o anfitrião ainda no banho.

Porém, em dia de prova de vestibular, exame para carteira de motorista, cirurgia com hora marcada, audiência com o juiz e reunião secreta para receber propina, atrasos são injustificáveis. Você pode ter dificuldade de ser honesto, mas nada é mais fácil do que ser pontual. A palavra imprevisto não existe para quem tem um compromisso que pode mudar a vida. Telefones tocam quando você está com a chave na porta, o elevador enguiça, o trânsito congestiona.

Acontece. Mas isso nunca é problema para quem costuma sair de casa com o mesmo fanatismo de quem deseja assistir à Madonna na fila do gargarejo, ou seja, com antecedência suficiente.

Escrevi a palavra fanatismo e senti um mal-estar: será que virei uma aiatolá do relógio? Não, nem poderia: a cultura local não incentiva o radicalismo quando o assunto é pontualidade. Já estou habituada a esperar pela noiva na igreja, pela decolagem dos voos e pela entrega do marcineiro, sempre com um sorriso no rosto, sem reclamar, sem rogar praga.

Aproveito o tempo de espera para sonhar acordada. Abstraio e me visualizo numa estação ferroviária de Paris, com um bilhete na mão para viajar para Amsterdã no trem que sairá às 11h52min. Entro no meu vagão (às 11h42min, lógico), me acomodo no meu assento, pego uma revista e desfruto 10 minutos de uma paz que só a segurança oferece.

Minha confiança e meu humor não sofrerão abalos. Então, exatamente às 11h52min, o trem parte e eu confirmo que nada pode ser mais moderno e pró-eficiente do que cumprir o combinado.

Isso também valeria para a classe política, não fosse outro sonho.

Ainda que com chuva uma ótima quarta-feira para você.

domingo, 6 de dezembro de 2009


DANUZA LEÃO

Adorável intimidade

Não tem hora para desejar boas coisas às pessoas, nem para mandar um beijo, mesmo não as conhecendo

NÃO SEI como é em outras cidades, mas no Rio você não precisa conhecer uma pessoa para ser tratada como se fosse amiga de infância.

Se telefonar para uma empresa qualquer -seja para encomendar um toldo, pedir uma pizza ou saber do preço de um remédio-, quem atende ao telefone te trata imediatamente com um carinho que você talvez nunca tenha recebido dos mais próximos, sangue do seu sangue.

"Sim, minha linda", "Claro, meu amor", "Já já, paixão". Não é maravilhoso que pessoas que nunca te viram sejam tão afetuosas e pareçam te amar tanto? É por essa razão -também- que os estrangeiros se apaixonam por esta maravilhosa cidade.

É bem verdade que essas adoráveis intimidades acontecem, mais frequentemente, pelo telefone; outro dia, uma amiga estava em minha casa e pediu o telefone do meu estofador. Aí ligou para ele -que nunca havia visto- e, quando se despediu, disse "um beijo", que tal?

Fico imaginando se alguma secretária na França, país tão protocolar, falaria ao telefone com um cliente da empresa dizendo "Oui, mon trésor", ou "Non, mon amour". Se isso acontecesse, estaria arriscada a ser enviada para um asilo de loucos; nunca, mas nunca, ninguém ouviu isso na França. Aliás, acho que em nenhum país do mundo, aliás em nenhuma cidade. E isso é bom ou ruim? Nem bom nem ruim, mas acho que mais para bom, pois sempre sorrio quando me acontece, o que é sempre uma coisa boa.

Já que estou falando sobre o Rio, cidade que eu adoro (apesar de tudo), vou contar como foi minha manhã hoje, e não vale ficar com inveja; aliás, até vale, mas só um pouquinho. Às 7h saí e fui para a praia, a três quarteirões de minha casa. Estava um sol radioso, a praia quase vazia, e comecei dando uma caminhada na calçada, em homenagem à minha saúde.

Voltei pela areia, molhando os pés na água. Sinceramente, tem alguma coisa melhor? Já de volta -não se pode tomar sol a partir das 8h30-, parei num quiosque, sentei numa cadeira e tomei uma água de coco, pela qual paguei R$ 2,50. Teria adorado comer a polpa, mas como ouvi dizer que engorda loucamente, me privei desse prazer.

Voltei passando pela feira, onde prestei uma atenção especial às barracas de peixes, de frutas, de legumes, tudo mais lindo do que qualquer quadro do mais famoso dos pintores. E o tratamento que recebi? Nem uma rainha foi, jamais, tratada melhor.

Os donos das barracas, ao oferecer seus produtos, foram tão calorosos que, se eu me distraísse, seria capaz de levar as beringelas lindas mas insossas, as abobrinhas que não têm gosto de nada ou a metade de uma jaca; você já reparou em como é divertida a natureza? E fala sério: do que você mais gosta na vida?

De comer caviar servido por um garçom antipático, ou uma sardinha na brasa sendo chamada de "paixão"? Sendo bem tratada, eu quero comer sardinhas até o fim da vida.

Todos os dias minha empregada, quando vai embora, se despede dizendo "um beijo". Eu também digo "um beijo", e adoro. Adoro viver assim.

