sábado, 6 de fevereiro de 2021


06 DE FEVEREIRO DE 2021
COM A PALAVRA

A MIGRAÇÃO, BEM ORDENADA, PODE GERAR MUITOS BENEFÍCIOS AO PAÍS

IURQUI PINHEIRO - Coord. agência de migrações da ONU em POA, 42 anos

Advogado, especialista em relações internacionais e diplomacia, atuava antes na fronteira entre Brasil e Venezuela

Ainda jovem aos 42 anos, Iurqui Pinheiro já teve ao menos uma grande experiência na trajetória de quatro anos como funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU): entre março de 2019 e o mesmo mês de 2020, ele coordenou o escritório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência da ONU para os deslocamentos humanos, em Pacaraima (RR), por onde até mil venezuelanos ingressavam diariamente no Brasil. Viu de perto o desespero de quem fugia em busca de uma vida melhor e trabalhou ao lado de uma força-tarefa integrada por organismos do governo federal e da sociedade civil para fazer a recepção dos imigrantes, com a Operação Acolhida. Gaúcho de nascimento, com formação em Direito, Relações Internacionais e Diplomacia, Pinheiro regressou ao Rio Grande do Sul há 10 meses para coordenar o escritório da OIM em Porto Alegre. Nesta entrevista, conta o motivo de a ONU ter instalado uma unidade no sul do Brasil e lista os desafios para auxiliar as comunidades de migrantes venezuelanos, haitianos e senegaleses.

O escritório da OIM em Porto Alegre completa um ano em março. Por que a escolha pela capital gaúcha?

Porque o Rio Grande do Sul é um Estado que já tem fluxo migratório há muito tempo. No fluxo atual, de venezuelanos, haitianos e senegaleses, o Estado é um dos mais procurados do país. Na Operação Acolhida, o Rio Grande do Sul é o terceiro maior receptor de imigrantes venezuelanos interiorizados, quase junto em números com São Paulo e Paraná, os dois primeiros. É claro que os imigrantes procuram Estados por conta própria, também. A ideia da OIM é estar nesses locais para dar maior suporte, principalmente pensando na integração econômica. A interiorização dos venezuelanos foi extremamente importante. Lá em Roraima havia gargalos, tanto na questão de estrutura e também por ser um Estado de difícil acesso, para entrar e sair. Boa parte deles não conseguia sair de Roraima. A sobrecarga e os conflitos que existiam na região foram desafogados pela Operação Acolhida. A OIM entende que interiorizar é importante, mas o fundamental é fazer a integração econômica.

QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS DO ESCRITÓRIO DA OIM EM PORTO ALEGRE E NO QUE ELE PODE AUXILIAR EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS PARA MIGRANTES?

Podemos auxiliar muito a sociedade civil, na rede local já existente que atua com migração no Rio Grande do Sul. O Estado tem uma rede que se destaca. Temos problemas, mas, comparado a outras regiões do Brasil, o Estado tem uma rede muito forte, formada por instituições da sociedade civil. O escritório se soma para auxiliar. Junto ao poder público, temos acordo de cooperação assinado com o governo estadual, com a Secretaria da Saúde, e neste período de pandemia temos realizado ações em parceria. E estamos trabalhando um acordo de cooperação com a prefeitura. Buscamos interlocução com o setor privado também. O programa Oportunidades Integração no Brasil é realizado junto ao setor privado, em parceria, porque a finalidade dele é a inserção laboral dos migrantes.

O PRINCIPAL OBJETIVO DO PROGRAMA É ENCONTRAR EMPREGO AOS MIGRANTES?

A maioria dos migrantes tem boa qualificação, inclusive até maior do que a dos brasileiros, sobretudo os que chegaram no primeiro momento. Isso vale para venezuelanos, haitianos. Uma vez falei com um migrante do Haiti que era matemático, tinha prêmio internacional, e aqui ele era ajudante de estoquista. Nada contra esse trabalho, mas ele tinha conhecimento amplo em matemática, poderia ser melhor utilizado. A inserção laboral não é fácil, e o projeto visa a auxiliar. Temos instituições parceiras e ofertamos capacitação em português, em diversos níveis, e cursos em áreas técnicas e voltados a formar empreendedores. Em 2020, 500 pessoas participaram de capacitação de empreendedorismo, para pequenos negócios legais, contribuindo com impostos. Elas poderão empregar outros imigrantes e também brasileiros nos seus pequenos negócios. O projeto também tem um direcionamento forte para a inserção laboral. Entre outubro e dezembro, quase 400 migrantes foram empregados formalmente no Rio Grande do Sul. A ideia do escritório é abranger o Estado inteiro. E temos um projeto importante que é um auxílio fornecido quando se tem algum caso grave. Auxiliamos os migrantes que estavam em situação mais vulnerável por causa da pandemia e também de uma enchente que ocorreu em Lajeado. É um auxílio financeiro para situações de extrema vulnerabilidade. O migrante fica mais resguardado, e isso auxilia o Estado. É um cartão que ele pode usar em compras. Alcançamos mais de 700 famílias com esse programa.

Há certa confusão na sociedade a respeito da OIM e do Alto-comissariado para os Refugiados (Acnur), ambas agências da ONU. O que as diferencia e o que as aproxima?

A OIM atua no escopo total da migração. Qualquer deslocamento humano que ocorra está dentro da imigração. E, dentro das várias formas de migrar, estão os refugiados. O Acnur trabalha especificamente com os casos de refúgio. Refugiados são pessoas que se enquadram em questões de perseguição política, religiosa e grave afronta aos direitos humanos. O que aproxima OIM e Acnur é que ambas atuam no deslocamento humano, em suas especialidades. E muitas ações são desenvolvidas em parceria pelas duas agências.

No Rio Grande do Sul, os migrantes mais recorrentes não são considerados refugiados, embora os venezuelanos possam se enquadrar nessa categoria, certo?

O número de solicitações de residência temporária no Brasil é maior do que o número de solicitações de refúgio. A maioria dos migrantes venezuelanos pede a residência temporária, e não refúgio. Claro que há muitos casos de solicitação de refúgio, principalmente no início. Eu diria que temos um misto de situações.

É possível afirmar que venezuelanos, haitianos e senegaleses são as nacionalidades com o maior número de migrantes vivendo em Porto Alegre e Região Metropolitana?

Sim, esses são os mais representativos atualmente. Apenas pelo programa federal, há 6 mil venezuelanos interiorizados no Rio Grande do Sul. Hoje, o maior fluxo no Brasil é o de venezuelanos.

Como foi a experiência de coordenar o escritório da OIM em Pacaraima?

Foi um grande desafio. Junto à questão da Síria, era o escritório para o qual o mundo estava com os olhos voltados. Era grande a responsabilidade. O escritório exerce um trabalho fundamental, até na questão da sensibilidade com a população local. Há um acirramento que ocorre na região, é preciso sensibilidade para dialogar de forma tranquila com a população local, para que ela compreenda o trabalho que está sendo feito. Trata-se de uma dupla função: fazemos o acolhimento migratório, a regularização, a documentação, os cuidados com o tráfico de pessoas e com a exploração laboral e também precisamos de atenção para termos um diálogo tranquilo com a população local. Por dia, no fluxo forte, mil venezuelanos cruzavam a fronteira. No fluxo mais fraco, diariamente, eram no mínimo 500 pessoas. Houve dificuldade. Em alguns momentos, ocorreu acirramento por parte da população local, que não compreendia muito bem a entrada, foi tudo muito rápido. As pessoas levam um tempo para absorver isso. O trabalho que a OIM faz é de auxílio ao ordenamento da migração. Há quem pense que a agência atue somente em benefício do migrante que está chegando. Não. A agência se preocupa também com a sociedade que acolhe. A migração tem de ser benéfica para todos. No nosso entendimento, a migração ocorre com êxito quando a integração é bem realizada. Os migrantes trazem inovação. As empresas relatam que eles crescem muito na parte de inovação porque trazem novos olhares, novos jeitos de fazer as coisas. E também se percebe que os migrantes trabalham com afinco. Como fazem remessas para os seus familiares, eles aproveitam muito a oportunidade de trabalho e levam muito a sério. As empresas sempre passam informações positivas.

