sábado, 19 de junho de 2010

Don Quixote vai à faculdade

Jorge Lavat, O estudante, Roberto Girault

Chano é um homem de 70 anos que decide voltar a estudar.

Alguns membros de sua família apóiam a decisão, outros não concordam…

Mas ele acaba entrando em uma faculdade. A adaptação não é fácil – afinal, os estudantes têm, em média, 20 anos, e estranham o senhor sentado entre eles.

Aos poucos, ele vai conquistando a amizade de um jovem viciado em cocaína, uma garota que se envolve com um professor casado e outros estudantes, cada um deles com seus problemas particulares.

Essa é a história de O estudante, filme mexicano produzido em 2009 pelo estreante diretor Roberto Girault.

Jorge Lavat, que interpreta Chano, está ótimo em seu papel. As cenas em que pouco a pouco vai ganhando a confiança dos jovens são ótimas: o choque de idades gera momentos muito divertidos.

A história também é tocante. Chano é como Don Quixote: idealista, sai em busca de seu sonho, não importa o que digam contra.

A obra de Miguel de Cervantes, inclusive, possui um papel central na educação dos jovens e no modo como eles interagem com o idoso estudante.

Uma produção simples, mas extremamente tocante e divertida. Vale a pena conferir.


19 de junho de 2010 | N° 16371
NILSON SOUZA


O som da África

Como gosta de brincar o Scliar, a batalha final nesta Copa africana não será entre alemães e holandeses, que estão confirmando o favoritismo, nem entre brasileiros e argentinos, que sonham com um tira-teima continental na vitrine planetária do Mundial, mas, sim, entre os tocadores de vuvuzelas e os que não suportam o barulho das cornetas. Estou, decididamente, no segundo time.

Sempre que inventarem alguma coisa capaz de perturbar o sossego alheio, me incluam fora disso. Jamais sopraria um berrante daqueles. O futebol virou outra coisa com aquela zoeira incessante, que lembra a aproximação de um enxame de abelhas furiosas.

Nas primeiras vezes que fui a um estádio de futebol, menino ainda, levado por um tio ao antigo Passo D’Areia, assim mesmo, com apóstrofo, a coisa que mais me impressionou foi o barulho dos chutes.

A gente nem precisava ficar perto da tela para ouvir a batida da chuteira na bola, especialmente quando um zagueiro mais vigoroso dava uma rebatida ou quando um jogador cobrava tiro de meta ou falta. O ruído da número 5 explodindo na trave é uma de minhas lembranças sonoras inesquecíveis da infância.

Em outros estádios que frequentei, também tive a oportunidade de ouvir outros sons do futebol, sendo o mais impressionante deles o silêncio das arquibancadas – no momento de uma cobrança de pênalti ou quando o time da casa leva um gol. Há ocasiões em que se pode ouvir as batidas dos corações.

Um estádio de futebol lotado é um organismo vivo, com voz, com movimento e com sentimentos. Poucas coisas são tão belas e emocionantes quanto o canto alucinado de uma torcida, milhares de vozes na mesma canção, no mesmo ritmo, no mesmo desejo. E o que dizer daquele pequeno coro que começa lento e vai crescendo até se transformar num grito de guerra mobilizador?

As vuvuzelas, com todo o respeito aos costumes africanos, inviabilizam esta parte bonita do espetáculo.

Mas acho que a Fifa tem razão em não proibir agora. Seria como tirar o brinquedo das mãos das crianças no dia seguinte ao Natal. Os sul-africanos suaram sangue para organizar a Copa, para construir e reformar estádios, para deixar suas cidades em condições de receber visitantes de todo o mundo – inclusive os descendentes dos povos que escravizaram seus antepassados.

É mais do que justo que façam a festa à sua maneira. Se lhes dá prazer soprar sem parar naquelas trombetas coloridas, que o façam. Os incomodados que usem tampões de ouvido, como estão fazendo muitos torcedores.

Depois da Copa, a gente volta a falar no assunto. Até mesmo porque, em 31 dos países participantes, ninguém terá vontade de soprar vuvuzela por algum tempo.

quarta-feira, 16 de junho de 2010



16 de junho de 2010 | N° 16368
MARTHA MEDEIROS


Onde fica o gol?

Em função da mobilização com a Copa do Mundo, andei me lembrando de uma conversa que tive com um amigo, anos atrás. Ele liderava uma equipe numa agência de publicidade e trabalhava em ritmo alucinado. No decorrer do papo, ele desabafou dizendo que era difícil conviver com colegas que não sabiam para que lado ir, o que fazer, como agir, e que por causa dessas incertezas perdiam tempo e faziam os outros perderem também.

E exemplificou: “Sabe por que eu sempre gostei do Pelé? Porque o Pelé pegava a bola em qualquer lugar do gramado e ia com ela reto para o gol. Ele sabia exatamente para onde tinha que chutar”.

– Isso que você nem é muito fã do esporte – comentei.

– Pois é, não jogo futebol, mas tenho alma de artilheiro: entro em campo e já saio perguntando onde é que é o gol. É pra lá? Então é pra lá que eu vou, sem desperdiçar meu tempo, sem ficar enfeitando.

Taí o que a gente precisa se perguntar todo dia quando acorda: onde é que é o gol?

Muitas pessoas vivem suas vidas como se dopadas, chutando para todos os lados, sem nenhuma estratégia, contando apenas com a sorte. Elas acreditam que, uma hora dessas, de repente, quem sabe, a bola entrará. E, até que isso aconteça, esbanjam energia à toa.

“Goal”, em inglês, significa objetivo. Você deve ter um. Conquistar um cliente, ser o padeiro mais conceituado do bairro, melhorar a aparência, sair de uma depressão, ganhar mais dinheiro, se aproximar dos seus pais.

Pode até ser algo mais simples: comprar as entradas para um show, visitar um amigo doente, trocar o óleo do carro, levar flores para sua mulher. Ou você faz sua parte para colocar a bola dentro da rede, ou seguirá chutando para as laterais, catimbando, sem atingir nenhum resultado.

Quase invejo quem tem tempo a perder: sinal de que é alguém irritantemente jovem, que ainda não se deu conta da ligeireza da vida. Já os veteranos não podem se dar ao luxo de acordar tarde, e, no caso, “acordar tarde” não significa dormir até o meio-dia: significa dormir no ponto, comer mosca. Não dá. Depois de uma certa idade, é preciso ser mais atento e proativo.

Parece um jogo estafante, nervoso, mas não precisa ser. O gol que você quer marcar talvez seja justamente aprender a ter um dia a dia mais calmo, mais focado em seus reais prazeres e afetos, sem estresse. É uma meta tão valiosa quanto qualquer outra. Só que não pode ser um “quem sabe”, tem que ser um gol feito.

Essa é a diferença entre aqueles que realizam as coisas e os que ficam só empatando.

Lindo dia para você. Aproveite o Dia Internacional do sofá e namore bastante.

sábado, 12 de junho de 2010



13 de junho de 2010 | N° 16365
L. F. VERISSIMO


O tempo do telex

Quando quero impressionar alguém com a minha veteranice em matéria de Copa do Mundo (esta é a minha sétima), não digo que sou do tempo da seleção com Zico e Falcão de 86, ou a do Lazaroni de 90. Digo que sou do tempo do telex. O futebol mudou bastante desde então, mas nada mudou tanto quanto os instrumentos para cobrir uma copa.

O telex era uma máquina de escrever infernal na qual se picotava uma fita, que depois passava por outra máquina, que a transmitia. Lembro que na Copa de 90, na Itália, nem telex eu tinha à mão. Datilografava as matérias e depois as levava para o centro de imprensa, de onde elas eram mandadas ao jornal por fax. Hoje, claro, até o fax, aquela coisa milagrosa, é relíquia pré-histórica.

Hoje você digita sua matéria no próprio estádio, se quiser, e a manda com um único toque no teclado. Com o dedo mindinho, se preferir.

Quanto às mudanças no futebol, não foram tão radicais. Algumas coisas que se discutiam em 86, por exemplo, continuam sendo discutidas agora, talvez com outro vocabulário. O “cabeça de área” execrado ganhou o nome mais elegante de “volante de contenção”, mas futebol mais ou menos defensivo, mais ou menos gente no meio do campo, mais arte e menos força ou mais força e menos arte, ainda dividem opiniões do mesmo jeito.

Uma diferença grande entre a Seleção Brasileira de 86 – escolhida aqui só porque foi a primeira que vi ao vivo numa Copa – e a de hoje é que então eram poucos os jogadores que atuavam no Exterior. Hoje a maioria joga fora do país. A internacionalização do futebol foi um dos fenômenos que cresceram desde o tempo do telex e do cabeça de área.

As seleções atuais podem mesmo – simplificando-se um pouco – serem divididas entre importadoras e exportadoras, aquelas cujos jogadores jogam quase todos no seu próprio país, como a italiana, a alemã e a inglesa, e aquelas cujos jogadores precisam ser repatriados para formar um time. Não tenho a menor ideia de como isso influi nas suas atuações em Copas. Importadoras e exportadoras têm tido resultados parecidos.

Do que mais eu me lembro da minha primeira Copa, no México? O jogo Brasil e França que perdemos nos pênaltis, um dos melhores que já vi. E as dores de barriga. Tinham nos avisado que comer a comida mexicana era um perigo. Não era verdade. Respirar, no México, era um perigo. Tive as primeiras cólicas descendo do avião.