E adoro tanto, que vou terminar essa crônica mandando um beijo pra você, leitor, meu tesouro, e aproveito para desejar um feliz Natal, e um maravilhoso 2010. Ah, ainda não está na hora?

Mas não tem hora para desejar boas coisas às pessoas, nem para mandar um beijo, ou beijinho, mesmo não as conhecendo.
Assim, a vida fica melhor.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 5 de dezembro de 2009



06 de dezembro de 2009 | N° 16177AlertaVoltar para a edição de hoje
MARTHA MEDEIROS

Falsa intimidade

Fala-se muito sobre as frágeis relações amorosas de hoje, tão afetadas pela urgência de satisfazer desejos imediatos, pelas inúmeras possibilidades de contato instantâneo e pela pouca durabilidade dos sentimentos. Me pergunto: onde está o furo dessa história?

O que perdemos no meio do caminho? Talvez nem tenhamos perdido, talvez simplesmente nunca tenhamos encontrado aquilo que só a poucos casais foi dado viver e que os mantém unidos a despeito de toda a artilharia.

A maioria, hoje, vive suas relações afetivas e sexuais de forma periférica. Contenta-se com cama, orgasmos e satisfação dos instintos. Isso somado a um cineminha, uma escapada no feriadão e um almoço em família configura uma privacidade compartilhada, e é o que basta para confirmar que a relação existe, seja ela chamada de rolo, namoro ou mesmo casamento.

Ainda me pergunto: onde está o furo da história? Por que essa privacidade compartilhada não se sustenta por muito tempo, não satisfaz 100% e gera tantas frustrações?

Com a possibilidade de acesso virtual a uma variedade de candidatos a grande amor e de seus cadastros (idade, profissão, time, fetiches), entrar na privacidade dos outros ficou muito fácil. Porém, em proporção inversa, perdeu-se a noção do que é intimidade, algo que nem mesmo algumas relações duradouras conseguem atingir.

Intimidade não se externa, não se divulga, não se oferece na internet. É nosso bem mais secreto, é onde guardamos a chave do nosso mistério, das nossas dores, das nossas dúvidas, da nossa emoção genuína.

Não se compartilha isso com outra pessoa se ela não tiver sensibilidade suficiente para nos ouvir e entender, para nos aceitar e nos acrescentar, para nos respeitar e ofertar em troca sua própria intimidade, selando a partir daí um tipo de pacto que beira o sublime.

Essa intimidade requer confiança plena, compatibilidade na maneira de enxergar o mundo e nenhum instinto maléfico em relação ao outro. Intimidade é quando duas pessoas, mesmo distantes em espaço, estão profundamente unidas porque se reconhecem cúmplices, não competem pela razão.

Claro que a intimidade não consegue evitar ciúmes e conflitos de ideias, e tampouco se pretende que ela acabe com a solidão de cada um, que é sagrada, mas ela assegurará a longevidade de uma união que será estabelecida pela generosidade do olhar: se estará mais preocupado em enxergar a alma do outro do que em fiscalizar para onde ele está olhando.

Amigos conseguem essa magia mais do que muitas duplas românticas, que frequentemente se enganam a respeito da falsa intimidade que o sexo faz supor. Invadir a privacidade alheia é moleza, basta um torpedo, um telefonema, um encontro.

Mas ter acesso ao mundo interno que o outro habita e sentir-se à vontade nesse mundo é que torna tudo mais raro, mais mágico e mais eterno.

Um lindo domingo para você


Papai não é mamãe

O pensamento politicamente correto contaminou a paternidade e exige dos homens um desempenho equivalente ao das mulheres no cuidado com os filhos. Mas isso vai contra os fatos da biologia

Todo homem que queira se manter competitivo no mercado das relações amorosas, atualmente, precisa demonstrar que reza pela cartilha do politicamente correto no quesito paternidade. Ou seja, ter disposição (ou pelo menos dizer que tem) para desempenhar toda e qualquer tarefa relacionada ao cuidado com os filhos. Dito assim, soa razoável.

Em um mundo em que homens e mulheres trabalham e as famílias foram reduzidas ao núcleo formado por casal e filhos – com o resultado de que avós, tias e primas atuam cada vez menos como "segundas mães" –, é mesmo necessário ter uma participação maior do pai nos serviços domésticos. Já vai longe o tempo em que levantar as pernas para a mulher passar o aspirador era considerado uma grande ajuda. Esquentar a mamadeira, preparar a papinha, trocar a fralda e dar banho no bebê são atividades, entre muitas outras, que um pai pode perfeitamente desempenhar.

Mas há excessos na concepção mais difundida de paternidade moderna. O principal deles é equiparar pai e mãe na capacidade de suprir as necessidades físicas e afetivas dos filhos. A influência que o pai pode ter sobre seus rebentos, especialmente quando eles ainda são bebês, é limitada por fatores biológicos. Forçá-lo a agir como se pudesse substituir a mãe pode ter efeitos devastadores.

"Muitos homens se sentem emasculados nessa posição porque passam a acreditar que as formas tradicionais de masculinidade, com as quais eles se identificam no íntimo, são negativas", disse a VEJA o psiquiatra inglês Adrian Lord. "A insatisfação nessa troca de papéis pode até afetar o desempenho sexual do casal."

