sábado, 1 de maio de 2021


01 DE MAIO DE 2021
LYA LUFT

E se a vida fosse diferente

E se a vida fosse diferente... seríamos melhores, mais alegrinhos, mais generosos, menos materialistas, menos invejosos, menos rancorosos, menos caluniadores, menos ignorantes e menos fingidos... isto é, menos infelizes?

Se a vida fosse diferente, acho que talvez, em parte, seríamos iguais. Talvez. Ou: como somos diferentes dependendo das diferenças de nossas famílias, educação, oportunidades, força de vontade, escolaridade, decência nas condições de vida... quem sabe seríamos melhorzinhos?

Os grandes milionários, desde os grandes imperadores, e, mais atrás, desde Átila, Gengis Khan e outros figurões poderosíssimos, que tinham à disposição toda a riqueza do mundo de então, seriam melhores do que seus cidadãos, ou servos, ou adversários?

Tenho grandes dúvidas. Acho, sim, que no fundo somos animais predadores com aquela casquinha de civilização, mais ou menos grossa, mais ou menos rachada, conforme as circunstâncias... mas também conforme nossa personalidade inata. Pois acredito que nascemos com uma bagagem psíquica que nos definirá basicamente para sempre, ainda que, de novo: família, educação, condições de vida, desejo de mudar e força de vontade tenham sua influência.

Sei de ótimas famílias que tiveram filhos drogados graves ou criminosos, tendo causando grande sofrimento a si próprios e aos que os amavam, conheço famílias humildes cujos filhos acabaram pessoas de bem em qualquer profissão, de pedreiro a senador.

Lógico: se vivo entre bandidos, mais fácil virar um deles. Mas onde está o Estado, que permite que a bandidagem tome conta de bairros inteiros, cidades inteiras, e que ninguém consiga respirar sem dobrar o pescoço a esses tiranetes modernos, cruéis e espertos, e mais ou menos protegidos?

Se a vida fosse diferente, talvez todos nós entendêssemos que ser feliz não é amar-se, curtir-se, ser atlético e magro e belo e rico, mas viver conforme um ser humano: generoso, cúmplice do bem, atento aos que precisam de um empurrãozinho para se arranjar na vida e ter emprego, pão para os filhos, algum lazer, e não ficar em infinitas filas para ganhar uma quentinha, uma garrafa de água, uma vacina que seja... filas de centenas de idosos para se protegerem da Peste, e chegando sua vez veem que não há vacina... e que se arranjem.

Não sei como a vida poderia ser diferente, mas com certeza o primeiro sonho de cada um não seria o vazio "ser feliz", mas ser bom, ser útil, ser generoso, ser parceiro, amar sua gente, sua família, amigos, alunos, professores, médicos, policiais, funcionários, vizinhos e até adversários políticos, sem fingimento mas sem rancor.

Se a vida fosse diferente, quem sabe: ao menos boa parte de nós, pobres humanos, seríamos um pouco diferentes: uma gota de otimismo, hoje, é preciso.

LYA LUFT


01 DE MAIO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Meu "BBB" da vida real

Desculpem, desculpem, não assisti a nenhum episódio do atual BBB, esse que está no ar, o de número 1.289.763, ou algo assim. Só sei que foram muitas edições. Sou do tempo do Kleber Bambam e testemunhei o surgimento da Grazi e do Jean Wyllys. Depois deles, ou antes, tenho apenas vagas lembranças de um caubói brasileiro, de uma aeromoça, de um tiozão. E era isso. Ah, e da Sabrina Sato, mas daí eu já tinha perdido a paciência para ver intriga e traição após a novela das nove.

Não é um julgamento, cada um que assista o que bem entender. Encarnando a analista fake de TV, o BBB só dá certo porque reúne pessoas que não têm como dar certo. O cara que lê no mesmo quarto do que despreza qualquer manifestação de cultura, por exemplo. A fútil com a ativista. Pela ficha dos participantes, um sequer cumprimentaria o outro longe das câmeras. Mas olha eles juntos lá, com a mesma bandana ou todos de echarpe, fazendo fofoca pelos quartos e dizendo que isso é jogar.

É um tanto deprê para o meu gosto. Mas a audiência nunca foi tão alta, o que significa que deprê sou eu.

Meu irmão chegou a figurar entre os cotados para entrar em uma das primeiras edições do BBB, mas desistiu antes do teste final. Pensar que eu podia ter ido esperar por ele no portão da casa mais vigiada do Brasil, de camiseta Meu Mano, Meu Herói e chapinha para o caso da câmera me pegar em um close. Vai que ele ganhasse o tal do milhão, hoje eu estaria aqui, fã do BBB. Quem sabe até não me inscrevia na cota dos mais velhos.

Mas seria interessante juntar alguns representantes do Brasil de 2021 na mesma casa. Podia entrar aquele sujeito vestido com uma roupa cor de cocô da Ku Klux Klan que andou discursando no Parcão, dia desses. E pelo menos uma das senhoras que, pleiteando liberdade, exige intervenção militar. Também podia entrar um negacionista antivacina. E qualquer um desses políticos cuja ignorância atravanca o progresso, eterna definição do saudoso Odorico Paraguaçu. O general Pezadello seria a subcelebridade da vez. E paro por aí com as sugestões, para não parecer provocação.

No meu reality imaginário, assim que os participantes cruzassem a porta, a produção jogaria a chave fora. Sem paredão, para não correr o risco de ninguém sair. O inconveniente é que, diferentemente do BBB de verdade, nesse todos os brothers teriam afinidades - o que não impediria o pescotapa, o puxão no cabelo e o dedo no olho. Daí a eles fundarem um partido, seria um pulo.

Melhor ligar no BBB do Fiuk e não dar ideia.

Um dos repórteres esportivos mais respeitados do rádio brasileiro, João Carlos Belmonte acaba de lançar seus quase 50 anos de histórias em livro. Fala, Belmonte! Memórias do Cronista Esportivo é o testemunho de quem viu e viveu todos os grandes eventos do esporte, das Copas do Mundo e Olimpíadas aos Gre-Nais mais lendários. O livro tem prefácio do Roberto e edição do Caco, filhos do Belmonte. Quem já tem alguma estrada por esse mundão vai lembrar de vários causos. Quem não tem vai descobrir que houve um tempo - mas faz tempo - que o futebol era fino também fora de campo. Lançamento da Farol3 Editora.