As seleções de hoje podem ser divididas entre importadoras e exportadoras de craques.

Brasil

Horror no Maranhão

A história do pai que abusou sexualmente da filha por dezessete anos, teve sete filhos com ela e é acusado de estuprar uma filha-neta de 5 anos

Júlia de Medeiros, de Pinheiro
Fotos Manoel Marques - Pais e filhos



Sandra Monteiro teve o primeiro filho com seu pai, José Agostinho Pereira (ao lado), com 17 anos.

A pedofilia é quase endêmica em regiões do Norte e Nordeste do país. Ainda assim, o drama vivido por Sandra Maria Monteiro, de 29 anos, assombrou a cidade maranhense de Pinheiro, a 340 quilômetros de São Luís. Aos 12 anos, Sandra começou a ser abusada sexualmente por seu pai, o lavrador e pescador José Agostinho Bispo Pereira, de 54 anos.

Aos 17, engravidou dele pela primeira vez. Ao todo, teve sete filhos com Pereira. O mais novo nasceu há dois meses. Todos foram registrados apenas com o nome da mãe. Os médicos constataram que a quarta filha, de 5 anos, foi molestada. O hímen da garota foi rompido parcialmente e há ferimentos e inflamações no interior de sua vagina – indicadores de que ela sofreu um ataque recente. Os legistas acreditam que as lesões podem ter sido causadas pela introdução de dedos ou objetos.

Arredia, a menina chora muito e nega as agressões, uma reação comum em crianças vítimas de crimes sexuais. Sua irmã mais velha, de 8 anos, contou à polícia que o pai/avô também "mexia" nela própria. Como essa menina continua virgem, a polícia concluiu que ela era bolinada por Pereira. Sandra, irmã e mãe das crianças, diz que não sabia que suas filhas também eram atacadas.

Os abusos ocorriam em um casebre de pau a pique onde a família vivia isolada, a uma hora e meia de viagem da cidade de Pinheiro. Com o vizinho mais próximo a 1 quilômetro de distância, Pereira perpetrava suas monstruosidades com liberdade absoluta, desde que sua mulher o deixou só com os quatro filhos, para se juntar a outro homem, em São Luís. Sandra saía pouco de casa e só o fazia quando o pai autorizava.

A cada nova gestação, inventava um namorado fictício, que dizia aos dois irmãos e à irmã mais velha ser o pai do bebê. Seis anos mais novo que Sandra, José Inácio Monteiro desconfiava das mentiras, mas nada fez.

A primogênita, Maria Sandra Monteiro, de 31 anos, disse que tem um filho de 14 anos com o pai e que foi violentada até fugir de casa. O outro irmão ainda não foi identificado pela polícia e, por isso, não forneceu o seu depoimento.
AP
Monstro austríaco

Josef Fritzl prendeu a filha aos 18 anos e teve sete filhos com ela

O horror foi revelado depois que um dos vizinhos mais próximos denunciou a um político local as condições em que os Pereira viviam. Ele suspeitava não só de abuso sexual, como também de que Sandra e seus filhos viviam presos. As crianças foram encontradas seminuas e desnutridas – alimentavam-se apenas de peixe e farinha de mandioca.

Nunca haviam escovado os dentes. Mudo, o segundo filho, de 8 anos, jamais recebeu tratamento. Depois de quinze dias de investigação, Pereira foi preso em flagrante por abandono, maus-tratos e cárcere privado. Sandra e seus filhos foram levados para o Conselho Tutelar de Pinheiro.

No início, ela negou ter sido forçada pelo pai a fazer sexo. Depois, admitiu o incesto. Pereira confirmou as relações com a filha e que é pai das crianças, à exceção da mais velha. De acordo com Sandra, porém, o primogênito também é do pai. Pereira alegou que foi seduzido pela filha ainda menina. "Ela vinha deitar na rede comigo", diz o monstro. Ela nega. "Eu não queria, mas ele ficava bravo", afirma Sandra.

Quando é questionada sobre seus sentimentos em relação a Pereira, ela responde que o perdoa e o ama como pai. "Esse tipo de comportamento é comum em casos como o de Sandra, porque ela viveu em um ambiente no qual a pedofilia e o abuso não são tidos como condenáveis", diz Claudio Cohen, coordenador do Centro de Estudos e Atendimentos Relativos ao Abuso Sexual da Universidade de São Paulo.

As agressões a que Sandra foi submetida são semelhantes às sofridas pela austríaca Elizabeth Fritzl. Em 2008, aos 42 anos, ela foi resgatada pela polícia de um porão onde foi presa pelo pai quando contava somente 18 anos.

Desde os 11 anos, Elizabeth foi estuprada seguidamente pelo pai e teve sete filhos de seu carrasco. No ano passado, Fritzl foi condenado à prisão perpétua por incesto, estupro, cárcere privado e homicídio. Pereira também deve receber uma punição dura.

Os delegados estimam que os estupros possam lhe render uma pena de quarenta anos de prisão. A pesquisadora Maíra de Paula Barreto relata que é costume em comunidades ribeirinhas do norte do Brasil que o pai desvirgine suas filhas. Segundo ela, o mito do boto amazônico, que em noites de lua se transformaria em homem para engravidar virgens, pode ter sido criado para encobrir casos de incesto e pedofilia paternos. Está longe de ser um conto de fadas.

Com reportagem de Leonardo Coutinh

Claudio de Moura Castro

O judeu de Bethesda

"Se livro fosse cultura, os cupins seriam os seres mais cultos do globo. Só livro lido é cultura"

Último dia de aula na escola Walt Whitman. Situada em Bethesda, um bairro intelectualmente sofisticado da região de Washington (DC), é uma das melhores dos Estados Unidos. O pimpolho volta para casa. Poderia estar sonhando com três meses de vadiagem, longe dos livros.

Mas o sonho duraria pouco. Ao fim da tarde, chega o pai judeu, carregando uma sacola de livros recém-comprados. Chama o filho, esparrama os livros na mesa da sala e começa a montar o cronograma de leituras, incluindo a cobrança periódica do que terá sido lido. Ignoro quantos pais judeus passaram também nas livrarias. Mas imagino que não foram poucos.

Ilustração Atômica Studio

Ler livros, glorificar livros, eis uma tradição judaica milenar. Vem de longe e não se buscam muitas explicações científicas para ela. Não obstante, Karl Alexander, da Universidade Johns Hopkins, somando aos 39 estudos sobre o assunto, completou uma pesquisa com alunos do ensino fundamental.

Concluiu que, das vantagens acadêmicas acumuladas pelos alunos mais ricos até a 9ª série, dois terços advêm de atividades de leitura mais intensas durante as férias. Segundo a Secretaria de Educação americana, as perdas dos mais pobres nas férias são "devastadoras". Um pai judeu provavelmente diria: ora bolas, é o que sempre pensei. Mas, para a maioria das pessoas, os resultados são surpreendentes.

Em matemática, foi possível comprovar que, durante as férias, os alunos esqueceram o equivalente a 2,6 meses de aula. Em outras palavras, somente 2,6 meses depois de recomeçarem as aulas os alunos atingem o nível de competência que tinham no último dia de aula da série anterior. Ou seja, férias são um horror para o aprendizado.

Trata-se de resultados valiosos para países que lutam bravamente para melhorar seu claudicante ensino. É simples, se for possível estancar a sangria do "desaprendizado" – que põe a perder 2,6 meses de estudos –, os ganhos serão enormes. Da ordem de 25%? Que outras intervenções seriam tão poderosas?

Tais ideias abrem caminho para muitas linhas de atividade. Pais interessados e comprometidos com a educação dos seus filhos podem fazer o mesmo que os judeus de Bethesda. Mas, vamos nos lembrar, se livro fosse cultura, os cupins seriam os seres mais cultos do globo. Só livro lido é cultura. Portanto, cobranças sem dó nem piedade.

Mas seria só empurrar livros e mais livros goela abaixo dos filhos? Jamais! É preciso desenvolver o prazer da leitura, e o bom exemplo é essencial. À força, pode sair o tiro pela culatra.

Que livros? Não adianta comprar Hegel, Spinoza ou Camões, se as leituras favoritas ainda não passaram muito da Turma da Mônica. É fracasso garantido. Os livros devem andar muito próximo do interesse e da capacidade de compreensão dos leitores, sempre puxando um pouco para cima.

Desviando parcialmente do assunto, quero sugerir aos pais que façam manifestações, que acampem em frente à casa dos prefeitos, até que se mude uma situação vergonhosa. Uma pesquisa recente com as bibliotecas públicas brasileiras pôs a descoberto que (além de fecharem às 6 da tarde) apenas 20% delas abrem aos sábados e só 1% aos domingos.

Como é possível que, nas horas e dias de folga das escolas, as bibliotecas permaneçam fechadas? No caso das leituras de férias, são os únicos dias em que muitos pais poderiam ir à biblioteca para escolher livros com os filhos.

Para aqueles que cuidam da educação como ofício, as implicações da pesquisa da Johns Hopkins não são menos revolucionárias. Mostram ser preciso fazer alguma coisa, somente para conseguir não andar para trás nas férias. Por exemplo, programas públicos de leitura. Não são programas caros nem complicados, basta criar monitorias para garantir que as leituras sejam feitas.

Em um nível mais ambicioso, sobretudo para alunos mais vulneráveis, poderiam ser criados cursos de férias. Não se trata de fazer a mesma coisa que no período letivo, pois seria repetir um ensino aborrecido e pouco produtivo. Precisamos de projetos intelectualmente desafiadores, atividades que estimulem os miolos, jogos e muitas outras coisas.