O excesso de expectativa – e ansiedade – em relação ao papel paterno pode ser verificado por meio dos resultados obtidos em uma enquete feita com 820 pais no site VEJA.com. Setenta e cinco por cento deles disseram que gostariam de passar mais tempo com os filhos, mas só 20% parecem achar possível realizar esse desejo num curto espaço de tempo (veja o quadro).

É óbvio que cada casal tem o seu próprio equilíbrio na divisão das tarefas maternas e paternas. E é claro também que existem homens que se realizam como "pais totais", sem que isso interfira na sua masculinidade (pelo menos, eles não sentem os efeitos mais adversos).

Analisados em conjunto, entretanto, os homens estão sendo submetidos a duas forças opostas. De um lado, a pressão das mulheres para que exerçam a paternidade de uma maneira historicamente inédita, em que várias das tarefas maternas lhes são confiadas. De outro, a limitação de ordem natural, que faz com que eles não se sintam totalmente à vontade nas novas funções.
Leo Drumond/Nitro


NÃO BASTA SER PAI

O publicitário Rafael Castro, de 30 anos, de Belo Horizonte, divide com a mulher tarefas como dar banho, trocar fraldas, dar mamadeira e fazer Melissa, de 7 meses, dormir. Além disso, ajuda Pedro, de 8 anos, a fazer a lição de casa. "Com isso, sobra pouco tempo para atividades que homens geralmente gostam de fazer, como sair para tomar uma cervejinha com os amigos e jogar futebol", diz Rafael.

"No início foi difícil me acostumar porque, enquanto meus amigos e colegas de trabalho saíam, eu tinha que dar uma de babá", diz. Não raro, Rafael fica cuidando das crianças enquanto a esposa vai a alguma festa de casamento ou aniversário de parentes ou amigas. "Tive de me adaptar, até porque é uma condição básica imposta pelos casamentos modernos", resigna-se Rafael

Ordem natural? O pensamento de extração feminista atribui o desconforto dos homens nos cuidados com os filhos a aspectos culturais originados do machismo patriarcal. Por esse argumento, os pais não conseguem ter a mesma delicadeza, afetuosidade e disponibilidade que as mães simplesmente porque não se despem dos valores que lhes foram inculcados e que continuam a ser reproduzidos nas diferentes esferas da vida social.

Não foram educados para cuidar de crianças e não encontram respaldo no ambiente de trabalho para ser pais participativos. Tudo isso é, em parte, verdadeiro. Meninos são ensinados a manter-se longe de bonecas, e é mais fácil para uma mãe do que para um pai convencer o chefe de que precisa sair mais cedo para levar o filho ao médico.

Pais como Paulo de Queiroz Silveira, do Rio de Janeiro, que trabalha em casa e pode passar boa parte do dia com as crianças, frequentemente ouvem a pergunta "Onde está a mãe deles?", quando estão com os filhos no shopping ou vão sozinhos às reuniões na escola.

Chegamos, então, à "ordem natural". Por mais que as pessoas acreditem na versão politicamente correta da paternidade, o fato é que a maioria estranha quando os homens desempenham tarefas tradicionalmente maternas. Isso é errado? Não. "As regras sociais e culturais não surgem do nada. Elas têm uma origem biológica", diz o psicólogo evolutivo americano David Barash, da Universidade de Washington.
Fernando Vivas


ADEUS, FUTEBOL

Quando era solteiro, o contador Lucimário Mota, de 34 anos, de Salvador, não abria mão das partidas de futebol com os amigos. Sua então namorada, Rosana Alves Mota, o trancava em casa para que ele não a deixasse só nas manhãs de sábado. Lucimário pulava a janela para ir ao jogo.

Há seis meses, no entanto, ele não aparece para disputar uma partida. "Dei um tempo para acompanhar os últimos meses de gravidez da Rosana e agora estou ajudando em casa", diz. Lucimário troca as fraldas da filha, Maria Fernanda, e a leva para tomar banho de sol todas as manhãs. Quando a empregada está de folga, ele cozinha, limpa a casa e cuida da louça. "Até tento convencê-lo a voltar a jogar bola, mas ele não quer", conta Rosana

Entre as características tipicamente masculinas que, em geral, são deixadas de lado quando se tenta cuidar de uma criança com a mesma dedicação de uma mãe, estão a autonomia, o gosto pela competição e a agressividade.

A perda de virilidade experimentada pela maioria dos homens que se põem a realizar trabalhos associados a mulheres tem bases químicas. Experiências de laboratório mostram, por exemplo, que os níveis de testosterona no organismo caem quando o homem segura uma boneca nos braços.

O efeito é o mesmo de quando o marmanjo embala um bebê de verdade. O hormônio masculino por excelência é aquele que, entre outras coisas, proporcionava aos machos humanos, nos tempos das cavernas, o ímpeto de caçar, acasalar-se – e dar uma bordoada na cabeça do inimigo.