Sugestão para levar para a casa. A padaria artesanal Geronimo é daqueles lugares que a gente se arrepende por não ter conhecido antes. Trabalhando dentro dos mais rigorosos protocolos pandêmicos, o chef Geronimo faz pães maravilhosos, bolos escandalosos e, aos sábados, almoços para retirada, tudo com o atendimento perfeito da Bel. A cozinha é vegetariana, mas os sabores são para todos os públicos. De terça a sábado, na Lopo Gonçalves, 204.

CLAUDIA TAJES

01 DE MAIO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Os sonhadores

O que você está fazendo da sua vida? Entre respostas diversas, posso intuir alguns "não sei". Gostaríamos de ter tido 100% de clareza na hora de escolher nossa trajetória, mas tantas coisas nos desviaram: a pressão dos pais, a pressão da sociedade, nossa própria pressão para seguir um caminho convencional que garantisse segurança, mas quem garante alguma coisa? E se você estivesse certo aos 20 anos, quando tinha sonhos delirantes e fantasias incomuns que faziam gargalhar os mais velhos? Quem vai lhe devolver o tempo perdido?

Sem fazer drama a respeito, mas tocando com sensibilidade no assunto, estreou dias atrás o documentário Mr. Dreamer (no Now, direção de Flavia Moraes e roteiro de Marcelo Ferla) que conta uma história verídica: nos anos 1970, um garoto de 20 anos realiza seu sonho de ter um programa de tevê, onde lança e comenta videoclipes inéditos (antes da MTV), mas interrompe tudo ao ser convocado para assumir um cargo de executivo na empresa da família. Nenhum sacrifício, ele terá uma vida bem confortável pela frente, mas o que acontece quando esse cara chega aos 60 anos? "Envelhecer é algo que não passava pela minha cabeça."

A frase de Pedro Sirotsky, o Mr. Dreamer, me perturbou. Envelhecer também não passava pela minha. Passa pela cabeça de algum adolescente? A ilusão da imortalidade é uma cachaça, faz a gente se desvirtuar por caminhos que não são os nossos, crentes de que o tempo é infinito e que podemos desperdiçá-lo. Até que um belo dia nos olhamos no espelho e a realidade nos prega um susto: "Oi, velho. E aí?"

Pedro é este cara que, depois dos 60, resgatou sua essência e que agora roda o mundo alertando a rapaziada que, como ele, é amante da música: não desistam de seus sonhos. A escolha de Dublin como cenário é coerente, além de charmosa, mas sua peregrinação pode acontecer em qualquer lugar onde esbarre com os jovens de hoje, que estão menos reféns das convenções, propensos a dispensar símbolos de status, a viver um cotidiano mais sustentável e a não negligenciar suas ilusões em prol de um projeto de segurança familiar.

Ainda assim, é raro fazer exatamente o que se quer antes dos 40. Leva-se uma vida até entender que nossas paixões são soberanas e que ninguém deve nos desviar do nosso destino, nem mesmo com o nosso consentimento. Você também cedeu ao comodismo, aos desejos alheios? Normal. Mas há o tempo para ser bom-moço e o tempo para ser quem se é. Resgatar antigos projetos não é fácil, não é simples, e para a maioria é utópico, mas aceitar uma provocação filosófica a respeito, se não nos põe em ação, ao menos ajuda a aliviar a alma: sempre é bonito reencontrar-se com a inocência que um dia tivemos.

MARTHA MEDEIROS

01 DE MAIO DE 2021
LEANDRO KARNAL

OS BICHOS

O termo não é um ataque. Não serve como insulto. Ouvi a expressão de alguém ao descrever um parente: Naquela casa, eles são bichos. O que significa?

Para o bem e para o mal, os animais respondem a impulsos básicos: fome, sede, sexo, sobrevivência. A vida de um leão não passa por crises existenciais, planos de longo prazo, crenças ou coisas similares. Por mais que exista a música Hakuna Matata (se você não sabe, não fique uma fera, apenas procure), os leões não pensam se a vida é isto que temos pela frente. Ser bicho é ser aqui e agora, respondendo a impulsos básicos.

Haveria pessoas-bicho? Meu amigo garantia que sim. Não são de uma classe social definida ou tipo físico. São seres humanos como todos os outros, apenas, destituídos de metafísica. Quando entram no cio, atacam o que estiver disponível. Na fome, desaparece o impulso gourmet ou a estética alimentar. Dormem quando querem. Urinam e defecam onde for possível. Irritados, atacam. Defendem a ninhada conhecida como filhos. Respondem ao chamado da vida em linha reta, para o bem e para o mal. Em um mundo de gente dissimulada, passam por "sincerões". Dizem o que passa pela cabeça, na hora em que ocorre, sem filtro ou cuidados Chutam o balde sem medir o peso dele em ação sobre o próprio pé ou onde o referido recipiente possa vir a cair. Como um gato, saltam no colo da visita e cochilam. Como um cachorro, latem para estranhos por serem estranhos. Como ursos, hibernam enquanto o frio mandar. Na chuva, não saem de casa. Não possuem horários ou princípios. Chegam aos compromissos quando bem entendem e deles saem no momento em que o cansaço aparece. Nada negociam. Conhecem a fome e o frio, nunca o vazio existencial ou o propósito de vida. Ouviram falar de pessoas que apresentam dificuldade em fazer o "número dois" fora de casa. Estranham o pudor. Vazam por qualquer orifício em qualquer lugar. Basta surgir a consciência de superpopulação na bexiga ou no intestino. Eructam e flatam com a mesma tranquilidade com que dizem oi. Vieram ao mundo sem culpa, só corpo, sem alma, só instinto. Seduzem pela liberdade e incomodam pela mesma característica.