Na última eleição em Boa Vista (RR), candidatos a prefeito derrotados prometeram acabar com supostos privilégios de venezuelanos, apesar da miséria em que se encontravam. Como o avalia isso?

As pessoas que entram têm direitos tutelados pela nova lei de migração, de 2017. A lei garante o ingresso, o alcance universal aos serviços básicos como saúde, educação e trabalho. Na verdade, não são privilégios. É simplesmente o cumprimento do que a legislação determina, tanto a lei nacional quanto os acordos internacionais. São direitos e deveres. Eles também são informados sobre seus deveres.

Situações extremas como as de Pacaraima podem impulsionar xenofobia, violência e exploração humana?

Boa parte dos casos que verificamos de xenofobia ou de violência ocorria por falta de informação da população. Entendiam que os migrantes estavam ali com algum privilégio ou para acessar vagas de emprego de brasileiros. Mas isso não é uma realidade. Saíram do Brasil, nos últimos anos, para migrar em direção a outros países, o dobro de migrantes que vieram ao Brasil. Muitos brasileiros vão buscar oportunidades em outros países e outros migrantes ingressm no Brasil, mas em número bem menor. E boa parte dessas vagas de emprego estavam ociosas e não eram alcançadas por pessoas do Brasil. A chegada de migrantes pode repor algumas vagas que se abriram sem prejudicar o brasileiro no emprego. Muitas vezes por desconhecimento são geradas situações de xenofobia e agressividade. Qualquer local em que se tenha muita gente, com necessidades específicas, aumenta a chance de exploração, mesmo para os brasileiros. A situação de vulnerabilidade de forma geral pode facilitar a exploração. É por isso que tínhamos muito cuidado em Pacaraima. A Operação Acolhida se tornou um modelo, a gente recebia muita gente da União Europeia, do Japão, comitivas de outros países avançados, e eles ficavam surpresos com os nossos serviços. A fronteira nunca esteve tão fortificada, era uma força-tarefa com Polícia Federal, Exército, Receita Federal, agências da ONU e sociedade civil, todos trabalhando pelo primeiro acolhimento e ordenamento da fronteira.

Para os haitianos, o Brasil deixou de ser tão atrativo como já foi entre 2011 e 2015. Passado o período inicial, parte deles migrou daqui para outros países, como o Chile. Essas migrações dentro de migrações são comuns nos processos?

Não é anormal que os migrantes cheguem em um país e, um tempo depois, migrem para outro próximo. Por vezes, são questões culturais, ou não se alcançou o esperado em questões de trabalho. E aí se deslocam um pouco mais adiante. No primeiro momento, quando os haitianos chegaram, não havia ainda um preparo tão grande para o acolhimento como se tem hoje. De 2017 em diante, o Brasil passou a ter mais estrutura para isso. Se a imigração dos haitianos tivesse ocorrido dentro dessa nova estrutura, seria mais fácil, e o deslocamento para outros países seria menor. Ainda assim, considero os haitianos um exemplo de migração que veio com o pensamento de permanecer. Boa parte deles permanece e muitos estão empregados de forma sólida.

QUAIS AS MAIORES DIFICULDADES PARA OS MIGRANTES EM PORTO ALEGRE E NO RIO GRANDE DO SUL? A PANDEMIA AGRAVOU O CENÁRIO EM QUAIS ASPECTOS?

Uma dificuldade que se encontra em qualquer fluxo migratório é a barreira da língua. A inserção laboral é outra dificuldade. O ingresso no mercado de trabalho demora um pouco para ocorrer, e o migrante precisa se adaptar. Por isso a importância de o escritório da OIM estar aqui. Temos tido êxito com cinco projetos simultâneos no Estado. É o start para que os migrantes possam ter integração econômica serena e rápida.

Chama atenção a dificuldade na habitação. Eles não têm fiador, as imobiliárias não alugam, e resta buscar locação direta com proprietários em periferias. Um grupo de venezuelanos está tentando criar uma cooperativa habitacional em Porto Alegre. É uma alternativa viável?

A habitação é uma questão importante e que gera dificuldade. Percebemos que os migrantes, com muito esforço, conseguem alugar direto com os proprietários e se reúnem por vezes em duas famílias. É um fator sensível, acaba afetando a chegada e a integração. Sobre a cooperativa, entendo que toda forma de atuação coletiva acaba sendo mais robusta. E tem um fator importante de aproximar pessoas em situações semelhantes. Se a cooperativa não gerar um resultado específico na habitação, vai gerar outros reflexos positivos, como a proximidade e a união.

HÁ UMA PERCEPÇÃO DE QUE OS MIGRANTES BUSCAM SE ACOMODAR NO MERCADO DE TRABALHO DE FORMAS DISTINTAS. OS SENEGALESES, POSSIVELMENTE OS QUE MENOS RECEBERAM ATENÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS, ESTÃO VENDENDO PRODUTOS NAS CALÇADAS EM PORTO ALEGRE. COMO AVALIA ISSO?

Os senegaleses, em geral, têm postura empreendedora. A questão de eles estarem informais talvez seja uma dificuldade inicial por desconhecimento das leis sobre como regularizar uma empresa. Percebe-se que eles buscam ação mais autônoma. Os venezuelanos também têm essa veia empreendedora. Claro que, para o empreendedorismo ocorrer, muitas vezes é preciso um apoio inicial. A pandemia mostrou algo interessante nesse sentido. Como lá por março e abril a inserção laboral estava mais difícil por causa da pandemia, a gente deu ênfase maior no início do nosso projeto ao empreendedorismo. E tivemos ótimos resultados. Os venezuelanos demonstraram grande interesse. É um clichê, mas a pandemia trouxe oportunidades. A migração, quando bem ordenada, pode gerar muitos benefícios para o país. O migrante agrega de forma produtiva, incrementa a economia. As pessoas que estão ingressando se alimentam, compram roupas e medicamentos, e isso gera reflexo e pagamento de imposto. Sem falar no aluguel de residência, que também gera reflexo na economia.

A INTERIORIZAÇÃO DE VENEZUELANOS PELO BRASIL, VIA OPERAÇÃO ACOLHIDA, COMEÇOU NO GOVERNO DE MICHEL TEMER E TEVE CONTINUIDADE SOB A PRESIDÊNCIA DE JAIR BOLSONARO. COMO AVALIA A ATUAÇÃO DO GOVERNO ATUAL, CONSIDERANDO SEU DISCURSO RETICENTE ÀS MIGRAÇÕES E À PRÓPRIA ONU?

Posso falar pela experiência que tive na fronteira. O governo federal, desde o período do Temer até a atualidade, atuou de forma importante no auxílio à migração, principalmente no fluxo decorrente da Venezuela. Os governos mantiveram uma linha, não houve mudanças radicais, independentemente de discursos que possam ser realizados. O governo brasileiro tem demonstrado apoio, observando a legislação e o cumprimento de acordos.

O QUE ACHOU DO FILME SÉRGIO, DE GREG BARKER, PRODUÇÃO DA NETFLIX SOBRE SÉRGIO VIEIRA DE MELLO, HISTÓRICO DIPLOMATA BRASILEIRO, ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DIREITOS HUMANOS, MORTO EM ATENTADO À SEDE DA ONU EM BAGDÁ, NO IRAQUE, EM 2003?

O filme trata de algo muito relevante, que é o trabalho do Sérgio Vieira de Mello, mas mostra muito pouco do que ele foi. Fica muito focado na vida pessoal dele, a história com a Carolina (Larriera, com quem trabalhou na ONU) e o romance que aconteceu. Ele fez um trabalho tão relevante, um grande negociador, um homem de fácil articulação entre os países, representando as Nações Unidas. Ele foi uma figura fundamental, e o filme não aprofunda na atuação profissional dele. Mas, com certeza, foi muito bom poder ver um filme tratando dessa história.