Faz sentido, portanto, que a evolução tenha moldado o organismo do homem de forma tal a diminuir os níveis de testosterona na presença de crianças – não só as suas, como as de outros. Do contrário, eles representariam sempre um perigo para aqueles serzinhos adoráveis – e gritadores, e chorões, e... irritantes.

Um estudo feito por antropólogos da Universidade Harvard indica que os níveis do hormônio em homens casados são, em média, mais baixos do que em solteiros. E, entre os casados que passavam todo o tempo livre com a mulher e os filhos, sem dar chance à cerveja com os amigos, a quantidade era ainda menor. A descoberta reforça a tese de que o natural para um homem é ser provedor e protetor – não um trocador de fraldas.

O psicólogo David Barash explica que o envolvimento do pai com os filhos é proporcional ao grau de certeza que o macho tem de que a prole carrega seus genes. É o contrário do que ocorre com as mulheres.

A não ser nas novelas de televisão, elas jamais têm dúvida de que deram à luz aquele filho. "Em termos evolutivos, esse fato serviu para estreitar ainda mais a ligação entre mães e sua descendência", diz Barash. "Prova disso é que não há uma única sociedade em que os homens se dedicam a cuidar mais das crianças do que as mulheres."

Tal especificidade também esclarece por que a natureza reservou às mulheres, e não aos homens, a capacidade de produzir leite. Se fosse o contrário, os homens poderiam ver-se na situação de amamentar os filhos dos outros (ou de recusar-se a fazê-lo caso descobrissem o engodo).

Só o sexo que investiu nove meses na gestação e não questiona se o rebento é seu poderia ter uma função tão essencial quanto a de alimentá-lo nos primeiros anos de vida – garantindo, desse modo, a continuidade da espécie.

O trato com as crianças, segundo a ordem natural, também diferenciou homens e mulheres quanto a outros aspectos. Centenas de milhares de anos acalentando e dando atenção a indivíduos que não se expressam verbalmente – os bebês – conferiram a elas capacidades cognitivas superiores às dos homens.

Daí a vantagem feminina na compreensão da linguagem corporal. Já o homem, menos preso a laços afetivos familiares, se tornou mais apto para tecer alianças externas.

Por esse motivo, os pais têm mais medo do que as mães de ver sua vida social reduzida com a chegada de um filho.



Pausa para respirar

Estudos de importantes centros de pesquisa em todo o mundo começam a medir o que já se sabia empiricamente: a prática cotidiana de exercícios respiratórios tem impacto positivo na saúde e no bem-estar, além de auxiliar no tratamento de diversas doenças

Silvia Rogar -Fotos Marco Pinto/Selmy Yassuda

RESPIRE FUNDO

A atriz Priscila Fantin e o empresário Robson Gouvêa: ela dorme melhor e ele toma decisões com mais calma depois que começaram a usar as técnicas de respiração controlada


O cardiologista italiano Luciano Bernardi coordenou, há oito anos, um curioso estudo na Universidade de Pavia. O tema: a influência da ave-maria sobre o sistema cardiovascular. Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que a oração em latim, lida em voz alta, tinha efeito calmante sobre os fiéis. O que Bernardi e seus pares constataram foi que isso não tinha relação com a fé, e sim com o ritmo da respiração exigido pela métrica da oração.

Para dizer cada frase inteira e respeitar os intervalos, é preciso baixar o número de inspirações e expirações para seis por minuto, um terço do ritmo normal. Esse ritmo respiratório mais lento reduz a frequência cardíaca e baixa a pressão arterial. Daí a sensação de calma. Data também do início dos anos 2000 uma série de outros estudos que procuram explicar e medir o efeito do controle da respiração sobre a saúde.

Essa relação é conhecida empiricamente há milênios pela medicina oriental, mas só recentemente começou a ganhar status de assunto sério nos principais centros de pesquisa do mundo. Os resultados são animadores. A respiração controlada, em diversas modalidades, revela-se coadjuvante eficiente no tratamento de transtornos de ansiedade, de hipertensão e até de dores crônicas, em alguns casos permitindo reduzir expressivamente as doses de remédio.

O grande mérito dos estudos recentes sobre respiração é dimensionar seu poder de interferir no funcionamento do sistema nervoso autônomo. Esse sistema é dividido em dois: o simpático e o parassimpático.

O primeiro prepara o corpo para enfrentar situações de perigo. Ao receberem um sinal de alerta, motivado por situação real ou imaginária, diversas áreas do cérebro entram em ação, desencadeando reações destinadas a enfrentar essa ameaça. Substâncias que contraem os vasos sanguíneos (como a adrenalina) são liberadas, provocando aceleração dos batimentos cardíacos e elevação da pressão arterial. Quando a ameaça sai de cena, o sistema parassimpático conduz o corpo de volta a seu estado normal.

A respiração pode interferir nesse processo porque é a única das funções regidas pelo sistema nervoso autônomo que se pode controlar. Não é possível baixar ou elevar voluntariamente a temperatura corporal ou alterar a velocidade da circulação do sangue.

Mas é perfeitamente possível alterar o ritmo da respiração. O que os médicos constataram é que, quando se respira lenta e profundamente, se envia ao cérebro uma mensagem tranquilizadora que ajuda a desarmar os sistemas de defesa.