Os "bichos" são arrastados para cinemas ou teatros. Instalados, dormem bem. Seria justo falar em hibernação. Alguns roncam. Quando um desses animais se acasala com um ser humano e contrai núpcias, ouve reclamações fortes na saída. Ignora, pois é hora de comer e de ir ao banheiro, se houver um. Caso contrário, "vai em qualquer lugar mesmo".

Não são irritantes pelas más intenções. Apenas desconhecem que nos separamos em algum ponto de nossos irmãos primatas na escala evolutiva. Outra metáfora infeliz. Chipanzés são elegantes e com olhar terno. Nossas criaturas antropomorfas estão mais para bovinos. Comer, mastigar, urinar e defecar sem a elegância melancólica dos primos-irmãos de toda a espécie humana.

Não gostam de ler. Veem programas, porém, não acompanham o que se passa lá. Observam como um gato parado em frente a uma tela de computador, saindo sem cerimônia do que se passa lá para ir até a caixinha de areia sanitária na área de serviço.

Todas as famílias possuem alguns exemplares de animais no meio do mesmo sobrenome. Incomodam pouco, nada ajudam, causam alguma graça e críticas sobre modos ou tom direto. Conhece aquele tio que se levanta da ceia de Natal para ir ao banheiro e depois se atira no sofá ligando a televisão? É sua cota familiar, cármica, de... bicho. Para não sobrecarregar demais um endereço, a natureza não coloca todos juntos, mas espalha pelas casas. Não existe, pois, uma família formada só de bichos. Claro, a parentela da sua esposa ou de seu marido tem uma quantidade expressiva de animais, não obstante, mesmo lá, surgem seres humanos aqui e ali.

Em manada, eles uivam, crocitam, balem, grasnam, zurram, mugem, relincham, bufam e rugem. Não é necessário tentar decifrar, não existe mensagem. São sons variados, expressões de ar passando pela garganta, nunca frases completas ou ideias relevantes.

A favor? Nunca mandam mensagens de bom dia nos grupos de WhatsApp. Da mesma forma que não entopem celulares alheios, nunca visitam pessoas em hospitais ou levam abraço solidário a enterros. São lugares ruins e eles dizem que não gostam. Vivem de acordo com sua vontade imediata, como se não houvesse amanhã. Alguém já viu um javali olhando como quem diz: "E o próximo semestre, como será?".

Não são de todo maus, sequer são bons. Apenas, são... bichos. Vivem o aqui e agora sem grande solidariedade, sem cinismos ou maquiavelismos familiares. Não atrapalham demais e nunca ajudam. Como um gato irritado em dia de limpeza pesada, saem do sofá para evitar o aspirador e saem do quarto quando o lençol é trocado. Podem até arranhar, porém, se você alimentar e não incomodar muito, vivem bastante se a ração for interessante. Nada cobram além do material. Nunca elogiam. Nunca apoiam, jamais percebem.

Algumas espécies vivem mais do que outras. Quase todas acasalam. Após uma existência plana, morrem como todos os humanos e todos os bichos. No velório, surgem amigos e familiares. Alguns, caridosos, contemplam o caixão e dizem: "Tão novo, tinha a força de um animal". Não é só a força, há ternura nessa oração fúnebre. Minha querida leitora e estimado leitor: existe algum egresso do zoológico da minha crônica que coabita na sua família? É preciso ter esperança, na humanidade e na fauna.

LEANDRO KARNAL

01 DE MAIO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

RISCO DE CONTRAIR COVID AO TOCAR SUPERFÍCIE OU OBJETO É MUITO RARO

Caríssimo leitor, se você tiver paciência para ler até o final a coluna de hoje, vai se lembrar dela muitas vezes.

No início da pandemia, eu passava horas na pia para lavar tudo o que chegava do supermercado. Ficava até tonto de tanto jogar álcool nos sacos plásticos, ensaboava, um por um, os tomates, as maçãs, o mamão, as peras, as jabuticabas. Depois, enxaguava e enxugava antes de guardar na geladeira.

A depender do volume de compras, a operação durava meia hora ou mais, período em que eu lastimava o desperdício de um tempo que me faltava para responder os malditos emails e mensagens no WhatsApp que se acumulam em moto-contínuo, ler um trabalho científico, escrever ou exercer qualquer atividade capaz de tirar meus neurônios do modo letárgico.

Esses cuidados tinham origem num estudo laboratorial publicado em março de 2020, que revelara a presença do coronavírus por vários dias em plásticos e superfícies metálicas. Os achados reforçavam a afirmação da Organização Mundial da Saúde, divulgada no mês anterior, de que o coronavírus também se disseminava pelo contato com superfícies contaminadas.

Uma tarde, com vontade de chorar diante de uma montanha de batatas, cenouras, abobrinhas e berinjelas, recebi uma visita rara: a do bom senso. Pensei: se o mecanismo de transmissão desse vírus é semelhante ao da gripe, quantas vezes fiquei gripado porque comi um tomate ou uma mexerica?

No mesmo momento, fui assaltado por outra dúvida: por que preciso deixar meus sapatos na área de serviço? Alguma vez peguei gripe depois de deitar no tapete da sala?

Em julho de 2020, um grupo da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, publicou um estudo com a seguinte conclusão: "As superfícies não estão entre os meios importantes de transmissão".

Com a progressão da epidemia, surgiram evidências de que a maioria das transmissões ocorriam por meio das gotículas maiores e menores (aerossóis) expelidas ao falar, tossir ou respirar. Na conclusão, os autores escreveram: "Embora possível, a transmissão por contato com superfícies não representa um risco significativo".

Em dezembro, a engenheira ambiental Ligia Marr escreveu no Washington Post: "Está cada vez mais claro que a transmissão por inalação de aerossóis formados por microgotas dispersas no ar é o modo dominante de transmissão". Segundo ela, os cuidados excessivos com a desinfecção de superfícies demandam tempo e recursos que deveriam ser aplicados na melhoria da ventilação dos ambientes.

A ideia de que o coronavírus seria transmitido com facilidade por superfícies e objetos contaminados veio por analogia com outros agentes infecciosos. Nos hospitais, algumas bactérias (como o estafilococo resistente) e certos vírus (como o sincicial respiratório) podem se espalhar pelas mesas de cabeceira, grades de cama e até pelos estetoscópios dos médicos.