O que precisa ser aprendido não é muito diferente, mas viria vestido com roupas mais alegres. E, como sabemos que cabeça vazia é oficina do diabo, essas atividades podem até mesmo ter outras consequências benéficas, por evitar rumos pouco recomendáveis em que se deságuam as amplas energias desses jovens.

Claudio de Moura Castro é economist


Sandy: "Acho errado as pessoas rotularem"

A cantora diz que continua a preservar sua vida pessoal e que ninguém pode julgá-la como “filha, esposa, amiga ou irmã”
REDAÇÃO ÉPOCA

Sandy acaba de lançar seu primeiro CD solo, Manuscrito. Com 13 canções de sua autoria, o disco vendeu 40 mil cópias em dez dias. O álbum foi produzido pelo irmão, Junior, e pelo marido, o músico Lucas Lima.

A cantora de 27 anos falou sobre a carreira e a vida pessoal respondendo a perguntas de leitores de ÉPOCA. Sandy diz que fica irritada com os boatos que surgem na mídia. “Minha conduta como filha, esposa, amiga, irmã pouca gente sabe como é. Ninguém pode julgar ou ‘achar’ qualquer coisa”, diz. Ela afirma que encontrou no Twitter a ferramenta para se comunicar de forma direta com seu público.
ENTREVISTA - SANDY

Marisa Cauduro



QUEM É
Sandy Leah Lima nasceu em Campinas, interior de São Paulo, em 28 de janeiro de 1983

O QUE FEZ
Acaba de lançar seu primeiro CD solo, Manuscrito, após uma parceria de quase duas décadas com o irmão, Junior Lima

CARREIRA
Vendeu 17 milhões de discos. Já se apresentou com astros como Caetano Veloso, Roberto Carlos, Andrea Boccelli e Laura Pausini

Como artista solo, você tenta desvincular sua imagem do universo pop teen e se encaixar no universo cult, fazendo referências a Clarice Lispector, dizendo que é melancólica. O que pretende com a nova imagem?
Péricles Costa Stuhr, Porto Alegre, RS

Sandy – Quando falo em melancolia e deixo clara minha admiração por Clarice Lispector e outros autores, meu objetivo é dar um panorama de quais são minhas referências na literatura, o que me inspira artisticamente. Meu trabalho em carreira solo é resultado daquilo que vivo e já vivi e, consequentemente, das coisas que gosto de ler, de ouvir etc. Minha imagem é apenas um reflexo disso.

Não tenho a pretensão de escolher e/ou direcionar meu público. É o público quem nos escolhe. Minha intenção é continuar fazendo música, minha grande realização, e levar algo de positivo às pessoas.

Você teme que os fãs rejeitem esse projeto, já que pode ficar subentendido que o trabalho é voltado para outro público?
José Riglênio Guimarães, Aracaju, SE

Sandy – Vivi algo parecido na dupla com meu irmão. Como tivemos quase duas décadas de carreira, nosso público modificou-se. Alguns fãs se foram, outros chegaram. É um ciclo natural. Sei que isso acontecerá na fase solo. Fico feliz porque vejo alguns fãs “antigos” dando muito apoio; da mesma forma que também tenho notado gente nova se identificando.

No novo CD, todas as músicas foram compostas por você e soam bastante intimistas. Como lida com a exposição de seus sentimentos nas canções?
Elizandra Magalhães, Rio de Janeiro, RJ

Sandy – Este é o projeto em que mais me permiti exprimir meus sentimentos. As composições de Manuscrito não são necessariamente autobiográficas, mas falam muito de mim.

No projeto há muitas coisas implícitas, subentendidas, mas que revelam até um limite que controlo. Continuo, sim, reservada no quesito vida pessoal. Mas aprendi a lidar muito melhor com tudo isso ao longo dos anos.

Se sua carreira solo e a do Junior não forem tão bem como esperam, já pensaram em voltar a cantar juntos?
Regiane Cortes, Muritis, MG

Sandy – Quando optamos por encerrar o projeto juntos, nem sabia o que seria da minha vida profissional. Passaram-se dois anos e meio até eu retornar com este projeto solo. Acabei de voltar e nem parei para pensar nisso. Mas posso adiantar que um “hipotético retorno da dupla” teria de estar atrelado a uma vontade nossa, e não por algo não ter “dado certo”.

"Não serei hipócrita a ponto de dizer que não mexe com meu ego entrar nessas listas de mulheres mais sexy do Brasil"

Artistas que seguiram solo, como Paula Toller, Toni Garrido e Ivete Sangalo, continuam cantando músicas de suas “ex-bandas”. O receio de incluir músicas antigas nos shows é por não querer misturar as coisas ou insegurança de estar sem seu irmão?
Kelly Silva, Nova Iguaçu, RJ

Sandy – Ainda estou formatando meu show. Não defini o que vai entrar no repertório, além das 13 faixas do CD. Não excluo a possibilidade de cantar algumas músicas da fase mais recente da dupla. Músicas como “Abri os olhos” e “Estranho jeito de amar” combinam com a fase atual. E não considero “receio”. Só quero estar com um set list coerente e condizente com o projeto novo.


12 de junho de 2010 | N° 16364
NILSON SOUZA


Força estranha

Um homem de cabelos grisalhos vai cantar e encantar esta noite no Gigantinho, em Porto Alegre. E atrairá tanta gente, tantos admiradores e admiradoras, que os cronistas do futuro haverão de relatar:

De todos os lugares vinham aos milhares. E em pouco tempo eram milhões. Invadindo ruas, campos e cidades. Espalhando amor aos corações.

É fácil de prever que ele vai encarar a multidão com um sorriso tímido entre as rugas do tempo e assim se apresentará:

Eu sou aquele amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores. Aquele que no peito ainda abriga recordações de seus grandes amores.

Então, ele olhará nos olhos de todas as mulheres como se elas fossem uma só, e fará uma proposta absolutamente ousada, mas adequada para este sábado especial:

Eu te proponho nós nos amarmos, nos entregarmos, neste momento, tudo lá fora deixar ficar. Eu te proponho te dar meu corpo, depois do amor, o meu conforto, e além de tudo, depois de tudo, te dar a minha paz.

Claro que haverá um grande suspiro coletivo no ginásio. Implacável, ele adotará um tom respeitoso para lançar flechas docemente envenenadas:

Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer como é grande o meu amor por você...

Quando elas recuperarem o fôlego e enxugarem as lágrimas, ele aproximará os lábios do microfone e começará a sussurrar melodiosamente:

Este amor demais antigo, este amor demais amigo que de tanto amor viveu, que manteve acesa a chama da verdade de quem ama, antes e depois do amor. E você amada amante faz da vida um instante ser demais para nós dois.

Então, antes de arremessar botões de rosa para a plateia suplicante, ele plantará nas almas femininas o significado do gesto.

As flores do jardim da nossa casa morreram todas de saudade de você.

Espalhará, porém, o perfume da esperança e deixará no ar uma visão do paraíso de todos os enamorados.

Além do horizonte, deve ter um lugar bonito pra viver em paz. Além do horizonte, existe um lugar bonito e tranquilo pra gente se amar.

Diante dos olhares brilhantes que se acenderão, ele individualizará a promessa:

Eu te darei o céu, meu bem. E o meu amor também.

Só então ele começará a se despedir suavemente, com a mesma ternura com que se despediu outro dia de Lady Laura, misturando canção e pranto:

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, um soluço e a vontade de ficar mais um instante.

Porto Alegre recebe hoje com muito orgulho esse homem extraordinário, cujo nome nem é preciso mencionar nesta crônica porque todos o identificam por seus versos. Ele realmente possui uma força estranha.

O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece.

quarta-feira, 9 de junho de 2010



09 de junho de 2010 | N° 16361
MARTHA MEDEIROS


Figurinhas

Entrei numa tabacaria para comprar uma revista. Na hora de pagar, havia uma família na minha frente: pai, mãe e um garoto de uns cinco anos. O menino deu uma puxadinha no casaco do pai e disse: “Não esquece as figurinhas”. O pai pediu ao atendente: “Me vê dois pacotes de figurinhas”.

O rosto do menino murchou como se tivesse acabado de descobrir que Papai Noel não existe. “Dois?” O pai nem olhou pra ele. O menino: “Só?”. O pai olhou pra esposa e disse: “Um ou dois, mãe?”. Ela respondeu: “Dois, vai”. O pai foi enfático com o atendente: “Dois pacotes”.

Eu estava com minha carteira na mão e a vontade que tive era de comprar todas as figurinhas da loja para aquele menino que assistiria em breve a sua primeira Copa do Mundo, já que na anterior ele era pouco mais que um bebê.

Mas eu não podia me intrometer na dinâmica daquela família, não podia desautorizar aquele pai, minha gentileza poderia ser considerada uma humilhação para ele, então engoli em seco e fiquei lembrando da minha infância.

Todos os sábados à noite, eu e meu irmão dormíamos na casa de uma das avós. Um sábado na vó Iby, outro sábado na vó Zaíra. Sempre antes de nos deixar lá, o pai nos levava numa tabacaria que ficava na esquina da Coronel Bordini com a Avenida América e permitia que a gente escolhesse um gibi, além de comprar 10 pacotes de figurinha para o álbum que estivéssemos colecionando.