A respiração mais eficaz para isso é a diafragmática, semelhante à respiração dos bebês, que expandem o abdômen ao inspirar. Estudos do Laboratório de Pânico e Respiração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostram que 70% dos pacientes que sofrem de distúrbios de ansiedade conseguem diminuir em até 60% a dose de antidepressivos e ansiolíticos depois de seis meses.

"Para quem sofre de pânico, o treinamento da respiração diafragmática é o primeiro passo para a resolução do problema sem medicamentos", diz o psiquiatra Geraldo Possendoro, professor de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Selmy Yassuda

ADEUS INSÔNIA, AZIA, RINITE


Cristiane Edelman aprendeu a controlar a respiração há cinco anos: a qualidade de vida melhorou com o fim do mal-estar

Na esteira dessas constatações, nasceram e se multiplicaram os cursos de respiração. Eles atraem principalmente a turma que sempre aderiu alegremente a qualquer novidade na área do bem-estar. Mas têm incorporado também gente que nunca levou muita fé em nada que cheirasse a terapia alternativa. Foi por pura curiosidade que o empresário Robson Gouvêa, de 51 anos, procurou a Fundação Arte de Viver, uma das primeiras a oferecer esse tipo de curso. Isso foi em 2007.

Gouvêa, que comanda a rede de magazines Leader, do Rio de Janeiro, gostou do resultado. Diz que sua grande conquista foi aprender a respirar fundo antes de tomar decisões importantes. Ele trabalha cerca de dez horas por dia. Para administrar o stress, joga tênis e pratica corrida.

"A respiração passou a fazer parte da minha rotina de bem-estar", diz. A atriz Juliana Paes aderiu no ano passado, quando estava se preparando para viver a Maya de Caminho das Índias. "Eu estava muito ansiosa. Ia começar a novela e sabia que a pressão seria enorme. Aprender a respirar foi fundamental para enfrentar a empreitada com mais tranquilidade", diz Juliana, que, assim como a atriz Priscila Fantin, vê na qualidade do sono o maior benefício obtido com a prática.

Em geral, quem faz regularmente exercícios respiratórios relata ter conquistado um precioso aliado para enfrentar o stress e a correria do dia a dia. A medicina confirma. "Vejo o controle respiratório como parte de uma estratégia de vida saudável, ao lado da alimentação balanceada e da atividade física regular", diz Bernardi.
Selmy Yassuda

PRATICANTES CONVICTOS


Alunos da Fundação Arte de Viver se exercitam na Praia de Ipanema: bons resultados confirmados pela medicina

Executiva de recursos humanos, a carioca Cristiane Edelman, hoje com 45 anos, não tem dúvida dos ganhos que obteve desde que incorporou o condicionamento respiratório ao seu cotidiano. Submetida à puxada rotina das consultorias internacionais, ela vivia entre voos e reuniões Brasil afora. Passou a sofrer os reflexos do stress e da ansiedade no corpo. Por duas vezes, chegou a parar no pronto-socorro.

"Tinha formigamentos no rosto, achava que estava infartando, vivia com insônia, azia, e tinha rinite alérgica", conta. Cristiane só conseguiu dar um basta nesse mal-estar quando procurou uma terapeuta, cinco anos atrás, que lhe ensinou técnicas de respiração. "Minha qualidade de vida teve uma sensível melhora", diz.

Outra vertente em que as pesquisas constatam bons resultados do condicionamento respiratório é o controle da pressão arterial. Em 2002, o Food and Drug Administration (FDA), a agência americana que regula a venda de medicamentos, liberou um dispositivo chamado Resperate, uma espécie de walkman criado por médicos israelenses com o propósito de ditar o ritmo das inspirações e expirações.

A prática de quinze minutos diários mostrou efeito significativo em estudos que abrangeram 507 hipertensos, todos sob orientação médica (veja o quadro). Após oito semanas, a redução média de pressão foi de 15 por 9 para 14 por 8. Em 10% dos casos a hipertensão desapareceu. Mesmo sem o aparelhinho, a física paulistana Elisa Wolynec, 68 anos, conseguiu idêntico resultado.

Ela sempre levou uma vida saudável. Há cinco anos, descobriu que sua pressão estava alta. Começou a tomar medicação, mas teve uma série de efeitos colaterais desagradáveis e, em outubro de 2008, sob orientação médica, decidiu apostar na prática de exercícios de respiração lenta e profunda.

Desde então, dedica quinze minutos todos os dias a eles, com muita disciplina. Aos poucos, o médico reduziu a dose de medicação e, desde janeiro, Elisa não toma comprimidos.

Sua pressão chegava a 17 por 9 e estabilizou-se em 12 por 7. "Depois de dois ou três meses de prática, observa-se em alguns casos redução semelhante à que se consegue com remédios", diz Décio Mion, chefe da unidade de hipertensão do Hospital das Clínicas da USP, que no ano passado conduziu um estudo sobre o assunto com 27 hipertensos em grau leve.