Os primeiros testes com o coronavírus apontaram na mesma direção: no ambiente hospitalar, garrafas de água, óculos e outros objetos testaram positivo para o RNA do vírus. Em pias e chuveiros de residências com doentes e em mesas de restaurantes, também. E pior, as pesquisas mostravam que a contaminação persistia por dias.

Em abril de 2020, um estudo mostrou que em superfícies de plástico ou de aço o RNA do vírus chegava a persistir por seis dias; nas cédulas de dinheiro, três dias; em máscaras cirúrgicas, sete dias; nas roupas, oito horas.

O fato de detectar a presença do RNA viral, no entanto, não quer dizer que ali existam vírus viáveis. As partículas virais encontradas nesses experimentos são incapazes de infectar células em laboratório. Além disso, as condições laboratoriais são diferentes daquelas do cotidiano.

Um grupo americano da Universidade Tufts calculou a probabilidade de contrair covid ao tocar maçanetas de portas e botões nos sinais de tráfego nos cruzamentos para pedestres de uma cidade de Massachussetts. Com base nos níveis de RNA viral encontrado e na frequência da manipulação desses locais, o risco calculado foi abaixo de cinco em cada 10 mil.

Embora seja impossível descartar a possibilidade de adquirir a infecção ao tocar uma superfície ou um objeto, os dados mostram que essa forma de transmissão é muito rara.

Em vez de perder horas do seu dia lavando tudo o que entra em casa, lave as mãos com frequência, use máscara ao sair e ventile ao máximo os ambientes em que estiver.

DRAUZIO VARELLA

DO COMBATE À BARBÁRIE

Acredito que todos nós, em algum momento, sentimos e discutimos o alastramento da barbárie. Ela é combatida desde o início dos tempos, quando a história do mundo começava a ser escrita ou desenhada, ou simplesmente vivida. Gostaria de pesquisar como principia a divisão entre os que buscam evolução, expansão e conhecimento e a tal da barbárie.

Seria como em tantas doutrinas, a divisão entre os espíritos da luz e da sombra? A Idade das Trevas e o Iluminismo? A separação entre o Bem e o Mal?

Hoje se fala tanto em polarização, parece tão terrível esse embate, mas a barbárie sempre esteve presente. Entre avanços e recuos, a barbárie sempre aparece com muita clareza na História, com suas ações destruidoras, que fizeram desaparecer conhecimento, civilizações, culturas, tudo o que se perdeu e nem deixou vestígios.

Mesmo com todas as nuances que existem entre o Bem e o Mal, sabemos que a maior pandemia de todos os tempos é a da barbárie. Aquela que se perpetua, que destrói em massa, que arranca a raiz do belo da vida.

A onda arrasadora da ganância, da ignorância e da mais absoluta inversão de valores que se alastra como lava incandescente, deixando cinzas e terra devastada, ruína e destruição.

Todos os males do mundo decorrem dela, são consequência dela, são as maldições que ela gera. Toda a dor, todo o embrutecimento, a violência e a brutalidade começam a ser disseminadas a partir da barbárie.

A ignorância é a mãe da barbárie, e dela nascem a escassez, o egoísmo, a ingratidão, a mesquinhez, a deslealdade, a inveja, a arrogância, a injustiça, o ódio, a intolerância. E o resultado é a degradação de um mundo que poderia ser um paraíso.

Com tantos males assim, será que vamos desistir? Vamos perder a esperança de uma vida melhor? Vamos deixar de acreditar que é possível?

Como combater a barbárie? Começando pela que existe dentro de cada um de nós e pode explodir a cada momento?

Se você não entregou os pontos, pode juntar suas forças e se dedicar a tudo aquilo que impede o seu avanço.

A barbárie não suporta a natureza, a beleza, a arte. Não resiste ao conhecimento. Não tolera o indivíduo, com sua busca pela felicidade, sabedoria e ética. Detesta a intuição, criatividade, a essência única e divina.

Não importa em que momento da vida cada um de nós esteja, mesmo na batalha da sobrevivência é possível vislumbrar a luz que abre os caminhos. Mesmo no isolamento podemos nos comunicar, sentir que não estamos sozinhos.

Podemos descobrir uma música dentro de nós que nos eleva em qualquer circunstância, um propósito que não nos deixa cair na cilada do confronto com o outro.

Podemos despertar compreensão, bom senso, a habilidade de buscar paz de espírito nos momentos mais difíceis.

Saber que às vezes somos o colo de alguém e às vezes precisamos do colo de alguém. Podemos ser o abraço de consolo hoje e precisar desse abraço de consolo amanhã.

Saber que podemos ajudar e um dia também sermos ajudados.

Saber que quando o coração está pleno, cheio de gratidão e de amor, não cabe nem a barbárie e nem a estupidez do mundo.

BRUNA LOMBARDI 


01 DE MAIO DE 2021
J.J. CAMARGO

NOSSAS DESCOBERTAS SOBRE O FIM DA VIDA

"Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela." (Clarice Lispector)

O acúmulo de danos, como viuvez, perda dos parceiros e distanciamento dos filhos ocupados com suas próprias coisas, vai decorando com tantos penduricalhos a imagem da morte que, lá pelas tantas, ela começa a parecer "natural" como só os velhos conseguem perceber. Sempre haverá os pusilânimes a assumir que não estão prontos (e em algum momento estarão?), como se a vida deles tivesse sido uma festa imperdível, daquelas que a gente nem acredita que amanheceu.

Os mais realistas assumem que o tempo passou, a vaga que fora ingenuamente tratada como vitalícia tinha prazo de validade, e a moita precisava ser desocupada.

Quando a legião dos veteranos é enjaulada com a justificativa humanitária de protegê-la das ameaças virais, os comportamentos divergem. Alguns se transformam no que sempre foram, uns chatos, ególatras, gigantes de umbigo e anões de solidariedade. Como passaram a vida feito mimados, cuidando de si, sem nenhum olhar para o mundo periférico, não será agora, com dependências reais de familiares e amigos, que acordarão para a necessidade de oferecer algo para legitimar a expectativa de receber.