Existia de tudo: álbum com fotos de bichos, de carros, de artistas de novela e muito álbum com jogador de futebol. Dez pacotes. Ah, e Mentex. Uma caixinha de Mentex para cada um. Era o grande momento da semana.

Minhas avós já faleceram, o que é triste, mas não é uma surpresa, ou teriam hoje mais de cem anos. Surpresa é ver que os álbuns de figurinha seguem vivos e com o mesmo prestígio. Uma das poucas tradições que se mantiveram inalteradas.

Existem álbuns virtuais, claro, mas não são esses que empolgam, e sim os feitos de papel, comprados em bancas, com figuras vindas em pacotinhos, tudo igual como antes, e gerando a mesma ansiedade infantil, capaz de mobilizar meninos e meninas a se relacionarem de verdade, olho no olho, para promoverem as trocas.

Aliás, ansiedade não só infantil, como tenho acompanhado aqui em casa. Sábado passado recebi a visita do meu afilhado, de cinco anos, que veio trocar figuras com a prima dele, minha filhinha de 19, que já está na faculdade. Vê-los os dois, sentados no sofá, trocando Nilmar por Robinho, e se excomungando pela falta de um Elano, me fez sorrir e pensar que o mundo tem salvação.

Tanto tem, que aquela história da família na tabacaria não terminou. Aos 45 do segundo tempo, o pai fez um cafuné na cabeça do filho e disse: “Tô brincando. Moço, me dá 10 pacotinhos”.

Não teria como descrever aqui o sorriso do menino, ainda que, por dentro, suspeito que ele quisesse matar o pai – no que eu apoiaria, porque não entendo quem gosta de torturar crianças a título de “brincadeira”. Mas vá lá, foi um final feliz. Ainda bem que não me meti.

Uma ótima quarta-feira. Aproveite o dia


09 de junho de 2010 | N° 16361
MARTHA MEDEIROS


Figurinhas

Entrei numa tabacaria para comprar uma revista. Na hora de pagar, havia uma família na minha frente: pai, mãe e um garoto de uns cinco anos. O menino deu uma puxadinha no casaco do pai e disse: “Não esquece as figurinhas”. O pai pediu ao atendente: “Me vê dois pacotes de figurinhas”.

O rosto do menino murchou como se tivesse acabado de descobrir que Papai Noel não existe. “Dois?” O pai nem olhou pra ele. O menino: “Só?”. O pai olhou pra esposa e disse: “Um ou dois, mãe?”. Ela respondeu: “Dois, vai”. O pai foi enfático com o atendente: “Dois pacotes”.

Eu estava com minha carteira na mão e a vontade que tive era de comprar todas as figurinhas da loja para aquele menino que assistiria em breve a sua primeira Copa do Mundo, já que na anterior ele era pouco mais que um bebê.

Mas eu não podia me intrometer na dinâmica daquela família, não podia desautorizar aquele pai, minha gentileza poderia ser considerada uma humilhação para ele, então engoli em seco e fiquei lembrando da minha infância.

Todos os sábados à noite, eu e meu irmão dormíamos na casa de uma das avós. Um sábado na vó Iby, outro sábado na vó Zaíra. Sempre antes de nos deixar lá, o pai nos levava numa tabacaria que ficava na esquina da Coronel Bordini com a Avenida América e permitia que a gente escolhesse um gibi, além de comprar 10 pacotes de figurinha para o álbum que estivéssemos colecionando.

Existia de tudo: álbum com fotos de bichos, de carros, de artistas de novela e muito álbum com jogador de futebol. Dez pacotes. Ah, e Mentex. Uma caixinha de Mentex para cada um. Era o grande momento da semana.

Minhas avós já faleceram, o que é triste, mas não é uma surpresa, ou teriam hoje mais de cem anos. Surpresa é ver que os álbuns de figurinha seguem vivos e com o mesmo prestígio. Uma das poucas tradições que se mantiveram inalteradas.

Existem álbuns virtuais, claro, mas não são esses que empolgam, e sim os feitos de papel, comprados em bancas, com figuras vindas em pacotinhos, tudo igual como antes, e gerando a mesma ansiedade infantil, capaz de mobilizar meninos e meninas a se relacionarem de verdade, olho no olho, para promoverem as trocas.

Aliás, ansiedade não só infantil, como tenho acompanhado aqui em casa. Sábado passado recebi a visita do meu afilhado, de cinco anos, que veio trocar figuras com a prima dele, minha filhinha de 19, que já está na faculdade. Vê-los os dois, sentados no sofá, trocando Nilmar por Robinho, e se excomungando pela falta de um Elano, me fez sorrir e pensar que o mundo tem salvação.

Tanto tem, que aquela história da família na tabacaria não terminou. Aos 45 do segundo tempo, o pai fez um cafuné na cabeça do filho e disse: “Tô brincando. Moço, me dá 10 pacotinhos”.

Não teria como descrever aqui o sorriso do menino, ainda que, por dentro, suspeito que ele quisesse matar o pai – no que eu apoiaria, porque não entendo quem gosta de torturar crianças a título de “brincadeira”. Mas vá lá, foi um final feliz. Ainda bem que não me meti.

Uma ótima quarta-feira. Aproveite o dia

terça-feira, 8 de junho de 2010



08 de junho de 2010 | N° 16360
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


A Casa da Aldeia

Ela não é nenhum palácio, nenhuma mansão, nenhum shopping center de luxo. Em sua humildade, jaz esquecida, humilhada e ofendida, numa esquina de Cachoeira, não longe das águas do Jacuí. Sem a mínima pompa ou circunstância, atende pelo nome de Casa da Aldeia e ameaça desabar. Erguida há 161 anos, é hoje o imóvel mais antigo da cidade, fora a Igreja Matriz, e se ninguém fizer nada por ela só restarão os escombros de sua memória.

Mais do que isso, permanecerão nada além de sombras exaustas das vidas, das infâncias, dos romances que transcorreram em seu interior ancestral. Quando foi construída, recém terminava a maior guerra que já sacudiu o Rio Grande. Os lanceiros farrapos ainda guardavam as armas dos embates, certos de que haviam obtido uma paz com honra.

Longe estavam ainda as questões platinas, a Guerra do Paraguai, a abolição da escravatura e a proclamação da República. A todos esses episódios a Casa da Aldeia assistiu, como uma testemunha da História navegando no tempo.

Mas depois soçobrou. Mais de um centenar de invernos quase a puseram a pique. O que restou está precariamente preservado por tapumes e uma lona, que buscam conter sua deterioração. Segundo leio no Jornal do Povo, em 2007 a promotora de Justiça Giani Saadi obteve liminarmente a garantia de que a prefeitura desviaria o trânsito das ruas próximas, evitando assim a trepidação que poderia prejudicar sua estrutura.

Agora é outra mulher de igual coragem, a juíza Lílian Astrid Ritter, que determinou ao Município a elaboração e execução de um plano de restauração e proteção para o prédio.

A Oscip Defender delineou um plano que prevê a transformação do espaço em um ponto sociocultural, com o desenvolvimento de projetos de memória, artes, comunicação, turismo e educação patrimonial, contando com uma biblioteca comunitária e ambiente de inclusão digital. Ótimo. Em iniciativas dessa natureza, é preciso ser ousado. Mas se nem tudo for alcançado, que se crie na Casa da Aldeia pelo menos um museu, à altura do passado de Cachoeira.

Então os habitantes e visitantes de hoje poderão transitar pelos caminhos e esquinas do que já foi uma aldeia à beira do rio plantada. Conhecemos, em Cachoeira, épocas melhores. Já fomos a segunda praça financeira do Estado, já detivemos o mais moderno hospital das três Américas, já plasmamos uma ponte-barragem que não conhecia rival no mundo, já fomos a Capital do Arroz do continente.

Não custa resgatarmos um símbolo de nossa ida grandeza.

Lindo dia para você. Aproveite a terça-feira

sábado, 5 de junho de 2010



06 de junho de 2010 | N° 16358
MARTHA MEDEIROS


Sons que confortam

O choro na sala de parto, o primeiro “eu te amo”, o barulho forte da chuva quando você está no quentinho da sua cama...

Eram quatro da manhã quando seu pai sofreu um colapso cardíaco. Só estavam os três na casa: o pai, a mãe e ele, um garoto de 13 anos. Chamaram o médico da família. E aguardaram. E aguardaram.

E aguardaram. Até que o garoto escutou um barulho lá fora. É ele que conta, hoje, adulto: Nunca na vida ouvira um som mais lindo, mais calmante, do que os pneus daquele carro amassando as folhas de outono empilhadas junto ao meio-fio.

Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som do carro do médico se aproximando, o homem que salvaria seu pai. Na mesma hora em que li esse relato, imaginei um sem-número de sons que nos confortam. A começar pelo choro na sala de parto. Seu filho nasceu. E o mais aliviante para pais que possuem adolescentes baladeiros: o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. Seu filho voltou.

E pode parecer mórbido para uns, masoquismo para outros, mas há quem mate a saudade assim: ouvindo pela enésima vez o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu.

Deixando a categoria dos sons magnânimos para a dos sons cotidianos: a voz no alto-falante do aeroporto dizendo que a aeronave já se encontra em solo e o embarque será feito dentro de poucos minutos.

O sinal, dentro do teatro, avisando que as luzes serão apagadas e o espetáculo irá começar.

O telefone tocando exatamente no horário que se espera, conforme o combinado. Até a musiquinha que antecede a chamada a cobrar pode ser bem-vinda, se for grande a ansiedade para se falar com alguém distante.