A tabela da Copa do Mundo de 2010

Brasil ficou com o grupo da morte, com Coreia do Norte, Costa do Marfim e Portugal. Confira a tabela completa para a Copa do Mundo da África do Sul
REDAÇÃO ÉPOCA

Faltou sorte ao Brasil no sorteio da Copa do Mundo, realizado na tarde desta sexta-feira (4), na Cidade do Cabo, na África do Sul. O Brasil caiu no grupo da morte, ao lado das fortes seleções de Portugal e da Costa do Marfim, além da Coreia do Norte, a equipe mais fraca da chave.

A boa notícia é que o Brasil caiu no grupo que a comissão técnica da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) avaliava como o mais tranquilo do ponto de vista logístico, pois os dois primeiros jogos serão na mesma cidade, Johannesburgo.

A primeira partida será no dia 15 de junho, contra a Coreia do Norte, às 15h30 de Brasília. O segundo jogo, diante da Costa do Marfim, será no dia 20. A terceira partida do Brasil será contra Portugal, em Durban, no dia 25 de junho.

Costa do Marfim é uma seleção desconhecida da maioria, mas que conta com grandes jogadores. Sua maior estrela é o atacante Didier Drogba, do Chelsea, da Inglaterra, considerado um dos melhores do mundo em sua posição. Já Portugal, que sofreu para conseguir sua classificação nas eliminatórias da Europa, tem em Cristiano Ronaldo, companheiro de Kaká no Real Madrid, seu melhor jogador.

Os classificados do grupo G, o que está o Brasil, vão enfrentar na segunda fase as equipes do grupo H, com Espanha, Honduras, Chile e Suíça.Os classificados do grupo G, o que está o Brasil, vão enfrentar na segunda fase as equipes do grupo H, com Espanha, Honduras, Chile e Suíça.



O mapa até a final foi traçado. A sorte está lançada

GRUPO A
África do Sul África do Sul
México México
Uruguai Uruguai
França França

GRUPO B
Argentina Argentina
Nigériao Nigéria
Coreia do Sul Coreia do Sul
Grécia Grécia

GRUPO C
Inglaterra Inglaterra
Estados Unidos Estados Unidos
Argélia Argélia
Eslovênia Eslovênia

GRUPO D
Alemanha Alemanha
Austrália Austrália
Sérvia Sérvia
Gana Gana

GRUPO E
Holanda Holanda
Dinamarca Dinamarca
Japão Japão
Camarões Camarões

GRUPO F
Italia Itália
Paraguai Paraguai
Nova Zelândia Nova Zelândia
Eslováquia Eslováquia

GRUPO G
Brasil Brasil
Coreia do Norte Coreia do Norte
Costa do Marfim Costa do Marfim
Portugal Portugal

GRUPO H
Espanha Espanha
Suíça Suiça
Honduras Honduras
Chile Chile


Mostrar as pernas ficou chique

Os vestidos curtos invadiram os tapetes vermelhos das mais badaladas festas do cinema e da televisão. Estão liberados para todas as mulheres agora
Fernanda Colavitti

O vestido longo sempre foi sinal de elegância – e obrigatório em certas ocasiões. Não mais. O tradicional traje de gala ganhou concorrentes à altura – ou melhor, de altura bem menor. Neste ano, nos principais eventos de gala do cinema e da televisão, o longo dividiu os holofotes com muitas – e belíssimas – pernas.

Foi com vestidos acima do joelho que as modelos Gisele Bündchen, Naomi Campbell, Bar Refaeli, a atriz Anne Hathaway, a cantora Madonna e outras famosas compareceram ao Museu Metropolitano de Arte, em Nova York, para o Costume Institute Gala, a principal premiação do mundo da moda, em maio.

No mesmo mês, a atriz Sharon Stone desfilou com um microvestido tomara que caia e cauda longa com babados no tapete vermelho do Festival de Cinema de Cannes. Não foi a única a deixar o longo no armário na ocasião, o que se repetiu em diversas outras festas de gala deste ano. O vestido curto esteve presente, inclusive, no mais glamouroso e badalado de todos os eventos. Foi a ousada opção de figurino das atrizes americanas Zooey Deschanel e Lindsay Lohan para a cerimônia de entrega do Oscar 2009.

Quer dizer que os elegantes e clássicos longos estão fora de moda? Não, de acordo com a consultora de moda Manu Carvalho. “Quem quiser usar o longo pode, quem quiser usar o curto também pode. A moda está mais democrática. O que está fora de moda é impor regras. A quebra delas é um dos principais fenômenos desse universo nos anos 2000”, diz.

É por esse motivo que a atriz Juliana Paes acertou duas vezes com relação ao modelito curto e justo que usou durante a cerimônia de entrega do Emmy, prêmio americano de televisão, no final de novembro. Primeiro acertou na escolha, depois na resposta que deu aos que se indignaram por ela não ter se apresentado no tapete vermelho com um longo clássico de festas. “Isso é coisa de gente careta”, disse na ocasião, referindo-se às críticas. De fato é, segundo os especialistas.

O consultor de moda Yan Acioli, que cuida do guarda-roupa da apresentadora Sabrina Sato e da cantora Claudia Leitte, diz que essa discussão não existe mais. “As pessoas ligadas à moda e à indústria perceberam que a roupa pode ser curta e elegantérrima.