E então se queixam, sem perceber que nada espanta mais a parceria do que a lamúria constante que conduz em marcha acelerada para o bazar da morte desejada.

Outros, os destemidos, veem o ciclo vital com a naturalidade de quem entende que a desgaste pelo uso das potencialidades físicas, o cumprimento de metas estabelecidas e a capacitação da prole para o futuro que ela mesma terá que construir, por conta e risco, podem, e seria ótimo que conseguissem, tornar a figura do avô ou avó memorável. Mas que ninguém confunda com indispensável.

Só a morte dos filhos pela cruel inversão da ordem natural da vida produz a dor irreparável da perda. A morte dos velhos produz saudade, em dose proporcional ao afeto que deixaram como herança. E a vida segue, porque ela só sabe fazer isso.

O que a solidão imposta por esta interminável quarentena, nutrida por medo, ameaças e culpas, provocou foi uma aceleração dessas descobertas que estavam ofuscadas pelo deleite do convívio social, pela possibilidade de distrair os espíritos com os encantos das artes e com o colírio dos olhos cansados guardado na beleza de outros mundos, que estiveram sempre escancarados à espera de serem flagrados pela curiosidade dos viajantes.

Muito das depressões que estão a exigir drogas e ajudas psicológicas insaciáveis nasceram da flagrante incapacidade das pessoas de assumirem autonomia de desejos e frustrações. A solidão compulsória acabou por concentrar em si o desânimo que o deprimido espalhava por aí, impunemente.

Esse tipo de comportamento ficou muito prevalente. E muitas pessoas buscam o conforto de conversar com o seu médico, para falar da solidão, essa doença cuja melhor vacina é a oferta constante de generosidade, que só convence se for dissociada da necessidade.

Felizmente, para a sorte de ouvidos exaustos dos lamentos, alguns conservam o espírito leve, capaz de manter intacto o humor. Como o Ariosto, um homem velho, como são todos os Ariostos. Com 93 anos, saindo de uma UTI de covid, depois de 10 dias penados, perguntado de como tinha sido essa experiência, respondeu com uma cara debochada: "Êta doencinha danada, doutor. Se pega um velho, mata!".

O miserável do vírus não tinha ideia de com quem se metera. Bem feito pra ele.

J.J. CAMARGO

01 DE MAIO DE 2021
DAVID COIMBRA

A chimia e a galinha

Vi um tuíte do Macedão, da Gaúcha, que alertava para o seguinte:

"Vovôs e vovós abrigados pelo Asilo Padre Cacique precisam de feijão, farinha de mandioca, sardinha, 'chimia' e mel". Cinco produtos, apenas. É fácil ajudar os velhinhos.

Agora vou dizer uma coisa: me enterneceu eles precisarem de chimia. Fez-me voltar no tempo, me vi na casa da minha avó, sentado à mesa do café da tarde, ela anunciando:

- Prova essa chimia de uva que eu fiz nesta semana, está bem fresquinha.

E passava chimia no pão e deitava uma fatia de queijo em cima e eu comia com gosto, sorvendo, nos intervalos de cada dentada, o quente café com leite.

Chimia é coisa de alemão. O nome já diz: schmier, pronuncia-se chimia. Alguns bárbaros dizem que chimia é igual a geleia. Nunca! Chimia é mais cremosa, mais delicada. Ao provar a chimia, você sente que ali houve o empenho de hábeis mãos humanas, como as da minha avó, que fazia na cozinha a chimia que provaríamos na sala de jantar. A geleia, não. A geleia é industrial, desumana, tristemente imparcial.

Espero que vocês doem chimia de verdade para os velhinhos. Eles são experientes, sabem a diferença.

Outro episódio que me fez lembrar da minha avó, nesses dias, foi a entrevista que fizemos com o coordenador-executivo do Comitê de Saúde do Estado de São Paulo, João Gabbardo, no Timeline. Ele contou que o Butantan está produzindo vacinas à base de ovo de galinha.

Primeiro, admirei-me da utilidade da galinha. Tudo se aproveita desse manso animal. Até os pés e o pescoço da galinha podem virar canja, se bem que considero a visão de pés e pescoços de galinha numa panela algo repugnante.

Tenho trauma de galinha, essa é a verdade. Não do bicho vivo em si. Não temo a galinha. Inclusive, certa feita, quando trabalhava no Diário Catarinense, fui fazer reportagem sobre a imensa produção de frangos do Estado e visitei muitos aviários. Num deles, em dado momento, vi-me cercado de MILHARES de galinhas. A situação me causou alguma apreensão, confesso. Vai que as galinhas se revoltem por algum motivo... Mas fiquei frio e saí do local incólume.

Do que não sou muito adepto é de pratos com galinha. Até como, se você quiser saber, e sou capaz de gostar. Sem problemas. Mas, a princípio, não me entusiasmam pratos com galinha.

A minha avó fazia galinha com arroz todos os domingos. Era ótimo, mas eu assistia ao processo selvagem que ia do bicho vivo ao almoço. Acho que foi isso que me ficou marcado n?alma.

Ela tinha um galinheiro no fundo do quintal. Várias vezes fui com ela até lá. Ela enfiava a mão debaixo de uma galinha que estava chocando e dali tirava um ovo ainda quente, às vezes meio sujo de fezes. Fiz isso algumas vezes, a mando dela. Não era legal.

Nos domingos, ela também ia ao galinheiro, só que voltava de lá com uma galinha viva debaixo do braço. Parava, então, no meio do pátio e, num único e rápido movimento, torcia violentamente o pescoço da galinha, que morria num só suspiro, suponho que sem dor.

Aí a minha avó levava o cadáver para a cozinha, onde a aguardava uma chaleira de água fervente. Ela derramava essa água no corpo da galinha e, a seguir, puxava-lhe as penas, que saíam com facilidade, amolecidas pelo escalde. Lembro, ainda hoje, daquele cheiro de penas queimadas. Uma ou duas vezes, a minha vó me deu uma galinha para eu fazer esse trabalho. Também não foi legal.