O barulho da chuva forte no meio da madrugada, quando você está no quentinho da sua cama.

Uma conversa em outro idioma na mesa ao lado da sua, provocando a falsa sensação de que você está viajando, de férias em algum lugar estrangeiro. E estando em algum lugar estrangeiro, ouvir o seu idioma natal sendo falado por alguém que passou, fazendo você lembrar que o mundo não é tão vasto assim.

O toque do interfone quando se aguarda ansiosamente a chegada do namorado. Ou mesmo a chegada da pizza.

O aviso sonoro de que entrou um torpedo no seu celular.

A sirene da fábrica anunciando o fim de mais um dia de trabalho.

O sinal da hora do recreio.

A música que você mais gosta tocando no rádio do carro. Aumente o volume.

O aplauso depois que você, nervoso, falou em público para dezenas de desconhecidos.

O primeiro eu te amo dito por quem você também começou a amar.

E o mais raro de todos: o silêncio absoluto.

Lya Luft

Os enigmas da adição

"Qualquer adição a drogas, para ser superada, exige um esforço sobre-humano, às vezes pelo resto da vida"

Já escrevi sobre esse assunto. Escreverei mais vezes. Observadores, vítimas ou especialistas nesse humano drama, rodeiam na ponta dos pés o enigma de tanto sofrimento.

Os viciados em qualquer droga (incluo aí a droga lícita chamada álcool), suas famílias, testemunhas da dor e decadência de pessoas amadas, as vítimas de violência no trânsito ou em casa, todos são matéria de reflexão e perplexidade. Livros, seminários, teses e teorias em abundância são elaborados em cima da primeira pergunta: por que nos drogamos? E a outra grande indagação: como nos salvamos – se nos salvamos – e por que isso é tão difícil?

Nem para uma questão nem para a outra há muita explicação ou lógica. Não é errado dizer que nos drogamos para anestesiar angústia, tristeza e frustração; por onipotência juvenil, do tipo "eu sei me cuidar"; por achar que ficamos mais fortes, mais falantes, mais interessantes.

A droga cega para os fatos reais, pois bêbados ou impregnados de outra substância somos importunos, chatos, patéticos. Mas não é só isso: existe um componente imponderável, que chamo voz do vórtice sombrio embaixo dessa escada da vida que tantas vezes subimos pelo lado que desce – ele chama para a autodestruição sem freios. A razão de qualquer vício não está na superfície, não é visível. Muitas vezes mesmo para o mais dedicado terapeuta permanece um enigma, que nem o viciado entende.

Uma vez instalada a adição, o amor da família ou pela família, a ruína financeira, vergonha ou isolamento, pouco adiantam: foi-se o instinto de sobrevivência, último a nos abandonar. Algumas drogas, como o crack (objeto de excelentes campanhas), viciam quase imediatamente.

Outras, como o álcool, gozam de criminosa tolerância numa cultura que acha graça dos seus efeitos, ignora seus males e considera natural a propaganda de bebidas, às vezes ligada a esporte ou esportistas.

Drogas sintéticas, agora em voga, poriam fim ao poder do traficante, o que não creio. Somos uma geração medicada: remédio para animar, para acalmar, para transar, para sofrer menos, para não sofrer. Para não pensar, talvez: observem mulheres de qualquer classe e idade com aquele típico olhar vazio da "medicada".

Há quem veja no inocente ritual familiar uma das raízes da tragédia: todo mundo bebe, todo mundo brinda; vinho com água para crianças, champanhe na chupeta do que acaba de ser batizado. Não é tão simples assim. Para os mais ignorantes, o primeiro porre na adolescência é um passo iniciático; um pai divide o cigarrinho de maconha com o filho, achando-se liberal; a mãe finge ignorar os olhos injetados, o fracasso na escola.

Nem todos entendem que adição, seja de que substância for, não é falta de vergonha ou caráter: é doença grave e sem cura, embora passível de controle. Isso provoca hostilidade, incompreensão e afastamento na família. Além do mais, a maioria dos que bebem ou usam drogas (exceto o crack, que cria dependência quase de imediato) não se vicia, o que torna a questão mais complexa ainda: por que uns sim e outros não?

E como nos salvamos? Qualquer adição, para ser superada, exige um esforço sobre-humano, às vezes pelo resto da existência. A família nem sempre consegue ajudar: o viciado torna-se um estranho, os envolvidos se afastam.

Grupos de alcoólicos anônimos e outros são os mais bem-sucedidos, acompanhados de remédios, terapias, quando necessário um período de internação. O medo da morte pode despertar (nem sempre) para a crua realidade; algum novo relacionamento serve de alavanca, se deixar claro: com vício, nada feito.

Os casos de vitória sobre a adição são heroicos; inspiram respeito e admiração; provam que a vida pode superar a morte. Nessa tumultuada arena, a vontade de sair do inferno, o arcaico desejo de sobrevivência, de significado, respeito e reconstrução, às vezes vencem. Ilumina-se o que parecia uma noite definitiva: alguém com alguma ajuda conseguiu abrir a pesada porta para fora dessa prisão, sinal de que outros podem fazer o mesmo.

Lya Luft é escritora


Unidos pelo futebol......e pelo DNA

Os estudos genéticos iluminam a rota migratória da humanidade. Os ancestrais de Luis Fabiano e de Charles Miller, introdutor do futebol no Brasil, saíram juntos da África, agora palco
da grande festa do esporte


Fábio Altman, de Johannesburgo
Montagem com fotos de Paulo Vitale e Elsar/Shutterstock/RF
LUIS FABIANO
O craque da seleção brasileira: ele vai brilhar no continente onde nasceu o Homo sapiens, ancestral de toda a humanidade



Charles William Miller, filho de um escocês que chegou ao Brasil para ajudar a administrar a estrada de ferro Santos-Jundiaí e de uma brasileira de família inglesa, retornou de uma viagem de estudos a Southampton, na Inglaterra, no fim de 1894, com peças curiosas na mala.

Segundo relato do escritor e historiador John Mills, Miller trouxe na bagagem um livro de regras do Association Football, duas bolas de capotão, um par de chuteiras e uma bomba de ar. Em 14 de abril de 1895, no campo da Várzea do Carmo, em São Paulo, ele organizaria a primeira partida de futebol oficial do Brasil, entre as equipes The GasWorks Team e The São Paulo Railway Team.

Luis Fabiano Clemente tinha 13 anos de idade quando foi levado para treinar em seu primeiro clube, o Guarani de Campinas. Ele era um dos grandes destaques de um campinho lindamente apelidado de Buracanã. Criado pela mãe e pelo avô materno, Benedito, o Ditão, dava trabalho na escola e logo se empregou em uma oficina mecânica. O adolescente inquieto que se tornaria cen-troa-vante da seleção de Dunga na África do Sul se alegrava mesmo era no Buracanã praticando o jogo que Charles Miller, falecido em 1953, apresentara ao Brasil 100 anos antes e que foi aqui adotado não apenas como esporte, mas como religião nacional.

Milhões de brasileiros de seis gerações devem ao filho de escocês as emoções insubstituíveis proporcionadas pelo futebol. Centenas de craques saíram dos Buracanãs para a glória, a riqueza e a fama mundial. Para celebrar o encontro, na verdade, o reencontro de Luis Fabiano com Charles Miller e a África, de onde saíram os antepassados comuns deles – e de toda a humanidade –, VEJA decidiu valer-se dos mais modernos métodos da genética para traçar as rotas migratórias das correntes humanas que produziram o artilheiro e o pioneiro do futebol.

VEJA pediu a dois descendentes do pioneiro – Charles Rudge Miller, seu neto, e Angela Susan Fox Rule, sobrinha-bisneta – e a Luis Fabiano que colhessem material genético e permitissem que ele fosse estudado em laboratório. Todos concordaram, e as células (raspadas da parte interna da bochecha) foram submetidas ao teste conhecido como DNA de ancestralidade pelo laboratório Gene, de Belo Horizonte, um dos mais reputados do mundo.

Os avanços desses testes de DNA – os kits podem ser encomendados pela internet – fizeram da antropologia genética um dos métodos mais precisos e rápidos de investigação da evolução e das rotas migratórias da humanidade a partir de seu berço africano.

A Copa do Mundo da África do Sul, a primeira no continente negro, está eivada de simbolismos – a começar pelo fascínio de ser realizada em um país que, até vinte anos atrás, abrigava uma das mais violentas atrocidades do século XX, o regime racista do apartheid, derrotado pela liderança de um personagem mítico, Nelson Mandela. É fascinante também imaginar que jogadores e torcedores das 32 seleções estejam com a atenção voltada para o continente onde o Homo sapiens surgiu.

Ao esmiuçar a jornada genética de Charles Miller e Luis Fabiano – um branco, genuinamente europeu, outro mulato, descendente de escravos africanos –, esta reportagem demonstra a estupidez da "ciência das raças" que, no século XX, embasou o mal absoluto do Holocausto com seus 5 milhões de vítimas "biologicamente inferiores" e deu sustentação ao apartheid sul-africano.

Hoje, a melhor ciência informa que as raças são variações cosméticas do núcleo genético humano, incapazes sozinhas de determinar a superioridade de um indivíduo ou grupo sobre outros. Diz Sérgio Pena, médico fundador do laboratório Gene: "Não somos todos iguais, somos igualmente diferentes".