CARLOS ROLLSING

6  DE FEVEREIRO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

O GRANDE RESPONSÁVEL

A explicação é que não há como explicar.

A formação em ciência exige humildade para analisar opiniões e ideias opostas às nossas, o contraditório é parte intrínseca do pensamento científico. Não fosse assim, até hoje acharíamos que a Terra é plana e que o sol foi criado para girar em torno dela.

Em janeiro do ano passado, quando o novo coronavírus atormentava apenas os chineses, tive a impressão de que os casos de maior gravidade ficariam restritos aos mais velhos. Para boa parte dos especialistas, a doença teria mortalidade semelhante à das gripes.

Hoje, eu me penitencio por ter feito essa avaliação apressada. Lembrar que ela foi influenciada por uma palestra do doutor Anthony Fauci, uma das maiores autoridades em moléstias infecciosas dos Estados Unidos, não me consola.

Foi em fevereiro, quando a doença semeou o terror nas UTIs da Itália, que o mundo entendeu a gravidade da ameaça. Imediatamente, os países adotaram medidas rígidas para reduzir a movimentação nas cidades e insistiram na necessidade do uso de máscaras protetoras.

No Brasil, o presidente da República contraindicou com veemência essas recomendações. O argumento foi o de que elas destruiriam a economia e matariam de fome um número maior de brasileiros do que a doença seria capaz de fazê-lo.

Achei que ele estava errado. Primeiro, porque não havia dados para estimar o impacto de uma improvável epidemia de fome na mortalidade da população; depois, porque a história das epidemias nos mostra serem elas as responsáveis pelas repercussões negativas na economia, não o isolamento social. Enquanto circula um agente infeccioso potencialmente letal, é impossível convencer as pessoas a gastar dinheiro para estimular o crescimento econômico.

Considerei, no entanto, a possibilidade de que o empenho presidencial na defesa de estratégias para manter os empregos pudesse ter alguma lógica, hipótese abandonada quando o vi pela primeira vez sem máscara promovendo aglomerações, para delírio de apoiadores fanáticos. Se estivesse interessado em proteger a economia, de fato, qual o sentido de incentivar a adoção de comportamentos que disseminam o vírus? Por que razão, não diria aos brasileiros: saiam de casa para trabalhar, mas usem máscara e evitem aglomerações?

Para enfrentar o medo de contrair o vírus, repetiu à exaustão que não deveríamos acreditar nas "conversinhas" dos jornalistas, que a doença só matava os "bundões", que deixássemos de ser "maricas" e que contávamos com a cloroquina, remédio milagroso quando administrado nas fases iniciais da doença. Não faltaram médicos que não têm o hábito de estudar ou formação científica suficiente para avaliar a qualidade dos trabalhos publicados, para lhe dar razão e preconizar a distribuição do inacreditável "kit covid".

A queda de dois ministros da saúde que se negaram a adotar a cloroquina como política de combate à epidemia não bastou para evitar que a farmácia do exército fosse obrigada a investir recursos preciosos na importação da droga, a preços inflacionados. A cegueira foi de tal ordem, que deixamos o ex-presidente dos Estados Unidos desovar aqui os milhões de comprimidos encalhados que os médicos americanos se recusaram a prescrever, para não correr o risco de processos por más práticas.

Quando o mundo entendeu que estávamos próximos da obtenção das primeiras vacinas e os países iniciaram a corrida para comprá-las, o Brasil não estava entre eles. Pelo contrário, o presidente se empenhou em afirmar que não seria vacinado, que ninguém era obrigado a fazê-lo contra a vontade e que os efeitos colaterais poderiam ser "terríveis". Contra a visão dos economistas - inclusive a de seu ministro - de que a vacinação é a única forma de reativar a economia, insistiu em boicotar a imunização em massa com argumentos de fazer inveja aos grupos antivacina mais ignorantes.

Esse boicote sistemático justifica mais de 220 mil óbitos? Ele é o único culpado? Claro que não, a culpa é de muitos, especialmente dos egoístas estúpidos que se aglomeram sem máscara nos bares e nas festas. No entanto, pela natureza do cargo que ocupa, os absurdos que fala e a indignidade dos exemplos que dá, o presidente da República tem sido o grande responsável pela disseminação da epidemia. Não é por acaso que somos o segundo país com o maior número de mortes.

DRAUZIO VARELLA

06 DE FEVEREIRO DE 2021
J.J. CAMARGO

O CIÚME QUE NUNCA VAI EMBORA 

Claro que o ciúme doentio não é chamado assim por implicância. Acontece que ele, de fato, adoece o portador, assombra a família que não sabe o que fazer para racionalizá-lo e espanta os amigos quando se torna o assunto exclusivo.

Mas quem não sente aquela pontinha de ciúme quando outra pessoa se insinua para seu parceiro ou sua parceira? Ou quando a pessoa amada passa a dar muita atenção a um colega do sexo oposto?

Alguns podem até negar, mas, segundo a psicanalista Taty Ades (autora de Os Homens que Amam Demais), "todos sentimos ciúmes, medo de perder quem amamos. O que deve ser avaliado é o quanto somos emocionalmente maduros para lidar com esse receio de forma responsável". Que a idade atenue este sentimento, é previsível. Tanto que alguém, com apurado senso de humor, estabeleceu como critério de velhice "quando o homem perde qualquer interesse em saber aonde sua mulher vai, desde que ele não tenha que ir junto!".

Mas o ciúme, como um coronavírus afetivo, pode até parecer que sim, mas não vai embora. Seja por zelo, medo da perda ou razões mais sérias, como paranoia ou insegurança, o ciúme se preserva para eclodir sob diferentes formas e circunstâncias.

O Eugênio chegou aos 91 anos com boa saúde. Trabalhou muito, sempre teve pouca paciência com as coisas que encantavam os delicados, enriqueceu além da conta e cuidou que nada faltasse à sua Eleonora, dois anos mais moça, com ossos frágeis e memória recente cada vez mais fugidia.

Nos dias quentes, ele colocava a cadeira na sacada e ficava olhando o mundo por cima da copa das árvores que decoram o quarteirão. Enquanto isso, ela preferia cochilar na poltrona e enfurecia se alguém sugerisse que, para dormir melhor, devia desligar a televisão.

Quando a idade foi reduzindo a autonomia da dupla, os filhos intervieram para colocar alguém a cuidar de ambos. A primeira candidata era uma avó de 72 anos, enfermeira aposentada e com longa trajetória em cuidados paliativos.

A impressão que tive, no primeiro contato, foi de que estávamos diante de uma peça rara de delicadeza, organização e extremo profissionalismo, adquiridos em décadas de enfermagem em hospital qualificado. O melhor, e também o menos provável, foi que ambos desenvolveram uma relação afetiva simétrica em relação a Felícia - esse era o nome dela.

Um mês depois, reencontrei o casal sozinho. Quando quis saber o que tinha acontecido, ela resumiu: "Uma noite dessas, ele chamou a velhota para que ela visse a lua cheia".

Tentei argumentar: "Desculpe, minha amiga, não consigo ver mal nenhum nessa gentileza dele". E ela encerrou o assunto: "Acontece que, em 66 anos de casados, ele nunca me convidou para ver a lua!".

- Ah, bom, se foi assim, não há o que discutir! - respondi.

E que ninguém se surpreenda, pois, como adverti, tal qual o corona, o ciúme também fica na natureza, espreitando.

J.J. CAMARGO

06 DE FEVEREIRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Coisas antigas e simples 

Coisas antigas e simples me fazem feliz. Minha ideia de lar, sempre digo, é uma casa de madeira com um grande pátio atrás. As casas de hoje não têm mais pátio ou, se têm, é mínimo. Compreensível: existem cada vez mais pessoas no mundo, e elas precisam de espaço. Há 60 anos, imagine, 3 bilhões de humanos respiravam debaixo do sol. Hoje são quase 8 bilhões. No período de uma vida adulta, nos reproduzimos feito vírus, empesteamos o planeta.