Tenho a impressão de que é esse cheiro que me fez desenvolver restrições a galinha. Mas agora tudo mudou entre nós. Eu e a galinha, digo. Agora que sei que a galinha, ou o ovo dela, é usada para produzir vacinas salvadoras contra a covid, passei a admirá-la. Neste fim de semana, vou comer galinha com arroz. Assim, homenagearei ambas, minha avó e a galinha, esse animal pouco valorizado, mas que nos é tão necessário.

DAVID COIMBRA

01 DE MAIO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

VIVER 100 ANOS

Ter vida longa foi sempre meta do ser humano. A Bíblia nos conta de Matusalém, talvez só um símbolo inventado para a longevidade, mas que marcou o Ocidente. A avó da minha mulher tem mais de cem anos, lúcida e de boa saúde, atualizada em tudo e sem vestígios da chamada caduquice.

Mas essa aspiração geral foi criticada pelo ministro Paulo Guedes. Em reunião do Conselho de Saúde Complementar, o principal pedestal do governo Bolsonaro queixou-se de que "no Brasil, todo mundo quer viver cem ou 110 e 120 anos, mas o Estado não tem capacidade de investimento para acompanhar a busca por atendimento médico".

O ministro da Economia entende que "o avanço da medicina e o direito à vida foram responsáveis" por diminuir a capacidade do setor público na saúde. A baixa não se deve à pandemia, frisou.

Só faltou que ele deplorasse que em 2020 a expectativa de vida no Brasil beirasse os 77 anos, quando em 1945 era de apenas 45,5 anos?

A falsa alegação sobre o sistema de saúde, porém, desnuda o toque desumano do que seja governar e que, hoje, virou regra. Quando Bolsonaro apelidou a covid-19 de "gripezinha", talvez fosse só um rompante de personalidade. Mas culpar "os avanços da medicina" pela vacinação tardia é abalroar o absurdo.

Quem for contra viver saudável aos cem anos, que aplauda o ministro que eu julgava um conservador lúcido!

As ideias fixas têm tom perverso por se desligarem da realidade. Assim é, por exemplo, a decisão do governador Leite (aprovada, em princípio, pelo Legislativo) de vender a Corsan, o Banrisul e a Procergs sem consultar o povo em plebiscito, como manda a Constituição estadual.

Por que desfazer-se de empresas que são instituições do desenvolvimento e modernização do Rio Grande para transformá-las em meros aglomerados privados em busca de lucros?

Nos últimos quatro anos, a Corsan (hoje com patrimônio líquido de R$ 8,3 bilhões) gerou mais de R$ 1,2 bilhão de lucros ao Estado e foi eficiente tanto no abastecimento d?água quanto no sistema de esgotos. O Banrisul atua como banco de desenvolvimento, financiando empreendimentos de pequeno, médio e grande portes. Nasceu para isto e, mesmo assim, é lucrativo. Com patrimônio líquido de R$ 8,3 bilhões, obteve em 2020 um lucro líquido de R$ 824 milhões. Seus ativos atuais têm saldo de R$ 91,8 bilhões.

Só a Procergs, por suas características de processadora de dados para o Estado, é deficitária. Mas quanto gastaremos pagando ao setor privado o que a Procergs faz hoje?

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

01 DE MAIO DE 2021
+ ECONOMIA

Leilão bilionário tem boas e más notícias para a Corsan

A grande vencedora do leilão da Cedae, estatal de água e saneamento do Estado do Rio, que somou R$ 22,7 bilhões em outorgas, foi a Aegea, parceira da Corsan na parceria público-privada que vai atender a nove municípios da Região Metropolitana. A empresa ficou com dois dos quatro blocos ofertados e vai desembolsar R$ 15,4 bilhões. Um dos conjuntos não teve oferta. A Aegea, única interessada, retirou a proposta depois de levar os dois anteriores.

O leilão traz boas e más notícias para o governo do Rio Grande do Sul, que pretende privatizar a Corsan em outubro. A Equatorial Energia, nova dona da CEEE-D, disputou com muito apetite o bloco 4 com a Aegea. Mesmo não sendo a "joia da coroa" do leilão, foi o que teve ágio mais elevado: 187,75%.

No entanto, a falta de interessados no bloco menos atrativo confirma um dos pontos de alerta dos críticos da privatização: as empresas têm interesse no que pode trazer retorno rápido e alto, mas áreas menos interessantes correm o risco de ficar desatendidas sem o poder público. As explicações para o bloco 3 ter ficado "vazio" vão da atuação da milícia na zona oeste do Rio, onde fica Rio das Pedras, ao fato de lá saneamento já estar concessionado.

A modelagem da Cedae procurou unir "filé e osso", segmentos mais suculentos e menos apetitosos. É bom lembrar que o plano do Piratini não é fazer um leilão nos moldes em que a Cedae foi fatiada. A intenção é fazer capitalização com diluição do controle estatal e manutenção de uma fatia pública de 30%. Mas o fato de a Corsan não ter a concessão da Capital nem grandes cidades do Estado pode reduzir a sede de investidores.

O que chamou a atenção de Flávio Presser, ex-presidente da Corsan, foi o valor da arrecadação comparado ao dos investimentos (R$ 27 bilhões), muito semelhantes.

- São recursos que vão para o Estado e municípios, não para o sistema. Poderiam subsidiar tarifas para a baixa renda. Com o atraso do saneamento, não cabe desviar recursos para resolver problemas fiscais. Isso vale para a Corsan. Ficou claro que existem poucas empresas nessa disputa, o que pode transformar um monopólio natural em oligopólio privado.