Para desenhar o mapa que ilustra esta reportagem, foram usados os resultados dos exames de ancestralidade paterna dos personagens. VEJA encomendou também exames que permitem traçar a rota das linhagens maternas de Luis Fabiano e Charles Miller. A linhagem materna é obtida pelo estudo das mutações no DNA mitocondrial que cada pessoa herda apenas da mãe. Ela é menos precisa que as marcas deixadas pelo caminho evolutivo no cromossomo Y, definidor do sexo masculino.

A ancestralidade materna mostra que Luis Fabiano teve uma tataravó da etnia banto, que é predominante na maior parte do continente africano. A linha materna de Charles Miller remonta ao que parece ser a origem comum de quase 100% do DNA mitocondrial, uma Eva mitocondrial africana que viveu entre 11 000 e 15 000 anos atrás.

Em 1972, o biólogo americano Richard Lewontin demonstrou experimentalmente que 85,4% da diversidade dos genes humanos ocorriam entre indivíduos de uma mesma população. Ou seja, quando se examina o núcleo genético, um sueco pode ser mais diferente de outro sueco do que de um indivíduo negro de origem africana. Sérgio Pena faz um curioso raciocínio: "Imagine que um cataclismo nuclear destruísse toda a população da Terra, deixando ilesa apenas a população africana.

O que nos sobraria em termos de riqueza genética? Quase tudo, porque as populações africanas, vistas muitas vezes como homogêneas, são bastante diversificadas. No exemplo catastrófico que estamos utilizando aqui, 93% da diversidade total da humanidade seria preservada. Se apenas a população zulu da África do Sul sobrevivesse, mesmo assim 85% da variabilidade da raça humana estaria presente nos genes dos indivíduos".

O italiano Luigi Cavalli-Sforza, geneticista que primeiro organizou uma árvore genealógica da espécie humana e a relacionou com a evolução das línguas, acredita que sempre fomos induzidos pela aparência a considerar que "as raças são puras (isto é, homogêneas) e muito diferentes entre si".

Escreve ele em Genes, Povos e Línguas: "É difícil encontrar outro motivo para explicar o entusiasmo dos filósofos e cientistas políticos do século XIX, como Gobineau e seus seguidores, pela preservação da pureza racial. Como só podiam estudar os traços visíveis na época, não era absurdo imaginar que raças puras existissem.

Hoje, porém, sabemos que as coisas não são bem assim e que seria praticamente impossível criar uma raça pura. Para obter com efeito uma ‘pureza’ parcial (ou seja, uma homogeneidade genética que nunca ocorre espontaneamente em populações de animais superiores), precisaríamos de, no mínimo, vinte gerações de endogamia".

Charles Miller e Luis Fabiano são diferentes na aparência, mas não no seu coração genético. O estudo comparativo do DNA de ambos mostra que os ancestrais deles começaram juntos a grande aventura migratória da humanidade há cerca de 50 000 anos. Quase 5 000 anos depois, já fora da África, o último ancestral comum de ambos deu origem a descendentes que escolheram rumos diferentes na vida. Eles começaram a carreira-solo com absolutamente a mesma bagagem genética. Como é sabido, o DNA é uma molécula capaz de se duplicar – ou seja, fazer uma cópia de si mesma.

Como toda reação bioquímica, a duplicação do DNA não produz cópias absolutamente perfeitas. O processo sofre influên-cias externas de origem química, da radiação solar e de outras fontes radioativas. Essas pequenas imperfeições tendem a ocorrer seguindo determinado padrão. Elas vão se acumulando com o tempo e tornam-se variações passadas como herança genética para os descendentes, criando uma linhagem.

O isolamento entre as populações que escolheram rotas migratórias diferentes impede que as variações acumuladas por um grupo sejam compartilhadas com o outro – o que, a longo prazo, eliminaria as maiores diferenças pela miscigenação e as duas linhagens se fundiriam em uma só.

As diferenças entre grupos isolados geograficamente tendem a se acentuar também pelas razões expostas por Charles Darwin e seus sucessores no estudo da Teoria da Evolução. As variações genéticas ocorrem ao acaso e, com o tempo, algumas se tornam predominantes em uma população porque elas se mostraram vantajosas para aquela espécie naquele determinado ambiente. Tome-se o exemplo das peles claras e escuras.

O Homo sapiens tinha uma população inteiramente formada por indivíduos de pele escura quando saiu da África. As variações genéticas que tendem a produzir pele clara certamente ocorreram indistintamente em todos os contingentes humanos.

Mas elas só se firmaram como mutações vantajosas para os grupos humanos que foram povoar as latitudes mais baixas do globo terrestre, onde o efeito protetor da melanina, o pigmento que dá cor escura à pele, é desnecessário – e até prejudicial por filtrar a fraca insolação das regiões frias, impedindo a absorção da vitamina D garantida pelos raios ultravioleta da luz solar.

"Os resultados dos exames de ancestralidade de Charles Miller e Luis Fabiano são bonitos porque confirmam, cientificamente, o que imaginávamos encontrar", diz Sérgio Pena. É uma beleza, do ponto de vista da antropologia genética, e demonstra a utilidade de entendê-la e esperar que, um dia, ela ajude a desvendar o enigma clássico da condição humana que é a eterna desconfiança do outro, do diferente, do estrangeiro com sua aparência, cultura e religião estranhas.

O DNA nada sabe desse sentimento. No seu coração genético, a espécie humana é tão mais forte e sadia quanto mais variações apresenta. Se para a humanidade o inferno sempre foram os outros, para o DNA o inferno é o fim das diferenças.
Ipon-Boness/Sipa Press



“Lena, te amamos!”

A Europa festeja a cantora alemã Lena Meyer-Landrut que venceu o festival da canção do continente
Paulo Nogueira, de Oslo

Jörg Carstensen
INOVAÇÃO ALEMÃ
Lena, a diva adolescente. Sorriso fácil, boa voz e uma canção americana

Ela não se veste como Lady Gaga, não bebe como Amy Winehouse, não tem os decotes nem as curvas de Beyoncé, não dança como Madonna, não é bizarra como Susan Boyle. Mas nos últimos dias todas essas cantoras têm parecido pequenas diante da adolescente alemã Lena Meyer-Landrut.

Aos 19 anos, completados no final de maio, Lena é a sensação musical da primavera no Hemisfério Norte.

Com seu estilo original – roupas simples, maquiagem discreta, voz sem berros, mas intensa na hora certa, passos graciosos e um ar de menina doce e simples –, Lena conquistou para a Alemanha o Eurovision, o maior festival de música da Europa. “Satellite”, a canção que ela interpretou em Oslo, a capital da Noruega, sede neste ano do Eurovision, se tornou uma espécie de hino jovem europeu.

“Satellite” é aquele tipo de música que você ouve e depois, sem se dar conta, está cantando.

A grande final da competição, na moderna Telenon Arena de Oslo, foi acompanhada por um público calculado em 100 milhões de pessoas, um dos maiores na história da televisão na Europa. A decisão é fruto de um sistema que mistura o voto popular (por telefone ou SMS) à voz de jurados especializados.

Cerca de 40 países disputaram o Eurovision em 2010. Na primeira etapa, cada um deles fez, por uma rede de TV local, sua escolha. Definidas as músicas, Oslo entrou em cena em meados de maio. Durante duas semanas ensolaradas, a bela e alegre cidade de quase 350 lagos presenciou múltiplos ensaios e duas semifinais antes da grande noite em que a favorita Lena sairia coroada.

Como em todas as competições, houve júbilo e houve lágrimas. A mídia britânica tentava entender e explicar, depois de anunciados os resultados, como o Reino Unido conseguira terminar na última colocação, atrás de países como Albânia, Chipre e Sérvia. O Eurovision fez com que, pelo menos por alguns momentos, os europeus tirassem a cabeça da enorme crise econômica que coloca em risco a sobrevivência do euro como moeda comum de vários países.

A vitória foi festejada como uma Copa do Mundo pelos alemães. Lena foi recebida em sua cidade natal, Hannover, onde está terminando o equivalente ao ensino médio, como uma heroína. Quarenta mil pessoas enfrentaram uma chuva para vê-la chegar ao aeroporto. Com seu sorriso fácil, uma de suas marcas, ela tratou de recomendar à multidão que se protegesse da chuva.

A chanceler Angela Merkel disse que ela é um exemplo e uma inspiração para os jovens alemães. “Lena, amamos você!”, exclamou o jornal sensacionalista Bild. Até a vitória, o Bild ignorou Lena porque ela se recusara a conceder entrevista a seus jornalistas.
‘‘Quando eu canto, não penso em nada. Simplesmente canto’’ LENA MEYER-LANDRUT, vencedora do Eurovision

O Eurovision surgiu em 1956. A intenção era ajudar a reintegrar um continente que saíra destruído e dividido da Segunda Guerra Mundial. Foi uma competição modesta nos primeiros anos. Na década de 70, quando tinha já um tamanho médio, o Eurovision revelou os suecos brilhantemente cafonas do Abba com “Waterloo”, a música vencedora de 1974.
Daniel Sannum Lauten

TALENTO

Lena canta em Oslo, na noite que a consagrou. Ela ainda não terminou

O festival começou a tomar vulto mesmo com a globalização, nos anos 90. Hoje, é uma superprodução que mobiliza dezenas de milhões de pessoas e em torno da qual gira uma indústria vigorosa e em expansão.

O país vencedor ganha o direito de ser a sede no ano seguinte. Já existe uma discussão animada entre os alemães sobre as cidades que merecem abrigar o Eurovision em 2011.