Isso demonstra a popularidade do sexo entre nós. Se não gostássemos tanto de sexo, seríamos em menor número, e as casas poderiam ter amplos pátios habitados por árvores, cães e pintassilgos.

Ocorre que o marketing do sexo é poderoso. Filmes, romances, poesia, a arte incensa o sexo. Noventa por cento das músicas são sobre sexo ou seu subproduto, o amor. Discutimos o mesmo tema há pelo menos 10 mil anos, como é que ainda não nos aborrecemos com o assunto? É que nem a cloroquina, não aguento mais ouvir falar da cloroquina. Entupam-se desse troço, se quiserem, e me deixem em paz.

Sou favorável à proposta de Schopenhauer, de gradual e indolor extinção da humanidade pela limitação da reprodução. Vamos tendo menos filhos paulatinamente, e, assim, o número de pessoas diminuirá, até que cada uma possa dispor de um enorme pátio com tudo o que bem entender dentro.

Tempos atrás, eu, o Professor Juninho, o Degô, o meu irmão Régis e o Dinho planejávamos comprar um terreno e construir nele um condomínio para morarmos. Desta forma, teríamos espaço para pelo menos uma veleidade, cada qual escolheria a sua. O Dinho queria uma piscina em que pudesse nadar, não apenas banhar-se. O Juninho queria uma quadra de futebol sete com iluminação. O Régis, uma academia. O Degô, aquele Travolta, preferia uma pista de dança com estroboscópio. E eu, um pátio com rede, pés de jabuticaba e dois pastores-alemães chamados Murder e Killer.

Esse meu apreço por casas de madeira com vastos pátios vem, bem sei, da infância, porque era assim a casa do meu avô, incrustada no número 365 da Rua Dona Margarida, tendo diante dela uma sibipiruna de tronco robusto sob a qual os vizinhos se reuniam com suas cadeiras ao entardecer - casas simples, com cadeiras na calçada, e na fachada escrito em cima que é um lar, diria o Chico.

Ainda sonho com aquela casa, vez em quando. Gostava de tudo nela, menos de um único local, já digo qual é. Do que mais gostava, na parte de dentro, era da cozinha, onde minha avó passava o dia preparando três mágicas: quitutes, guloseimas e acepipes.

Nos poucos momentos em que ela ia para outras peças, eu e meus irmãos aproveitávamos para invadir aquele terreno sagrado a fim de cometer pequenos furtos. Eu subia num banquinho para acessar a lata de leite Ninho que se encarapitava na parte mais alta das prateleiras. Tirava a lata, enquanto meus irmãos saltitavam de excitação. Pegava uma colher de sopa, enchia de pó de leite e, tuf, tuf, tuf, metia na boca de cada um de nós. Que delícia comer leite Ninho puro! Pena que o pó grudava no céu da boca. Meu irmão, como era pequeno, se engasgava. A minha vó ouvia-o tossir e vinha de lá, furiosa, jurando punições. Nós saíamos correndo, o Régis todo lambuzado de leite Ninho. Íamos nos esconder, evidentemente, no pátio.

Naquele pátio havia galinhas pacíficas e perus de crista vermelha e até um ferreiro que gritava um grito alto de metal, assustando todo mundo. Havia um balaio de gatos e, nos fundos, duas tartarugas não muito animadas. Houve até uma porca, a Chica, que atendia quando a minha avó a chamava pelo nome. Essa fidelidade não impediu que, certo domingo, minha avó sacrificasse a Chica em troca de linguiça, toucinho, torresmo e tempero da feijoada. Hortas bem fornidas ladeavam o pátio, bem como canteiros de flores com vistosas hortênsias lilases e amarelas.

Mas tinha também aquela parte que me desagradava.

O banheiro.

Meu avô era um homem antigo e, quando construiu a casa, erigiu o banheiro no lado de fora, como se fazia antes. Era a famosa casinha, pequena, escura, com um retângulo aberto no alto da porta, por onde se imiscuía a luz vinda do exterior.

Eu odiava a casinha, mas não havia alternativa. Se à noite, com chuva e frio, me acometesse a urgência de alguma necessidade fisiológica, tinha de levantar da cama e ir para fora. O horror. O horror.

Um dia, reclamei para a vó: pô, ter que sair de casa de madrugada para ir ao banheiro?! Ela desdenhou:

- Não precisa... - Como "não precisa"?

- Usa o penico.

Aquela frase foi um raio paralisante. Imaginei o penico debaixo da cama e estremeci. Olhei para a minha vó: ela falava a sério. Naquele tempo, era assim. Tudo muito natural. Pensando bem, nem todas as coisas antigas e simples me fazem feliz.

DAVID COIMBRA

06 DE FEVEREIRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

AULAS PRESENCIAIS COM SEGURANÇA

A volta às aulas presenciais, em pleno recrudescimento da pandemia, é um dilema que ultrapassa as fronteiras do Rio Grande do Sul e do Brasil. No Estado, a discussão neste momento é sobre a obrigatoriedade ou não do retorno dos estudantes das redes pública e privada às classes, mesmo que a frequência não precise ser diária. A questão, no entanto, não deve ser centrada na compulsoriedade. A prioridade teria de estar no esforço para passar à comunidade escolar a segurança de que há um planejamento detalhado e um cumprimento rigoroso de medidas sanitárias e protocolos e, assim, gerar confiança em alunos, pais, professores e funcionários dos colégios. Somente com confiabilidade será possível atingir êxito para a necessária retomada do ensino presencial.

Sabe-se que a rede privada, pela maior disponibilidade de recursos, tem melhores condições de superar esse desafio. Os exemplos são inúmeros. Na educação pública, porém, as dificuldades e carências são maiores. A Secretaria Estadual da Educação (SES) assegura, agora, que todos os equipamentos de proteção pessoal (EPIs) e produtos de limpeza e desinfecção adquiridos foram entregues para as mais de 2,4 mil escolas que gere. Ao ensaiar a retomada das aulas em outubro do ano passado, o governou gaúcho falhou ao não disponibilizar a tempo todos os materiais prometidos. Com isso, alimentou desconfianças e resistências que levaram a uma baixa adesão. Seria aconselhável, desde já, um esforço de comunicação para mostrar que a volta às classes será feita com todas as precauções e, mais importante, comprovar na prática a existência dessa prudência.

Os alunos das escolas públicas foram os que mais tiveram prejuízos na aprendizagem no ano passado. Boa parte vem de famílias humildes, sem acesso a internet de qualidade e equipamentos adequados para as aulas remotas. Especialmente os mais carentes, fora da escola, estão expostos a uma série de riscos, desde a violência à falta de uma alimentação apropriada. A desconexão com a escola levou 5,5 milhões de crianças e jovens brasileiros a deixarem de estudar em 2020, mostrou um estudo com participação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A educação é a forma mais viável de serem criadas condições de mobilidade social, principalmente para os estratos mais desvalidos da população. Em um país de grande desigualdade como o Brasil, a volta às aulas na rede pública, com toda a segurança, tem de ser uma prioridade, sob o risco de se aumentar ainda mais o abismo entre ricos e pobres, com reflexos negativos para toda a economia.

Estudos já mostraram que crianças representam baixo risco de transmissão da covid-19. Mas isso não significa a defesa da abertura das escolas a qualquer preço. É um processo que deve ser gradual, cuidadoso, com medidas de distanciamento e rodízio, também para proteger professores e funcionários. E todos dos grupos de risco têm de ter a opção de permanecer na modalidade virtual, como prevê a proposta estudada pelo Piratini, a partir do pedido sobre a obrigatoriedade levado pelo Sindicato do Ensino Privado (Sinepe). Infelizmente, pelo ritmo de imunização, não será possível esperar a vacinação em massa. O essencial neste momento, portanto, é oferecer e transmitir segurança para a retomada das aulas presenciais.