Os resultados

Bloco 1: zona sul do Rio e 18 municípios

Vencedor: Aegea Saneamento

Valor: R$ 8,2 bilhões

Ágio: 103,13%

Bloco 2: Barra da Tijuca e Jacarepaguá, no Rio, e duas cidades

Vencedor: Iguá Saneamento

Valor: R$ 7,286 bilhões

Ágio: 129,68%

Bloco 3: zona oeste do Rio (exceto Barra e Jacarepaguá), três cidades da Baixada Fluminense e três do Sul do Estado

Não houve interessado

Bloco 4: centro e zona norte do Rio, mais oito cidades da Baixada Fluminense

Vencedor: Aegea

Valor: R$ 7,203 bilhões

Ágio: 187,75%

MARTA SFREDO

01 DE MAIO DE 2021
CARTA DA EDITORA

Todos os lados de uma polêmica

Nos últimos 10 dias, o Rio Grande do Sul mergulhou em mais uma polêmica provocada pela pandemia. Enquanto o governo estadual determinava o retorno às aulas presenciais, sindicatos e associações de professores e profissionais de ensino recusavam a ideia sob o argumento de que a rede de trabalhadores ligados à educação precisaria antes ser vacinada.

O tema também dividiu famílias. Saúde mental, defasagem no aprendizado e não ter com quem deixar as crianças enquanto os pais trabalham fora estariam entre as razões para defender o retorno. Do lado contrário, o risco de que os alunos tragam para dentro de suas casas a covid-19, fazendo com que pessoas adoeçam, seria suficiente para tornar os demais argumentos secundários.

Nesse debate, não há vencedores nem perdedores. Ambos os lados têm razão. Cada família e cada profissional da educação sabe avaliar o que é melhor. Nós, da Redação Integrada de ZH, GZH, Rádio Gaúcha e Diário Gaúcho, procuramos expor todas as visões, as realidades distintas de escolas estaduais, municipais e particulares, dar ênfase aos protocolos sanitários e aos desafios para implantá-los nos estabelecimentos e prestar com clareza e objetividade todas as orientações às famílias, aos professores e demais funcionários.

Das dezenas de reportagens, destaco três que fizemos e retratam a aflição que o tema volta às aulas provocou em toda a comunidade gaúcha.

1) A repórter Iarema Soares ouviu especialistas com o objetivo de ajudar os pais a explicar aos pequenos o vaivém das aulas presenciais.

2) Eduardo Paganella, Iarema Soares e Tiago Boff foram às escolas mostrar como essa indefinição estava provocando desconforto. Os três repórteres buscaram depoimentos de pais, alunos e professores.

3) Marcelo Gonzatto apurou como outros Estados estavam lidando com a questão da abertura dos colégios. A reportagem mostra que ações judiciais, greves de professores e pressão por aplicação de vacinas a trabalhadores da educação também marcam as tentativas de retomada em São Paulo, no Rio, em Santa Catarina, no Paraná e na Bahia.

Os três conteúdos podem ser acessados pelos assinantes de ZH e GZH pelos links abaixo:

DIONE KUHN

01 DE MAIO DE 2021
MARCELO RECH

O novo glossário do jornalismo

Na segunda-feira, 3 de maio, se celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa em meio a uma polarização nas redes sociais em que todos gritam e ninguém escuta ninguém. No tiroteio, o jornalismo é alvo constante de ataques à esquerda e à direita. Abaixo, um pequeno roteiro para decifrar esse código extremado e apaixonado das redes.

Jornalista isento – Jornalista que escreve ou diz coisas com as quais se concorda.

Jornalista ideológico ou parcial – Jornalista que escreve ou diz coisas das quais se discorda.

Isentão – Suposta ofensa a jornalista que procura oferecer uma visão equilibrada sobre um fato ou fenômeno.

Mídia independente – Mídia comprometida com alguma causa, partido ou ideologia e fortemente ativa em redes sociais.

Partido da Imprensa Golpista (PIG) – Denominação aplicada pela esquerda brasileira à imprensa profissional não alinhada.

Extrema imprensa – Denominação aplicada pela direita brasileira à imprensa profissional não alinhada.

Imprensa “canalha”, “vendida” e suas variações – Jornalismo que não segue a visão de mundo da mesma bolha ideológica.

Democratização dos meios – Pela visão da esquerda, defesa de meios estatais e intervenção no setor privado. Pela visão da direita, redes sociais da mesma bolha ideológica.

Jornalismo podre – Jornalismo que denuncia ou investiga desvios e malfeitos da corrente política que se apoia.

Jornalismo honesto – Jornalismo que denuncia ou investiga desvios e malfeitos da corrente política adversária.

Cancelamento – Ataques em série para tentar destruir a reputação de quem emite opiniões que confrontam visões de um partido, governante ou causa.

Fake news – Expressão que significa conteúdo falsificado, também empregada hoje para tentar desmerecer notícia contrária aos interesses de partido, governo ou alguém poderoso.

“Ótima matéria” – Forma amadora de manifestação de apoio a uma opinião com a qual se concorda.

“Matéria capciosa” – Forma amadora de se referir a uma opinião que contraria interesses de quem a consome. 

Jornalista fascista – Jornalista que defende teses de Bolsonaro, ao olhos de opositores do governo.

Jornalista comunista – Jornalista que contesta teses de Bolsonaro, aos olhos de apoiadores do governo. Análise lúcida e objetiva – Texto de opinião com que se concorda.

Análise tendenciosa – Texto de opinião do qual se discorda.

Liberdade de expressão – Antiga livre manifestação do pensamento. Hoje, liberdade de se manifestar desde que de forma coincidente com a opinião e interesses do receptor. Ver Voltaire: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las”. Em desuso.

MARCELO RECH

01 DE MAIO DE 2021
J.R.GUZZO*

Supremo governa o Brasil

É possível governar um país sem ganhar eleições e, ao mesmo tempo, sem dar um golpe de Estado formal, daqueles com tanque na rua, toque de recolher e uma junta militar com três generais de óculos escuros e o peito cheio de medalhas? Se este país for o Brasil, a resposta  é: sim, perfeitamente. Basta você ir ao Supremo Tribunal Federal e pedir para os ministros mandarem fazer aquilo que você quer – desde, é claro, que você e os ministros pensem do mesmo jeito.