O que prova isso é que todas as grandes grifes do mundo, como Prada, Gucci e Dolce & Gabbana, usam o mesmo material de qualidade tanto em seus vestidos longos como nos curtos”, afirma. Quando a barra do vestido sobe, a exigência em relação a sua qualidade sobe junto.

Não dá para aparecer em um evento black tie usando um vestidinho de malha, por exemplo. Mesmo curto, o traje precisa ser suntuoso. Até mais que o longo. “Quando uma mulher opta por quebrar o código de vestimenta com um modelo curto, ele obrigatoriamente precisa ser feito de um tecido mais sofisticado”, diz Acioli.

Entre eles o cetim de seda pura, o shantung, a musselina, o tafetá, o crepe e as rendas. Detalhes como fendas, transparências e pedrarias também ajudam a compor um figurino mais glamouroso.

Além disso, o vestido curto exige uma produção mais caprichada, diz a consultora de moda Raquel Sebe. Com a barra acima dos joelhos, os sapatos ficam em evidência. O salto é obrigatório, e as plataformas estão vetadas. O ideal é que o penteado e as joias também sejam mais elaborados.

“É preciso ter cuidado para não ficar parecendo uma drag queen ou com cara de quem está indo para a balada”, diz. “É mais fácil acertar com um vestido longo do que com um curto, apesar de ele não ser mais proibido.” Assim como os demais consultores, ela afirma que não é preciso ser famosa para se arriscar, todas as mulheres estão liberadas para o curto.

Mesmo aquelas que não têm a idade nem a forma física da Juliana Paes ou da Gisele Bündchen? “É antigo dizer o que a pessoa deve ou não usar, é a mulher que tem de decidir se está ou não na idade e com um corpo ideal para sair de vestido curto”, diz Manu Carvalho.

Ah, sim, toda essa democracia com relação à barra da saia se refere apenas às festas. No trabalho – e, como se viu há algumas semanas, em faculdades como a Uniban – ainda se recomendam pernas cobertas.


05 de dezembro de 2009 | N° 16176
NILSON SOUZA


Enigmáticos

Estava pesquisando sobre os enigmas do escritor Edgar Allan Poe quando caí num blog chamado portaldastrevas, mantido por alguém que se autodenomina mortícia–lacrimosa e que recebe os visitantes com uma saudação relativamente amistosa, mas nada entusiasmante: “Bem-vindo(a) ao inferno”.

Dei uma volta por lá e, entre poemas mórbidos, odes ao suicídio e desenhos de enforcados, encontrei o que procurava. Uma biografia do escritor norte-americano, obviamente destacando o lado escuro de sua atormentada vida. Voltei ao meu texto pensando em como o mundo ficou pequeno: a autora do tétrico registro pode ser alguém que mora na Ilha da Madeira ou uma blogueira que trabalha ao meu lado.

De qualquer maneira, sou-lhe agradecido pela involuntária contribuição, já que aprendi um pouco mais sobre o autor de O Corvo. Descobri, inclusive, que ele foi dono de jornal em Nova York.

Por que me interessei por Poe? A menina dos meus olhos recebeu como tarefa escolar a leitura em inglês de cinco textos do contista. Saí atrás de seus livros e encontrei, numa das novas livrarias da cidade, uma verdadeira preciosidade: as obras completas do escritor norte-americano por R$ 19. Ela leu um dos poemas e me alertou: “O poema tem um enigma que ainda não consegui decifrar”.

Voltei correndo para a pesquisa. Era uma coisa simples: juntando-se a primeira letra da primeira linha, com a segunda letra da segunda linha e assim por diante, chega-se ao nome de uma mulher, uma poetisa, com quem Poe trocava correspondência e, possivelmente, afetos. Pelo que entendi, ele gostava de passar recados cifrados nos seus textos, especialmente de formar acrósticos para homenagear amigas e amadas. E assim cativava leitores.

Enigmas são sempre fascinantes. Poucas coisas são tão prazerosas quanto decifrar uma charada. Chega a ser difícil de entender o que leva uma pessoa a despender tempo e energia em busca de uma resposta que na maioria das vezes não tem outra serventia a não ser o próprio prazer de chegar-se até ela.

Mas somos assim. Minha mulher adora resolver palavras cruzadas e não é incomum que eu adie meu sono para tentar ajudá-la, mesmo quando ela não me solicita ajuda.

Foi fácil solucionar o enigma de Poe. Mas fiquei com outra curiosidade para saciar: o que leva alguém a alimentar diariamente um blog tão lúgubre? Sinceramente, não sei.

Mas sei o nome da moça: segunda letra do título desta crônica, última da primeira palavra do primeiro parágrafo, primeira da última palavra do segundo parágrafo, vigésima quinta letra do terceiro parágrafo, trigésima segunda do quarto, e última do quinto. Respostas para o e-mail acima.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



02 de dezembro de 2009 | N° 16173
MARTHA MEDEIROS


Os meio honestos

Tenho lido as mais diversas opiniões a respeito de como deve jogar o Grêmio no próximo domingo contra o Flamengo: há os defensores de o time entregar o jogo para não permitir que o Inter seja campeão, e há os que defendem a dignidade acima de tudo: tem que jogar pra valer e seja o que Deus quiser (tudo indica que Deus vai querer ver o Rio de Janeiro em festa, mesmo que o Grêmio dê tudo de si...).