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06 DE FEVEREIRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

AULAS PRESENCIAIS COM SEGURANÇA

A volta às aulas presenciais, em pleno recrudescimento da pandemia, é um dilema que ultrapassa as fronteiras do Rio Grande do Sul e do Brasil. No Estado, a discussão neste momento é sobre a obrigatoriedade ou não do retorno dos estudantes das redes pública e privada às classes, mesmo que a frequência não precise ser diária. A questão, no entanto, não deve ser centrada na compulsoriedade. A prioridade teria de estar no esforço para passar à comunidade escolar a segurança de que há um planejamento detalhado e um cumprimento rigoroso de medidas sanitárias e protocolos e, assim, gerar confiança em alunos, pais, professores e funcionários dos colégios. Somente com confiabilidade será possível atingir êxito para a necessária retomada do ensino presencial.

Sabe-se que a rede privada, pela maior disponibilidade de recursos, tem melhores condições de superar esse desafio. Os exemplos são inúmeros. Na educação pública, porém, as dificuldades e carências são maiores. A Secretaria Estadual da Educação (SES) assegura, agora, que todos os equipamentos de proteção pessoal (EPIs) e produtos de limpeza e desinfecção adquiridos foram entregues para as mais de 2,4 mil escolas que gere. Ao ensaiar a retomada das aulas em outubro do ano passado, o governou gaúcho falhou ao não disponibilizar a tempo todos os materiais prometidos. Com isso, alimentou desconfianças e resistências que levaram a uma baixa adesão. Seria aconselhável, desde já, um esforço de comunicação para mostrar que a volta às classes será feita com todas as precauções e, mais importante, comprovar na prática a existência dessa prudência.

Os alunos das escolas públicas foram os que mais tiveram prejuízos na aprendizagem no ano passado. Boa parte vem de famílias humildes, sem acesso a internet de qualidade e equipamentos adequados para as aulas remotas. Especialmente os mais carentes, fora da escola, estão expostos a uma série de riscos, desde a violência à falta de uma alimentação apropriada. A desconexão com a escola levou 5,5 milhões de crianças e jovens brasileiros a deixarem de estudar em 2020, mostrou um estudo com participação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A educação é a forma mais viável de serem criadas condições de mobilidade social, principalmente para os estratos mais desvalidos da população. Em um país de grande desigualdade como o Brasil, a volta às aulas na rede pública, com toda a segurança, tem de ser uma prioridade, sob o risco de se aumentar ainda mais o abismo entre ricos e pobres, com reflexos negativos para toda a economia.

Estudos já mostraram que crianças representam baixo risco de transmissão da covid-19. Mas isso não significa a defesa da abertura das escolas a qualquer preço. É um processo que deve ser gradual, cuidadoso, com medidas de distanciamento e rodízio, também para proteger professores e funcionários. E todos dos grupos de risco têm de ter a opção de permanecer na modalidade virtual, como prevê a proposta estudada pelo Piratini, a partir do pedido sobre a obrigatoriedade levado pelo Sindicato do Ensino Privado (Sinepe). Infelizmente, pelo ritmo de imunização, não será possível esperar a vacinação em massa. O essencial neste momento, portanto, é oferecer e transmitir segurança para a retomada das aulas presenciais.

 


06 DE FEVEREIRO DE 2021
CARTA DA EDITORA

Saber ver e ouvir 

Fazer jornalismo em meio à pandemia nos trouxe muitos desafios, como o de buscar com rapidez o conhecimento necessário para tratar de temas nunca antes vivenciados e abordados. Com o passar do tempo, cada repórter foi se especializando em determinados assuntos ou áreas relacionadas ao coronavírus. E foi assim com Larissa Roso, repórter de ZH e GZH sobre a qual já falei neste espaço em outras ocasiões.

Formada em Jornalismo pela PUCRS e mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFRGS, Larissa desde o início tinha uma preocupação de mostrar aos nossos leitores e ouvintes como era a rotina e os momentos de tensão e de superação nas alas destinadas a pacientes de covid-19 dos hospitais de Porto Alegre.

Em junho do ano passado, ela já havia feito uma incursão, com o fotógrafo Jefferson Botega, pelo Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Nossa Senhora da Conceição para acompanhar a saga de médicos, enfermeiros e pacientes de covid-19 em estado grave. Em agosto, a mesma dupla foi conhecer outro local fundamental no enfrentamento da pandemia: a Emergência do Pavilhão Pereira Filho, na Santa Casa de Misericórdia, adaptada para receber casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus.

Nesta edição, Larissa e o fotógrafo André Ávila trazem uma reportagem contada por um ângulo diferente e curioso: as histórias do "radinho da alta", um amuleto do CTI do Hospital de Clínicas. O texto e as imagens, publicados no caderno DOC, mostram como um rádio ganhou espaço e valor ao longo dos meses, sendo associado à melhora dos pacientes. Por meio de músicas e notícias, conectou pacientes com o mundo exterior.

Larissa soube da existência do aparelho a partir das conversas quase diárias mantidas com a enfermeira intensivista Isis Marques Severo, que participou durante seis meses do Diário do Front, projeto de ZH, GZH e Rádio Gaúcha que retratou a rotina dos profissionais da linha de frente do combate ao coronavírus nas principais instituições de saúde da Capital.

Na sexta-feira, 29 de janeiro, Larissa e Ávila foram pessoalmente ao Hospital de Clínicas acompanhar o "radinho da alta" em ação, relatando casos de superação dentro do CTI. E, após 10 meses falando a distância com Isis, a repórter também experimentou a alegria de poder vê-la pessoalmente, seguindo os cuidados básicos.

Jornalistas com olhos e ouvidos atentos como os de Larissa sempre terão histórias humanas para contar aos nossos leitores.

DIONE KUHN

06 DE FEVEREIRO DE 2021
MARCELO RECH

Urgência urgentíssima 

Ao ritmo atual, mais brasileiros morrerão de covid-19 em apenas dois meses do que todos os norte-americanos em oito anos de guerra no Vietnã. Calamidades, como guerras, não se vencem fazendo mais do mesmo e da mesma forma. No Dia D de verdade, sem computador ou celular, os Aliados desembarcaram 156 mil homens e 20 mil tanques e caminhões em território inimigo. Por aqui, passaram-se quase três semanas de nossa hora H do Dia D e os resultados não empolgam. Até o fim da semana, o Brasil só tinha vacinado com uma dose 1,44% dos brasileiros, ao ritmo diário de 0,11% da população. Nos EUA, outro epicentro da doença, vacina-se com o dobro da velocidade, e em Israel - não por acaso um país que vive em prontidão permanente -, 11 vezes mais rápido.

Os cochilos e as trapalhadas do governo Bolsonaro na compra de vacinas são responsáveis pelos estoques limitados e pelos atrasos na chegada das vacinas, mas, uma vez entregues ou produzidas em solo brasileiro, o Ministério da Saúde, com apoio das Forças Armadas, as têm distribuído com boa eficácia. A aplicação parece emperrar na ponta final. No Rio Grande do Sul, que é um modelo no quadro brasileiro, haviam sido aplicadas até a noite de quinta-feira 198,2 mil das 511,2 mil doses distribuídas. Mesmo levando em conta que metade deve ser guardada para a segunda aplicação, não se chegou à totalidade nem do público-alvo mais prioritário e identificável - os trabalhadores em saúde. Em Porto Alegre, uma Capital que se destaca no cenário nacional de saúde pública, aplicaram-se 35 doses em 31 de janeiro, um domingo. Guerras e calamidades não fazem fim de semana.

A consultora LCA calcula que, se 70% dos brasileiros fossem vacinados até agosto, o PIB cresceria 5,5% neste ano. No ritmo atual, porém, já será muito se os 70% forem alcançados em dezembro, a um custo de dois pontos percentuais no PIB, o equivalente a R$ 150 bilhões. Na ponta do lápis, sai infinitamente mais barato investir o máximo em vacinação agora do que poupar e manter um ritmo modorrento de compras, aprovações e imunização.