A Alemanha foi recompensada pelas inovações. Pela primeira vez em mais de meio século de competição os alemães inscreveram uma música em inglês.

Outro passo fora da caixa é o fato de que “Satellite” não foi obra de um compositor local: foi comprada num estúdio americano especializado em fazer hits, o Redzone, de Atlanta. “Umbrella”, de Rihanna, foi criada pelo Redzone. “Satellite” não foi sequer composta especialmente para o Eurovision.

Foi escrita há três anos por uma dupla de compositores e estava na prateleira do estúdio à espera de uma oferta.

As ousadias alemãs receberam a contribuição milionária do talento natural, despojado e promissor de Lena. Numa entrevista em Oslo, durante as duas semanas de competição, perguntaram a ela no que pensava ao cantar. “Quando eu canto, não penso em nada”, disse Lena. “Simplesmente canto.”

Ela tem o maior atributo de uma diva: quando canta, o mundo ouve. A Europa está apaixonada por ela: “Satellite” é número um em downloads em vários países do continente.

Lena é a namoradinha dos europeus – e esse é um caso de amor que tem tudo para ser longo e feliz.


05 de junho de 2010 | N° 16357
NILSON SOUZA


O tempo e o peixe

Não sei onde foi parar o tempo das pessoas, mas a verdade é que ninguém mais tem tempo para nada – e a leitura, invariavelmente, é a primeira sacrificada. Dia desses, perguntaram para um político em campanha eleitoral qual o livro que estava lendo, e a pobre criatura teve que remexer no fundo da memória para lembrar o título do último que tinha lido, sabe-se lá quando. Isso se não foi o único.

Parece que já chegamos a esse estágio: ler um livro – e não escrevê-lo, como era antigamente – passou a ser a obra de uma vida.

Afinal, ler é perder ou ganhar tempo?

Cada vez que um jornal faz uma reforma gráfica, os textos encurtam. O pretexto é sempre o mesmo: como as pessoas cada vez têm menos tempo para ler, entrevistas, reportagens e artigos devem ser mais sucintos. Dizem também que os jornais precisam concorrer com a televisão e com a internet, que já usam linguagem concisa.

No caso da web, mais do que concisa, quase telegráfica, hieroglífica muitas vezes. Serve para comunicar, é verdade, mas que lastro cultural deixa? Tudo bem que ninguém mais precise ter uma cultura enciclopédica, o Google virou pronto-socorro dos desinformados. O que me preocupa é a superficialidade da síntese. As pessoas leem títulos e já se consideram satisfeitas.

Esta obsessão pela concisão me faz lembrar o célebre episódio do vendedor de peixes, contado pelo escritor inglês John Ruskin. O homem colocou um quadro-negro no balcão de sua banca e escreveu: “Hoje, vendo peixe fresco”. E perguntou a um amigo professor se ele acrescentaria mais alguma coisa. O amigo leu, ponderou e respondeu:

– Você já notou que todo dia é sempre hoje? Esta palavra é dispensável.

O peixeiro apagou e deixou: “Vendo peixe fresco”. O professor releu e fez novo comentário:

– Numa feira, ninguém dá peixe de graça. É claro que os produtos aqui expostos estão à venda.

O apagador funcionou outra vez. Ficou: “Peixe fresco”. Nova observação do visitante:

– Por que apregoar que o peixe é fresco? Numa feira de cais do porto, todos são frescos.

Já contrariado, o vendedor deixou apenas a palavra “Peixe”. Nem precisou o amigo falar, porém, para ele se dar conta de que a mercadoria exposta aos olhos do público era peixe. Portanto, a palavrinha também era dispensável. O anúncio sumiu e, segundo conta a lenda, a mercadoria sumiu também, foi toda vendida. Pelo que se conclui que as palavras eram desnecessárias.

Mas nem sempre é assim. Agora vou vender o meu peixe.

Escritores e jornalistas vendem histórias que não podem ser resumidas em meia dúzia de palavras, porque perdem a profundidade, a emoção e o sentido. Nosso desafio é conquistar os sentidos e o coração dos leitores, para que eles se sintam envolvidos pela leitura e dediquem a ela o tempo que julgam não ter.

quarta-feira, 2 de junho de 2010



02 de junho de 2010 | N° 16354AlertaVoltar para a edição de hoje
MARTHA MEDEIROS

Berenice e Rafinha

Uma das pessoas mais admiráveis do nosso país é a advogada gaúcha Maria Berenice Dias, primeira mulher a ser juíza e desembargadora no Estado, e que tem como marca registrada a sua luta incansável pelos direitos da família.

De certa forma, devemos a ela, também, o privilégio de o Rio Grande do Sul ter sido palco de uma decisão inovadora cerca de um mês atrás, quando um casal formado por duas mulheres obteve o direito legal de adoção.

Apesar de a Constituição não reconhecer pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar, o relator do processo foi firme em sua defesa de que o interesse deve ser sempre pelo bem do menor e que não havia razão para suprir o direito dos meninos requeridos (eram dois irmãos) de desfrutarem de uma convivência protetora e afetiva.

De fato, crianças escolhidas para serem cuidadas e amadas dentro de um lar sempre estarão em melhor situação do que num orfanato, não importa a opção sexual dos pais adotivos. Os casos de exceção, como o da procuradora que recentemente foi presa por agredir uma menina de dois anos que estava sob sua guarda provisória, nada têm a ver com homossexualidade ou heterossexualidade, e sim com equilíbrio mental e capacidade de amar.

Isso tudo me fez pensar que essa vitória jurídica não foi apenas dos gays e da sociedade como um todo, mas, em particular, também dos gaúchos, que ainda carregam nas costas a fama antiquada de machões inflexíveis.

Pois agora surge Rafinha Bastos, humorista do programa CQC, igualmente gaúcho, vestindo a camiseta da “Casa do Heterossexual”, com sede em Porto Alegre, pedindo adesões para que a instituição não desapareça. Tudo brincadeira, óbvio.

Só que a camiseta que Rafinha veste não é tão inocente: nela, há uma ilustração com vários bonequinhos coloridos de mãos dadas, enquanto um, preto, com cara de mau, não apenas se nega a dar as mãos, como sugere estar soqueando os demais. E lá vamos nós pro fim da fila, de novo, passando uma imagem para o Brasil de que somos um bando de trogloditas.

Não há sociedade no mundo que não se utilize de estereótipos para extravasar. Sobra pra todos: loiras, negros, gordos, velhos, caolhos, publicitários, surfistas, advogados, nordestinos, políticos, padres, argentinos, evangélicos. Não existe classe acima do bem e do mal, ninguém se salva, e os gays lideram a lista dos courinhos. Como se equaliza isso?

Todos os humoristas que já nos fizeram rir de forma escrachada – de Jerry Lewis a Monthy Python, de Jim Carrey a Sacha Baron Cohen, de Jô Soares a Chico Anysio, passando por Renato Aragão, TV Pirata, Zorra Total e Casseta e Planeta –, todos se utilizam, uns mais, outros menos, do politicamente incorreto. Ou não teria graça.

O que diferencia os variados tipos de humor são sutilezas difíceis de medir, mas que existem. São elas o bom-tom, a pertinência e, principalmente, a inteligência. Humor sem inteligência coloca tudo a perder.

Menos mal que piadas somem no vento. Vale o que diz a lei.

Uma excelente quarta-feira para vc. Aproveite o dia

terça-feira, 1 de junho de 2010



01 de junho de 2010 | N° 16353
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O Código da Vida

Na outra semana, todos nós recebemos a notícia de que somos imortais. Na síntese da revista inglesa The Economist, o homem criou a vida. Trata-se de um leve exagero. O que aconteceu de verdade é que uma equipe de cientistas americanos, comandada pelo doutor Craig Venter, conseguiu desenhar, sintetizar, montar o genoma de uma bactéria e inserir esse material em uma bactéria diferente.

Não houve a criação sintética de um organismo vivo completo, mas de seu núcleo genético. Ainda assim o grupo obteve uma imitação da vida inteiramente construída em laboratório.

Tem um drama taoísta do século 14, segundo o qual a vida é uma centelha que brota, uma chama que vacila entre dois oceanos de trevas. E já que estamos no território da poesia, não custa lembrar que, para o Talmude, a vida do homem é como a sombra de um pássaro que nos sobrevoa. Mais direto foi Homero, ao escrever que curta é a vida humana.

A proeza do doutor Venter é de gestar um espaço para alongar a vida. De acordo com o cientista, segundo leio na Veja, em breve sua experiência terá uso prático nas áreas farmacêutica e energética, multiplicando a eficiência dos atuais processos de engenharia genética.

Isso na prática quer dizer que viveremos mais e não será absurdo que inventemos rapidamente vacinas para as gripes que importamos dos confins do mundo, ou superação para males tipo dengue, febre amarela ou malária. Já nem falo em remédios para transtornos mais sérios, como aids, hepatite C ou infarto.

Ao invés dessas doenças a que, em muitos casos, só a morte pode dar fim, conviveremos por mais tempo com essa coisa terna e fácil de se perturbar – que é como Montaigne descrevia nossa opaca trajetória sobre a Terra.

Mas já houve citações demais para esta crônica e ficou uma pergunta irrespondida. O que faria eu com os anos a mais que ganhasse com a descoberta do doutor Venter?

Bom, primeiro gostaria de fruir, sem ânsia nem pressa, todos os capítulos que minha biografia íntima ainda me reserva. Depois, tornar a singrar em calma os rios que naveguei, muitas ocasiões sem vela nem leme.