Na lista das minhas preocupações cotidianas, o futebol nem entra. Ele está, no máximo, na lista das minhas diversões, e não chega a ocupar os 20 primeiros lugares. Ocupou, na minha adolescência.

Hoje, é uma alegria pontual, que acontece apenas em finais de campeonato e em jogos de Copa do Mundo, quando o Inter e a Seleção Brasileira estão em campo. Sou colorada, é sabido. E brasileira.

Como colorada, obviamente que eu adoraria que o Grêmio goleasse o Flamengo dentro do Maracanã, e se vencer com jogadores pouco experientes, tanto melhor: seria a chance de despontarem novos ídolos.

Mas essa sou eu, uma reles mulherzinha cujas paixões insanas estão reservadas para outros setores da vida, jamais para o futebol, e que nunca se importou de o Grêmio vencer campeonatos, desde que o Inter já estivesse fora do páreo. Desculpe a inocência.

Pelo que me foi dito por quem tem melhor memória do que eu, os colorados também já fizeram das suas para prejudicar o Grêmio. Se é verdade que o Inter algum dia jogou propositadamente mal, então também não honrou os próprios calções.

Rivalidade tem limite. Pode ser algo divertido e infantil, no que a infantilidade tem de melhor, que é o nosso resgate dos tempos do colégio, das gincanas, das turmas de rua.

Natural que, mesmo crescidos, o espírito de disputa permaneça, que se diga “bem feito” quando o lado de lá perde, que se toquem flautas, que se soltem foguetes quando nosso adversário leva um gol. Coisa de piá.

O limite da rivalidade é extrapolado quando deixamos de ser gremistas ou colorados para virar um tipo de torcedor mais agressivo: aquele que é, antes de tudo, antigremista ou anticolorado, e que torce mesmo é pela humilhação do oponente em qualquer circunstância.

É o lado perverso da infantilidade: são homens e mulheres que não conseguiram transpor os ritos de passagem, não suportam se sentir inferiores e confundem o futebol com uma espécie de religião. Aí deixam de pensar.

Se você fosse mãe ou pai de um jogador de futebol que entrasse em campo pressionado a perder, que conselho daria a seu filho?

a) “Faça o que seu patrão mandar. Emprego não anda fácil.”

b) “Se você é macho, jogue mal e ferre seu inimigo. Honra é pra boiola.”

c) “Quem tem escrúpulo, tem todos os dias. Não é desonesto no domingo e depois compensa sendo honesto na segunda-feira.”

Tomara que estejamos de acordo sobre escrúpulos, não só pro bem do futebol, mas pro bem do país, que está precisando.

Quarta-feira, Dia Internacional do sofá. Aproveite. Uma linda quarta-feira para vc.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009



01 de dezembro de 2009 | N° 16172
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um semeador de livros

O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.

A frase de Mario Quintana me veio à memória ao ler que o poeta Itálico Marcon está doando 180 mil volumes de sua biblioteca, considerada a segunda maior particular do país, para o projeto Banco de Livros. Trata-se de uma iniciativa da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul destinada a reunir 500 mil tomos para a montagem de acervos em comunidades carentes.

A história toda está contada em uma bela reportagem de Luiz Antônio Araújo, publicada no penúltimo número do caderno Cultura, de Zero Hora. Os livros de Itálico Marcon ocupavam três apartamentos de três quartos do prédio em que ele vive, na Independência. Entre eles havia raridades como uma edição de A Divina Comédia, de Dante Alighieri, publicada no século 18, na Itália. Essa e outras preciosidades provavelmente serão destinadas à Biblioteca Pública.

As demais obras, no entanto, têm endereço certo: centenas de centros de cultura espalhados por todo o Rio Grande. É esse o grande mérito da doação. Vilarejos, bairros, pequenas cidades passarão a contar com polos irradiadores do legado da civilização. Não me refiro a algo imaterial. Hemingway dizia que todos os bons livros se parecem por serem mais verdadeiros do que se tivessem acontecido realmente.

Imagino dezenas de milhares de crianças, legiões de adultos, em grandes centros ou mínimos povoados, dialogando com o universo atemporal da literatura. Imagino-os descobrindo novos mundos dentro de si próprios ao simples contato com páginas antes desconhecidas.

Somerset Maugham escreveu que “quando leio um livro, tenho a impressão de lê-lo somente com os olhos, mas de vez em quando topo com um trecho, talvez apenas uma frase, que tem uma significação para mim, e ele se torna parte de mim”.

Itálico Marcon, além de poeta e bibliófilo, é também um jurista, um crítico literário e um ensaísta.

Mas quero crer que, de toda a sua obra, que espelha o seu talento, poucos capítulos serão mais duradouros do que a doação que vem de fazer. Pois ele está repartindo algo que não tem preço: um pedaço dos sonhos e dos caminhos da aventura humana sobre a Terra.

Uma linda terça-feira, aproveite o dia e que haja muito sol dentro desse seu coraçãozinho.