Ainda que se aleguem dificuldades extras e percalços burocráticos, o Brasil poderia fazer mais. Um país que realiza uma eleição eletrônica confiável, sigilosa e simultânea em todos os municípios e localidades incluindo as mais remotas, detém capacidade suficiente para se mobilizar e se superar em situações de emergência como agora. As equipes da linha de frente estão fazendo seu papel, mas não há como escapar da sensação de que, em escalões superiores, falta uma agonia, a prioridade absoluta e emergencial para aquela necessidade premente, em que não há fim de semana, ninguém relaxa ou fala de outra coisa até que o problema seja equacionado. Falta, enfim, senso de urgência urgentíssima.

MARCELO RECH

06 DE FEVEREIRO DE 2021
GUZZO

Moro terá sorte se não acabar preso 

Durante sete anos, o Brasil não foi o Brasil. Esteve em operação, ao longo desse tempo, a Lava-Jato - e a Operação Lava-Jato era exatamente o contrário da política brasileira como ela sempre foi. No Brasil da Lava-Jato, os políticos e os demais corruptos, de todo porte e espécie, se arriscavam a ir para a cadeia. Foram presos um ex-presidente da República, o dono da maior empresa de obras públicas do país, governadores de Estado, um ex-presidente da Câmara dos Deputados e por aí afora. Os próprios ladrões se comprometeram a devolver aos cofres públicos R$ 15 bilhões da montanha de dinheiro que tinham roubado.

Em qualquer país sério, é precisamente assim que as coisas se passam; lei é lei, e tem de ser aplicada para todos. Só que o Brasil não é assim. A vida pública, na verdade, é o contrário disso. A Lava-Jato, enquanto durou, refletiu um país que não existe. Nada mais natural, assim, que ele voltasse à sua verdadeira natureza. É o que acaba de acontecer, oficialmente, com a dissolução formal da operação toda, por ordem de ninguém menos do que o próprio procurador-geral da República. Aí sim. Eis, enfim, o Brasil de novo sendo como o Brasil realmente é: o chefe dos investigadores decide que é proibido investigar.

A Lava-Jato sempre foi a principal inimiga dos que mandam no Brasil: gente da política e do governo, seus parentes e amigos, empreiteiros de obras, fornecedores do Estado, donos de empresas estatais, altos barões do Judiciário e empresários que vivem do Tesouro Nacional. Seu grande objetivo na vida, nesses sete anos, foi acabar com a Lava-Jato; todos, nesse bonde, têm um sistema natural de rejeição à honestidade.

No começo, com medo do imenso apoio popular às novas regras, o mundo oficial fingiu que apoiava a operação. Depois, com o tempo, passaram a aparecer queixas de que estaria havendo "exageros" nas investigações e sentenças contra os corruptos. Mais um pouco, as reclamações viraram uma guerra aberta e sem quartel; a Lava-Jato, no fim, estava sendo acusada em pleno Supremo Tribunal Federal de criar "um regime de exceção" no país, a "República de Curitiba".

Foi um momento de exceção, de fato: pela primeira vez em sua história, possivelmente, a Justiça e o aparelho de Estado brasileiros consideraram que roubar dinheiro público era ilegal. Assim que foi possível voltar à vida de sempre, naturalmente, eles voltaram: enterrar a Lava-Jato sempre foi o objetivo número 1 das elites brasileiras, seja no governo Lula-Dilma, seja no governo Temer, seja no governo Bolsonaro - a cujo procurador-geral, no fim, coube a grande honra de dar o tiro de misericórdia.

Do jeito que vão as coisas, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro será um homem de sorte se não acabar preso.

*Conteúdo distribuído por Gazeta do Povo Vozes - J.R. GUZZO*


05 DE FEVEREIRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Agora mesmo seus órgãos estão envelhecendo

A razão do nosso inegável sucesso como espécie e da nossa invencível angústia como indivíduos é a mesma: a noção do futuro. Falo de nós, Homo sapiens, que há 10 mil anos manipulamos a natureza de acordo com nossas necessidades, e crescemos e reproduzimos sem cessar. Nós somos o único animal do planeta que se preocupa com o futuro.

Alguém poderá argumentar que não sei o que vai pela alma de um lulu da Pomerânia, e é verdade. Não sei. Mas sei que tanto um insignificante lulu da Pomerânia de latido agudo quanto um nobre leão de rosnado grave não fazem planejamento estratégico como os consultores de marketing paulistas. Eles, os bichos, se ocupam apenas das tarefas imediatas do dia, as que vão lhes fornecer conforto ou subsistência. Eles não se inquietam com o que pode acontecer no mês que vem. Eles nem sabem que existe o mês que vem.

Isso é ótimo para os lulus e os leões, porque proporciona grande economia em psicanálise e poupa tempo despendido em cultos religiosos ou para montar sistemas filosóficos. Em contrapartida, eles também não fazem nada que lhes prolongue a existência, tipo a dieta de 22 dias da Beyoncé.

Assim, lulus, leões e outros bichos morrem quando têm de morrer, a não ser que haja intervenção humana. Se um feroz tigre contrai câncer numa selva da Índia, ele morrerá com a evolução natural da doença, porque em geral tigres não se submetem à quimioterapia.

Nós, o que nos diferencia é que cuidamos uns dos outros. Não só das crias, não só do perigo iminente - nós cuidamos para que os outros, às vezes até desconhecidos, vivam bem no FUTURO. A civilização se afirmou não quando começamos a colaborar para caçar mamutes, mas quando resgatamos um guerreiro que quebrou a perna na caçada, imobilizamos o osso ferido amarrando-lhe a uma tala e deixamos o homem resguardado na caverna, tomando canja de pássaro Dodô até que ficasse bom.

Temos nossos méritos, portanto. Nossa espécie não é constituída somente de comentadores de redes sociais e digitais influencers.

Agora imagine se não fosse assim. Imagine se não houvesse medicina, leis, condições de higiene ou kombucha. São muitos perigos que nos rondam, e nós sucumbiríamos a eles. Bastaria citar alguns para escrever uma poesia concretista ou para o Arnaldo Antunes compor uma música:

"Acromegalia, aerocolia, aerofagia, afonia!

Alopecia e amenorreia.

Clamídia e crupe.

Disfasia, dispepsia, diverticulite e balanopostite.

Beribéri e blefarite.

Sigmatismo e Sialite,

Tatalgia, talassemia, tetralogia, tricotilomania.

Silicose e sinalgia.

Xantoma, xantose, xerasia, xeroderma.

Lumbago!

Melasmo!

Vasoplegia!"

Todas essas coisas horríveis podem nos acometer, e muitas outras mais, como dor nos quartos ou tripa revirada. Nesse momento, inclusive, os seus órgãos estão envelhecendo, meu amigo. Não é só a sua pele que enruga, seus cabelos que encanecem e suas gordurinhas que se acumulam na cintura. Não. Também a sua vesícula se desgasta e seu peritônio talvez não seja o mesmo dos tempos de juventude.

Então, o que precisamos é continuar cuidando uns dos outros. Precisamos entender que o que faz bem para a coletividade, faz bem para o indivíduo. Como o que quero dizer que tomar vacina não é um ato pessoal, quando se trata de uma doença altamente contagiosa, como a covid-19. Não é algo que afete apenas você. É algo que toca toda a sociedade. Você não tem direito a tomar a vacina; tem obrigação. Em nome de todos. Em nome da espécie.

DAVID COIMBRA

 05 DE FEVEREIRO DE 2021
ARTIGOS

A MULHER E O DINHEIRO

Há algum tempo venho refletindo sobre as mulheres do presente, mesmo diante dos avanços, a equidade de gênero caminha a passos bastante tímidos e, quando analisamos a esfera financeira, muito ainda precisa ser trabalhado. Mulheres ainda são vistas como aquelas que gastam os dinheiros de seus maridos, de maneira desenfreada e sem nenhum controle sobre os seus investimentos. O que não é verdade. Percebo mulheres extremamente conscientes de onde o dinheiro será aplicado para gerar retorno financeiro.