Vive acontecendo no Brasil de hoje, e acaba de acontecer de novo. Desta vez, o STF atendeu a mais um gentil pedido e decidiu que o governo federal tem, sim, de fazer o Censo populacional do IBGE previsto para o ano passado, e que foi cancelado neste ano por falta de dinheiro e por causa da covid – afinal de contas, recenseadores e recenseados não podem se aglomerar em entrevistas “presenciais”, não é mesmo? O STF, nas decisões que vem tomando há mais de ano, já deixou bem claro que detesta aglomerações de qualquer tipo.

Tudo bem: mas que diabo o STF teria de se meter numa decisão que pertence unicamente ao Poder Executivo? Mais do que isso, o adiamento do Censo de 2020 – que deveria ser feito agora em 2021, mas foi suspenso até segunda ordem – é fruto direto de uma decisão do Congresso Nacional, que resolveu cortar a verba destinada a esse propósito. Segundo os parlamentares, o Censo não era prioritário, nem urgente e nem aconselhável no meio de uma epidemia.

Mas tudo isso são detalhes sem nenhuma importância. O STF mandou fazer, não mandou? Então: os outros poderes que se arranjem e cumpram a ordem que receberam.

É mais uma das maravilhas do Brasil de nossos dias: um poder que não apenas manda nos outros, mas não precisa se preocupar (exatamente ao contrário do que determina a lei) em prover os meios para executar as ordens que dá. O governo não tem dinheiro para pagar o Censo? O Congresso cortou a verba e decidiu gastar em outra coisa? Problema do governo e do Congresso.

Quem governa o Brasil, todos os dias, é o STF. Não precisa, nem por um minuto, ter o trabalho de pensar em nada. Só manda.

*Conteúdo distribuído por Gazeta do Povo Vozes - J.R. GUZZO*


01 DE MAIO DE 2021
INFORME ESPECIAL

Vacinado, Verissimo se recupera em casa de AVC

Aos 84 anos, o escritor Luis Fernando Verissimo segue se recuperando de um AVC que, em janeiro, afetou a sua capacidade de comunicação. As sequelas motoras se reverteram rapidamente, mas a fala e a escrita vêm voltando ao normal em ritmo mais lento.

- Vamos precisar de um pouco mais de paciência. Mas nos próximos meses, ele voltará a escrever - projeta a filha Fernanda.

Foram algumas semanas no hospital antes de voltar para casa, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. É lá, na varanda, que Verissimo passa boa parte dos dias, lendo e recebendo o carinho da família, sempre próxima - e sempre tomando todos os cuidados. Já vacinado contra a covid-19, o criador do Analista de Bagé e de outros tantos personagens célebres tem se submetido a sessões diárias de fisioterapia, mas a pandemia atrapalha um pouco o tratamento, em função das limitações dos deslocamentos.

Enquanto o departamento médico não o libera para entrar em campo, Verissimo segue lendo, desenhando e, é claro, acompanhando os jogos do Internacional. Até o seu retorno, Zero Hora seguirá publicando colunas antigas, todas elas atuais, como comprovam as reações saudosas e elogiosas de seus milhares de leitores.

TULIO MILMAN

sábado, 24 de abril de 2021


24 DE ABRIL DE 2021
LYA LUFT

Voo livre

Não queiram que eu escreva só coisas românticas, poéticas, docezinhas. Minha alma de momento está em fúria, em conflito, bradando por paz, saúde, algum conforto nesta fase em que tantos sofrem, morrem, são atropelados pelo que chamo Doença do Diabo, enquanto outros conseguem manter suas vidas normais, praia, festa, viagens. Ou sossego. Quero algum horizonte.

Sei que é culpa de ninguém essa espécie de apocalipse que trava o mundo e mata gente. Isso é um lamento meu, talvez porque depois de um ano de isolamento quase total, vendo pouco a família, saindo quase nunca de casa a não ser para me transportar, mascarada e "alcoolizada", da casa de Porto Alegre para a casinha de Gramado, estou, como todos, me cansando. Sem ver luz no fim do túnel, ou um vaga-lume débil, ou, como diz alguém menos otimista, o que se enxerga é a luz de um trem que vem vindo.

O que será de nós depois de acalmada essa onda de doença e morte no mundo, com países civilizados seguidamente tão desamparados como nós, os do rabinho da civilização, por geografia e cultura?

Ninguém sabe. Há quem diga que todos vamos melhorar, mais solidários, mais amigos, mais generosos. Tenho minhas dúvidas. O horror ao diferente cresce, com o medo do que o outro possa me transmitir. Seremos então mais xenófobos? Muito possível. Mais fragilizados, mais pobres, mais raivosos, em geral. Penso assim. Claro que os bons, individualmente, talvez se tornem melhores pela compaixão, pelo sofrimento, e os maus se tornem piores pela raiva, sentimento de injustiça, por que eu, por que eu? - esquecendo que sofre o planeta.

Não tenho nenhuma ilusão de que tudo ficará bem, ou "normal", em algum tipo de novo normal que inventaremos atabalhoadamente, sem receita, sem comando, sem clareza de visão. Sem projeto. Ou sim? Teremos de construir um novo modo de ser e pensar, de viver e conviver suportável, menos apavorado, menos nervoso, e mais responsável - porque muitos ainda não assumem responsabilidade alguma, e vivem como se tudo fosse praia, balada, o que é ruim apenas sendo maldade dos ricos, invenção da imprensa, coisas assim.

Quando estou escrevendo esta coluna sem muita alegria nem graça, mais uma notícia me chega: morre, pela Doença do Diabo chamada covid, mais uma amiga linda, generosa, alegre, que fará muitíssima falta à família e às amizades. Sofrimento duro, semanas de hospital, aparentemente um contágio que atingiu a família inteira, ela escolhida pelo Destino para não aguentar, e partir. Quantos mais virão?

Antes de assumir esta coluna, eu tinha acabado de traduzir um trechinho do livro de Hermann Hesse que devo terminar em breve, onde ele fala da morte do pai, a quem contemplava na antiga casa paterna, vendo-o tão calmo, impassível, ausente: "A cordinha se rompeu, e o pássaro voou, livre".

Na literatura tudo é bem bonito. Na verdade, corta o coração, que sangra... às vezes para sempre.

LYA LUFT