Uma noite em Nova York, um bar de hotel, e ao meu lado a mulher mais bela dos Estados Unidos da América.

Outra noite em Berlim e uma taça lançada contra a parede, repartida em um milhão de momentos de plenitude.

A primeira vez que vi Paris, a cúpula do Sacré-Coeur se desenhando na janela do trem entre as gotas da primeira chuva de outono.

Linda terça-feira para você. Aproveite o dia

sábado, 29 de maio de 2010



30 de maio de 2010 | N° 16351
MARTHA MEDEIROS

A elegância do conteúdo

Pouco valerá se formos uma nação de medíocres com dinheiro

De ferramentas tecnológicas, qualquer um pode dispor, mas a cereja do bolo chama-se conteúdo. É o que todos buscam freneticamente: vossa majestade, o conteúdo.

Mas onde ele se esconde?

Dentro das pessoas. De algumas delas.

Fico me perguntando como é que vai ser daqui a um tempo, caso não se mantenha o já parco vínculo familiar com a literatura, caso não se dê mais valor a uma educação cultural, caso todos sigam se comunicando com abreviaturas e sem conseguir concluir um raciocínio.

De geração para geração, diminui-se o acesso ao conhecimento histórico, artístico e filosófico. A overdose de informação faz parecer que sabemos tudo, o que é uma ilusão, sabemos muito pouco, e nossos filhos saberão menos ainda.

Quem irá optar por ser professor não tendo local decente para trabalhar, nem salário condizente com o ofício, nem respeito suficiente por parte dos alunos? Os minimamente qualificados irão ganhar a vida de outra forma que não numa sala de aula. E sem uma orientação pedagógica de nível e sem informação de categoria, que realmente embase a formação de um ser humano, só o que restará é a vulgaridade e a superficialidade, que já reinam, aliás.

Sei que é uma visão catastrofista e que sempre haverá uma elite intelectual, mas o que deveríamos buscar é justamente a ampliação dessa elite para uma maioria intelectual. A palavra assusta, mas entenda-se como intelectual a atividade pensante, apenas isso, sem rebuscamento.

O fato é que nos tornamos uma sociedade muito irresponsável, que está falhando na transmissão de elegância. Pensar é elegante, ter conhecimento é elegante, ler é elegante, e essa elegância deveria estar ao alcance de qualquer pessoa.

Outro dia conversava com um taxista que tinha uma ideia muito clara dos problemas do país, e que falava sobre isso num português correto e sem se valer de palavrões ou comentários grosseiros, e sim com argumentos e com tranquilidade, sem querer convencer a mim nem a ninguém sobre o que pensava, apenas estava dando sua opinião de forma cordial. Um sujeito educado, que dirigia de forma igualmente educada. Morri e reencarnei na Suíça, pensei.

Isso me fez lembrar de um livro excelente chamado A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery, que conta a história de uma zeladora de um prédio sofisticado de Paris. Ela, com sua aparência tosca e exercendo um trabalho depreciado, era mais inteligente e culta do que a maioria esnobe que morava no edifício a que servia.

Mas, como temia perder o emprego caso demonstrasse sua erudição, oferecia aos patrões a ignorância que esperavam dela, inclusive falando errado de propósito, para que todos os inquilinos ficassem tranquilos – cada um no seu papel.

A personagem não só tinha uma mente elegante, como possuía também a elegância de não humilhar seus “superiores”, que nada mais eram do que medíocres com dinheiro.

A economia do Brasil vai bem, dizem. Mas pouco valerá se formos uma nação de medíocres com dinheiro.


Além de grandes, brilhantes

No pós-crise, joalherias oferecem peças enormes, cheias de pedras vistosas, assinadas por nomes conhecidos. Em suma, irresistíveis. A tática está dando certo, e se alguém
precisa de sugestões...


Bel Moherdaui - Fotos Laílson Santos e divulgação


FULGURANTE
Raquel exibe seus brincos imensos, Diane posa com suas pulseiras: graúdas em tudo


Em dúvida sobre como presentear a mulher amada neste Dia dos Namorados? Ah, esses homens... Talvez por distração ou perda temporária de memória, eles vivem se esquecendo do que faz sucesso de verdade. É tão fácil, só quatro letrinhas: joia. Coisas brilhantes e preciosas têm uma carga simbólica única, sem contar o insubstituível suspiro de emoção que acompanha a abertura da caixinha.

Se ainda faltarem argumentos, anote-se que a compra de joias contribuirá para a retomada de uma indústria que cresce nos últimos meses a até 20% – um ritmo chinês, não fosse o período ao que se compara. Aquele mesmo, o da crise, que cortou fundo justamente nos produtos situados no topo do supérfluo. Dá pena até de lembrar.

"Até o ano passado, as principais fábricas de joias de ouro no Brasil tiveram uma queda de 40% a 50% em sua produção. Em 2009, as exportações caíram 28%", diz Hécliton Santini Henriques, presidente do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos. A crise interrompeu um período de ouro, sem trocadilhos, de crescimento acelerado, mas serviu também para ativar as habilidades comerciais de um dos ramos de negócios mais antigos do mundo.

Um dos recursos foi aumentar o uso de pedras preciosas chamativas, de valor menos elevado que o dos tradicionais diamantes, e diminuir, no caso das peças mais em conta, a quantidade de ouro – este, salva-vidas derradeiro nas épocas de crise, continua sem dar provas de arrefecimento no atual e ainda volúvel momento econômico. "As joalherias passaram a fazer peças mais leves, com mais pedras, que dão impacto maior e reduzem o preço médio", explica Henriques.

Outra estratégia das grandes joalherias foi promover parcerias com mulheres conhecidas no mundo do luxo, dando a suas peças uma assinatura facilmente identificável e, em alguns casos, o ar de modernidade buscado por consumidoras habituadas ao ritmo acelerado da moda em constante mudança e não àquelas peças que deveriam durar para sempre.

"Hoje, as coisas são muito efêmeras mesmo na joalheria. Ao contrário do tempo em que um broche não saía nunca de moda, agora é preciso estar constantemente se renovando. As parcerias enriquecem essa dinâmica", diz Mario Pantalena Júnior, cuja joalheria acaba de lançar uma linha com a arquiteta e chiquérrima socialite Raquel Silveira. "Raquel é muito antenada, mora entre São Paulo e Nova York.

É uma mulher de extremo bom gosto, jovem e bem relacionada", descreve Pantalena. Na parceria, foi desenvolvida a coleção Dentelle, joias em filigrana, um tipo de trabalho em ouro que parecia perdido no passado, mas passou pela devida atualização. A técnica permite fazer joias em tamanhos maiores sem a desvantagem do peso excessivo. "Queria coisa grande, mas muito leve, porque detesto brinco pesado que rasga a orelha", diz Raquel, que fez um total de quinze peças, todas graúdas, no tamanho e no preço – entre 5 000 e 10 000 reais.


EM VERDE
A esmeralda que a salamandra segura tem 36,5 quilates

A tática de aliar nome importante às coleções rende também prestígio e, no caso de uma rede internacional como a H. Stern, a mais desejada das projeções: o uso de peças por grandes nomes do cinema ou da música em festas cujas imagens são infinitamente reproduzidas mundo afora. A primeira coleção da estilista belgo-americana Diane von Furstenberg para a joa-lheria foi um caso clássico.

As pulseiras de ouro (aqui vendidas por uma média de 25 000 reais), ou em versão cravejada de diamantes (a estonteantes 682 000 reais), apareceram mais de uma vez em pulsos estrelados. Diane desenhou uma segunda coleção, também em proporções avantajadas, usando cristais em formatos irregulares.

Outra joalheria tradicional, a Amsterdam Sauer, famosa pela excelência das gemas e pelo conservadorismo do estilo, buscou a renovação diretamente na fonte da maior conhecedora da consumidora de produtos de luxo no Brasil, Eliana Tranchesi, da Daslu.

"Daniel Sauer chegou e tirou do bolso esmeraldas de todos os tamanhos. Em um minuto, ele me convenceu a criar joias com elas", diz Eliana, que concebeu peças do tipo de que suas clientes gostam. Em outras palavras, coisas de rica – a mais original, um anel de salamandra com uma esmeralda de 36,5 quilates, 110 diamantes e dois rubis, custa 38 000 reais. "É interessante ver como são diferentes a compra de uma joia e a de uma roupa.

A joia é uma compra pensada. Em geral, a cliente gosta, vai para casa, avalia, traz o marido para ver, e só aí decide", compara Eliana, que na sua loja facilita o pagamento em até oito parcelas.


EM VERMELHO
Rodonita, ouro e brilhantes no anel de 23 000 reais

Com uma clientela mais jovem, o joalheiro Jack Vartanian também manteve uma característica cara à consumidora brasileira – o tamanho –, acrescida da busca de originalidade.

"A cliente está desperdiçando menos e pensando mais. Para conquistá-la, é preciso fazer peças diferentes e raras", diz. Em busca do diferente, salpicou sua nova coleção de pequenos blocos de rodonita, pedra num vermelho vibrante que em geral é usada em joias aborrecidamente convencionais e subvalorizadas.

Um problema que Vartanian se encarregou de resolver. Seu anel de rodonita de 42 quilates com ouro branco e ouro rosado e sessenta pequenos diamantes custa 22.820 reais. Está certo que por esse preço daria para passar o Dia dos Namorados no Taiti, mas e o suspiro na hora de abrir a caixinha?