Em 2020 o protagonismo feminino deu passos bastante importantes, mulheres eleitas para vagas no Legislativo, partidos dando confiança e espaço para muitas jovens no início da carreira política; mulheres sendo reconhecidas por seu trabalho no enfrentamento da pandemia; servidoras públicas, professoras e jovens que participam de coletivos de assistência social, enfim, muitas carreiras se mostraram indispensáveis e outras ainda seguem em desvalorização, com salários precários e sem prestígio social.

Mesmo essas mulheres sendo a base para o funcionamento pleno de nossa sociedade, muitas delas tiveram de, novamente, trabalhar mais e em outros empreendimentos para compor suas rendas. O reflexo disso foi a alta nos números de registros de empreendedores e microempresas, que cresceu significativamente. Como em toda mulher existe a força para mudar o cenário, conseguimos analisar todo esse processo de forma positiva. As mulheres novamente conseguiram girar a chave e profissionalizar-se também em educação financeira.

O fato é que a educação financeira deveria ser ensinada junto com a educação formal. A realidade é que as mulheres, muitas delas sem conhecimento técnico, conseguiram entender como funciona a disciplina de lidar com o dinheiro para conseguir sustentar suas famílias, mesmo que por necessidade. Criando estratégias para implantar no próprio negócio, buscando se profissionalizar e investir dinheiro com responsabilidade e inteligência emocional. Ou seja, hoje somos também administradoras e investidoras, basta saber quando irão nos reconhecer dessa forma.

 CEO da consultoria MaturiLAB monica@casadeassessoria.com.br - MONICA RIFFEL


05 DE FEVEREIRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

PERSISTÊNCIA NO AJUSTE

Um ano que se anunciava desastroso para as finanças públicas gaúchas acabou com uma surpresa positiva. Reportagem publicada ontem em Zero Hora mostrou que o Rio Grande do Sul encerrou 2020 com um déficit orçamentário de R$ 597 milhões, seis vezes abaixo do registrado em 2019. Uma parte significativa desse desempenho, é dever ressaltar, veio do repasse de cerca de R$ 2 bilhões da União, um socorro que também foi feito para as demais unidades da federação. Mais importante, entretanto, é a constatação de que as reformas administrativa e previdenciária, aprovadas nos últimos dois anos, contribuíram com aproximadamente R$ 1 bilhão na redução de despesas. O resultado atesta que o Piratini está no caminho correto no seu plano de ajustes e deve persistir nele.

As economias com as reformas indicam que o Estado conseguiu, com suas próprias medidas, diminuir o rombo potencial. Uma nova ajuda da União, porém, é improvável em 2021, pela situação também delicada das finanças federais. Caberá mais ainda ao Piratini, a partir de uma produtiva articulação com a Assembleia, avançar em pautas estruturantes cruciais, como a reforma tributária, a PEC do teto de gastos e a previdência dos militares. São iniciativas basilares para o governo gaúcho continuar, de forma paulatina, a busca pelo equilíbrio entre as colunas das despesas e das receitas. A crise financeira crônica do Estado é reflexo de décadas de rombos acumulados. Da mesma forma, não existe solução mágica de curto prazo. É preciso perseverar na disciplina fiscal, combinada com políticas que melhorem o ambiente de negócios no Rio Grande do Sul.

Pelo lado da receita, persiste a incerteza devido às dúvidas que dificultam enxergar a magnitude da reação da economia em 2021. Uma variável-chave nessa questão é o ritmo da vacinação contra a covid-19. Diante dessa incógnita, foi prudente o governo Eduardo Leite ao prever, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o uso de recursos próprios para a compra de imunizantes, caso Brasília continue hesitante e errática. A elaboração de um novo plano para tentar aderir ao regime de recuperação fiscal da União, a partir de novas regras, é outra frente relevante. Trata-se de um fôlego indispensável para o Estado seguir na trilha de seus ajustes e não ficar à mercê do risco de cair a liminar obtida no Supremo Tribunal Federal (STF) que, desde 2017, permite ao Estado deixar de pagar a dívida com o governo federal.

A responsabilidade com as contas públicas não é um fim em si. É um meio para que o governo consiga manter os salários em dia, continue pagando fornecedores sem atraso e, principalmente, tenha condições de, aos poucos, melhorar a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, principalmente nas áreas de educação, saúde e segurança. É uma forma de a sociedade, portanto, ter a perspectiva de um melhor retorno em relação aos impostos que paga.

 


05 DE FEVEREIRO DE 2021
O PRAZER DAS PALAVRAS

Boemia 

Desta vez a pergunta veio do Arthur de Farias, um velho amigo que goza de merecidíssima fama em nosso cenário musical. Depois de alguns graciosos salamaleques, ele escreveu: "Por acaso, tu sabes por que se fala boemia e não boêmia? Minha hipótese furada é que a culpa é do erro de prosódia do Adelino Moreira, na música cantada com aplastador sucesso pelo Nelson Gonçalves. Meu avô, que era anterior a isso, falava boêmia. Renovados votos de estima e consideração".

Caro Arthur, nem sempre podemos descobrir o porquê de uma mudança ocorrida no idioma, mas isso não quer dizer que não exista, em algum lugar, uma explicação para ela. Como aprendi com o mestre Luft, nada acontece por acaso em linguagem; posso não enxergar agora a sua motivação, mas tenho certeza de que ela está lá, na nuvem, esperando que a encontrem.

Primeiro vamos aos fatos: boêmio (fem. boêmia) é, originalmente, o adjetivo gentílico dos naturais do reino da Boêmia, anexado, no início do século 20, à antiga Tchecoslováquia. Reza a enciclopédia que na França, desde o fim da Idade Média, o nome bohème era também aplicado aos ciganos, os quais, segundo a crença popular, teriam entrado em terras francesas vindos daquele reino.

No século 19, o termo naturalmente passou a designar também os jovens artistas, intelectuais, jornalistas, atores e poetas que levavam um estilo de vida anticonvencional, alternativo, ao sabor do dia, tão frugal que às vezes beirava a miséria. Fala- se então numa vida boêmia, no círculo boêmio, nas festas boêmias, na geração boêmia. Contudo, na hora de criar um substantivo para designar este tipo de vida - o Inglês criou bohemianism, algo assim como "boemianismo" -, o Francês, de onde tiramos o termo, optou pelo feminino do adjetivo: la bohème: a boêmia literária, a boêmia do Quartier Latin, etc. Puccini compõe sua ópera La Bohème e Aznavour (por que não?) canta o seu grande sucesso com o mesmo título, uma rememoração nostálgica de uma juventude pobre mas feliz ("Boêmia, boêmia/significava: somos felizes/boêmia, boêmia/só comíamos a cada dois dias", diz o estribilho).

Ora, o termo foi importado da França tanto pelos portugueses quanto pelos brasileiros, e as duas formas, boêmio e boêmia, vieram no seu pacote original, com fitinhas e cheiros de alfazema, como diria um Eça de Queirós. Aqui, no entanto, o feminino boêmia sofreu uma adaptação - talvez fosse melhor dizer uma especialização - que Portugal não adotou: quando se trata do substantivo que designa o tipo de vida que os boêmios levam, nossos falantes deslocaram o acento tônico para o "i", fazendo-o rimar com alegria. "Ah, a bela boêmia do Quartier Latin" (uma mulher), para nós, portanto, é diferente de "Ah, a bela boemia do Quartier Latin".

Aqui deve ter influído um padrão morfológico bem conhecido por nós: o uso do sufixo _ia, com o "i" tônico, para formar substantivos derivados de adjetivos: covarde, covardia; ousado, ousadia; teimoso, teimosia; boêmio, boemia. A mudança não foi vista com bons olhos pelos mais conservadores, mas hoje podemos escolher livremente entre as duas propostas, assim como podemos escolher (com a autorização dos gramáticos mais caturras) entre Oceânia e Oceania ou ortoépia e ortoepia. Adelino Moreira não errou.

CLÁUDIO MORENO

Februarius 

Chegou por WhatsApp: "Acabo de experimentar os 30 dias de degustação gratuita de 2021. Não gostei do produto, quero cancelar minha assinatura. Favor não insistir. Obrigado". Mas se o vendedor for persistente e esperto, bem poderá contra-argumentar: "Caro cliente, esses 30 dias foram enviados por engano: mandamos sem querer o 13º mês de 2020, o ano da peste. O ano de 2021 ainda nem começou. Que tal uma nova chance?".

Quem, em sã consciência, poderá refutar a lucidez desses argumentos? Janeiro já veio e já foi sem trazer novidade alguma: apenas deu sequência ao suplício que, se bem me lembro, começou em março. Assim, 2021 entrou em cena como uma espécie de prorrogação não solicitada de 2020 - tipo pênalti roubado nos descontos, com VAR desligado e depois com VAR ligado demais. Algo vil, rasteiro, abjeto e desprezível. Cancela minha assinatura.

Bom, janeiro, você sabe, é o mês de Janus, o deus romano que abre e fecha as portas. Desta vez, não se sabe se ele as escancarou para que tudo de ruim continuasse entrando, ou se as manteve cerradas para que nada de bom pudesse cruzar o umbral. Mas quem sabe se fevereiro não veio jogar a pá de cal em quem acha que as coisas não podem piorar. "Vós que aqui entrais, abandonai toda a esperança", poderia ser o alerta grafado no portal de Janus que se abre para a entrada triunfal de Fébruo, o deus da morte (e, vá lá, da purificação).

Sim, que culpa tenho eu se fevereiro não só é o mês do Carnaval (que este ano não virá) mas o mês de Fébruo, o deus que não é flor que se cheire? Mas isso não significa dizer que a história desse mês capenga, do qual tungaram não só um, mas dois dias, não seja deliciosamente reveladora dos destemperos do tempo, da vaidade humana e de nossa constrangedora submissão aos mandos e desmandos do Império Romano.

Recapitulando: em 46 a. C. (quando as pessoas se perguntavam: "Em que ano estamos?", "Ora, em 46 antes de Cristo". "Antes de quem?"), o todo-poderoso Júlio César estabeleceu o calendário... bem, o calendário juliano. Aboliu o calendário lunissolar, criado em 753 antes de Quem?, por Rômulo, aquele que mamou na loba e matou o pobre Remo. Nesse calendário de 10 meses lunares, Februarius era o 10º e último mês do ano - e, por isso, tinha só 29 dias, tadinho. Com a entrada em cena de Janus, o pobre Fébruos caiu para segundo lugar. Pouco mais tarde, em 8 a.C. Augusto inventou o mês de agosto, singela homenagem a si mesmo. Mas agosto ficou só com 30 dias, enquanto julho, o mês que Júlio Cesar criara todinho para si, tinha 31. Aqui ó, que Augusto ia ficar pra trás. O que fez ele então? Ora, tomou mais um dia do pobre Februarius, que passou a ter míseros 28.

Portanto, se esse fevereiro for um horror, você já sabe de quem é a culpa. De Augusto, do VAR e do Lira.

EDUARDO BUENO

05 DE FEVEREIRO DE 2021
INFORME ESPECIAL

CCJ não é lugar para radicalismo

Moderação, equilíbrio e capacidade de articulação são alguns dos requisitos esperados para um indicado para assumir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) não tem nenhum destes atributos. É inapropriado o comando da CCJ ficar nas mãos de um parlamentar de postura radical - de esquerda ou de direita.

Bia Kicis é da ala bolsonarista raiz. Legitimamente, representa uma fatia da sociedade no Congresso. Mas demonstra comportamento incompatível com a tarefa de presidir a comissão.

Foi a quarta colocada em um ranking sobre os congressistas que mais espalharam desinformação sobre a covid-19 em 2020, elaborado pela agência de checagem Aos Fatos. É investigada por participação em atos antidemocráticos que pediam o fechamento do STF e do Congresso. Xingou com palavras de baixo calão o ex-ministro do STF Celso de Mello. Usou máscara com a inscrição "E daí?", demonstrando desrespeito às vítimas do novo coronavírus e seus familiares. A lista de excentricidades e de falta de discernimento sobre o que é real ou falso é longa.

A deputada passa longe de qualquer postura de equilíbrio e moderação. Até o centrão começa a mostrar constrangimento com a indicação.

Cuidados redobrados

O megavazamento de dados de mais de 220 milhões de brasileiros mostra que é necessário redobrar os cuidados para não cair em golpes. Especialista em Direito Digital, o advogado Luiz Paulo Germano, do escritório Medeiros, Santos & Caprara, tem algumas dicas sobre como é possível se proteger:

- Se receber uma ligação de uma suposta empresa, peça o protocolo e entre em contato por um número de telefone oficial, informando o número para retomar o atendimento.

- Se for por e-mail, verifique atentamente o endereço do remetente.

- Use a verificação em duas etapas em todos os serviços, como e-mails e redes sociais.

- Jamais passe códigos de verificação para terceiros.

- Ative as notificações de novos logins, compras e transações em apps.

Do bem

O Programa Troco Amigo da Panvel Farmácias arrecadou em 2020 R$ 2.653.445,35. O valor superou em 40% as doações de 2019 e irá beneficiar 91 hospitais do RS, SC e PR. Por conta da pandemia, uma edição especial da campanha, o Troco Amigo - Covid-19, arrecadou valores pela internet e teve repasse imediato de R$ 1 milhão feito pela própria empresa. A quantia já foi distribuída no ano passado para hospitais que estão na linha de frente do combate à pandemia. Já os recursos arrecadados em lojas serão entregues às instituições a partir da próxima semana, começando pelo Hospital de Pronto Socorro e a Santa Casa de Porto Alegre.

A ABF Developments lança o Bloco da Solidariedade, em alusão ao Carnaval, para ajudar o Asilo Padre Cacique. A incorporadora será ponto de coleta para arrecadar itens necessários para a casa beneficente da terceira idade. As doações podem ser feitas até o dia 17 de fevereiro, na Rua Carlos Uber, 173, no bairro Três Figueiras. Além de fraldas descartáveis, papel higiênico e produtos e acessórios de higiene, também serão aceitas contribuições em dinheiro com depósito diretamente na conta corrente do asilo.

Capacitação

O Senac EAD está com inscrições até 11 de fevereiro para cursos técnicos a distância oferecidos por meio do Programa Senac de Gratuidade. No RS são 264 vagas nos municípios de Erechim, Santa Rosa, Camaquã, Canoas, Carazinho, Gramado, Santa Cruz, Bento Gonçalves, Farroupilha, Montenegro e Taquara. As inscrições são gratuitas e devem ser realizadas somente pela internet, no site https://www.ead.senac.br/gratuito. As aulas iniciam em 15 de março.

Nos ônibus, nada será como antes

Doutor em Transportes, João Fortini Albano só vê uma alternativa imediata para o impasse no transporte coletivo urbano de Porto Alegre:

- A curto prazo, a prefeitura deverá negociar uma solução com as operadoras que evite o aumento previsto da tarifa - diz.

A médio e longo prazos, será preciso uma grande reformulação no transporte por ônibus, modernizando a legislação e os contratos.

- A tarifa não pode ser mais a única fonte de financiamento. Os recursos deverão ser buscados em outras fontes - adverte Albano, coordenador da Comissão de Transportes da Sociedade de Engenharia do RS.

De imediato, além de achar que as tratativas devem ser rápidas, prevê:

- Acho difícil solução diferente do que a injeção de recursos públicos para o reequilíbrio financeiro inicial do sistema.

CAIO CIGANA - INTERINO